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JOANINHA VOA VOA

Quarta-feira, 13.11.13

Joaninha voa voa

Que o teu pai está em Lisboa

E a tua mãe está no moinho

A comer pão com toucinho.

 

Joaninha voa voa

Que o teu pai está em Lisboa

Com um rabinho de sardinha

P’ra comer, que mais não tinha.

 

(Aravia popular fajãgrandense)

 

 

 

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publicado por picodavigia2 às 08:51

A MINHA GUEIXA (DIÁRIO DE TI’ANTONHO)

Quarta-feira, 13.11.13

Sexta-feira, 17 de Maio de1946

“Hoje estou muito contente. A minha gueixa alfeira apanhou boi, já está coberta e vai dar cria lá para Fevereiro. Eu andava muito triste com esta gueixa. Já tinha pensado até embarca-la para Lisboa. Só não o fiz porque ela ajuda-me muito nas lavouras, trabalha muito bem, quer de junta quer de canguinha. Não a quis matar quando ela nasceu, como muitas vezes se faz aqui aos bezerros logo que nascem. Matam-nos porque, para os criar, eles têm que beber o leite das vacas que o pariram, o que para nós, lavradores é um grande prejuízo. Além disso ninguém os quer comprar porque aqui não se come a carne dos vitelos, como na Califórnia. Mas esta bezerra, eu quis criá-la, embora me tenha dado muito trabalho e muito prejuízo. Deu-me muito trabalho a alimentá-la e a ensiná-la a trabalhar, mas valeu a pena. Ela ajuda-me muito a lavrar e gradear os campos, a semear o milho e ainda a puxar o corsão. Mas há uma outra razão porque a criei e ainda não a embarquei: foi por ela ser filha da minha Benfeita, a melhor vaca que tive até hoje, e uma das melhores de toda a Fajã. Mansa, trabalhadeira, boa de leite e de cria e ainda de boa boca. Come de tudo. Mas agora, que está velha tenho que embarcar aquece cramelhano. Sei que me vai custar muito, mas tem que ser e o que tem que ser tem muita força. Agora que a filha se vai fazer vaca, já não vou ter tanta pena de me separar da minha Benfeita. Vou ficar com uma filha dela, que, de certeza, fará com que nunca a esqueça. Oxalá a filha seja em tudo como a mãe. Mas lá que vou ter um desgosto muito grande, lá isso vou.

Eu já andava desconfiado que a maldita da gueixa, mais dia menos dia, ia querer boi. Por isso andava muito atento, sempre de olho nela. Hoje quando a fui levar, a ela e às duas vacas, às Águas, mal chegou à relva, a atrevida atirou-se para cima da outra vaca, da Toucada, Depois corria, saltava e pulava que até parecia doida. Já nem a deixei na relva que ela ia saltar as paredes de tão maluca que estava. Amarrei-a, para ela não me fazer asneiras e lá a levei ao palheiro do Cardoso, ao boi da Junta. Aquilo foi logo, pegou que nem tinha. Tenho a certeza que ficou coberta e há-de dar cria lá para Fevereiro. Assim vou ter que mandar a Benfeita ver os Senhores de Bengala quanto antes. Sei que me vai custar muito… mas lá terá que ser. Eu não tenho erva suficiente nas minhas relvas para três rezes. Por isso assim que vier o arrolador de Santa Cruz arrolar gado para embarcar, a minha Benfeita vai logo. Espero que me dê ainda algum dinheiro.”

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publicado por picodavigia2 às 08:48

A LETA

Quarta-feira, 13.11.13

A Leta era, nos anos cinquenta, o gasolina mais rápido e veloz que existia na ilha das Flores. Grande, branca, debruada a amarelo e vermelho era uma lancha movida por um potente motor, colocado no interior duma casa que cobria grande parte da área interior da embarcação e  ladeada por inúmeras janelas. O motor situava-se a meio da casota e à sua volta existiam alguns bancos onde os passageiros se podiam sentar e, através das janelas, observar o exterior, nomeadamente o mar e a ilha. A parte não coberta e que ficava à ré, também possuía ao seu redor bancos com o mesmo fim. Na parte mais anterior, truncada e não terminada em proa, como era próprio das lanchas, ficava a roda do leme. A sua tripulação era constituída apenas por três elementos: o  mestre que a conduzia, guiava e encostava ao cais ou ao porto, o maquinista responsável pelo funcionamento, manutenção e limpeza do motor e o proeiro que normalmente viajava à frente da casa, à proa, sobre quem recaía todos os outros trabalhos, nomeadamente o de aproximar e afastar do cais com uma vara própria, de a amarrar, apoitar e até de a lavar.

A Leta teve um papel muito importante na vida da população a ilha das Flores. e da Fajã Grande.  É que para além de ser um dos meios de transporte de pessoas e mercadorias (neste caso arrastando os barcos sem motor) entre as vilas e as freguesias da ilha das Flores, também era usada na pesca à baleia e para fazer transporte de passageiros e rebocar os barcos de carga nos dias de vapor, ou seja quando o Carvalho Araújo demandava a ilha. Para a população da Fajã Grande, porém a Leta era uma espécie de Deus Salvador, uma vez que era através dela que se deslocavam muitos doentes para Santa Cruz, salvando-os assim, pois que a ficar naquele isolamento possivelmente teriam morrido. Era também a Leta que geralmente transportava, quando das suas visitas às freguesias mais longínquas das duas vilas das Flores e que também possuíam os melhores portos, nomeadamente a Fajã Grande e  Ponta Delgada, as personagens importantes e as autoridades, como por exemplo o bispo da diocese e o governador civil do distrito.

A Leta a mais rápida, mais veloz e mais estimada e aureolada embarcação de transporte da ilha das Flores e dela hoje muito pouco ou quase nada se sabe.

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publicado por picodavigia2 às 08:47

O JOGO DO PIÃO

Quarta-feira, 13.11.13

Embora conhecido e praticado em todas as regiões e localidades do país, o jogo do pião era um dos mais populares e típicos a que se dedicava a ganapada da Fajã, nos anos cinquenta. Curiosamente, na Fajã, não se jogava ao pião durante todo o ano, mas sim e apenas numa época concreta e específica que coincidia mais ou menos com a Primavera ou, mais concretamente, com as semanas que decorriam ente o domingo de Páscoa e o do Espírito Santo. Era a denominada «época do pião». Nessa altura não havia criança, rapaz e, muitas vezes, até homens que não arranjassem o seu pião, com a respectiva fieira, para uma valente e porfiadíssima jogatina. Depois era treinar, treinar e preparar-se para lutas disputadíssimas e grandes desforras. Mas o jogo do pião tinha as suas regras, as quais eram escrupulosamente respeitadas por todos os jogadores, não apenas no que dizia respeito ao desenrolar dos jogos, mas também relativamente ao formato, feitio, volume e qualidade do pião, à agudeza do bico e até ao tamanho da fieira. Os piões, geralmente, eram feitos por carpinteiros ou outros curiosos da Fajã, mas também se podiam comprar nas lojas, vindos do Faial ou de S. Miguel, preparadinhos com fieira, embora neste caso, geralmente, fosse necessário substituir-lhes o bico, porque o original não era dotado de grande qualidade penetrativa, nem muito adequado para as nicas. Os piões, normalmente, eram feitos de madeira de buxo, rija como ferro. Tinham um diâmetro, aproximadamente, entre cinco e dez centímetros, tinham uma cabeça no lado superior, à volta da qual se iniciava o enrolar da fieira e, no outro extremo, um potente bico em ferro.

Chegada a época do pião todos se preparavam, não apenas mandando fazer um pião, procurando, entre os arrumos, o da época anterior, ou comprando um novo. Era necessário também arranjar uma boa fieira, pois a sua qualidade influenciava, em parte, a eficácia da actividade giratória e impulsiva do pião. Fieiras boas eram as obtidas de antigos fios de pesca, sobretudo os que vinham da América. Depois era treino, muito treino, para aperfeiçoar a pontaria e para por o pião a rodar e a «dormir», não apenas no chão, em superfície lisa, mas até pegando-lhe do chão para a palma da mão, sempre a «dormir” ou até atirá-lo ao ar e apanhá-lo e pô-lo a girar na palma da mão sem ter que, antes cair ou sequer tocar no chão. Os mais habilidosos até o punham a girar ou a «dormir” em cima de um ombro, passando-o depois para outro, sem o pião nunca parar ou ir ao chão. Havia jogos ou concursos que tinham como objectivo que cada qual demonstrasse maior qualidade, destreza e habilidade no jogar do seu pião.

Mas o principal jogo era o das «nicas» ou «ferroadas». Um grupo ilimitado de jogadores predispunha-se a jogar. Era escolhido o pião que havia de ser a primeira vítima. A escolha geralmente era feita através de um atirar colectivo de todos os piões e o pião que “caísse” mais cedo, isto é, que parasse de girar em primeiro lugar, seria aquele que iniciaria o jogo, colocando-se, parado no chão, à espera que os outros, mediante a agilidade e destreza dos seus donos, o nicassem. O pião era colocado, solto e sem fieira no chão, enquanto os restantes jogadores, lhe tentavam dar uma nicada ou ferroada com o bico do seu. E era cada uma! O primeiro pião a falhar a nicada substituía imediatamente o que estava no chão, passando a ser a vítima, enquanto o outro se preparava para nicar. As nicadas, por vezes eram tão fortes que chegavam a inutilizar o pião vítima, rachando de uma ponta à outra. Mas isso fazia parte das regras do jogo que todos eram obrigados a aceitar, embora cada qual ficasse bastante triste e desolado ao ver o seu pião desfeito, rachado ou, simplesmente nicado.

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publicado por picodavigia2 às 00:09

VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

Quarta-feira, 13.11.13

“Os direitos humanos são violados não só pelo terrorismo, a repressão, os assassinatos, mas também pela existência de condições de extrema pobreza e estruturas económicas injustas, que originam as grandes desigualdades.”

 Papa Francisco

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publicado por picodavigia2 às 00:08

NASCI NAS FLORES

Quarta-feira, 13.11.13

(UM EXCELENTE TEXTO DE JOSÉ DO ESPÍRITO SANTO SILVA)

 

Nasci na ilha das Flores no ano santo de 1950 por alturas do Pentecostes. Dada a formação religiosa da minha mãe e a matriz profundamente cristã do povo açoriano, era quase inevitável que me tenha baptizado com o nome de José do Espírito Santo. Algumas vizinhas, dadas a crendices e coisas de bruxas arrepiaram-se pois alguns anos atrás tinha-se enforcado um tal José do Espírito Santo, natural das Lajes e a invocação deste Santíssimo nome, em vez de lhes lembrar a Trindade Divina sempre lhes trazia à memória e recordação do suicida e temiam que sobre mim viessem a cair anátemas de perdições e desgraça. Mas com o passar dos anos a lembrança do enforcado foi-se diluindo e o meu nome impôs-se. Como o do meu primo Moisés e dos meus amigos Abraão, Agostinho, Jonas, Job e Noé, entre outros. Nesse tempo nascer numa ilha dos Açores implicava pois, a possibilidade de ter um nome bíblico o que, só por si já diz muito sobre o quotidiano da época. Quase diria que o tempo era mais marcado pelo calendário litúrgico do que pelo calendário gregoriano – Quaresma, Páscoa, Pentecostes, Advento, Natal, Tempo Comum, eram as coordenadas de uma vivência fortemente marcada pelo que se passava no interior dos templos. Fácil é inferir a raiz matricial sobre que assentavam as nossas vidas. Até à morte de Pio XII aquelas intermináveis missas em latim, o conceito de que quase tudo era pecado a enlutar-nos a alma e a consciência, a divulgação de um Deus severo e castigador e as ilustrações horríveis das chamas do Inferno dos velhos catecismos foram bastante castradoras a todos os níveis. Com a chegada de João XXIII à cadeira de Pedro, o Concílio Vaticano II e a entrada nos anos sessenta com Mary Quant cá fora “Where the action is” a inventar a mini-saia, com os novos ritmos como o twist e depois a revolução que foram os Beatles e o Movimento Hippie deu-se uma revolução de mentalidades, até mesmo dentro da Igreja. Os padres passaram a ter um discurso mais aberto, mais voltado para os jovens e Deus passou a ser mais humanizado. Mas as marcas das primeiras catequeses ficaram para sempre com tudo o que isso tem de mau, nomeadamente com a obsessão do pecado, do proibido, da transgressão sobretudo quando chegado à puberdade e à adolescência tanto sonhava com a criada como com generosos decotes de Sara Montiel e a sua voz quente e sensual a interpretar as violetas imperiais.

Para além dos constrangimentos ligados à religião e que já aflorei, muitos outros existiam na época.

As estradas dentro da ilha eram poucas e más tal como os meios de transporte. Só havia telefone até às 20 horas dentro da ilha e para fora da ilha só se podia comunicar por telegrama. De certo modo as crianças e os jovens só interagiam com outros da sua idade dentro do universo limitado da própria freguesia. Exceptuavam-se os “dias de vapor” que vinha de mês a mês (e mais tarde de 15 em 15 dias) e as omnipresentes festas religiosas.

As dificuldades para estudar eram imensas pois sóem Santa Cruzhavia um Externato onde se leccionava até ao 5º ano do Liceu mas das Lajes para lá não havia transportes e aí só lográvamos chegar ao 5º ano com explicações particulares de gente muito amiga e com muito sacrifício pessoal já que, pessoalmente, fiz caminhadas diárias a pé Fazenda-Lajes-Fazenda como quem faz uma via-sacra.

A estreiteza de horizontes, a visão redutora do mundo e das coisas, a dificuldade ou ausência de comunicações a vários níveis criou-me sobretudo um problema posterior e que foi a adaptação à cidade de Lisboa quando para lá fui estudar medicina em 1969. Basta dizer que só no hospital de Santa Maria circulam diariamente mais pessoas do que a ilha das Flores tinha naquele tempo. Mas essa minha dificuldade de adaptação que, agora entendo, se manifestou com muita ansiedade e agorafobia, radicava certamente em questões de temperamento e personalidade de base pois havia muito boieiro semi analfabeto das Flores que vinha a Lisboa acompanhar as vacas no navio e não regressava sem ter ido ver jogar o Benfica, ir ao Jardim Zoológico, ao Aquário Vasco da Gama e outras coisas mais. Fez-me sempre impressão como é que eles se “amanhavam”.

 Mas se o nascer e viver nas Flores até aos dezanove anos (excepto o período dos dezassete aos dezanove em que frequentei o 3º ciclo na Horta) criou limitações e constrangimentos, a verdade é que a coisa também teve as suas vantagens ou, melhor dizendo, teve as suas coisas boas.

 Apesar de o meu pai ser funcionário público eu inevitavelmente tive uma grande comunhão com as coisas da terra e do mar. Venho do tempo da caça à baleia. Assisti à ansiedade, gritos e imprecações dos vigias, ao lançar da bomba como sinal de “baleia à vista” e, no dia seguinte, via-as serem desmanchadas com golpes hábeis de sopão no meio de grande “pivete” enquanto lá em baixo, no mar pintado de vermelho, a sargalhada e pequenos esqualos repartiam as carnes do cetáceo. Dos pescadores fiquei a saber tudo sobre a faina e do mar ensinaram-me a adivinhar-lhe as fúrias, as ressacas e os remansos. Com os meus primos aprendi a ordenhar uma vaca, vi nascer bezerros e vi os bois fecundarem a vaca à moda antiga e não como agora, artificialmente com esperma conservado em azoto líquido. Com os meus tios aprendi a sangrar um porco, desmanchá-lo, conhecer-lhe a anatomia.

Sozinho vagueando pelos campos com ratoeiras para apanhar tentilhões aprendi quase tudo sobre plantas e ervas, frutos e árvores, aromas e sabores. Com os amigos, tomávamos banho “em coiro” na ribeira sem sombra de pecado ou culpa e sem constrangimentos ou vergonha na exposição cândida dos corpos.

E depois havia uma coisa excelente que era a Biblioteca Itinerante da Gulbenkian. E uma das formas que tínhamos para combater a pasmaceira da ilha era ler. Ler compulsivamente. Ainda por cima o senhor Luís facultava-me os livros “malditos” (os de cinta vermelha) antes de ter a idade que o Governo de Salazar determinava como razoável. Li Crime e Castigo de Dostoievsky cerca dos 14 anos, o Crime do Padre Amaro um pouco mais tarde mas também Stefan Zeig, Nikos Kazantzaki, Vitor Hugo, Balzac. Os clássicos portugueses todos e alguma poesia. Julgo que essas leituras formataram o meu gosto pela escrita e daí que, desde os quinze anos, escreva para vários jornais. Actualmente vivoem Castelo Branco e tenho uma página quinzenal no semanário Reconquista. Acho que o acto de escrever impôs-me uma disciplina e um domínio do português que me têm sido muito úteis na profissão de médico onde, frequentemente, temos que elaborar relatórios, dar pareceres, fazer conferências, etc. Acho sinceramente que se tivesse nascido numa grande cidade, não teria lido tanto. Ficar-me-ia certamente pelos compêndios da praxe e pelas leituras obrigatórias de acordo com os programas escolares.

Chegado aqui tenho dificuldade em saber se nos pratos da balança onde se pesam as vantagens e constrangimentos de nascer e viver numa ilha para que lado pende o prato. Mais difícil ainda se torna pensar como teria sido em Lisboa, Viseu ou Freixo de Espada à Cinta. Melhor? Pior? Só Deus sabe. Uma coisa é certa. Teria sido diferente. Inclino-me, porém, a acreditar que, tudo espremido, foi bom nascer e viver nas Flores. E sobretudo assistir às enormes transformações e progressos da  minha terra nos últimos trinta anos.

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publicado por picodavigia2 às 00:05





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