PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
FERNANDINHO
Fernandinho foi ao vinho
Partiu a jarra no caminho
Ai da jarra, ai do vinho
Ai do rabinho
Do Fernandinho.
(Aravia popular fajãhrandense)
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A CANADA DO PICO E DO PICO DA VIGIA
Subindo a Assomada, bem lá no seu termo, onde a rua se bifurcava, se seguíssemos para sul, entrávamos no Caminho da Missa. Logo no início do mesmo e depois de ultrapassar as duas únicas casas existentes, do lado direito de quem subia, a última das quais pertencia à senhora Estulana, andávamos mais um pouco e, do mesmo lado, encontrávamos uma canada, que dava para as terras e relvas do Pico e também para o Pico da Vigia. A canada iniciava-se com uma comprida mas estreita recta, ladeando algumas terras de cultivo, ainda em pleno Vale da Vaca e seguia, depois, na direcção do mar, ou seja para Oeste. Terminada a recta e, deixando para trás o Vale da Vaca para se entrar já nos contrafortes do Pico, iniciava-se uma enorme subida, com degraus feitos de pedras rústicas, encaixilhadas umas nas outras, continuando na direcção leste mas deixando para trás a planície, a encosta e as terras de cultivo. Agora era um arvoredo baixo, seco e raquítico, misturado com fetos e um ou outro incenso anão que ia ladeando as bordas da canada, até chegar lá ao alto, no sítio onde ela se bifurcava. Aí, uma vereda estreita e sinuosa afastava-se da canada-mãe e seguia, por entre um denso mas pouco alto arvoredo, na demanda do cume do Pico, onde se situava a casota da Vigia da Baleia. A canada, porém, como que esquecida da sua bifurcação, continuava na senda da sua matriz primitiva, agora lá bem no alto, na crista do Pico, ladeada de algumas relvas e uma ou outra terra de batata-doce. Atingido o cume desta parte mais baixa do monte podia ver-se a oeste o mar e toda a orla da Fajã, desde o Canto do Areal à Ponta, onde se cravavam as terras das Furnas, do Areal e do Porto, o baixio, o cais, o rolo, o Porto Velho e o Novo, enfim quase toda a Fajã e a Ponta, com as suas igrejas e o seu emaranhado de casas, de ruas e vielas. Uma paisagem admirável que logo mais adiante desaparecia porque a canada, aos poucos, se ia afunilando até desaparecer por completo, terminando precisamente no portal duma relva que pertencia a meu pai,
Apesar de íngreme e sinuosa as vacas desciam e subiam esta canada, caminhando em fila ao longo da crista do Pico e até se davam ao luxo de petiscar um ou outro galho de incenso das terras de mato que ladeavam a enigmática Canada do Pico. Quanto a mim que as ia lá levar ou buscar, na viagem oposta, ou seja quando subia ou descia sem o gado, nunca o fazia por aquela canada. Antes, para encurtar caminho saltava para uma terra que pertencia à Senhora Ester e vinha desembocar à porta da cozinha da sua casa ou descia por uma estreita e meandrosa vereda que existia mais a norte e vinha dar junto à Casa do Francisco Inácio, trocando assim inadvertidamente e graças à minha imatura sensibilidade estética, aquela beleza paisagística por um trajecto alternativo em que apenas a rapidez tinha primazia sobre o belo, o maravilhoso e o transcendente a que, aparentemente, nem sequer os animais ficavam alheios ou indiferentes
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ASSOMADA
A rua onde eu nasci, plantada em comba,
Tortuosa na forma e chão possante,
Tem girassóis floridos. Sibilante,
Ágora de murmúrios, vale, lomba,
Cheia de gente, ao dia, alva de pomba!
À noitinha adormece refrescante,
Banhada num crepúsculo delirante.
Em laivos de silêncio se arromba!
As casas são de neve e as janelas,
Vigias sobre o mar. Doce visão:
- Auroras de marés, rastros de velas!
Das cozinhas, emanam, em cachão,
Um lufa-lufa amargo de panelas,
E um mísero perfume de mangão!