PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
SOBREVOANDO A MONTANHA DO PICO
Quem embarcar no aeroporto da Horta e fizer uma viagem na Sata Air Açores entre o Faial e S. Miguel, se tiver a sorte de a dita cuja acontecer num dia de bom tempo, ou melhor num dia em que o céu esteja totalmente limpo de maneira a que não haja nuvens sobre o Pico, terá uma oportunidade quase única de observar um espectáculo maravilhoso, encantador e deslumbrante. É que os pilotos da Sata, nestas viagens, adivinhando os anseios e aspirações dos passageiros, voam pelo sul da ilha de Pico, contornando assim, com algum cuidado e exagerada intenção de obter um excelente vista, aquela imponente e vetusta montanha açoriana. Trata-se de um majestoso, enigmático e altíssimo cone vulcânico, truncado quase no topo, formando uma enorme cratera com um pequeno cone no interior, o chamado Pico Pequeno, resultante de uma erupção vulcânica posterior àquela que originou o seu suporte e donde emanam ainda algumas fumarolas, que no entanto só são visíveis e sentidas localmente, isto é, por quem se aventura a escalar a íngreme e sinuosa encosta. Tudo isto se pode observar através de uma janelinha do avião, melhor do que de qualquer outro local. No início e logo ao levantarmos voo do Faial, surge-nos na frente a enorme mancha esverdeada e negra, imponente e altiva da montanha, donde escorrem encostas verdejantes, ondeadas e repletas de manchas umas multicolores outras esbranquiçadas e algumas escuras, tudo ladeado por uma faixa negra e magmática de baixio. Mais adiante são os contrafortes da montanha que surgem do alto, como se fossem uma ampla planície, que se vai desfazendo e como que diluindo à medida que o Pico se afunila naquele amontoado de lava basáltica, revestida parcialmente de ervas e arbustos. A determinada altura, a simulada planície desfaz-se mesmo por completo, como que se identificando com os contrafortes rochosos da montanha. Depois evapora-se por completo e transforma-se ora em verdejantes prados onde pastam bovinos ora em terrenos separados por bardos de hortênsias onde proliferam os incensos, as faias, a urze, os fetos e a cana roca, entrecortadas por algumas manchas de criptomérias. Mais além e com o ultrapassar da montanha e já debaixo da aeronave, as vinhas verdejantes, como que prisioneiras nos currais e anunciadoras do delicioso verdelho, ladeadas e protegidas por dezenas e dezenas de paredes de basalto negro e maroiços encaracolados e também negros, tão negros como se tivessem sido tisnados por labaredas de lava viva. Ao lado, nas encostas mais a sul, dezenas de montículos em forma de pequenos cones vão-se ordenando na direcção do mar, a entrecortarem-se num maior de que houve nome o lugar do Monte. A montanha agora pode observar-se em plenitude com a sua cratera como que aberta e bronzeada, ostentando-se desavergonhadamente aos olhares curiosos dos passageiros que se atropelam sobre os bancos do avião para ver e observar de perto tão deslumbrante espectáculo, naquele sítio paradisíaco, onde pontificam a negritude e o silêncio, reveladores de uma calma e de uma serenidade que só se encontra no cume das grandes montanhas. No outro lado, o horizonte, onde o mar que envolve a ilha é rei e senhor e um azul inebriante que lentamente vai mudando de tonalidade.
A montanha aos poucos vai-se distanciando, ficando para trás, mas o dorsal verde e magmático da ilha continua a manifestar-se, ostentando a beleza inconfundível de pequenas montanhas emparelhadas com planaltos onde se encravaram algumas lagoas. É a pureza e a simplicidade das freguesias que se vão desenrolando umas atrás das outras, junto ao mar com os seus estreitos caminhos, as suas veredas sinuosas e os seus pequenos portos, sempre misturadas com os campos lavrados, semeados e a florir, ladeados por paredes e maroiços, por veredas e canadas que ao longo de mais de quinhentos anos os picarotos foram construindo, com sangue, suor e lágrimas, lutando contra as investidas do mar, do tempo, dos ataques dos piratas e sobretudo das erupções vulcânicas e dos abalos de terra.
Candelária, Mirateca, Campo Raso, Areeiro, Relvas, Gingeira, São Mateus, São Caetano, Caminho de Cima, Terra do Pão, São João, Silveira e a vila das Lajes, cerceada por uma enorme baía. Depois tudo volta aos montes, aos matos e à ilha deserta para logo surgir Santa Bárbara, Ribeiras, Pontas Negras, Ribeira Grande, Ribeira Seca, Fetais, Foros, Calheta do Nesquim, Piedade e a Manhenha – a Ponta da ilha, da ilha que agora se vai distanciando cada vez mais até se perder no infinito, cinzento, indefinido e mordazmente inquietante.