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SARAMPO

Terça-feira, 19.11.13

Nos anos cinquenta era certo e sabido que, de vez em quando, lá chegava à Fajã esta peste – o Sarampo. Era uma doença infantil muito contagiosa, pois quando chegava, aos poucos e com pezinhos de lã, transmitia-se e propagava-se a todos, sendo as suas maiores vítimas aqueles cuja idade andava por entre os dois e os dez anos. Ninguém escapava e o pior é que o contágio processava-se ainda antes do Sarampo se manifestar. Geralmente não vinha só, o que tornava os dias dos pacientes ainda mais dolorosos, desagradáveis, enfraquecedores e incomodativos. O Sarampo trazia consigo a má disposição, a inflamação da garganta, o lacrimejar, os espirros, a tosse seca, a temperatura elevada, a falta de apetite, os calafrios, a diarreia e outras maleitas, que geralmente se aboletavam no paciente uns dias antes, como que a denunciar a chegada daquela peste maldita. Quando estes sinais apareciam e, sobretudo quando havia outras crianças afectadas, sabia-se que a sua chegada era certa. Dias depois lá estava ele, na sua fase de erupção, cobrindo todo o corpo das pacientes criancinhas com borbulhinhas vermelhas que geralmente começavam a manifestar-se na cara mas que aos poucos e poucos se iam enxameando e pululando por todo o corpo.

Sendo uma epidemia, não havia tratamento que lhe valesse e o povo, com a sua ingénua credulidade, eivada de sabedoria, dizia até que o sarampo era necessário ao organismo humano, a fim de o purgar de infecções e que era melhor tê-lo em criança do que em adulto. Havia sim, eram alguns cuidados importantes a ter a fim de que o paciente não sofresse tanto e saísse da maleita menos molestado e o mais robusto possível. Punham-se cortinados ou panos vermelhos nas janelas dos locais onde ficavam os doentes, fazia-se canja de galinha e ficava-se de cama até passar. Quem tinha sarampo não podia sair a rua. Não era mortal, mas passados os longos dias de recolhimento, todos apareciam cá fora, magros, raquíticos e desfalecidos. Mas verdade também é que em breve todos recuperavam e voltavam ao normal, saudáveis e sãs que nem peros. ´

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publicado por picodavigia2 às 23:40

A RUA DIREITA

Terça-feira, 19.11.13

A Rua Direita era a mais importante e a mais central rua ou caminho da Fajã. O nome havia-lhe sido dado porque na realidade o seu traçado era perfeitamente rectilíneo, sem uma única curva que fosse e o seu piso quase plano e sem declives, a não ser uma ligeira descida na parte final, a partir da casa do José Nascimento, quando já se aproximava da Via d’Água. No entanto, mais tarde e em homenagem ao Senador João Joaquim André de Freitas, esta rua recebeu o nome deste ilustre fajãgrandense, embora popularmente continuasse a ser sempre designada simplesmente por Rua Direita.

A rua Direita começava à Praça e terminava no cruzamento da Tronqueira e Via d’Água, junto à casa do João Lourenço. Nela desembocavam as Courelas, o Caminho de Baixo, a Rua Nova e ainda as canadas do Gil e uma outra que ficava ao lado da Casa do Espírito Santo de Baixo e que dava para a casa do António Lourenço. Nela se situavam as casas maiores, mais ricas e mais luxuosas da freguesia, se é que por essa altura se pudesse falar em riqueza ou luxos, pertencentes às pessoas com mais posses ou com mais propriedades, incluindo a do senhor padre Pimentel, as de alguns americanos regressados da Califórnia e as de uma boa parte dos comerciantes da freguesia. Era também a meio desta rua que ficava a igreja paroquial, ladeada pelo cemitério e com o seu amplo adro. Nela também se situavam as duas casas de Espírito Santo e dois chafarizes. As casas de habitação sitas na rua Direita eram vinte e quatro, das quais apenas duas estavam desocupadas: a do Guarda Furtado. Geminada com a do José Nascimento e a do Senador, junto à Praça, mas esta com a loja ocupada por um café. Era também nesta rua que se situavam três dos quatro estabelecimentos comerciais então existentes na freguesia: a Loja do Senhor Rodrigues, na esquina com o Caminho de Baixo, a da Senhora Dias, na loja da sua casa, junto ao adro, e a do José Natal, que mais tarde trespassou para a Senhora Bernadete, na loja da casa junto à entrada do Gil. Por sua vez o Café existente na loja da Casa do Senador, junto à Praça, pertencia ao José Maria e à Chica, que ali também vendiam alguns produtos, para além das bebidas. Era ainda na Rua Direita que se situava uma das máquinas de desnatar, aquela que pertencia à cooperativa e, duas casas velhas, uma que servia de palheiro para as vacas do Josezinho Fragueiro e outra para as do Gil, esta, junto à sua própria casa.

Na rua Direita, moravam as pessoas consideradas mais importantes da freguesia, enquanto nos arrabaldes, ou seja, na Assomada, Fontinha, Alagoeiro e noutras ruas e lugares, moravam, salvo raras excepções, as pessoas com menos posses. Eram ainda os moradores daquela artéria que regra geral e em primeiro lugar eram escolhidos ou se impunham por eles próprios, para cargos de responsabilidade na freguesia, como presidente de Junta, cabeças das festas de Espírito Santo e do Fio, ou eram designados para as comissões das festas, para dirigir a Corporativa, ou os que vestiam opas vermelhas para levar o pálio nas procissões do Santíssimo ou o andor nas da Senhora da Saúde.

Era ainda e apenas na rua Direita que passavam as procissões, para baixo e para cima, desde o cimo da Via d’Água até à Praça. A única excepção era a das “Rogações”, nas têmporas de Setembro.

O piso da rua Direita, inicialmente, era como o das restantes ruas e do tipo calçada romana, tendo sido aberto duma ponta à outra, em 1948, para se colocarem os canos da água, quando se procedeu ao seu abastecimento a toda a freguesia. Em 1952 este pavimento primitivo foi substituído por calçada lisa, com paralelos, colocados em espinha, uma vez que a rua se transformou em estrada, sendo nessa altura destruídos total ou parcialmente alguns dos interessantes pátios que possuíam algumas das suas belas moradias.

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publicado por picodavigia2 às 09:43

CAFÉ SIM

Terça-feira, 19.11.13

A Tia Cristóvão tinha por hábito passar os dias fora de casa. De manhã, na igreja, de tarde, em casa das vizinhas e amigas. Na igreja, assistia à missa logo pela madrugada, que o pároco levantava-se cedo e, depois por ali ficava quase até à hora do almoço. Novena a Santa Teresinha, ofício menor da Senhora do Carmo, coroinha do Sagrado Coração de Jesus, Padre Nossos em catadupa, por alma de uns de outros, Avé Marias em louvor de todos os anjos e santos do Céu, uma confissão dia sim, dia não, alternando-a com um exame de consciência e uma oração ao Anjo da Guarda. Oração agora e jaculatória de seguida e estava a manhã toda ocupada. Regressava a casa, por volta das onze embrulhada no seu xaile de lã e com um bioco na cabeça a cobrir-lhe uma boa parte do rosto. Pelo caminho dois dedos de conversa aqui, uma alcoviteirice acolá, uma “miradela” às casa das vizinhas e, como a sua ficava bem distante, lá para os fundos das Courelas, já quase no Areal, chegava ao seu cardenho tão tarde que já nem se predispunha a fazer almoço. Se pouco lhe apetecia, menos ainda podia pois as forças já eram poucas e o dinheiro quase nenhum. Umas vezes umas sopas de café, outras, alguma coisa que sobrasse da véspera ou apenas umas batatas sem nada. Por tudo isso, a maioria das suas tardes eram duma fome desnaturada a que se aliava uma consequente e inexaurível debilidade, até porque as mesmas se consubstanciavam em corrupios intensos, persistentes e desmesurados pelas casas das vizinhas e amigas a visitar umas e a bisbilhotar e mexericar com outras.

Certa tarde em que se alapou em casa da viúva de Ti José Luís, de tão fraca que estava e de tanta fome de que padecia, decidiu-se por simular um desmaio. Era uma casa farta, onde havia de tudo. Era, pois, uma oportunidade de petiscar alguma coisa, pois a viúva era de mãos largas, sempre solícita e sempre generosa, capaz de dar o que vestia a quem dele precisasse. Mas, por azar, foi a Evelina, a filha que ainda permanecia solteira em casa da mãe, mas mais somítica e menos generosa quem a socorreu. Além disso, muito aflita, não dando pelo embuste e julgando-a desmaiada de verdade, logo lhe trouxe um simples copo de água, cuidando que com isso a Cristóvão havia de vir a si. Mas a velha, esbugalhando os olhos, ao pressentir nos lábios o fresco da água, de imediato ripostou:

- Água não, não. Café sim! E, já agora, com uns bisc

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publicado por picodavigia2 às 00:03

A POPULAÇÃO DA TRONQUEIRA

Terça-feira, 19.11.13

No extremo da Tronqueira, bem lá no cimo da ladeira do Calhau Miúdo, morava o Manuel Branco com a mulher e dois filhos. Pessoa simples, inocente, sem maldade, era vítima de gozo e de variadíssimas brincadeiras e partidas, algumas talvez mesmo pouco simpáticas e de mau gosto. O Manuel tinha uma terra de milho mesmo em frente de casa. Certa noite um grupo de rapazes, foi ao palheiro, tirou a campainha do pescoço da vaca e começou a andar entre o milho, simulando que o animal se havia desamarrado da manjedoura. O Manuel acordou, veio à porta e passou horas e horas a chamar e a procurar o animal entre o milho, seguindo o toque da campainha.

Mais adiante morava o Tobias, casado com a Rosa, filha do tio Britsa e que assim como a minha mãe, faleceu muito nova deixando seis filhos órfãos. O Tobias para além de trabalhar os campos trabalhava como moleiro nos moinhos do pai, Tio Manuel Luís, lá para os lados da Ribeira das Casas, era cantador no Outeiro e folião do Espírito Santo. Mais tarde partiu para a América com os filhos.

Ao lado morava o Facha, com quatro filhos, sendo que dois, o João e o Francisco, eram gémeos, caso senão inédito, pelo menos muito raro na Fajã Grande. O Francisco também foi vítima do terrível acidente do Vale Fundo, durante a abertura da estrada, quando colocavam dinamite para rebentar uma pedreira e no qual ficou bastante ferido e cego de um olho, sendo obrigado a deslocar-se para Lisboa, onde, durante meses e meses, fez o tratamento adequado.

Na Tronqueira, a seguir à casa do Tobias e quase em frente à do Facha, morava o José Inácio Jorge, casado com uma filha de tia Gonçalves e com dois filhos. Esta família fazia parte do enorme grupo de fajãgrandenses que ainda em plena década de 50 deixaram a freguesia e a ilha rumo ao Canadá e à América na demanda de melhores condições de vida. A casa ao lado, esteve muitos anos sem morador, mas pertencia a meu tio José que, após o casamento, viveu muitos anos na Fajãzinha. O namoro com a Alzira, filha do Lucindo Cardoso, não foi do agrado de meu avô, essa a razão porque o meu tio, por altura do casamento, foi forçado a sair de casa e a exilar-se na Fajãzinha. Como não tinha terras para trabalhar nem podia criar gado dedicou-se aos trabalhos em vimes, nomeadamente fazendo cestas, cabazes, cestos, cadeiras, sofás e até mobílias de sala, tornando-se assim um exímio trabalhador nesta arte. Mais tarde regressou à Fajã e fixou residência na sua Tronqueira, continuando a dedicar-se à actividade de cesteiro e afins.

Em frente a esta casa, situava-se uma casa velha, transformado em palheiro de gado do Raulino Fragueiro. Consta que outrora terá sido moradia, sendo nela que nasceu um dos mais ilustres filhos da freguesia, José Luís de Fraga, sacerdote, orador sacro, músico distinto e poeta, utilizando, neste caso o pseudónimo de Valério Florense.

Ao lado da casa de meu tio, num buraco bastante desnivelado em relação ao caminho e a que se tinha acesso por uma de duas escadarias de pedra, ficava a casa do Tio Manuel Luís. Aí vivia com a esposa, a senhora Dias e a filha mais nova Bernadete, uma vez que todos os outros filhos já haviam casado e alguns abandonado a ilha. Para além de agricultor e de ter emigrado para a América por três vezes, Tio Manuel Luís construiu na Ribeira das Casas dois moinhos, o de Baixo e o de Cima, onde moía a maior parte do milho da Fajã e ainda muito da Ponta.

A família que morava a seguir era a do Roberto Belchior, que cedo também abandonou a freguesia em demanda das terras do Tio Sam. Em frente, numa transversal que dava para o lugar da Ladeira, vivia o Francisco Lourenço com a esposa e o filho o José, um excelente músico, que, para além de cantar na capela fez parte do elenco primitivo dos músicos da Filarmónica Senhora da Saúde, tocando cornetim durante muito anos. O pai, o mais velho dos irmãos Lourenço, era um homem extraordinariamente bondoso, trabalhador, amigo de todos, sendo casado com a filha mais velha de Tio José Teodósio.

Paredes-meias com esta casa ficava uma outra que pertencia ao Raulino Fragueiro, um dos mais abastados lavradores da freguesia e uma das casas “mais forte” da freguesia. Tinha muitos filhos, a maior parte rapazes, sendo que as três filha já haviam casado e todos eles eram bons e valentes trabalhadores, pois tanto trabalhavam as terras da porta como as do mato, mas, além disso, alguns deles também davam dias para fora com junta de bois, lavrando e trabalhando os campos dos que não tinham gado que o fizesse. Alguns deles também se destacaram como músicos e tocadores na Filarmónica Senhora da Saúde, nomeadamente o Álvaro que tocava contrabaixo.

Ao lado e numa outra pequena transversal da Tronqueira, morava o Laurindo com a mulher e os filhos que cedo também partiram para o Canadá.

Era na Tronqueira que morava o José Maria com a Chica, juntamente com um filho da Passarouca da Quada, o Celestino que haviam moralmente adoptado, já que não tinham filhos. O José Maria montara um café à Praça, inicialmente o único na Fajã, no rés-do-chão da casa onde nasceu o Senador André de Freitas. No entanto, devido aos seus afazeres agrícolas e mais tarde, por causa do charabã, era a Chica que pontificava no botequim, de manhã à noite, cavaqueando com os que por ali passavam e servindo os que lá entravam, aguardente, traçado, anis, licores diversos, figos passados, “pinotes” e um ou outro copo de vinho. O José Maria celebrizou-se sobretudo depois da abertura da estrada que ligava o Porto da Fajã ao Pessegueiro. Não havendo automóvel na freguesia e como ninguém tivesse dinheiro para adquirir um, mesmo que fosse em segunda ou terceira mão, ele optou por ir ao Faial comprar um charabã, puxado por três muares que duas ou três vezes por semana partia da Praça, alta madrugada, carregadinho de passageiros com destino à Vila. Como os animais já fossem velhos, a carripana estivesse a desfazer-se e ainda porque, algum tempo depois, começaram a surgir os primeiros automóveis, o negócio não floresceu e o José Maria teve que vender as mulas e o botequim, que o charabã ninguém o quis para nada, e partiu para a América.

Perto da casa do José Maria morava o António Machado, casado com a senhora Violante e com dois filhos. Eram pessoas muito simples, pobres e humildes e já de avançada idade e que durante muitos anos haviam morado no Porto, numa casa que pertencera a Tio Narciso e herdada pela sua neta, a Maria de S. Pedro, criada em casa de Tio José Teodósio.

Ali ao lado e em frente morava o Afonso Rodrigues proprietário de uma loja de comércio na Rua Direita, uma sucursal da Firma das Lajes, junto ao chafariz, no cruzamento do Caminho de Baixo. Como comerciante era bastante rico, vivia confortavelmente e tinha uma das melhores casas da freguesia. Tinha dois filhos, sendo que o mais novo era da minha idade, com a coincidência de termos nascido no mesmo dia. Esse facto aproximou-nos sempre bastante, quer nas brincadeiras pelas ruas e praças, quer na escola, quer na catequese, até à altura em que, juntamente com os pais e o irmão partiram para o Canadá. Ambos choramos amargamente quando a Dona Maria, irmã do Padre Pimentel, veio desfazer definitivamente o par que ambicionávamos formar a quando da nossa 1ª Comunhão, alegando que o critério para formar os pares não era a amizade mas sim a altura. Na realidade, junto de mim, o Antonino era rigorosamente uma torre.

Numa outra pequena Travessa e numa casa também de recente construção, morava o Luís do Raulino, casado com uma filha do Laureano Cardoso. Como muitos outros casais, mesmo não tendo filhos, partiram para os Estados Unidos.

Logo a seguir e numa minúscula curva da Tronqueira e bem encravada sobre a rua e sem pátio da frente, o que era pouco vulgar na Fajã, ficava a casa do Luís Pereira. Era natural da ilha Terceira, onde ainda tinha familiares, nomeadamente o Senhor Pereira, que durante anos e anos foi o sacristão da Sé de Angra. O Luís Pereira chegou à Fajã e casou com a senhora Laurentina, tendo um filho e uma filha já casados e dois ainda solteiros: o Honorato e o Edmundo. Para além de agricultor também era marítimo e fez parte da primeira equipa do Atlético. O Edmundo, seguindo as pegadas do pai, também foi jogador de futebol, um dos melhores de sempre da Fajã Grande.

A este grupo, do centro da Tronqueira, juntava-se o Lucindo Cardoso, que por ali perto vivia numa casa térrea e era um dos mais notáveis criadores de gado da Fajã, sobretudo no Mato. Tinha grandes propriedades no Queiroal, onde pastavam muitas reses, umas alfeiras outras a dar leite e para onde se deslocava quase todos os dias. Para além disso falava constantemente dessas terras e do gado que lá tinha, essa a razão porque recebeu o epíteto de “O homem do Queiroal”. Era um homem calmo, sem pressas e muito trabalhador, sendo conhecido por ser a pessoa que mais tarde voltava das terras e do trabalho, fazendo-o geralmente pela noite dentro. Vivia com a mulher, uma filha, uma sobrinha e o filho José, que alternava as idas ao leite ao mato com o pai e um dos primeiros tocadores de Contrabaixo da Filarmónica Senhora da Saúde.

De acordo com a Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, a palavra “tronqueira” faz parte do vocabulário açoriano, sendo considerada um nome comum e é ou era, em tempos mais remotos, utilizada com o significado de “passagem estreita ordinária onde ficam os madeiros laterais de uma portada ou cancela”. Também e no sentido figurado a mesma palavra pode significar “os esteiros de madeira ligados por arame utilizados na vedação ou tapume de uma a cerca onde se encontra guardado o gado, nos sítios onde não existe parede ou muro em pedra”. Muito provavelmente o nome próprio de Tronqueira, atribuido a uma rua da Fajã Grande, terá a ver com um ou outro destes significados e de certo que poderá ter neles a sua origem. Isto significa que este nome a ter sido dado ao lugar da Tronqueira, que se estende para além da própria rua e  que confronta com os lugares da Ladeira, da Cambada, do Calhau Miúdo e do Mimoio, terá tido origem no facto de outrora ter havido por ali alguma “tronqueira” ou seja algum tapume ou cerca de guardar o gado ou lugar por onde o gado passava. Como substantivo próprio ou nome de lugar, esta palavra também é usada na toponímia de outras ilhas e  outras localidades açorianas, com por exemplo, no Cabo da Praia, na ilha Terceira, proliferando ainda mais em S. Miguel, nomeadamente na Povoação, no Pico da Pedra, na Ribeira Quente, nas Furnas e no Nordeste onde é nome de serra, de ribeira e de miradouro.

Voltando à última parte da Tronqueira e já no enfiamento da Rua Direita e a seguir à Casa do Lucindo Cardoso, havia, como em muitos outras ruas, uma casa geminada. De um lado morava Tio Domingos, com a mulher e duas filhas, tendo uma delas casado na Fazenda, com o Ângelo Câmara e do outro, o “Vermelho” que vivia com a mulher e um rapaz que criara deste miúdo e que tinha como empregado, o Elviro, filho da Passarouca, que, apesar de ser da Quada, morava precisamente ali ao lado, numa casa pequena e pobre, com a mãe já de avançada idade e com um outro filho, o José Borges. O Vermelho tinha fama de rico. Se o era ou não, nunca se soube ao certo, embora, com frequência, emprestasse dinheiro a várias pessoas, nem sempre o fazendo de maneira que o recebesse depois. Constava que casos houve em que assinou os papéis ao contrário, ficando ele próprio a dever o dinheiro a quem o emprestava. Além disso era bastante avarento e quando nós os miúdos da escola, por altura do Ano Novo, íamos lá cantar os “Anos Bons” e os “Reis” ficávamos a ver navios… Isto é, nem um tostão ali pingava!

Em frente ficava a casa de Tio José Francisco, já viúvo e que vivia com três filhos, com o genro e dois netos. A filha casara com o André que era de Ponta Delgada e os dois filhos ainda eram solteiros, o José e o Francisco. O Francisco que namorava com a Fernanda de Tio José Luís, ainda novo, teve uma morte trágica. Certo dia deslocou-se ao Mato, a um sítio um pouco mais abaixo do que aquele em que se apanhava o Bracéu, junto à Ribeira das Casas, acompanhado pelo Antonino de Tio José Luís, irmão da namorada, para encaminhar a água para o moinho do Engenho, que nessa altura lhes pertencia. Sem que nada o previsse um enorme calhau caiu-lhes em cima. O francisco teve morte imediata, enquanto o companheiro sofreu apenas alguns ferimentos ligeiros. Foram uns homens da Ponta que ouviram os gritos, deram o alarme e de lá foram retirados em maca. O cadáver foi colocado na casa velha do Laureano Cardoso, à Praça, onde recebeu a Santa Unção, do padre Pimentel que foi chamado à pressa, pois na altura do acidente encontrava-se na Fajãzinha, colaborando na festa do Patrocínio.

Ao lado morava a Maria da Ponta, com o Pai e uma neta, a Cisaltina. A Maria da Ponta lamentava-se exagerada e publicamente de variadíssimas doenças, algumas das quais muito provavelmente não teria. Contava-se que certo dia queixando-se simuladamente de uma doença, foi pedir a alguém que lhe desse uma injecção para ficar boa. E pelos vistos a injecção, apesar de ser, sem ela o saber, de água destilada, curou-a de imediato da maleita que exageradamente a atormentava.

Do mesmo lado do caminho e a seguir, que de outro ficava a altíssima parede da terra do Tomé, vivia o José Cardoso, filho de Tio Francisco Inácio. Casou em segundas núpcias com uma filha de José Pureza, com quem vivia na altura, juntamente com o filho. A primeira mulher era filha de João Barbeiro que morava na Assumada, foi uma das vítimas do grave desastre do Corvo e era a mãe do José Cardoso que vivia com os avós..

Finalmente e para terminar este grupo e a Tronqueira, já no cruzamento com a Via d’Água morava a velha Fraga, com dois netos, o Horácio e a Manuela, filhos de um homem conhecido por “O Capitão Roibado”, que era das Lajes e casara com uma filha da Fraga já falecida. Esta família era bastante pobre e vivia muito parca de recursos.

 

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