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MONTANHA DO MEU DESTINO

Quinta-feira, 21.11.13

(POEMA DE JOSÉ ENES)

 

Montanha do meu segredo

Montanha do meu destino

Tocaste-me com um dedo

Imprimindo em mim um signo:

Quando me viste nascer.

 

Montanha da minha dor,

Montanha do meu chorar;

Olhaste-me com amor,

Com um fundo e puro olhar:

Quando me viste nascer.

 

Montanha dos meus desejos,

Da minha louca ambição;

Encheste-me a alma com beijos,

Do fundo do teu vulcão:

Quando me viste nascer.

 

Montanha da minha sorte

Oh’ génio do meu viver;

Encomenda-me na morte

Quando me vires morrer.

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publicado por picodavigia2 às 09:37

A FAJÃZINHA

Quinta-feira, 21.11.13

Paredes meias com a Fajã Grande situava-se a freguesia da Fajãzinha. Separadas pelo imenso e por vezes intransponível caudal da Ribeira Grande, apesar de vizinhas ficavam, por vezes, tão distantes que deslocar-se da Fajã à Fajãzinha era quase um acto heróico, uma aventura, sobretudo para os mais pequenos, que ao vir esperar os americanos e outros passageiros vindos no Carvalho, se quedavam pela Eira da Cuada, junto ao Calhau de Nossa Senhora, lá no alto da ladeira do Biscoito.

Anichada na encosta sueste de um largo vale, aberto sobre o mar, a Fajãzinha constitui, na realidade, uma pequena fajã delimitada a nordeste pelo curso da Ribeira Grande e a Sul pela rocha dos Bredos, no cimo da qual foi construída e inaugurada em 1949, a 14 de Setembro, dia em que a Igreja Católica celebra festa litúrgica da “Exaltação da Santa Cruz” um grande cruzeiro, num alto sobranceiro à freguesia, como que a abençoá-la. O território da freguesia, no entanto, prolonga-se para o interior da ilha, por um extenso planalto irregular, contendo diversas turfeiras e maciços de floresta natural, rica em plantas endémicas, entre as quais se destaca o cedro-do-mato, produtor de valiosa madeira utilizada no artesanato local. Nesta região existem algumas belas lagoas e diversas ribeiras, muitas das quais caem em impressionantes e magníficas quedas pela rocha que circunda o povoado e as terras baixas. A maior e mais bela destas cascatas, com cerca de 300 metros de altura, é da Ribeira Grande, a maior torrente de água da ilha das Flores, que, apesar de bela e majestosa, provocou inúmeras inundações ao longo da história da freguesia, muitas delas com trágicas consequências.

A região onde se situa a freguesia, com o seu relevo marcado pela presença de grandes falésias e enormes rochedos expostos, forma uma paisagem de grande beleza que João Vieira descreve assim: “Na encosta íngreme do vale, a mão do homem, com muito suor, construiu a sua igreja e as casas, abriu o caminho onde penosamente deslizaram "corsões" (zorras), meio de comunicação com o resto da ilha. Admirável exemplo da implantação no terreno em harmonia com a paisagem. Visto do alto, o casario, talvez por ciúme, corre para o mar, acompanhando a Ribeira Grande, que por mais de quatro séculos abasteceu de aguadas a navegação que sulcou os mares entre o Velho e Novo Mundo. Entre searas de milho que circundam o casario branco, uma estrada de asfalto negro serpenteia entre a verdura. Se o paraíso bíblico tivesse existido à beira-mar… bem poderíamos pensar que este recanto lhe pertenceu…”

Apesar de historicamente importante e de ter sido a partir dela que se originou a freguesia da Fajã Grande, a Fajãzinha é, actualmente uma das freguesias menos populosa da ilha das Flores, com apenas 72 habitantes, segundo os censos 2011. Apesar de pequena é a única freguesia da ilha que mantém, actualmente, uma Filarmónica: a Sociedade Filarmónica Nossa Senhora dos Remédios, fundada em 1951, com o apoio do pároco de então, o padre António Joaquim de Freitas, que paroquiou a freguesia durante mais de quarenta anos.

Desde a sua génese que a Fajãzinha foi uma freguesia voltada para as actividades agrícolas, hoje quase exclusivamente centradas na criação de gado bovino, aproveitando a riqueza dos seus viçosos e verdejantes pastos e a enorme quantidade água que brota do seu subsolo. Crê-se que a Fajãzinha seja mesmo a freguesia portuguesa com mais água no subsolo. Para além da pecuária apenas existe um restaurante, “O Pôr do Sol” e um pequeno estabelecimento comercial.

A Fajãzinha orgulha-se de ter no seu território algumas das paisagens naturais mais belas dos Açores, muitas delas disputadas com a Fajã Grande, com destaque para as cascatas da Ribeira Grande, do Ferreiro, o Poço da Cascata do Ferreiro, o Miradouro de Fajãzinha e as lagoas do planalto interior da ilha. Por sua vez, entre o seu património edificado destacam-se a igreja paroquial, edificada em 1778, com três naves, divididas por cinco arcos e uma torre sineira, o império do Divino Espírito Santo do Rossio, inaugurado em 1864, o moinho de água da Alagoa, junto à estrada, de duplo engenho e ainda pode laborar e a garagem dos Terreiros, há alguns anos o ponto de partida e de chegada obrigatório para quem se deslocava à freguesia em transporte público. Em frente da garagem, inicia-se também o caminho que conduz à Rocha da Figueira, percurso que se assemelha a uma autêntica escada de pedra. Quase no final da descida, desemboca-se na Lagoinha, um sugestivo paul repleto de ervas aquáticas e de inhames nas suas margens alagadiças e pantanosas.

A freguesia realiza a suas principais festas em honra de Nossa Senhora dos Remédios no último domingo de Agosto, a festa do Patrocínio em Outubro e a do Senhor dos Passos na Quaresma.  Como em todas as povoações dos Açores, as festas do Espírito Santo, no Domingo de Pentecostes, têm uma partícular importância.

A gastronomia local tem como confecções mais específicas a sopa de agrião de água, o inhame com linguiça, o folar da Páscoa, as filhós do Entrudo e os molhos de dobrada, enquanto do seu artesanato fazem parte os trabalhos em vime, nomeadamente cestaria e mobília, fruto da abundância de água da localidade, de miniaturas em madeira de cedro-do-mato e de tapetes em casca de milho.

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publicado por picodavigia2 às 09:34

AS BILHAS DO PETRÓLEO

Quarta-feira, 20.11.13

Na década de cinquenta, o petróleo já era utilizado em quase todas as casas da Fajã, como fonte de energia. O petróleo era necessário, fundamentalmente, para que se tivesse luz em casa ou até fora dela, onde, para além das lanternas, também se podia utilizar os “focses” a pilhas. Também eram utilizadas com alguma frequência algumas gotas daquele inflamável líquido para aspergir os garranchos e a lenha, acendendo-se assim, mais rápida e eficientemente, o lume. Embora algumas pessoas mais pobres ainda utilizassem para iluminação, sobretudo na cozinha, as candeias de ferro fundido, abastecidas com enxúndia de galinha ou com a graxa de fritar o peixe, na maioria das casas, sobretudo quando se fazia serão na sala, também designada por casa de fora, já se usavam os candeeiros a petróleo. Quando se saía de casa em noites escuras e sem lua, para se ir tratar do gado à loja ou ao palheiro ou até para se limpar o esterco dos palheiros ou simplesmente para tirar o leite às vacas a iluminação era efectuada com lanternas também alimentadas a petróleo.

Assim era necessário ir comprar o petróleo às lojas e guardá-lo em casa. O petróleo vinha do continente em bidões, era vendido a retalho aos comerciantes que por sua vez o vendiam ao litro. Um litro de petróleo custava, na altura, oitenta centavos. Mas como se dizia e era crença popular que o dito cujo não havia de ser exposto â luz solar, pois perdia as suas qualidades e enfraquecia, criou-se o hábito de o transportar e guardar em bilhas – as tradicionais bilhas do petróleo. A aquisição de uma bilha, no entanto, não era fácil. O processo mais normal era herdá-la conjuntamente com outros bens de família, o que não era fácil pois a bilha pertenceria por direito próprio apenas ao filho que herdava a casa e o seu recheio. Raramente vinham bilhas fabricadas na Lagoa, em São Miguel e, neste caso comprá-las também não era fácil porque não eram baratas. O processo mais fácil e acessível era pedi-las nas lojas, para onde vinham do continente bilhas de barro cheiinhas de genebra, a qual era vendida, nas lojas, ao copo. Uma vez esvaziadas, as bilhas não tinham nenhuma outra utilidade para os comerciantes que as deitavam fora, sendo as mesmas alvos de cobiça por parte dos pequenos consumidores do petróleo. Eram então que se faziam filas, nas lojas, à espera de que cada qual fosse contemplado com uma bilha de barro para o petróleo.

As bilhas de petróleo eram fáceis de se transportar, pois na pare superior, logo abaixo do gargalo tinham uma pequena asa, a qual se pegava para transporte, mas, por outro lado tinham um inconveniente muito grande, pois se caíssem ao chão desfaziam-se logo em mil pedaços. Lá se ia a bilha e lá se ia o petróleo. Mas verdade é que a bilha do petróleo era uma espécie de ex libris da Fajã Grande e não havia quem a não tivesse, por vezes já sem asa e com o gargalo partido.

                                                 

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publicado por picodavigia2 às 21:19

VIAGEM À ÍNDIA NUMA NOITE (DIÁRIO DE TI’ANTONHO)

Quarta-feira, 20.11.13

Segunda-feira, 17 de Junho de 1946                                                              

Uma outra “estória”, que a minha avó me contava era aquela do homem que foi à Índia numa noite num pequeno barco. Contou-ma tantas vezes que jamais a esqueci. Sentada no banquinho de lavar os pés, na cozinha, minha avó contava assim:

Era uma vez um pescador que tinha um pequeno barco, com o qual todos os dias arreava para o mar a fim de apanhar algum peixe para o seu sustento e o da sua família, que era pobre e muito numerosa. Sempre que regressava da pesca, depois de tirar o peixe para terra, lavava o barco, varava-o e guardava-o numa pequena ramada, sem porta, para que secasse durante a noite. No dia seguinte, de madrugada, quando voltava para o mar, o barco estava seco, brilhante e limpo.

Certa manhã, ainda escuro como breu, o pescador dirigiu-se ao porto e verificou que o seu barco estava todo molhado e sujo, como se tivesse sido lançado à água durante a noite. Ficou muito admirado, ainda mais porque, na manhã seguinte, verificou que tinha acontecido o mesmo ao barco, apesar de o deixar bem limpo e seco na véspera. O mesmo aconteceu em todas as manhãs dos dias seguintes. Começou então a pensar na maneira de descobrir quem arreava o seu barco de noite e para onde iam com ele. Por isso, uma noite, pensou esconder-se debaixo da proa, na esperança de descobrir o que realmente acontecia ao barco para aparecer naquele estado todas as manhãs.

Se bem o pensou, melhor o fez e, numa noite, lá foi acaçapar-se bem escondido debaixo da proa. Esperou algum tempo e, por fim, viu aparecer duas mulheres que saltaram para o barco e o arrearam com um à vontade e ligeireza invejáveis.

Sem demoras iniciaram a viagem, na direcção do alto mar, enquanto o pescador, no seu esconderijo, pasmava pois nunca tinha feito uma viagem tão rápida. O pequeno barco parecia que tinha asas e voava. Em breves minutos estavam numa terra. As mulheres, que afinal eram duas feiticeiras, vararam o barco num grande areal e desapareceram. O homem saiu do seu esconderijo e percebeu que estavam na Índia. Decidiu saltar do barco, apanhar um punhado de areia e guardá-lo no bolso do seu casaco. Daí a algum tempo as feiticeiras voltaram para o barco e iniciaram a viagem de regresso. Passados poucos minutos o homem percebeu que tinham chegado ao porto, pois ouviu o cantar dos galos.

Chegaram pois as feiticeiras ao Porto, vararam o barco, meteram-no na ramada e fugiram. O homem saiu do seu esconderijo e foi para casa, ainda estonteado pelo que lhe tinha acontecido.

No dia seguinte contou a toda a gente da freguesia o que lhe tinha sucedido na noite anterior, mas ninguém acreditou, só quando mostrou a areia que pelo aspecto era mesmo da Índia, todos acreditaram que não mentia e que, naquela noite, tinha ido à Índia, no seu barco, juntamente com as duas feiticeiras. Mas para azar do pescador todos ficaram cheios de medo e não mais compraram peixe pescado com aquele barco. Por isso, o pescador teve que desfazer-se do barco, construir um novo e fechá-lo a sete chaves na ramada, todas as noites.

Esta “estória” tem algumas parecenças com a lenda da Cana-da-Índia mas é um pouco diferente.

Era assim que a minha avó a contava.

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publicado por picodavigia2 às 19:13

VIAJADO

Quarta-feira, 20.11.13

“Antes viajado que letrado.”

 

Interessante adágio muito comum na Fajã Grande. Para além de ser a constatação da certeza de que a “experiência é mestra da vida” ou de que mais se aprende vendo, observando, conhecendo e, consequentemente, viajando do que lendo, o uso deste provérbio também poderá significar um grito de revolta contra o isolamento que se vivia não apenas na Fajã Grande mas também em toda a ilha das Flores.

Os que nunca saíam da ilha teriam uma visão muito mais limitada do mundo e das coisas. Pelo contrário os que viajavam até às outras ilhas, ao Continente – entenda-se Lisboa – ou, sobretudo, até à América eram uns privilegiados, pois sabiam e conheciam tudo. Ao regressarem os outros ouviam-nos pasmados. Eram considerados quase heróis, recebidos em festa, ouvidos com respeito e nos primeiros dias, após a chegada, quase nem trabalhavam.

Acrescente-se, no entanto, que o conceito de “letrado”, na Fajã Grande, na década de cinquenta, não era rigorosamente o de quem lia muito, mas do que sabia ler, do que conhecia as letras, embora isso para pouco lhe servisse, uma vez que os livros rareavam, na altura. Daí a supremacia e a maior valorização do viajado, relativamente ao letrado.

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publicado por picodavigia2 às 19:11

O DESASTRE DA RIBEIRA DAS CASAS

Quarta-feira, 20.11.13

Na Fajã Grande chovia com muita frequência e intensidade, pelo que não era necessário regar os campos com a água das nascentes ou das ribeiras, umas e outras a proliferar pela freguesia e a alagar escarpas e veredas. Se por vezes não chovia o necessário, o que acontecia, excepcionalmente, apenas nos meses de verão, faziam-se “rogações” e normalmente Deus atendia as rituais orações do pároco e as fervorosas preces do povo, concedendo a chuva tão desejada e necessária para os campos.

Assim a água que nascia lá do fundo da terra, sobretudo, no Mato e na Rocha e que escorria, em belas cascatas, pelas grotas e ribeiras daquele altíssimo alcantil, sobranceiro à freguesia, era aproveitada apenas e exclusivamente para alimentar os moinhos e para drenar lagoas, ou seja, os terrenos pantanosos onde a erva crescia substancialmente e era ceifada e acarretada para os palheiros para alimento do gado, ou simplesmente servia para lavar roupas e tripas, nos pequenos lagos que se formavam, sobretudo na Ribeira das Casas e na Ribeira, os cursos de água mais próximas do povoado.

Mas para que a água corresse na direcção dos moinhos e movimentasse os seus engenhos com a sua força motriz era preciso controlar o seu caudal, desviá-la do seu curso regular e conduzi-la por regos e levadas, na direcção dos moinhos. A principal ribeira que alimentava moinhos na Fajã Grande, para além da Ribeira do Cão lá para os lados da Ponta, era a Ribeira das Casas.

Orientar e canalizar as suas águas no espaço que ela percorria cá em baixo, perto do povoado e em terreno chão, serpenteando por entre relvas e campos de milho, a ligar o mítico Poço do Bacalhau ao Rolo, onde tinha a sua foz, era tarefa relativamente fácil e nada perigosa. Mas fazê-lo lá no alto, por cima da Rocha, já no Mato, na zona do Bracéu, onde ela corria, altiva e volumosa através de um leito crivado de pedregulhos e com as margens rodeadas de silvados, de calhaus e de bardos de hortênsias era bem mais difícil e perigoso. Mas a tarefa tinha que ser efectuada pelos donos dos moinhos ou pelos seus familiares.

Certa tarde, o moinho do Engenho, situado na margem direita da Ribeira das Casas, logo abaixo das Águas, parou de repente, sem que ninguém o esperasse. Cuidaram os seus proprietários que tal paragem se devia a um inesperado corte de água, lá para cima, no Mato, possivelmente devido a alguma ovelha morta, caída no Caldeirão e que ali encalhara, a alguma ribanceira que se tivesse despenhado, entulhando o caudal ou a outro motivo qualquer. Assim, era imperioso que a ribeira retomasse o seu curso normal e a sua água chegasse ao moinho. O Antonino de José Luís e o Francisco de José Francisco, de imediato, se prontificaram junto dos pais para resolver o imbróglio. Decidiram caminhar os dois para o Mato, com destino ao lugar do Bracéu, nas margens da Ribeira das Casas, precisamente na tentativa de recuperar, orientar e coordenar as suas águas, no sentido de que elas voltassem a alimentar o moinho que não poderia continuar parado. Sem que nada o fizesse prever, enquanto se baixavam para chafurdar nos lodos, arrancar leivas, retirar pedregulhos e troncos de árvores ali encravados pelas enxurradas, a fim de abrir espaço por onde a água voltasse a deslizar, um enorme calhau despenhou-se do alto, atingindo mortalmente o Francisco. Perante o corpo inanimado do amigo, o Antonino começou a fazer sinais alarmantes e a gritar na direcção do povoado, a fim de informar o que se passava e ser enviado auxílio. Foram alguns velhotes que estavam sentados na banqueta da Casa de Espírito Santo de Baixo, a descansar, que deram pelo rebate. Logo grupos de homens partiram lestos para o local enquanto familiares, amigos e praticamente toda a população da Fajã gritava, chorava, clamava e berrava prevendo que enorme desgraça acontecera. No entanto uns homens da Ponta que andavam pero dali, na Rocha, para os lados das Covas, ouvindo os gritos e apercebendo-se da tragédia, adiantaram-se e subindo pela rocha do Vime, chegaram, mais cedo, ao local. Nem eles nem os da Fajã que demandaram o local pouco depois, puderam fazer o que quer que fosse para salvar o Francisco. Na realidade o Francisco estava morto e o Antonino em estado de choque. Desceram a Rocha, com o cadáver às costas e o Antonino aos ombros, por entre os choros e os lamentos de toda a freguesia. O féretro foi colocado na casa velha do Laureano Cardoso, à Praça, aguardando a chegada do Padre Pimentel que alguém fora chamar à Fajãzinha, para onde o reverendo se havia deslocado, a fim de participar na Festa do Patrocínio.

Após ser ungido com a Santa Unção, o corpo do Francisco foi transportado numa simples escada, até à casa dos pais, na Tronqueira, onde foi velado, sendo sepultado no dia seguinte.

Um trágico acontecimento que atingiu drasticamente uma freguesia inteira. O Francisco, um jovem na flor da vida, era muito respeitado e querido, amigo de todos e tinha o seu casamento marcado, precisamente com uma irmã do amigo que o acompanhou em momento tão trágico.

 

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publicado por picodavigia2 às 09:53

FONTE SACRA

Quarta-feira, 20.11.13

Conta uma antiga lenda, que um dia,

Em zelo pastoral, santo prelado,

Suspendeu sacrossanta romaria

Morto de sede, perdido e cansado

 

Medrava a sede e um tórrido calor,

Assombrava-lhe os passos benfazejos!

Nenhuma fonte havia ao redor

Mas d’água lh’aumentavam os desejos.

 

Sentou-se o bom prelado, já sentindo

Aproximar-se a morte e o juízo.

E à Senhora da Guia foi pedindo

Lhe guardasse lugar no Paraíso.

 

Eis se não quando, olhando para o lado,

Da terra viu brotar uma nascente.

Então, matando a sede, o prelado

Agradeceu a Deus - Pai omnipotente!

 

Por pensar que milagre ali houvera.

O povo crente, humilde e piedoso,

- Houve por bem chamar àquela terra

Fonte Sacra. – Lugar maravilhoso!

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publicado por picodavigia2 às 09:51

O DESCANSADOURO DA CASA DE BAIXO

Quarta-feira, 20.11.13

A Casa do Espírito Santo de Baixo situava-se praticamente no centro da Fajã, na rua Direita, um pouco abaixo da igreja. Um lugar ideal para se transformar em descansadouro, não apenas para repouso e convívio dos que moravam por ali perto mas também como local de descanso para os que atravessavam a freguesia de lés-a-lés, carregando molhos, sacos e cestos. Paralela à rua, a casa possuía no seu exterior uma espécie de bancada, de apenas um degrau, mais alto, a noroeste, do lado da casa do Guarda Furtado e cuja altura ia diminuindo ao longo da casa, de norte para sul, terminando, no lado oposto já “remines” com o caminho.

Era precisamente esta bancada, com o apoio dos degraus das duas portas, que fundamentalmente servia de assento a quem quisesse ali descansar, até porque, ficando voltado a leste, aquele espaço beneficiava de uma sombra magnífica e acolhedora durante toda a tarde. Quando a lotação desta bancada ficava sobrelotada havia um muro relativamente baixo, do outro lado da rua, paredes meias com a máquina de baixo e em frente à casa do senhor Nunes, que funcionava como bancada complementar, embora beneficiasse de sombra apenas a partir de meio da tarde. Para além disso este descansadouro precisamente por ficar entre as casas e por ter mais semelhanças com uma praça, era muito diferente dos que se situavam entre os campos de cultivo, relvas e terras de mato. Entre essas diferenças havia uma que se destacava. É que tinha a excelsa vantagem de possuir água, pois na empena sul da casa de Espírito Santo de Baixo havia um chafariz, com uma fonte onde quem quisesse e necessitasse podia ali saciar a sede.

Este descansadouro, na realidade, funcionava mais como uma espécie de “praça” que os homens procuravam mesmo quando não acarretavam molhos, cestos ou sacos e onde, nas calorentas tardes de verão e aos domingos, se sentavam a descansar e sem fazer coisa alguma a não ser fumar, falquejar, conversar, combinar isto e aquilo, mexericar e meter-se na vida de uns dos outros. Os que utilizavam aquele local para descanso da carga que traziam às costas, colocavam os molhos, os sacos e os cestos sobre os muros do Gil e de Tio José Luís. Eram sobretudo homens da Assomada e das Courelas que vinham das Covas e das Ribeiras das Casas com pesadíssimos molhos de erva, toda encharcada, com o pescoço e a cabeça forrados com sacos de serapilheira para se protegerem da água a pingar-lhes pelo lombo abaixo ou os da Via d´Água e da Tronqueira que vinham do Pocestinho e da Cabaceira, banhados em suores e vergados a pesados cestos de inhames ou molhos de lenha. Mas era sobretudo à tardinha, quando os sócios da Cooperativa ou os seus familiares vinham trazer o leite à máquina e esperavam pelos funcionários e pelo toque do búzio gigante, ali se sentavam a descansar, deliciando com o fresco da tarde, que o descansadouro da Casa de Baixo se enchia quase por completo. Mas como povo atraía povo, muitos outros que por ali passavam também paravam em frente à casa e, se houvesse lugares vagos, sentavam-se associando-se ao descanso e à cavaqueira de fim de dia, transformando aquele local numa espécie de ágora do mexerico, da coscuvilhice e da má-língua.

 

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publicado por picodavigia2 às 09:49

O BEM E O MAL

Quarta-feira, 20.11.13

O garoto saiu de casa espavorido. Era imperioso regressar com algum. Atravessou o largo de mãos nos bolsos, chutando lata aqui, pedregulho acolá, como quem se revolta contra a indefinição exagerada do destino. Percorreu, titubeante, uma rua escura, esburacada, sem pessoas, sem passeios, sem flores e sem alegria. Chegou ao parque e sentou-se num banco à espera que passasse o primeiro que ostentasse aspecto merecedor da sua ousadia de pedinte. O rosto, salpicado de sujidade, reflectia, simultânea e enigmaticamente, desconfiança e hesitação. Os olhos azulados, mas sem brilho e sem fulgor, revelavam a desesperante inconformidade de esperar nada ou coisa nenhuma. Do nariz escorria-lhe um monco mefítico e escurecido, estancado de vez em quando com as costas da mão. As pernas, integradas num corpo esquelético, balouçavam, aceleradamente, exasperando uma confusa revelia.

A manhã avançava, embora lentamente, mas cerceava as possibilidades de exercitar uma mendigação eficiente e rentável. O sol surgira na máxima força e o calor ameaçava provocá-lo. Procurou outro banco. Por um lado, beneficiava da sombra e por outro parecia-lhe colocar-se em posição mais estratégica.

Tinha razão. Não demorou muito, surgiu o primeiro candidato. Hesitou à primeira, mas aventurou-se... Levantou-se e apenas estendeu a mão... Para quê palavras, a esclarecer um gesto já institucionalizado? Acertouem cheio. Ohomem levou imediatamente a mão ao bolso: cinco escudos. Aparecessem mais como este e regressaria a casa, liberto das contrariedades inerentes ao voltar de mãos vazias.

Os clientes seguintes, no entanto, consubstanciaram autênticos fracassos. Apenas um mocinho, pela sua idade, sem ele entender bem porquê, entrou com cinquenta centavos. A fome começava, no entanto, a fazer-se sentir. Já passava do meio-dia. Empregados, operários, estudantes, regressavam, apressadamente, a casa. Dirigir-se a estes era tempo perdido. Voltar para casa, apenas com aquele dinheiro? Impossível... Não chegava para nada e sujeitava-se a uns valentes tabefes...

O tempo, porém, tornava-se mais quente e sufocado. A tarde avançava e já ia a mais de meio. Uns escudos daqui e outros de acolá e já lhes perdera a conta. Levantou-se. Circundou junto à montra do café e entrou. Era arriscado. Já fora muitas vezes escorraçado dali, mas era local rentável. O primeiro nada. O segundo insultou-o, por entre dentes. Arriscou o terceiro e teve sorte: uma moeda de dez escudos. Saiu apressadamente e veio colocar-se num canto escondido da rua a contar mas sem sucesso. Acertou nas moedas mas errou no dinheiro.

Voltou à montra do café e olhou o cartaz dos gelados. A fome e o calor tentavam. Hesitou... Analisou, demoradamente, a situação... Entrou, saiu e voltou a entrar, aproximando-se do balcão. O homem dos dez escudos já lá não estava. Assim, era mais fácil, pois o seu benemérito não compartilhava a clandestinidade do investimento.

O dono do café, com ar desconfiado e ameaçador, indagou:

- O que queres, pá?

O miúdo apontou timidamente para o gelado pretendido:

- Quero este.

- Tens dinheiro?

Tímido e hesitante, levou a mão ao bolso e colocou em cima do balcão um punhado de moedas. O homem contou-as, pacientemente, uma por uma. Depois, foi buscar o gelado e, quando lhe ia a dar as moedas que sobravam, como visse que o rapaz já se escapulira, nem chamou por ele. Meteu-as na registadora murmurando:

- “Se calhar foram roubadas.”

Cá fora, porém, o garoto iniciava-se, sofregamente,em delícia. Pararafora da porta do café e saboreava sofregamente o gelado.

Mal iniciara o bródio, surge-lhe pela frente o homem dos dez, em tom ameaçador

- Ah! Seu grande tratante! Foi para isso que te dei os dez paus!?

Logo um coro de impropérios organizado por alguns circundantes se formou, em defesa do benemérito traído:

- Estes tipos sabem-na toda!

- Dar-lhe mas era um ponta pé no rabo.

- Falta de trabalho é que é.

- Vadios! Ainda se fosse comida!

Ao longe, uma vizinha acrescia a confusão:

- É para isso que tua mãe te manda? Vais ver, quando chegares a casa!...

A confusão avolumava-se.

Finalmente um polícia que por ali passava, ávido de impor a autoridade, estabelecer a ordem pública e contribuir para a defesa e o bom nome dos cidadãos honrados, interveio com ar arrogante e autoritário:

- Onde é que foste roubar isso, pá?

Como o rapaz não respondesse, acrescentou, agarrando-o pelo braço e apertando sem dó nem piedade:

- Não respondes, pá? Não sabes que te posso prender? Diz lá: onde roubaste essa merda?

Como o garoto permanecesse calado, esboçando contínuas mas frustradas tentativas de libertação das garras do agente da autoridade, este, perdendo a paciência, apertou-lhe o braço com mais violência e sacudiu-o. O gelado caiu no chão, desfazendo-se  por completo.

O grupo dos circundantes dividiu-se, de imediato. Uns, liderados pelo homem dos dez, consideravam que assim é que se impunha a ordem e o respeito, que era preciso acabar com a malandragem e que, se o senhor guarda não tivesse procedido desta forma, o rapaz amanhã faria ainda pior. Outros, associando-se a um velhote que desde o início se mantivera calado, observando a cena, intervieram, condenando radicalmente o guarda, apregoando em alto e bom som, que aquilo não se devia fazer a quem quer que fosse, muito menos a uma criança indefesa.

O miúdo, sem que ninguém desse por isso, aproveitou a confusão reinante para se por na alheta. De vez em quando, de longe, olhava para trás, com ar revoltado e apreensivo. Deambulou pela cidade, lamentando a sua sorte. O desânimo penetrara tão profundamente no seu espírito que decidiu por termo à pedincha.

Continuou, no entanto, a deambular até se perder. Penetrou numa rua de prédios altos, novos e desertos. Transbordava à sua volta um silêncio enigmático e assustador. Aterrava-o o penetrar contínuo e decidido na solidão. Mas quanto mais avançava, mais sentia a abstracção inequívoca do que lhe acontecera. Já não via casas, carros, pessoas… Já não via nada, nem coisa nenhuma.

Chegou, finalmente, a um jardim. Um lago e uma esplanada! Era o princípio do fim da tarde. Clientes, poucos. Apenas sobressaía, bem escarrapachada, numa mesa sobranceira ao lago, uma senhora de idade avançada. Óculos na ponta do nariz, cabelo em estilo rococó, sombrinha esbranquiçada a proteger-se do sol, a velhota vigiava, cuidadosamente, um garoto sentado ao seu lado, muito bem vestido, comendo um enorme gelado de copo, ornamentado com tons de colorido tropical. Perante os protestos da velhota, o rapaz aproximou-se do lago subjacente à esplanada e, num ápice, atirou aos peixinhos o gelado, exasperando mimosamente:

- Eu não gosto deste, avó... Tem gosto a canela... Quero outro... Dá-me outro, avó!...

A velhota ainda ensaiou algumas formas de oposição que, de imediato, esbarraram com a impertinência do garoto. O empregado trouxe novo gelado, em tudo semelhante ao primeiro. O rapaz mimado começou a comê-lo, mas dirigiu-se de novo para a beira do lago, enquanto a avó, cuidando que o segundo gelado teria o mesmo destino do primeiro, corria apressadamente atrás dele, gritando:

- Pedrinho, não voltes a deitar o gelado fora! Ouviste?

A esplanada ficou deserta. Empregado e patrão entretinham-se a contar os trocos na registadora. Em cima da cadeira a velha do penteado rococó deixara a sombrinha esbranquiçada e a mala semiaberta, onde se podiam vislumbrar algumas notas de cem escudos e uma de quinhentos.

O garoto de monco no nariz viu e tremeu... Hesitou e voltou a tremer ainda mais... Mas não teve tempo para reflectir. Ali, à mão!... Era só pegar!... Resolveria o seu problema e ninguém daria por nada. Culpado?! Culpados seriam a mãe, o polícia, o homem dos dez, o dono do café e todos os que o tinham insultado.

Aproximou-se, sorrateiramente, da mesa e tirou uma nota de cem, escapulindo dali com tal rapidez que mais ninguém lhe pôs a vista em cima.

 A velhota, orgulhosa da sua vitória sobre o neto, regressou ao seu lugar, não cessando de vituperar as diabruras do garoto. Nada viu, nem de nada se apercebeu. Sentada de novo, ocupava-se a responder às respeitosas e conspícuas saudações de alguns transeuntes:

- Como tem passado a senhora dona Francisca?

- Senhora dona Francisca, os meus respeitosos cumprimentos!

- Como está senhora dona Francisca? O senhor doutor, seu filho, tem passado bem?

- Ai dona Francisquinha! Há tanto tempo que a não via! Está óptima!...

Longe dali, o garoto de monco no nariz cheio de fome entrou num bar e comeu uma sanduíche de queijo e bebeu um sumol, trocando a nota de cem. Mais adiante, entrou numa pastelaria e comprou um bolo e um pacote de leite achocolatado, pagando com a nota de cinquenta que recebera de troco. Juntou as moedas resultantes de ambas as transacções e fez cinco montinhos mais ou menos idênticos. Ao chegar a casa entregou um à mãe, escondeu os restantes e decidiu tirar férias por cinco dias.

 

*****

O Telejornal das oito, nesse dia, entre a inauguração de um troço de autoestrada e a abertura de uma campanha eleitoral, anunciava mais um caso de corrupção e facturas falsas. Era a firma “Melo & Saraiva L.da”, de que era gerente e principal accionista, o doutor Pedro Lucas Saraiva de Melo. Essa a razão por que a velhota de penteado rococó e sombrinha esbranquiçada não deixou, nessa noite, que o Pedrinho visse televisão.

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publicado por picodavigia2 às 00:08

SARAMPO

Terça-feira, 19.11.13

Nos anos cinquenta era certo e sabido que, de vez em quando, lá chegava à Fajã esta peste – o Sarampo. Era uma doença infantil muito contagiosa, pois quando chegava, aos poucos e com pezinhos de lã, transmitia-se e propagava-se a todos, sendo as suas maiores vítimas aqueles cuja idade andava por entre os dois e os dez anos. Ninguém escapava e o pior é que o contágio processava-se ainda antes do Sarampo se manifestar. Geralmente não vinha só, o que tornava os dias dos pacientes ainda mais dolorosos, desagradáveis, enfraquecedores e incomodativos. O Sarampo trazia consigo a má disposição, a inflamação da garganta, o lacrimejar, os espirros, a tosse seca, a temperatura elevada, a falta de apetite, os calafrios, a diarreia e outras maleitas, que geralmente se aboletavam no paciente uns dias antes, como que a denunciar a chegada daquela peste maldita. Quando estes sinais apareciam e, sobretudo quando havia outras crianças afectadas, sabia-se que a sua chegada era certa. Dias depois lá estava ele, na sua fase de erupção, cobrindo todo o corpo das pacientes criancinhas com borbulhinhas vermelhas que geralmente começavam a manifestar-se na cara mas que aos poucos e poucos se iam enxameando e pululando por todo o corpo.

Sendo uma epidemia, não havia tratamento que lhe valesse e o povo, com a sua ingénua credulidade, eivada de sabedoria, dizia até que o sarampo era necessário ao organismo humano, a fim de o purgar de infecções e que era melhor tê-lo em criança do que em adulto. Havia sim, eram alguns cuidados importantes a ter a fim de que o paciente não sofresse tanto e saísse da maleita menos molestado e o mais robusto possível. Punham-se cortinados ou panos vermelhos nas janelas dos locais onde ficavam os doentes, fazia-se canja de galinha e ficava-se de cama até passar. Quem tinha sarampo não podia sair a rua. Não era mortal, mas passados os longos dias de recolhimento, todos apareciam cá fora, magros, raquíticos e desfalecidos. Mas verdade também é que em breve todos recuperavam e voltavam ao normal, saudáveis e sãs que nem peros. ´

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publicado por picodavigia2 às 23:40

A RUA DIREITA

Terça-feira, 19.11.13

A Rua Direita era a mais importante e a mais central rua ou caminho da Fajã. O nome havia-lhe sido dado porque na realidade o seu traçado era perfeitamente rectilíneo, sem uma única curva que fosse e o seu piso quase plano e sem declives, a não ser uma ligeira descida na parte final, a partir da casa do José Nascimento, quando já se aproximava da Via d’Água. No entanto, mais tarde e em homenagem ao Senador João Joaquim André de Freitas, esta rua recebeu o nome deste ilustre fajãgrandense, embora popularmente continuasse a ser sempre designada simplesmente por Rua Direita.

A rua Direita começava à Praça e terminava no cruzamento da Tronqueira e Via d’Água, junto à casa do João Lourenço. Nela desembocavam as Courelas, o Caminho de Baixo, a Rua Nova e ainda as canadas do Gil e uma outra que ficava ao lado da Casa do Espírito Santo de Baixo e que dava para a casa do António Lourenço. Nela se situavam as casas maiores, mais ricas e mais luxuosas da freguesia, se é que por essa altura se pudesse falar em riqueza ou luxos, pertencentes às pessoas com mais posses ou com mais propriedades, incluindo a do senhor padre Pimentel, as de alguns americanos regressados da Califórnia e as de uma boa parte dos comerciantes da freguesia. Era também a meio desta rua que ficava a igreja paroquial, ladeada pelo cemitério e com o seu amplo adro. Nela também se situavam as duas casas de Espírito Santo e dois chafarizes. As casas de habitação sitas na rua Direita eram vinte e quatro, das quais apenas duas estavam desocupadas: a do Guarda Furtado. Geminada com a do José Nascimento e a do Senador, junto à Praça, mas esta com a loja ocupada por um café. Era também nesta rua que se situavam três dos quatro estabelecimentos comerciais então existentes na freguesia: a Loja do Senhor Rodrigues, na esquina com o Caminho de Baixo, a da Senhora Dias, na loja da sua casa, junto ao adro, e a do José Natal, que mais tarde trespassou para a Senhora Bernadete, na loja da casa junto à entrada do Gil. Por sua vez o Café existente na loja da Casa do Senador, junto à Praça, pertencia ao José Maria e à Chica, que ali também vendiam alguns produtos, para além das bebidas. Era ainda na Rua Direita que se situava uma das máquinas de desnatar, aquela que pertencia à cooperativa e, duas casas velhas, uma que servia de palheiro para as vacas do Josezinho Fragueiro e outra para as do Gil, esta, junto à sua própria casa.

Na rua Direita, moravam as pessoas consideradas mais importantes da freguesia, enquanto nos arrabaldes, ou seja, na Assomada, Fontinha, Alagoeiro e noutras ruas e lugares, moravam, salvo raras excepções, as pessoas com menos posses. Eram ainda os moradores daquela artéria que regra geral e em primeiro lugar eram escolhidos ou se impunham por eles próprios, para cargos de responsabilidade na freguesia, como presidente de Junta, cabeças das festas de Espírito Santo e do Fio, ou eram designados para as comissões das festas, para dirigir a Corporativa, ou os que vestiam opas vermelhas para levar o pálio nas procissões do Santíssimo ou o andor nas da Senhora da Saúde.

Era ainda e apenas na rua Direita que passavam as procissões, para baixo e para cima, desde o cimo da Via d’Água até à Praça. A única excepção era a das “Rogações”, nas têmporas de Setembro.

O piso da rua Direita, inicialmente, era como o das restantes ruas e do tipo calçada romana, tendo sido aberto duma ponta à outra, em 1948, para se colocarem os canos da água, quando se procedeu ao seu abastecimento a toda a freguesia. Em 1952 este pavimento primitivo foi substituído por calçada lisa, com paralelos, colocados em espinha, uma vez que a rua se transformou em estrada, sendo nessa altura destruídos total ou parcialmente alguns dos interessantes pátios que possuíam algumas das suas belas moradias.

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publicado por picodavigia2 às 09:43

CAFÉ SIM

Terça-feira, 19.11.13

A Tia Cristóvão tinha por hábito passar os dias fora de casa. De manhã, na igreja, de tarde, em casa das vizinhas e amigas. Na igreja, assistia à missa logo pela madrugada, que o pároco levantava-se cedo e, depois por ali ficava quase até à hora do almoço. Novena a Santa Teresinha, ofício menor da Senhora do Carmo, coroinha do Sagrado Coração de Jesus, Padre Nossos em catadupa, por alma de uns de outros, Avé Marias em louvor de todos os anjos e santos do Céu, uma confissão dia sim, dia não, alternando-a com um exame de consciência e uma oração ao Anjo da Guarda. Oração agora e jaculatória de seguida e estava a manhã toda ocupada. Regressava a casa, por volta das onze embrulhada no seu xaile de lã e com um bioco na cabeça a cobrir-lhe uma boa parte do rosto. Pelo caminho dois dedos de conversa aqui, uma alcoviteirice acolá, uma “miradela” às casa das vizinhas e, como a sua ficava bem distante, lá para os fundos das Courelas, já quase no Areal, chegava ao seu cardenho tão tarde que já nem se predispunha a fazer almoço. Se pouco lhe apetecia, menos ainda podia pois as forças já eram poucas e o dinheiro quase nenhum. Umas vezes umas sopas de café, outras, alguma coisa que sobrasse da véspera ou apenas umas batatas sem nada. Por tudo isso, a maioria das suas tardes eram duma fome desnaturada a que se aliava uma consequente e inexaurível debilidade, até porque as mesmas se consubstanciavam em corrupios intensos, persistentes e desmesurados pelas casas das vizinhas e amigas a visitar umas e a bisbilhotar e mexericar com outras.

Certa tarde em que se alapou em casa da viúva de Ti José Luís, de tão fraca que estava e de tanta fome de que padecia, decidiu-se por simular um desmaio. Era uma casa farta, onde havia de tudo. Era, pois, uma oportunidade de petiscar alguma coisa, pois a viúva era de mãos largas, sempre solícita e sempre generosa, capaz de dar o que vestia a quem dele precisasse. Mas, por azar, foi a Evelina, a filha que ainda permanecia solteira em casa da mãe, mas mais somítica e menos generosa quem a socorreu. Além disso, muito aflita, não dando pelo embuste e julgando-a desmaiada de verdade, logo lhe trouxe um simples copo de água, cuidando que com isso a Cristóvão havia de vir a si. Mas a velha, esbugalhando os olhos, ao pressentir nos lábios o fresco da água, de imediato ripostou:

- Água não, não. Café sim! E, já agora, com uns bisc

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publicado por picodavigia2 às 00:03

A POPULAÇÃO DA TRONQUEIRA

Terça-feira, 19.11.13

No extremo da Tronqueira, bem lá no cimo da ladeira do Calhau Miúdo, morava o Manuel Branco com a mulher e dois filhos. Pessoa simples, inocente, sem maldade, era vítima de gozo e de variadíssimas brincadeiras e partidas, algumas talvez mesmo pouco simpáticas e de mau gosto. O Manuel tinha uma terra de milho mesmo em frente de casa. Certa noite um grupo de rapazes, foi ao palheiro, tirou a campainha do pescoço da vaca e começou a andar entre o milho, simulando que o animal se havia desamarrado da manjedoura. O Manuel acordou, veio à porta e passou horas e horas a chamar e a procurar o animal entre o milho, seguindo o toque da campainha.

Mais adiante morava o Tobias, casado com a Rosa, filha do tio Britsa e que assim como a minha mãe, faleceu muito nova deixando seis filhos órfãos. O Tobias para além de trabalhar os campos trabalhava como moleiro nos moinhos do pai, Tio Manuel Luís, lá para os lados da Ribeira das Casas, era cantador no Outeiro e folião do Espírito Santo. Mais tarde partiu para a América com os filhos.

Ao lado morava o Facha, com quatro filhos, sendo que dois, o João e o Francisco, eram gémeos, caso senão inédito, pelo menos muito raro na Fajã Grande. O Francisco também foi vítima do terrível acidente do Vale Fundo, durante a abertura da estrada, quando colocavam dinamite para rebentar uma pedreira e no qual ficou bastante ferido e cego de um olho, sendo obrigado a deslocar-se para Lisboa, onde, durante meses e meses, fez o tratamento adequado.

Na Tronqueira, a seguir à casa do Tobias e quase em frente à do Facha, morava o José Inácio Jorge, casado com uma filha de tia Gonçalves e com dois filhos. Esta família fazia parte do enorme grupo de fajãgrandenses que ainda em plena década de 50 deixaram a freguesia e a ilha rumo ao Canadá e à América na demanda de melhores condições de vida. A casa ao lado, esteve muitos anos sem morador, mas pertencia a meu tio José que, após o casamento, viveu muitos anos na Fajãzinha. O namoro com a Alzira, filha do Lucindo Cardoso, não foi do agrado de meu avô, essa a razão porque o meu tio, por altura do casamento, foi forçado a sair de casa e a exilar-se na Fajãzinha. Como não tinha terras para trabalhar nem podia criar gado dedicou-se aos trabalhos em vimes, nomeadamente fazendo cestas, cabazes, cestos, cadeiras, sofás e até mobílias de sala, tornando-se assim um exímio trabalhador nesta arte. Mais tarde regressou à Fajã e fixou residência na sua Tronqueira, continuando a dedicar-se à actividade de cesteiro e afins.

Em frente a esta casa, situava-se uma casa velha, transformado em palheiro de gado do Raulino Fragueiro. Consta que outrora terá sido moradia, sendo nela que nasceu um dos mais ilustres filhos da freguesia, José Luís de Fraga, sacerdote, orador sacro, músico distinto e poeta, utilizando, neste caso o pseudónimo de Valério Florense.

Ao lado da casa de meu tio, num buraco bastante desnivelado em relação ao caminho e a que se tinha acesso por uma de duas escadarias de pedra, ficava a casa do Tio Manuel Luís. Aí vivia com a esposa, a senhora Dias e a filha mais nova Bernadete, uma vez que todos os outros filhos já haviam casado e alguns abandonado a ilha. Para além de agricultor e de ter emigrado para a América por três vezes, Tio Manuel Luís construiu na Ribeira das Casas dois moinhos, o de Baixo e o de Cima, onde moía a maior parte do milho da Fajã e ainda muito da Ponta.

A família que morava a seguir era a do Roberto Belchior, que cedo também abandonou a freguesia em demanda das terras do Tio Sam. Em frente, numa transversal que dava para o lugar da Ladeira, vivia o Francisco Lourenço com a esposa e o filho o José, um excelente músico, que, para além de cantar na capela fez parte do elenco primitivo dos músicos da Filarmónica Senhora da Saúde, tocando cornetim durante muito anos. O pai, o mais velho dos irmãos Lourenço, era um homem extraordinariamente bondoso, trabalhador, amigo de todos, sendo casado com a filha mais velha de Tio José Teodósio.

Paredes-meias com esta casa ficava uma outra que pertencia ao Raulino Fragueiro, um dos mais abastados lavradores da freguesia e uma das casas “mais forte” da freguesia. Tinha muitos filhos, a maior parte rapazes, sendo que as três filha já haviam casado e todos eles eram bons e valentes trabalhadores, pois tanto trabalhavam as terras da porta como as do mato, mas, além disso, alguns deles também davam dias para fora com junta de bois, lavrando e trabalhando os campos dos que não tinham gado que o fizesse. Alguns deles também se destacaram como músicos e tocadores na Filarmónica Senhora da Saúde, nomeadamente o Álvaro que tocava contrabaixo.

Ao lado e numa outra pequena transversal da Tronqueira, morava o Laurindo com a mulher e os filhos que cedo também partiram para o Canadá.

Era na Tronqueira que morava o José Maria com a Chica, juntamente com um filho da Passarouca da Quada, o Celestino que haviam moralmente adoptado, já que não tinham filhos. O José Maria montara um café à Praça, inicialmente o único na Fajã, no rés-do-chão da casa onde nasceu o Senador André de Freitas. No entanto, devido aos seus afazeres agrícolas e mais tarde, por causa do charabã, era a Chica que pontificava no botequim, de manhã à noite, cavaqueando com os que por ali passavam e servindo os que lá entravam, aguardente, traçado, anis, licores diversos, figos passados, “pinotes” e um ou outro copo de vinho. O José Maria celebrizou-se sobretudo depois da abertura da estrada que ligava o Porto da Fajã ao Pessegueiro. Não havendo automóvel na freguesia e como ninguém tivesse dinheiro para adquirir um, mesmo que fosse em segunda ou terceira mão, ele optou por ir ao Faial comprar um charabã, puxado por três muares que duas ou três vezes por semana partia da Praça, alta madrugada, carregadinho de passageiros com destino à Vila. Como os animais já fossem velhos, a carripana estivesse a desfazer-se e ainda porque, algum tempo depois, começaram a surgir os primeiros automóveis, o negócio não floresceu e o José Maria teve que vender as mulas e o botequim, que o charabã ninguém o quis para nada, e partiu para a América.

Perto da casa do José Maria morava o António Machado, casado com a senhora Violante e com dois filhos. Eram pessoas muito simples, pobres e humildes e já de avançada idade e que durante muitos anos haviam morado no Porto, numa casa que pertencera a Tio Narciso e herdada pela sua neta, a Maria de S. Pedro, criada em casa de Tio José Teodósio.

Ali ao lado e em frente morava o Afonso Rodrigues proprietário de uma loja de comércio na Rua Direita, uma sucursal da Firma das Lajes, junto ao chafariz, no cruzamento do Caminho de Baixo. Como comerciante era bastante rico, vivia confortavelmente e tinha uma das melhores casas da freguesia. Tinha dois filhos, sendo que o mais novo era da minha idade, com a coincidência de termos nascido no mesmo dia. Esse facto aproximou-nos sempre bastante, quer nas brincadeiras pelas ruas e praças, quer na escola, quer na catequese, até à altura em que, juntamente com os pais e o irmão partiram para o Canadá. Ambos choramos amargamente quando a Dona Maria, irmã do Padre Pimentel, veio desfazer definitivamente o par que ambicionávamos formar a quando da nossa 1ª Comunhão, alegando que o critério para formar os pares não era a amizade mas sim a altura. Na realidade, junto de mim, o Antonino era rigorosamente uma torre.

Numa outra pequena Travessa e numa casa também de recente construção, morava o Luís do Raulino, casado com uma filha do Laureano Cardoso. Como muitos outros casais, mesmo não tendo filhos, partiram para os Estados Unidos.

Logo a seguir e numa minúscula curva da Tronqueira e bem encravada sobre a rua e sem pátio da frente, o que era pouco vulgar na Fajã, ficava a casa do Luís Pereira. Era natural da ilha Terceira, onde ainda tinha familiares, nomeadamente o Senhor Pereira, que durante anos e anos foi o sacristão da Sé de Angra. O Luís Pereira chegou à Fajã e casou com a senhora Laurentina, tendo um filho e uma filha já casados e dois ainda solteiros: o Honorato e o Edmundo. Para além de agricultor também era marítimo e fez parte da primeira equipa do Atlético. O Edmundo, seguindo as pegadas do pai, também foi jogador de futebol, um dos melhores de sempre da Fajã Grande.

A este grupo, do centro da Tronqueira, juntava-se o Lucindo Cardoso, que por ali perto vivia numa casa térrea e era um dos mais notáveis criadores de gado da Fajã, sobretudo no Mato. Tinha grandes propriedades no Queiroal, onde pastavam muitas reses, umas alfeiras outras a dar leite e para onde se deslocava quase todos os dias. Para além disso falava constantemente dessas terras e do gado que lá tinha, essa a razão porque recebeu o epíteto de “O homem do Queiroal”. Era um homem calmo, sem pressas e muito trabalhador, sendo conhecido por ser a pessoa que mais tarde voltava das terras e do trabalho, fazendo-o geralmente pela noite dentro. Vivia com a mulher, uma filha, uma sobrinha e o filho José, que alternava as idas ao leite ao mato com o pai e um dos primeiros tocadores de Contrabaixo da Filarmónica Senhora da Saúde.

De acordo com a Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, a palavra “tronqueira” faz parte do vocabulário açoriano, sendo considerada um nome comum e é ou era, em tempos mais remotos, utilizada com o significado de “passagem estreita ordinária onde ficam os madeiros laterais de uma portada ou cancela”. Também e no sentido figurado a mesma palavra pode significar “os esteiros de madeira ligados por arame utilizados na vedação ou tapume de uma a cerca onde se encontra guardado o gado, nos sítios onde não existe parede ou muro em pedra”. Muito provavelmente o nome próprio de Tronqueira, atribuido a uma rua da Fajã Grande, terá a ver com um ou outro destes significados e de certo que poderá ter neles a sua origem. Isto significa que este nome a ter sido dado ao lugar da Tronqueira, que se estende para além da própria rua e  que confronta com os lugares da Ladeira, da Cambada, do Calhau Miúdo e do Mimoio, terá tido origem no facto de outrora ter havido por ali alguma “tronqueira” ou seja algum tapume ou cerca de guardar o gado ou lugar por onde o gado passava. Como substantivo próprio ou nome de lugar, esta palavra também é usada na toponímia de outras ilhas e  outras localidades açorianas, com por exemplo, no Cabo da Praia, na ilha Terceira, proliferando ainda mais em S. Miguel, nomeadamente na Povoação, no Pico da Pedra, na Ribeira Quente, nas Furnas e no Nordeste onde é nome de serra, de ribeira e de miradouro.

Voltando à última parte da Tronqueira e já no enfiamento da Rua Direita e a seguir à Casa do Lucindo Cardoso, havia, como em muitos outras ruas, uma casa geminada. De um lado morava Tio Domingos, com a mulher e duas filhas, tendo uma delas casado na Fazenda, com o Ângelo Câmara e do outro, o “Vermelho” que vivia com a mulher e um rapaz que criara deste miúdo e que tinha como empregado, o Elviro, filho da Passarouca, que, apesar de ser da Quada, morava precisamente ali ao lado, numa casa pequena e pobre, com a mãe já de avançada idade e com um outro filho, o José Borges. O Vermelho tinha fama de rico. Se o era ou não, nunca se soube ao certo, embora, com frequência, emprestasse dinheiro a várias pessoas, nem sempre o fazendo de maneira que o recebesse depois. Constava que casos houve em que assinou os papéis ao contrário, ficando ele próprio a dever o dinheiro a quem o emprestava. Além disso era bastante avarento e quando nós os miúdos da escola, por altura do Ano Novo, íamos lá cantar os “Anos Bons” e os “Reis” ficávamos a ver navios… Isto é, nem um tostão ali pingava!

Em frente ficava a casa de Tio José Francisco, já viúvo e que vivia com três filhos, com o genro e dois netos. A filha casara com o André que era de Ponta Delgada e os dois filhos ainda eram solteiros, o José e o Francisco. O Francisco que namorava com a Fernanda de Tio José Luís, ainda novo, teve uma morte trágica. Certo dia deslocou-se ao Mato, a um sítio um pouco mais abaixo do que aquele em que se apanhava o Bracéu, junto à Ribeira das Casas, acompanhado pelo Antonino de Tio José Luís, irmão da namorada, para encaminhar a água para o moinho do Engenho, que nessa altura lhes pertencia. Sem que nada o previsse um enorme calhau caiu-lhes em cima. O francisco teve morte imediata, enquanto o companheiro sofreu apenas alguns ferimentos ligeiros. Foram uns homens da Ponta que ouviram os gritos, deram o alarme e de lá foram retirados em maca. O cadáver foi colocado na casa velha do Laureano Cardoso, à Praça, onde recebeu a Santa Unção, do padre Pimentel que foi chamado à pressa, pois na altura do acidente encontrava-se na Fajãzinha, colaborando na festa do Patrocínio.

Ao lado morava a Maria da Ponta, com o Pai e uma neta, a Cisaltina. A Maria da Ponta lamentava-se exagerada e publicamente de variadíssimas doenças, algumas das quais muito provavelmente não teria. Contava-se que certo dia queixando-se simuladamente de uma doença, foi pedir a alguém que lhe desse uma injecção para ficar boa. E pelos vistos a injecção, apesar de ser, sem ela o saber, de água destilada, curou-a de imediato da maleita que exageradamente a atormentava.

Do mesmo lado do caminho e a seguir, que de outro ficava a altíssima parede da terra do Tomé, vivia o José Cardoso, filho de Tio Francisco Inácio. Casou em segundas núpcias com uma filha de José Pureza, com quem vivia na altura, juntamente com o filho. A primeira mulher era filha de João Barbeiro que morava na Assumada, foi uma das vítimas do grave desastre do Corvo e era a mãe do José Cardoso que vivia com os avós..

Finalmente e para terminar este grupo e a Tronqueira, já no cruzamento com a Via d’Água morava a velha Fraga, com dois netos, o Horácio e a Manuela, filhos de um homem conhecido por “O Capitão Roibado”, que era das Lajes e casara com uma filha da Fraga já falecida. Esta família era bastante pobre e vivia muito parca de recursos.

 

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publicado por picodavigia2 às 00:01

SOLA SAPATO

Segunda-feira, 18.11.13

Sola sapato,

Rei rainha

Fui ao mato

Buscar cebolinha

Para a filha do juiz

Que quer casar

Mas não tem nariz.

Salta a pulga

Na balança

Pesa o rei

Que vai p’ra França,

Os cavalos

A correr

As meninas

A aprender,

Qual será

A mais bonita

Que se vai

Esconder

Atrás do burro

Da Inês

Cada una

Por sua vez.

 

(Aravia popular fajã grandense)

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publicado por picodavigia2 às 23:59

O PADRE E O SACRISTÃO (DIÁRIO DE TI'ANTONHO)

Segunda-feira, 18.11.13

           Quarta feira, 12 de Junho de 1946

Quando eu era criança, tinha os meus sete ou oito anos, minha avó contava-me muitas “estórias”, sempre que lhe pedia. Minha avó, nessa altura tinha quase oitenta anos e dizia-me que ouvira contar estas “estórias” quando era criança a uma velhinha que morava perto da sua casa. Lembro-me de uma ou outra, mas esqueci a maior parte delas. Uma que me lembro é aquela de “ O Padre e o Sacristão”. Dizem que é um conto tradicional, aqui da ilha das Flores. A “estória” reza assim:

 “Era uma vez um padre que tinha uma horta junto de sua casa

Certo dia foram dizer-lhe que o sacristão lhe andava a roubar a fruta. Por isso resolveu chamá-lo para que se confessasse, tentando assim não apenas pôr termo à roubalheira mas também certificar-se de que ele era o verdadeiro ladrão Enquanto o confessava, perguntou-lhe:

- Sabes quem é que rouba a fruta da minha horta?

O sacristão, do outro lado do confessionário, respondeu:   o

- Eu não estou a ouvi-lo. Pode falar um pouco mais alto.

- É muito estranho – disse-lhe o padre e, elevando a voz, perguntou novamente: – Eu estou a perguntar-te se sabes quem roubou a fruta na minha horta?

- Não ouço nada! – Respondeu, de novo, o sacristão

. Isto é mesmo muito estranho - disse padre. – És a única pessoa que, ajoelhada desse lado não ouve as minhas perguntas.

- Realmente é muito estranho, - concluiu o sacristão - até parecem coisas do diabo, mas realmente deste lado não se ouve nada, mesmo nada do que o senhor padre pergunta.

- Eu não acredito – disse o padre.

- Ai não, não acredita? Então venha para este lado que eu vou para aí, para ver se é verdade ou não.

O padre querendo ter a certeza de que o sacristão estava a falar verdade resolveu mudar de sítio. Quando estavam já os dois nos lugares trocados, perguntou-lhe o sacristão:

- Quem é que anda a meter-se com a mulher do sacristão?

- O quê? – Perguntou o padre.

- Quem é que anda a meter-se com a minha mulher? – Repetiu o sacristão.

- Tens toda a razão! Realmente deste lado não se ouve nada – respondeu o padre.”

E por hoje é tudo.

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publicado por picodavigia2 às 23:52

UMA BOA NOTÍCIA PARA O PICO

Segunda-feira, 18.11.13

Finalmente aconteceu! Ao que parece, já se efectuou, no aeroporto do Pico, o primeiro abastecimento a um avião da TAP. No passado domingo, dia 24 de Julho de 2011, o A-320, Luís de Freitas Branco, procedente de Lisboa e ainda com escala prevista pelo aeroporto das Lajes terá sido reabastecido no aeroporto do Pico por um auto-tanque ali existente desde há alguns meses. Na véspera, a título experimental, já teria sido reabastecida uma aeronave da SATA, a circular entre as ilhas. Recorde-se que desde há algum tempo que a Associação Comercial e Industrial da Ilha do Pico, fundamentando-se na esperança de em breve ser inaugurado o abastecimento de aeronaves com JET A1 no aeroporto do Pico, reclamava junto do Governo Regional Açoriano mais ligações directas semanais entre Lisboa-Pico, alegando que só em 2010 tinham sido transportados 11.114 passageiros de e para o Pico.

Embora não tendo sido anunciada nos órgãos de comunicação social, talvez porque não houve uma inauguração à altura do evento, nem sequer o site da Rádio Pico o referiu, talvez porque mais preocupada com o “Escaravelho no Pico”, a notícia foi apenas divulgada em alguns blogues relacionados com a ilha Montanha, nomeadamente a “Escrita em Dia” de José Gabriel Ávila e “Bassalto Negro” de Palpereira.

A ser verdade, dado que os blogues referidos são dignos de crédito e o provam com fotos, o facto de a partir de agora haver possibilidade de os aviões se abastecerem no aeroporto picoense, será a altura de algo de muito de importante e significativo se alterar para os passageiros que viajam para o Pico, assim como os que partem daquela ilha com destino ao continente, dado que surge a esperança de que, a partir de agora, algo mude substancialmente nos voos entre o continente e a segunda maior ilha açoriana. Por um lado as viagens Lisboa-Pico-Lisboa, até agora, limitavam-se a um voo por semana, aos sábados, alegando-se que isso se devia ao facto de qualquer voo da TAP com destino ao Pico tivesse necessariamente que passar pela Terceira, a fim de se abastecer, uma vez que era de todo impossível fazê-lo no aeroporto do Pico. Como isso agora já não acontecerá, decerto que se irá alargar o número de voos semanais para o Pico, até porque dias há em que existem dois voos oriundos de Lisboa com destino ao Faial, mas repletos de passageiros com termo de viagem no Pico. Além disso, muitos outros passageiros que têm a ilha Montanha como destino, fazem escala por São Miguel ou pela Terceira e, por vezes, até pelas duas ilhas. Tudo isto significa perdas demasiadas de tempo, gastos excessivos e aumenta significativamente o preço das passagens, devido ao excesso das taxas de mais um ou dois aeroportos. Além disso, as ligações Pico-Porto estão totalmente esquecidas. Assim, quem do Pico pretende viajar para o norte do país apenas tem duas péssimas alternativas para o fazer: ou viaja pelo Faial fazendo a ligação com o Porto em São Miguel ou na Terceira ou viaja do Pico para S. Miguel, só que, neste caso, apenas poderá sair do Pico às 18,30, sendo que o voo de Ponta Delgada para o Porto parte meia hora antes, pelo que necessariamente terá que pernoitar em Ponta Delgada e aguardar o voo do dia seguinte. Claro que há ainda a hipótese de se fazer escala por Lisboa, tendo, neste caso, que ir ao terminal um, para de seguida dar um passeio de autocarro, dentro do aeroporto, até ao terminal dois e então, de seguida, apanhar, o avião para o Porto.

Há dias, desembarcando no aeroporto da Horta, por impossibilidade de o fazer no da ilha do Pico, na viagem de táxi, com destino à Horta a fim de apanhar a lancha, desabafava em voz alta, lamentando os incómodos e os gastos que tudo isto tudo isto causa aos picoenses. O taxista, atento às minhas lamúrias, de imediato ripostou:

- Deixe estar, deixe estar. Se começa a haver mais voos para o Pico, estamos lixados. Dão-nos cabo do negócio. O mesmo acontecerá se construírem um grande hospital no Pico. São as viagens do aeroporto para a cidade e da lancha para o hospital que nos aguentam o negócio.

Texto publicado em 29/07/11, no antigo blog “Pico da Vigia”

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publicado por picodavigia2 às 21:06

A FESTA DA SENHORA DO CARMO DA PONTA

Segunda-feira, 18.11.13

Era em meados de Julho que se realizava a festa da Senhora do Carmo, na Ponta, de cuja ermida era a Padroeira. Era a primeira festa de Verão da ilha das Flores. Aliás era costume, na altura, dizer-se que as festas de Verão, nas Flores, começavam e terminavam na Fajã Grande: em Julho com a Senhora do Carmo e em Setembro com a Senhora da Saúde. Antigamente a festa era celebrada no dia dezasseis de Julho, data em que, segundo a tradição carmelita, Nossa Senhora apareceu a S. Simão Stock e lhe entregou o escapulário. Mais tarde porém e para que um maior número de fiéis pudesse demandar a Ponta e participar na homenagem à Virgem do Carmo, a festa passou a celebrar-se num dos últimos domingos de Julho.

Para além do tríduo de preparação, de duas missas no dia (a da comunhão e a da festa), desta festividade, em honra de Nossa Senhora do Carmo, também fazia parte uma grandiosa procissão pela principal artéria da Ponta e ainda um arraial no Outeiro, num largo que existia frente ao adro e à Casa de Espírito Santo. Vinham padres e forasteiros de toda a ilha e a procissão incorporava as várias imagens existentes na ermida da Ponta, guiões, o Santo Lenho e muitos fiéis, alguns dos quais descalços e de escapulário ao peito, em cumprimento de promessas feitas para obter a protecção, as graças e bênçãos da Virgem.

Mas o que mais caracterizava esta festa era a cerimónia da imposição escapulário da Senhora do Carmo, a quem o solicitasse e que se realizava geralmente antes da missa da festa. O escapulário era constituído por duas pequenas tiras de pano castanho, presas uma à outra com dois elásticos que devíamos colocar ao pescoço de forma visível apenas no dia da festa e nos restantes dias por debaixo da roupa, uma tira sobre o peito e a outra nas costas. Isto no caso de se aderir apenas à ordem menor, porque mulheres havia que aderindo à ordem maior, teriam que andar vestidas com um vestido castanho sobre o qual usavam o escapulário, também imposto numa cerimónia ainda mais solene. Neste caso, as tiras, também de cor castanha, eram muito maiores cobrindo-lhes o corpo quase por completo como se fosse um avental ou uma bata aberta nos lados. Na Ponta havia muitas mulheres assim vestidas permanentemente, fruto de promessas que haviam feito.

O escapulário da Ordem do Carmo, que ainda hoje é reconhecido pela Igreja Católica e que todos os Papas do século XX terão usado, foi aprovado em 1226, pelo papa Honório III e embora inicialmente fosse usado apenas pelos frades e freiras da Ordem do Carmelo, mais tarde passou a ser usado pelos fiéis que o desejassem, quer sob a forma de hábito, quer limitando-se apenas às pequenas tiras de pano. Em 1964, o Papa Paulo VI autorizou, em virtude dos incómodos que o seu uso por vezes implicava, que o escapulário pudesse ser substituído por uma simples medalha com uma das faces a ostentar uma imagem de Maria e a outra com uma imagem do Sagrado Coração de Jesus

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publicado por picodavigia2 às 13:21

A POPULAÇÃO DO CAMINHO DE BAIXO

Segunda-feira, 18.11.13

O Caminho de Baixo tinha a vantagem de encurtar a distância entre a Fontinha e a Rua Direita, com a qual comunicavam ente si, ligando a casa do Caixeiro ao Chafariz que ficava junto à Casa de Espírito Santo de Cima, mas era a mais pequenina e a menos populosa artéria da Fajã. Além disso, grande parte da mesma era tão estreita, tão estreita que nem um carro de bois ou corção por ali podiam passar. Apesar de tudo por ela circulavam muitos transeuntes, com o real intuito de atenuar distâncias e, no caso das mulheres, evitar passar à Praça, sempre repleta de homens dispostos a mirar de cima abaixo quem por ali transitasse.

A primeira casa habitada era a do Caixeiro que ficava de costas para a Fontinha, da qual estava separada apenas pelo celebérrimo “Rego de Trás” da Rosaria Sapateira que ali vivia com o sobrinho, hábil pescador e destemido baleeiro. Tia e sobrinho tinham no entanto um modo de ser e de agir que, por vezes, era objecto de brincadeiras e chacotas diversas. Deles também se contavam muitas “estórias”, escaramuças, desavenças ou partidas que se lhes pregavam. Entre outras, contava-se que certo dia, ao zangar-se com a tia, o Caixeiro saiu de casa em direcção ao Porto com a aparente e simulada intenção de se atirar ao mar, gritando em alto e bom som, para espanto de todos: “ Vou deitar-me ao mar! Vou deitar-me ao mar!”. José Mancebo ouviu, aproximou-se e deu-lhe um forte toutição na cabeça, dizendo-lhe:

- Vais-te deitar ao mar, vais! Mas vais caladinho e não o digas a mais ninguém.

O Caixeiro deu meia volta e voltou para casa cabisbaixo.

Ao lado morava o João Barbeiro, casado com a Eva e com um filho, o José Nunes. Para alem dos trabalhos do campo o João Barbeiro tinha, na loja por baixo da casa, uma espécie de pequena oficina onde ia fabricando ou fazendo minúsculas reparações em tudo o que fosse pequenos objectos de ferro, de madeira, etc.

Já na parte mais larga desta ruela, numa casa com dois pisos, implantada entre a Fontinha, da qual ficava acentuadamente desnivelada, e o próprio Caminho de Baixo, morava o Manuel Dawling, a mulher e duas filhas. O piso superior da casa correspondia à habitação propriamente dita, enquanto no inferior ficavam as lojas de arrumo. Mas o acesso principal ao piso superior fazia-se através de uma escada com balcão encostados à fachada principal, a partir do Caminho de Baixo. O Manuel Dawling chegara à Fajã havia muitos anos, vindo, não se sabia bem donde. Tinha olhos e traços asiáticos e falava constantemente nas “Terras Canecas”, região do globo terrestre que nunca ninguém soube ao certo onde se situava, pese embora afirmasse que ficava nas ilhas Filipinas, donde seria natural. Por ali se fixou definitivamente, casou e teve filhos e netos. Era um acérrimo defensor de Estaline e do regime soviético, de quem falava com muita frequência. Para além de também se dedicar à agricultura, ele e as filhas viviam sobretudo da actividade de moleiro, dado que tinham dois moinhos na Ribeira do Cão e um na das Casas.

Finalmente e ao lado da Casa de Espírito Santo de Cima morava a Glória Fagundes com uma irmã mais velha e adoentada. Esta Glória Fagundes não tinha nenhuma actividade e, por isso, se dedicava ao vulgar hábito fajagrandense de quem não tinha que fazer, “andar pelas casas” incentivando, apoiando e, até, consolidando os habituais e tradicionais e tão frequentes mexericos, próprios dos lugares pequenos e isolados.

 

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publicado por picodavigia2 às 09:53

ESTRELINHA

Segunda-feira, 18.11.13

Da janela do meu quarto,

Vejo ao longe uma luzinha,

Será fogueira, miragem,

Ou magia de varinha?

 

Olho melhor e revejo,

Esta trémula luzinha.

Afinal, não era mais,

Do que o brilho duma estrelinha!

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publicado por picodavigia2 às 09:51

VINTE E DOIS DE JANEIRO DE MIL SETECENTOS E OITO

Domingo, 17.11.13

Francisco António Pimentel Gomes, natural da freguesia da Fazenda, ilha das Flores, publicou, entre outros, dois importantes livros sobre o passado histórico da ilha de onde é natural: “Casais das Flores e do Corvo” (2006) e “A Ilha das Flores” (1996). Estas obras, de grande qualidade e de acentuado rigor histórico, por um lado, contribuem para melhor se conhecer a história da maior ilha do grupo ocidental açoriano e, por outro, para quem estiver interessado em elaborar a sua árvore genealógica, fazer uma interessante pesquisa sobre os seus antepassados e conhecer alguns dos acontecimentos históricos mais importantes em que eles se envolveram e participaram.

O primeiro livro, no caso dos meus antepassados paternos, permitiu-me, circulando de registo em registo, através dos nomes de uns e de outros, identificar os meus avoengos até aos nomes dos pais dos meus penta-avós, os quais terão vivido em pleno século XVIII, sendo o registo mais antigo, o do casamento de um dos meus tetra avós, António de Freitas Fragueiro, natural das Lajes e Ana de Freitas, natural da Fajã. Casaram na igreja paroquial das Fajãs, no lugar da Fajãzinha, em seis de Novembro de 1763.

No entanto, do lado materno foi-me permitido ir mais longe e chegar aos nomes dos meus octoavós, alguns dos quais terão vivido nos finais do século XVII, ou seja por alturas da criação da paróquia das Fajãs, no longínquo ano de 1676. Neste caso o registo mais antigo, por mim encontrado, foi o dos meus heptaavós, Bartolomeu Lourenço e Isabel de Freitas que casaram na Fajazinha em vinte e cinco de Fevereiro de 1725. Segundo o registo deste casamento Bartolomeu era filho de António Lourenço e de Maria de Freitas. Por sua vez Isabel era filha do alferes André Fraga e de Bárbara de Freitas, naturais e residentes na Fajazinha. Estes são, por conseguinte, os meus octoavós. O alferes André Fraga nasceu em 1677, um ano depois da criação da paróquia das Fajãs e faleceu em 1750 e era sobrinho do padre André Álvares de Mendonça, primeiro vigário da paróquia das Fajãs.  

O segundo livro, para além de conter uma informação histórica muito diversificada e completa, é enriquecido, pelo autor, com um anexo que contém 167 documentos históricos, alguns dos quais muitíssimo interessantes. É o caso do documento 39, copiado do “Livro do Tombo da Paróquia de Nossa Senhora dos Remédios” pelo padre António Joaquim Inácio de Freitas. Segundo esse documento, um grupo de “fregueses” acompanhados pelo vigário André Alves de Mendonça, em 1705, solicitaram ao bispo diocesano, D. António Vieira Leitão, autorização para colocar o sacrário para guardar o Santíssimo, na primitiva igreja da paróquia construída havia trinta anos. O bispo, que faleceu alguns anos depois nas Velas, durante uma visita pastoral à ilha de São Jorge, autorizou mas com a condição de haver um grupo de pelo menos vinte paroquianos que assegurassem o dote para o azeite da lâmpada, para as velas e outros acessórios indispensáveis à manutenção do Santíssimo Sacramento numa igreja. Para tal foi lavrada uma escritura de doação e obrigação, no dia 22 de Janeiro de 1708, na primitiva igreja paroquial das Fajãs, situada perto da actual igreja da Fajãzinha e na qual estiveram presentes 131 pessoas, pertencentes aos quatro mais importantes lugares povoados da paróquia: 67 da Fajãzinha, 37 do Mosteiro, 17 da Ponta e 10 da Fajã. Fizeram parte deste grupo de dez pessoas oriundas da Fajã Grande, juntamente com o capitão Domingos Rodrigues Ramos e do seu filho, o também capitão, Gaspar Henriques e a esposa deste, Francisca Rodrigues, os meus octoavós António Lourenço e Maria de Freitas, precisamente os pais de Bartolomeu Lourenço. Por sua vez também integraram a delegação da Fajazinha os meus octoavós, o alferes André de Fragas e Bárbara de Freitas, pais da esposa de Bartolomeu Lourenço, Isabel de Freitas. Acrescente-se que as restantes cinco pessoas que integraram a delegação da Fajã foram: Amaro Carneiro e sua mulher Maria de Freitas, António Jorge e sua mulher Maria de Freitas e Isabel Rodrigues, viúva.

 Não deixa de ser interessante o facto de a delegação da Ponta ser bem mais numerosa do que a da Fajã. Creio que isso se deveu ao facto de a Ponta até 1767 pertencer à freguesia de Ponta Delgada, instituída já há alguns anos e a Fajã, na mesma altura, ser ainda um pequeno lugarejo pertencente à paróquia das Lajes. Outro aspecto a realçar é o do facto de a paróquia das Fajãs, à altura, ter mais seis lugares povoados para além destes e nenhum deles se fazer representar, talvez por serem povoados bem mais pequenos do que os outros quatro representados. Esses lugares, nessa altura povoados e hoje sem população fixa, eram Cuada, Caldeira, Ribeira da Lapa, Fajã dos Valadões, Pico Redondo e Pentes.

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publicado por picodavigia2 às 22:04

A CASA DO ESPÍRITO SANTO DE CIMA

Domingo, 17.11.13

Das quatro casas de Espírito Santo que existiam na Fajã Grande e que ainda hoje permanecem como património arquitectónico da mais ocidental freguesia açoriana, a última a ser construída foi a Casa de Espírito Santo de Cima, popularmente conhecida simplesmente como “A Casa de Cima”. A data da sua construção, estampada no frontispício, logo por cima da escultura de uma coroa encastoada entre duas janelas, sobre a porta principal, remonta ao longínquo ano 1886, ou seja cinco anos após a erecção da paróquia da Fajã Grande. Talvez por ser a mais recente, talvez porque a disposição do terreno a isso obrigasse, talvez porque os seus arquitectos e construtores, numa simulada tentativa de valorizar o edifício, pretendessem que a sua entrada principal comunicasse com a Rua Direita, esta casa possui um estilo específico e uma estrutura arquitectónica própria e sensivelmente diferente das outras três casas do Espírito Santo, da Fajã Grande: Cuada, Ponta e Casa de Baixo. Outra diferença arquitectónica significativa era o facto de, por um lado, a porta principal se situar, à maneira das catedrais, igrejas e ermidas, na empena oposta ao altar-mor e por outro, por essa mesma empena ter um estilo diferenciado e ser encimada por uma espécie de torre sineira. Esta torre, porém, era de uma só fachada, tinha uma cruz lá no alto e não possuía sino, o que não impedia, no entanto, que o estilo do seu frontispício se assemelhasse mais a uma capela do que às tradicionais casas do Espírito Santo, dispersas por todas as freguesias da ilha das Flores. Além disso, a própria fachada principal do edifício era arquitectonicamente enriquecida com um formato específico e diferente no que diz respeito quer à porta, quer às janelas, sendo os vidros destas últimas e os que encimam a porta, foscos e coloridos, simulando uma espécie de vitral. Em frente à porta principal e também imitando as igrejas, a Casa de Cima possuía um adro, característica também apenas a esta casa e à da Cuada. O edifício ainda possuía janelas laterais de um e outro lado o que conferia ao seu interior excelente luminosidade, própria dos templos e casas de oração modernos.

Por sua vez o interior era formado por um amplo e rectangular salão assoalhado, divido no fundo por uma grade a isolar uma espécie de capela-mor, onde existia um altar “versus pópulo”, em tudo semelhante aos das igrejas e em cujo pequeno trono, pintado a ouro, se colocavam as coroas dos dois impérios: a da Casa de Cima e a de São Pedro. Em dois nichos, encastoados um em cada lado do altar, estavam colocadas as imagens de São Pedro e da Rainha Santa Isabel. Ao lado duas portas que comunicavam com duas pequenas “clausetas”, uma para as bandeiras, tambores e utensílios vários e a outra para arrumos.

A Casa do Espírito de Santo de Cima, situada bem no centro da Fajã, quase no cruzamento do Caminho de Baixo com a rua Direita, a dois passos da igreja, para além de ser amplamente usada durante as festas de ambos os impérios, (São Pedro e Casa de Cima) ainda funcionava, na altura, como uma espécie de salão “multi usos”. Servia para a celebração da missa sempre que a mesma não podia ter lugar na igreja paroquial, quando esta estava em obras. Mas tinha ainda muitas outras funcionalidades quer religiosas quer civis. Era lá que, nas visitas pastorais, o senhor bispo se paramentava para iniciar o cortejo processional até à igreja paroquial, rra lá que se benziam os ramos e se organizava a procissão que precedia a missa no Domingo de Ramos e era lá que se recolhia a coroa da Cuada quando esta se deslocava à Fajã, nos domingos a seguir à Páscoa. Por outro lado, também era lá que se juntava o povo para receber o Governador Civil ou outra entidade, era lá que se reuniam os cabeças com os homens da freguesia para preparar o dia de Fio e arquitectar as estratégias para recolher as ovelhas e foi lá que durante muitos anos a Filarmónica “Nossa Senhora da Saúde” teve a sua sede, sendo lá também que fazia os seus ensaios. Finalmente acresce dizer-se que a Casa do Espírito Santo de Cima ainda funcionou, nas décadas de quarenta e cinquenta, como sala de teatro e até de cinema, servindo, muitas vezes, para sala de reuniões e de convívio da população e até para sala de jantar em dias de casamento, quando o número de convidados dos noivos era tão grande que estes não cabiam na casa de um ou de outro.

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publicado por picodavigia2 às 14:54

RETRETES E CASINHAS

Domingo, 17.11.13

Na Fajã Grande, na década de cinquenta, havia apenas uma habitação ou duas que gozavam do privilégio de dispor de quarto de banho e ficávamos por aqui, em termos de instalações sanitárias. Daí as parcas e limitadíssimas condições de higiene e as consequências gravosas que eventualmente tinham quer na saúde individual quer na pública.

No que concerne à higiene pessoal, todas as casas tinham, geralmente na cozinha, uma lavatório que servia apenas para lavar as mãos e a cara, embora com o senão de a água, regra geral, não ser renovada com muita frequência. Estes lavatórios, na maioria dos casos, eram de ferro forjado, com sítios anexos para neles se fixar um espelho, pendurar uma ou duas toalhas e, nalguns casos, colocar um jarro para a água. As bacias destes lavatórios, assim como os jarros, quando os havia, nas casas mais pobres, eram de esmalte e nas mais ricas de louça ou cerâmica, sendo algumas ornamentadas com pinturas e sempre acompanhadas pelo respectivo jarro com o mesmo estilo ou desenho. Estes lavatórios assim como as respectivas bacias, sobretudo as de louça, são actualmente muito procurados como peças de adorno com o seu cunho de singularidade histórica e de antiguidade.

Para lavar os pés, limpeza obrigatória diária para a maioria dos que habitualmente andavam descalço antes de se deitarem, havia umas celhas de madeira, designadas precisamente por “celhas se lavar os pés”, acompanhadas quase sempre de um respectivo banquinho, feito de madeira de criptoméria. Geralmente era esta celha que servia também para se tomar uma espécie de banho geral, mas às prestações, nas vésperas de festa, no dia de exame da quarta classe, da comunhão solene, do casamento ou no dia em que se ia à inspecção para a tropa ou se levava a bandeira do Senhor Espírito Santo.

No que às necessidades fisiológicas dizia respeito, umas casas tinham retretes e outras, as mais ricas, as casinhas. Quarto de banho, apenas o da residência do senhor padre. As retretes situavam-se geralmente numa loja de arrumos que ficava no primeiro andar da habitação e eram constituídas por uma ou duas canecas de madeira, geralmente isoladas num canto da loja e separadas por um biombo, por um pano ou por um “taipau” de tábuas velhas, remendadas com tiras dos caixotes de sabão. As canecas tinham, por vezes, uma tampa, mas na maioria dos casos estavam destapadas à espera das moscas varejeiras. Quando rigorosamente cheias tinham que ser transportadas às costas ou à cabeça e eram levadas geralmente para um terreno, não muito longe de casa, de preferência onde houvesse couves ou caseiras. Por sua vez, a limpeza do rabiosque era feita, algumas vezes com sabugos, outras com casca de milho ou feitos secos e, a maioria das vezes, com um pano velho que ia sendo usado por uns, por outros e por todos e que, por fim, ficava tão borrifado, tão atafulhado e tão cheio de sujidade, assemelhava-se a uma espécie de mapa da Polinésia, que já não havia ponta por onde se lhe pegar, nem muito menos sítio para limpar o dito cujo. Por sua vez, nas casas mais ricas havia, geralmente ao lado das mesmas um pequeno cubículo, chamado “casinha”, coberto com telha ou com cimento, onde se colocavam as respectivas canecas, sendo os restantes procedimentos idênticos aos das retretes, tendo apenas a vantagem de ser um local um pouco mais limpo e arejado, impedindo também que os cheiros e os odores se infiltrassem pelo soalho acima e atingissem a moradia, onde as pessoas dormiam, descansavam, cozinhavam e se alimentavam.

Acrescente-se, no entanto, que os campos, sobretudo as terras de mato ou as de milho quando este já estava crescido, possuíam recantos bastante encobertos e muito adequados ao largar da “poia”, constituindo, assim, uma sustentável alternativa às retretes e casinhas.

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publicado por picodavigia2 às 11:54

QUADRAS SOLTAS II

Domingo, 17.11.13

Não tragas tristeza ou dor,

Nem também nenhuma prenda,

Traz apenas teu amor,

Vem comer nossa merenda.

 

Enquanto os ricos petiscam,

Os pobres nadam em fome.

Não há tormento no Mundo,

Que mais me dói e consome.

 

Não me calei por medo,

Nem tão pouco por azia.

Apenas fiz uma pausa,

P’ra ganhar nova energia

.

Olha lá! Gastas teus passos

Indo à Luz, ver o Benfica,

Pois são tantos os fracassos

Que até triste agente fica

 

A “moral” não pode ser

Mafiosa ou bolorenta.

Pois, só julga, não condena

E com pouco se contenta.

 

Não preciso lar ou forno,

P’ra  comer um bom assado.

Amarante… Dom Rodrigo…

Venho de lá consolado.

 

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publicado por picodavigia2 às 11:53

A RUA DA ASSOMADA

Domingo, 17.11.13

Encastoada entre duas colinas, a do Pico e a do Outeiro, a rua da Assomada beneficiava duma aconchegada e agradável protecção dos ventos quando sopravam do norte e do sudoeste. As noites e os dias de forte temporal que fustigavam a Fajã, nos meses do Inverno, com os terríveis ventos nórdicos que sopravam acutilantes e frigidíssimos do cimo da rocha da Ponta, na realidade pouco se faziam sentir na maioria das casas da Assomada. Era pois uma rua de casas abrigadas dos temporais, rodeada de campos, belgas e courelas férteis e verdejantes. Nela moravam, no início da década de cinquenta,  cento e vinte e seis pessoas cujas moradias se estendiam ao longo duma faixa quase rectilínea, sem ladeiras ou declives notórios, apenas entrecortada por uma ou outra canada, ou dotada de um pequeno largo. Possuía a Assomada trinta e três casas habitadas, não havendo, na altura, nenhuma casa de habitação desabitada, excepto a casa de José Pureza, a seguir ao palheiro do Maurício, que se destinava apenas à dormida de alguns dos seus familiares. Havia também na Assomada, logo no início e a fazer esquina com a Praça, uma loja de Comércio, pertencente à firma Martins e Rebelo, gerida pelo Senhor Roberto e, ao lado, a Máquina de Cima, destinada também a receber e desnatar o leite de quem o vendia ao Martins e Rebelo. Além destas construções, a rua ainda tinha oito casas velhas, sem condições de habitabilidade e doze palheiros, num total de cinquenta e cinco edifícios, o que realmente fazia da Assomada a maior rua da Fajã, quer em extensão, quer em número de edifícios, querem população. Haviaainda ao longo da rua dois chafarizes, um deles, o mais antigo, em frente à casa das Senhoras Mendonças, mãe e tias do poeta e escritor Pedro da Silveira e um outro quase no Cimo, logo a seguir à casa do Chico de José Luís. Havia ainda e logo abaixo da primeira fonte, um poço do gado beber água, o qual também possuía uma torneira de água corrente.

A Assomada começava à Praça e seguia para Sul, paralela ao Outeiro, desenhando logo no início das primeiras casas uma pequena curva, formada pela antiga casa de mestre Jorge, o qual tinha, numa das lojas, uma pequena oficina de sapateiro. Esta casa foi demolida a quando da construção da nova estrada, dado que forçava a uma curva muito apertada e estreita, sendo construída uma nova moradia, um pouco mais atrás, num terreno que ali tinha. Assim como esta casa muitos pátios foram destruídos e substituídos por novos, outros foram truncados e reconstruídos com outros muros enquanto outros, como o da casa de meus pais, pura e simplesmente desapareceram, tudo isto em função do alargamento da rua e do desenvolvimento da freguesia. O piso, na altura também era totalmente diferente, sendo do tipo calçada romana, onde existia no meio a chamada “pedra mestra” à volta da qual eram colocadas e apertadas outras mais pequenos. Este piso, com a construção da estrada, também foi totalmente destruído e substituído pelos chamados “paralelos”, ou sejam pedras rectangulares em forma de paralelepípedos, partidas e aparadas no Calhau Miúdo e que eram dispostas em cima duma camada de areia, colocadas em espinha, alinhadas com fios, muito bem apertadas e ligadas e posteriormente batidas com uma maça de madeira, enchendo-se, finalmente, com areia os espaços excedentes entre elas. As casas da Assomada eram quase todas de dois pisos com o inferior para loja de gado, arrumos e retrete. Dispunham-se ao longo da rua, excepto as das três canadas existentes e havia poucos espaços sem casas, a não ser lá mais para o cimo da rua, onde esta se bifurcava, no Caminho da Missa e no dos Lavadouros. Recebendo o seu nome precisamente por ser a primeira rua que se via ou a que se “assomava”
ao vir da Fajãzinha, das Lajes e de Santa Cruz, a Assomada, devido à sua situação geográfica e ao seu aconchego entre as colinas do Pico e do Outeiro, provavelmente terá sido a primeira rua da Fajã a ser povoada e era incontestavelmente a mais importante de todas as ruas periféricas que desembocavam na central e aristocrática Rua Direita.

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publicado por picodavigia2 às 09:55

A POPULAÇÃO DAS COURELAS

Domingo, 17.11.13

Para que fique completo mais um grupo de sete famílias regressaríamos ao chafariz da Rua Direita, onde do lado contrário, ficava a Rua das Courelas, nome que lhe advinha do facto de ali, como aliás em quase toda a freguesia, todas as casas terem a seu lado um pequeno terreno ou “courela”, onde semeavam e plantavam os produtos mais necessários à alimentação quotidiana: couves, feijão, cebolinho, abóboras e batatas. Era, também, na courela que geralmente se fazia o “canteiro” da batata-doce e onde se edificava o estaleiro.

Lá bem no fundo e já no Caminho do Areal morava a tia Cristóvão juntamente com uma familiar de avançada idade, que, no entanto, já nem saía de casa. Pelo contrário a tia Cristóvão, porque muito religiosa e devota, frequentava diariamente a igreja, participava em todas as novenas e vias sacras e visitava assiduamente muitas das casas da Fajã, colaborando assiduamente na proliferação e consolidação dos habituais e tradicionais mexericos, próprios dos lugares pequenos e isolados. Contava-se que estando certa vez de visita a uma casa teria aparentemente desmaiado. Trouxeram-lhe um copo de água. Ao aperceber-se de que era água que lhe estavam a dar, apesar de desmaiada, ripostou:

- Água não me faz bem! Tragam-me antes chá. Quero é chá.

Ali perto, numa casa alta e estrategicamente muito bem situada, envolvida por um cenário paisagístico de sonho, com o Pico da Vigia de um lado e o mar do outro, vivia o José Ti’Ania, com a irmã e um sobrinho, o João Luís, filho de mestre Jorge e que alguns anos mais tarde casou com a Maria Mateus e emigrou.

Mais acima e já em plena Courelas morava o João Cardoso, casado com a Deolinda Rafael e com um filho. A Deolinda para além da vida da casa trabalhava muito no campo, acompanhando sempre o marido em todas as tarefas agrárias e de tratamento do gado. Esta família também cedo deixou a Fajã, emigrando para os Estados Unidos.

A maioria das famílias que moravam no extremo das Courelas ou seja na parte mais afastada da Rua Direita e mais próxima do Areal, partiu para a América ou para o Canadá.

Se não vejamos. Ali ao lado da casa do João Cardoso morava o Francisco Gonçalves, com a mulher, uma filha de Tio Domingos da Tronqueira e os filhos. Toda a família emigrou. Numa transversal que havia imediatamente a seguir à casa do Francisco, num edifício construído naquela época, morava o António do Raulino, casado com uma filha de Tio Antonho de Melo. Este casal, embora não tendo filhos, também abalou para o Canadá. Mais acima, o mesmo aconteceu com o João de Tio Francisco Inácio que partiu para a América com toda a família.

Logo a seguir e no edifício sob o ponto de vista arquitectónico mais emblemático e imponente das Courelas e entre os mais interessantes da freguesia, morava o Lourenço, com a mulher e uma filha. Esta, depois de casar, também partiu para a América. O Lourenço era um lavrador abastado e um homem muito calmo, forte e alto. Também criava gado que ele próprio, todos os dias conduzia, já pelo avançado da noite, a umas relvas que tinha no Vale de Linho, para os lados da Ponta, mas fazendo o trajecto de ida e volta sempre pela Via d’Água, apesar de ser mais longe do que pela Tronqueira e Calhau Miúdo. Geralmente ocupava cargos de responsabilidade, como cabeça de festas e do Fio, director da Sociedade e, quando o António Augusto partiu para Angra, foi nomeado seu substituto como Regedor e Juiz de Paz. Contava-se que as enormes lojas da sua casa teriam sido, em 1915, uma espécie de hospital de campanha aquando do naufrágio da barca Bidart, dado que teria sido lá que os náufragos foram alojados, alimentados e onde teriam recebido os primeiros tratamentos.

Em frente ficava a casa do Vítor, filho do Faroleiro e casado com uma filha de um meu tio paterno que por ali morava. Tinha vários filhos e contígua à sua casa havia um edifício na altura a servir de casa de arrumos e palheiro, mas com algum suposto interesse histórico. É que uma das pedras das portadas deste edifício que supostamente outrora havia sido casa de habitação, tinha assinaladas cruzes, datas e outros sinais de índole religiosa. Como este prédio era contíguo à igreja, cuidava-se que teriam sido pedras pertencentes à primitiva capela, existente antes de igreja paroquial e que provavelmente não teriam sido utilizadas na construção desta, por inadequadas.

Do outro lado da rua ficava a casa do único irmão de meu pai que não se havia esquivado para a América. Meu tio António Joaquim, vivia ali com a tia Adelina e dois filhos. No entanto, como era bastante mais velho do que meu pai, já pouco trabalhava. Passava os dias sentado à Praça a descansar e a cavaquear. Tinha o apelido de “Grota” e como dois dos outros companheiros com quem habitualmente ali se juntava também tinham apelidos começados pela letra G – “Gadelha e “Galinhola”, - este grupo tornou-se célebre, sendo alcunhado pelo “3 Guês”. Raramente ia a casa do meu tio, mas bem me lembro de lá ver um lindo candeeiro a petróleo, com o vidro ornamentado com cores variadas e que se dizia ter tido origem nos destroços do Slavónia, naufragado para os lados do Lajedo em 1909.

A última casa das Courelas era do João Augusto, homem simplório, humilde e bondoso mas, aparentemente, pouco inteligente. Por isso, por vezes, era motivo de chacota e zombaria dos outros. Era o coveiro da freguesia, mas como o negócio não era muito rentável, pois numa população pouco numerosa, apenas morria alguém de vez em quando, também era agricultor e criador de gado, tarefas em que era ajudado pelos dois filhos. A filha Aldina foi das poucas jovens que na altura abandonou a ilha para estudar, fazendo o Curso Geral dos Liceus, no Colégio de Santo António, na Horta.

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publicado por picodavigia2 às 09:48

O ?ONTA DELGADA

Domingo, 17.11.13

Com o desastre do Arnel, encalhado no Baixio dos Anjos, na ilha de Santa Maria, em 19 de Setembro de 1958, poucas horas depois  de ter iniciado mais uma das muitas viagens que realizava entre aquela ilha e a de São Miguel, surgiu a necessidade urgente, por parte da Companhia Insulana de Navegação, de se construir um novo navio que emparceirasse com o Cedros no serviço de transporte de passageiros e carga entre as ilhas. Impunha-se, de facto, um acréscimo de viagens que satisfizesse as exigências da população insular. Se bem o pensou melhor o fez a Insulana. Assim, aquela empresa, que na altura detinha o monopólio do transporte de pessoas e mercadorias entre as ilhas açorianas, mandou de imediato construir um novo navio, o qual foi baptizado com o mesmo nome da maior e mais importante urbe açoriana - “Ponta Delgada”.

O Ponta Delgada foi construído em Lisboa pela construtora NAVALIS, por encomenda da Empresa Insulana de Navegação, destinando-se, de facto, a substituir o Arnel, no serviço de transporte de pessoas e mercadorias nos Açores. O contrato de construção foi assinado a 10 de Março1960. A quilha foi assente em Novembro do mesmo ano, o casco lançado à água em 3 de Abril do ano seguinte e o navio foi dado como pronto e entregue à Insulana em Dezembro seguinte, sendo seu primeiro comandante o capitão Armando Gonçalves Cordeiro. Depois de visitado pelo Ministro da Marinha, almirante Fernando Quintanilha e registado na capitania do porto de Lisboa, o novo navio de passageiros entre as ilhas saiu da capital com rumo a São Miguel, ancorando na doca de Ponta Delgada, em Janeiro do longínquo ano de1962. Apartir de então deu início a viagens regulares entre as ilhas, largando de Ponta Delgada ou para Santa Maria ou para as ilhas do Grupo Central. Na segunda viagem que fez ao Faial, o navio rumou às Flores e Corvo, passando assim a assegurar o serviço de passageiros entre todas as ilhas dos Açores, nomeadamente para as Flores, onde intercalava as viagens com as do Carvalho Araújo, alternando-as mensalmente com o Cedros, permitindo deste modo que a ilha fosse visitada por um navio de quinze em quinze dias. Durante os vinte e dois anos em que navegou nos mares açorianos, servindo as nove ilhas, o Ponta Delgada apenas numa das suas viagens, enquanto veio a Lisboa para reparação, foi substituído por um navio grego, o Aquileus IV, alugado para tal, pela empresa responsável.

O Ponta Delgada tinha cerca de sessenta e dois metros de cumprimento e dez de largura máxima, tendo capacidade para o transporte 400 passageiros e mais de mil toneladas de carga. Com o casco pintado de azul escuro e a restante parte de branco, o navio desfrutava apenas duas classes de passageiros com beliches, mas possuía, na parte traseira um enorme salão, com bancos. Assim aos viajantes mais pobres, era possível abdicar de viajar em primeira ou segunda classe com preços muito caros e optar pela compra de um bilhete de viagem bastante mais barato, na categoria de salão, sem direito nem a beliche nem a alimentação. Quem fizesse esta opção teria que se apressar e, atempadamente, conseguir um lugar no salão para passar a noite, o que por vezes era muito difícil, uma vez que o mesmo se encontrava, geralmente, sobrelotado e, pior do que isso, a abarrotar de vómitos e de cheiros nauseabundos. No entanto, viajar no Ponta Delgada, tinha uma vantagem, pois uma vez que não transportava gado e, dado que o volume de carga era reduzido, as viagens das Flores à Terceira eram bem mais rápidas do que as do Carvalho, demorando geralmente duas noites e um dia.

O Ponta Delgada, que até durante os anos em que serviu os Açores, chegou a fazer alguns cruzeiros ao Continente, cessou a sua actividade transportadora nas ilhas no ano de 1985, sendo, pouco tempo depois, fretado para ser efectuada a bordo a rodagem de um filme. A partir daí e após algumas obras de restauro e modernização, passou apenas a ser utilizado para a realização de pequenos cruzeiros entre Lisboa e o Algarve, efectuando no entanto, anos mais tarde, uma viagem a Moçambique, país onde foi utilizado também com meio de transporte de passageiros. Após esta sua aventura africana, o Ponta Delgada regressou a Lisboa e atracou ao cais do Poço do Bispo, onde permaneceu treze anos, abandonado, marginalizado, destruído e apodrecido, acabando por afundar-se em 3 de Junho de 2001. Triste fim, este do “nosso saudoso” Ponta Delgada, tão útil e tão querido dos açorianos e sobretudo dos florentinos que, familiarmente, o tratavam simplesmente por “ Pontalgada”.

O Ponta Delgada, nas suas viagens às Flores, fez serviço por diversas vezes na Fajã Grande e dele se contam inúmeras aventuras e “estórias”, sendo a mais célebre aquela em que numa noite de temporal o navio, abandonou a doca do Faial e partiu para as Flores. Ao longo da viagem, o estado do tempo piorou substancialmente e a umas boas milhas de distância do Faial, o comandante perdeu o controlo do leme, ficando o barco à deriva, assolado por ventos muito fortes e por ondas altíssimas. Todos entraram em pânico, incluindo o comandante que revelava enormes dificuldades na orientação e comando do navio. Uma onda mais forte provocou-lhe um rombo na borda do casco. Era o fim! A tragédia total” Foi então que um experiente marinheiro do Pico, aclimatado a ventos e tempestades ainda mais fortes, decidiu tirar o leme das mãos do comandante, assumindo ele próprio a condução do navio e em poucas horas conseguiu fazê-lo regressar ao Faial, onde foi recebido por todos com enorme alegria. Os passageiros e a tripulação estavam todos salvos, apenas o navio sofrera graves prejuízos.

 

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publicado por picodavigia2 às 01:39

ROCHEDO ESGUIO

Sábado, 16.11.13

o céu

revestido

de um cinzento

escuro…

 

junto ao mar,

apenas

um rochedo,

esguio,

tisnado de carvão,

- pedra negra, pujante -

que as gaivotas,

ao redopiar,

ornamentam,

com o rastro sincronizado dos seus voos.

 

lá longe,

um barco

navega

sem rumo…

 

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publicado por picodavigia2 às 22:11

SAMUEL SILVEIRA AMORIM

Sábado, 16.11.13

Samuel da Silveira Amorim nasceu na vila da Calheta, ilha de S. Jorge, em 19 de Fevereiro de 1901, tendo falecido em Ponta Delgada, S. Miguel em Novembro de 1989. Nas letras distinguiu-se por escrever quadras ao jeito popular, tomando como tema a exaltação das belezas da sua terra natal e a faina dos seus habitantes, na terra e no mar. Cultivou igualmente o verso alexandrino, dentro da mesma temática do louvor da natureza. Esta, fixada em quadros onde prevalece a nota realista, estende-se para além dos limites da sua ilha, numa mais vasta abrangência de horizontes que englobam as ilhas vizinhas. A sua obra poética encontra-se reunida em Versos da Mocidade. Também se notabilizou no género teatral, sendo o autor das peças Qual dos Dois? e Casamento. Como jornalista foi colaborador da imprensa insular.

 

Dados retirados do CCA – Cultura Açores

 

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publicado por picodavigia2 às 22:09

BONDADE

Sábado, 16.11.13

“A bondade é uma linguagem que o surdo consegue ouvir e o cego consegue ler."

 

 (Mark Twain)

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publicado por picodavigia2 às 22:06

CUADA

Sábado, 16.11.13

Povoado pertencente à freguesia da Fajã Grande, composto por cerca de dezasseis habitações, alguns palheiros e uma "Casa do Espírito Santo", atravessado por caminhos empedrados, sinuosos, delimitados por muros de pedra seca, que fazem a ligação às povoações vizinhas e ao Ramal da Fajã Grande. O povoado está rodeado de cerrados de formas e dimensões irregulares e todo o conjunto beneficia do enquadramento paisagístico da caldeira da Fajã. Alguns dos catorze edifícios que foram recuperados e adaptados para o turismo eram palheiros. Alguns dos restantes encontram-seem ruínas. Podem-seainda ver algumas cisternas anexas a palheiros ou habitações.

De um modo geral os edifícios são de planta rectangular ou formando um "L", com um piso ou piso e meio. As antigas lojas aproveitam o desnível do terreno, com acesso directo a um logradouro.

Todas as construções são em alvenaria de pedra à vista (excepto uma casa ainda não adaptada e a "Casa do Espírito Santo" que são rebocadas e pintadas) e têm telhados de duas águas em telha de meia-cana com beiral simples e telhão de cimento na cumeeira.

Era uma vez uma aldeia de onde partiram todos os habitantes. Uns anos depois alguém se lembrou de reconstruir as casas e começar a receber turistas. Uma óptima ideia, e assim nasce o pretexto para visitar a aldeia da Cuada, nas Flores. Quando todos os habitantes emigraram para a América. Até que um dia alguém teve a bela ideia de recuperar as catorze antigas casas de pedra e criar um aldeamento turístico. Não foi uma empresa fácil, desde logo conseguir contactar os proprietários, depois as negociações, as burocracias, e por fim a transformação de ruínas em cómodas moradias. Como recompensa por todos os esforços a aldeia foi classificada pelo Governo Regional dos Açores como património cultural com interesse histórico, arquitectónico e paisagístico. Mas estamos certos de que o que mais agrada aos donos são os testemunhos que os hóspedes, das mais diversas proveniências, deixam ficar no Livro da Aldeia.

Um lugar onde o tempo parou no momento em que a natureza se revelou no seu auge, deixando-a intacta, plena de vida!
Na Aldeia da Cuada, só os muros e as casas de pedra basáltica irrompem o manto verdejante dos campos, por onde vagueiam os cheiros das flores e das árvores de fruto.
Terra onde, até hoje, os veículos motorizados nunca chegaram, ficou quase deserta e as suas casas abandonadas.

O aldeamento turístico da Cuada estabelece a ponte de ligação entre esse tempo antigo e a modernidade, recuperando as habitações originais da Aldeia e adaptando-as às actuais necessidades de conforto.

Situado na costa oeste da ilha das Flores, num pequeno planalto sobranceiro à Foz da Ribeira Grande, o aldeamento turístico da Cuada é composto por 10 casas originais recuperadas e adaptadas às actuais necessidades de conforto, sem perder a traça rural das casas construídasem pedra. Coma zona balnear da Fajã Grande a apenas dois km de distância, é difícil acreditar que estamos num paraíso rural quase intocado, em que o verde dominante só é rasgado pelo basalto dos muros e das casas desta aldeia, que foram recuperadas respeitando a traça original. Todas elas estão equipadas com cozinha e dispõem de um convidativo pátio com cadeiras e espaço para churrasco. A qualidade da intervenção valeu-lhe a distinção regional de ser considerada Património Cultural com Interesse Histórico, Arquitectónico e Paisagístico. Ali mesmo, a2 quilómetros, na zona balnear da freguesia da Fajã Grande, um dos locais da ilha das Flores mais procurados na época do Verão, um mar de azul profundo convida a um banho vitalizante. À espera, na esplanada do restaurante local, a os temperos da deliciosa gastronomia da ilha retemperam forças.

Hoje, quem fica a dormir na   Aldeia da Cuada, pode experimentar o sabor da vida de outros tempos e ter um   contacto muito próximo com a natureza. A partir da aldeia, e seguindo a pé   pelos vários percursos possíveis, há quedas de água, lagoas deslumbrantes,   encostas inteiras de musgo e flores selvagens, matas e muitas vistas de mar,   onde às vezes se vê ao largo a pequena Ilha do Corvo.

As Flores são um dos melhores   locais de Portugal para mergulhar e pescar dada a abundância de espécies   marinhas e a transparência do mar. É impressionante a quantidade de peixe que   se vê à vista desarmada, bem como a facilidade com que os locais pescam   abundantemente com canas rudimentares.

Passeando de carro pelos   montes, para além das variações da paisagem, é possível ver muitos coelhos -   considerados uma praga e aos quais é possível dar caça todo o ano, diz-se que   ainda há quem use, ilegalmente, a antiga técnica de fazer entrar os furões   nas tocas para obrigar os coelhos a sair para uma morte certa.

Junto à Aldeia da Cuada está a   povoação da Fajã Grande, o ponto mais ocidental da Europa não continental, e   junto a este, a Poça do Bacalhau, a pequena lagoa onde desagua uma altíssima   queda de água. A apenas alguns metros de distância uma praia de grandes   pedras cinzentas com um sete de ondas arrasador.

 

Dados retirados de  “Folheto Publicitário”

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publicado por picodavigia2 às 21:58






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