PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
GANHOA
Ganhoa é uma palavra típica e exclusivamente açoriana. Trata-se do nome com que, popularmente, se designa uma espécie de gaivota muito comum em todas as ilhas do arquipélago. Trata-se da Gaivota-de-patas-amarelas ou Ganhoa, uma das aves marinhas mais fáceis de identificar. De facto, não há outra que nidifique nos Açores que com ela se possa confundir. Os adultos são brancos com excepção do dorso e das asas que são cinzento-claro e das pontas das asas que têm manchas pretas. As aves adultas têm as patas amarelas e um anel orbital de cor laranja escura e em alguns indivíduos quase vermelha. O bico também é amarelo e possui uma pequena mancha vermelha na ponta da mandíbula inferior que se estende ainda claramente à mandíbula superior. No inverno, os adultos adquirem uma plumagem acastanhada na cabeça. Nos juvenis, a plumagem varia ao longo dos três primeiros anos permitindo assim identificar a idade. Os juvenis do primeiro inverno são acastanhados e têm o bico preto e as patas e tarsos cor-de-rosa seco e, ao contrário dos adultos, apresentam uma faixa preta na extremidade da cauda.
A Ganhoa nidifica e tem o seu habitat em todas as ilhas dos Açores, onde existem mais de 4200 casais, distribuídos por 32 diferentes colónias. O número de Ganhoas açorianas já foi avaliado por duas vezes, em 1984 e em 2004, tendo-se verificado um aumento de quase 60% no número de casais reprodutores durante esse período. Sabe-se que a colónia da Lagoa do Fogo na ilha de São Miguel é a única que se situa no interior de uma ilha, estando todas as outras localizadas em falésias, zonas costeiras ou ilhéus. As maiores colónias localizam-se na Lagoa do Fogo e nos ilhéus do Topo, na ilha de São Jorge e das Cabras, na ilha Terceira. Estudos recentes, realizados pela professora da Universidade dos Açores, Verónica Neves, indicam que as Gaivotas estão a estender a sua distribuição nos Açores e nos últimos anos a espécie foi também observada a nidificar nos ilhéus da Vila, em Santa Maria, das Contendas, na ilha Terceira e no de Vila Franca do Campo, em São Miguel.
Estas aves podem ser observadas nas principais colónias de nidificação ao longo de todo o ano. Começam a construir o ninho em Abril e as posturas de dois a três ovos, castanhos e com manchas escuras, ocorrem entre meados deste mês e meados de Maio. As primeiras crias eclodem no início de Maio e tornam-se voadoras a partir de finais de Junho, inícios de Julho.
A Ganhoa é uma espécie oportunista e sinantrópica, estando bastante associada ao homem e beneficiando do alimento abundante disponível em lixeiras. Nos regurgitos produzidos pelas Gaivotas é possível encontrar um pouco de tudo, papel, vidro, plástico, etiquetas plásticas de marcar frangos, beatas de cigarro, etc. Na colónia dos Capelinhos na ilha do Faial, um adulto chegou mesmo a regurgitar cogumelos e milho quando estava a ser anilhado. É nas ilhas de maior densidade populacional como São Miguel e Terceira que a proporção de lixo na dieta das Gaivotas é maior. Mas, para além da forte associação aos detritos humanos, as Gaivotas também caçam e pescam muito bem. A sua dieta inclui Pombo-da-rocha, Canários e outros pequenos pássaros, incluindo as crias das Cagarras. Embora raros, os casos de canibalismo também ocorrem e algumas Ganhoas adultas podem matar e ingerir crias de ninhos vizinhos. As Ganhoas seguem com frequência barcos de pesca e é provável que muitos dos peixes de que se alimentam sejam obtidos dos desperdícios e do engodo lançados ao mar pelos pescadores. Mas também são capazes de capturar peixes e mesmo caranguejos e outros crustáceos.
A Ganhoa é, segundo Verónica Neves, a única ave marinha residente no arquipélago ao longo de todo o ano, todas as outras realizam migrações, afastando-se mais ou menos dos seus locais de nidificação. É uma espécie bastante cosmopolita e não possui ameaças graves nos Açores. Pelo contrário, constitui ela própria uma ameaça para outras espécies de aves marinhas, nomeadamente, para as mais pequenas e sensíveis como os Painhos e Garajaus, pois alimentam-se de Painhos adultos e de ovos e crias de Garajau e competem com os Garajaus por locais de nidificação.
Dados retirados de: Neves V. C., Population status and diet of the Yellow-legged Gull in the Azores.
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MÚSICA DE CANA
A criação de uma Filarmónica na Fajã Grande, no início da década de cinquenta, a chegada à freguesia dos instrumentos, vindos de Lisboa, a Bordo do Carvalho, as lições de solfejo, os ensaios quase diários, na Casa do Espírito Santo de Cima e, sobretudo, a primeira actuação da Senhora da Saúde, no dia sete de Setembro de 1951, a abrilhantar a festa em honra da sua homónima, foram acontecimentos ainda hoje presentes na memória de muitos e que marcaram, significativamente, não só a vida mas também os costumes de uma boa parte da população da Fajã, muito especialmente dos homens e rapazes, nomeadamente dos que constituíam o seu elenco. Mas as próprias crianças da freguesia também se imiscuíram e emaranharam de tal forma com a chegada da Filarmónica Senhora da Saúde, designada, simplesmente, por “a Música”, que até alteraram as suas tradicionais e quotidianas brincadeiras.
Na realidade não havia ensaio, nem muito menos cortejo em que Filarmónica participasse, nem se verificava uma actuação em público que a Música realizasse, sem que toda a ganapada da freguesia não estivesse presente, quer ouvindo os diferentes sons que iam saindo de todos e de cada um dos instrumentos, quer, no caso dos cortejos, correndo em procissão atrás dos músicos e das suas atraentes fardas azuis e brancas. E mesmo quando a Senhora da Saúde era convidada e ia actuar à Ponta ou à Fajãzinha, lá ia a miudagem toda atrás. Um enlevo! Mas um enlevo que cedo se alastrou de forma contagiante e galopante, passando a dominar tudo e todos, a sobrepor-se e até a fazer esquecer muitos outros folguedos, divertimentos e brincadeiras.
O sonho da criançada era ter também uma Música, em ponto pequeno, claro, mas que tocasse, que desfilasse e que percorresse as ruas da freguesia a fim de que todos ouvissem os seus belos acordes e se deleitassem com as suas suaves melodias. Sonhavam os fedelhos imitar os adultos. Se bem o sonharam melhor o fizeram e, cedo se generalizou a ideia de que seriam as canas, tão abundantes na Ladeira e no Outeiro, que devidamente cortadas e trabalhadas, haviam de transformar-se em pequenos instrumentos musicais, nos de sopro, claro, porque bombo, pratos e tarola arranjar-se-iam doutra forma. O bombo era o mais difícil de conseguir. Talvez alguém tivesse um tambor de tocar pelos Reis e Ano-Novo que os havia numa ou noutra casa, mas servia muito bem uma simples peneira das grandes, estragada e abandonada, forrada de papelão que alguém surripiasse lá em casa. A tarola até podia ser a simples tampa de um barril de cal que os comerciantes deitavam fora e os pratos duas tapas de caldeirões ou tachos de alumínio que se haviam de procurar na lixeira das Furnas. Os restantes instrumentos, esses sim, haviam de ser feitos de canas, com muita mestria, arte e engenho.
Canas, havia-as, em grande quantidade, ali perto, na Ladeira, no Outeiro e até no Pico. Mas era preciso saber escolher as melhores. Nem muito secas, nem muito verdes e umas mais grossas outras mais delgadas. Era preciso, também, junto a um dos nós, descobrir a película, isto é, ir cortando a cana, muito suavemente, com uma navalha, até ficar a descoberto a película interior, tarefa ingrata e difícil, pois vezes sem conta, com a cana já cortada ou com o instrumento já construído, esta película rompia-se. Era a película que produzia o som, quando se soprava na outra extremidade do canudo, som que se diferenciava consoante a maneira de soprar, a espessura e o tamanho da cana e ainda com a área maior ou menor de película descoberta. A restante parte de cada instrumento era feita também com canas, com vimes e com espadanas que se iam juntando e amarrando ao tubo inicial e que continha a película já descoberta. A requinta e os clarinetes eram fáceis de elaborar. Bastava, apenas, que a seguir o tubo com a película se deixassem mais dois ou três nós da própria cana, nos quais se abriam buraquinhos, destinados apenas a simular os buracos e as chaves que continham os clarinetes a sério. Depois os trombones que também eram de fácil execução, exigindo, no entanto três canas. Uma semelhante à dos clarinetes, mas mais curta, uma segunda pouco maior do que esta e uma terceira bastante comprida. Para a execução de um trombone eram também preciso um vime ou outra vara maleável e fios de espadana. Os vimes, devidamente cortados, ligavam as pontas das três canas: a da película que se estendia à frente do rosto ligava-se à cana grande, sendo amarradas com a espadana, na posição horizontal. Depois unia-se a parte de trás da cana grande, com outro vime, à outra cana mais pequena, mas na posição vertical, e amarrava-se também com espadana, de maneira a que, esta terceira cana se projectasse, enquanto se soprava a primeira cana, atrás da orelha esquerda. Estava o trombone feito. Com técnicas semelhantes faziam-se os cornetins, as trompetes e até os saxofones, mas estes com as canas dobradas e amarradas em forma de z. Mais difíceis de fazer eram os Contrabaixos, os Bombardinos e as Trompas e, por isso mesmo, raramente, constituíam o conjunto dos instrumentos musicais.
E estava a Música pronta. Escolhia-se o maestro com a sua batuta, enfileiravam-se os tocadores, de dois a dois ou três a três e desfilava-se pela Assomada e pela Rua Direita que era um primor. Nem a Senhora da Saúde a sério! Só que de vez em quando uma ou outra película rompia-se, depois mais uma e outra, três, quatro e, por vezes, até a banda toda. Mas verdade é que mesmo sem película todos tocavam os seus instrumentos, parecendo tudo aquilo, em tais situações, uma perfeita e verdadeira “Cana Rachada”.
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CASA COM JANELAS PARA| O SOUSA
Casa pobre, humilde, modesta e muito antiga, mas com duas janelas voltadas para o rio Sousa. As paredes de um castanho amarelado, de tal maneira despidas de cal, deixavam ver os pedacinhos de xisto com que haviam sido construídas e que, semelhantes a tabuinhas, se sobrepunham e entrelaçavam uns nos outros, em camadas simétricas e rendilhadas que iam do chão ao telhado e se prolongavam ao longo dos muros e paredes circundantes. Tinha um aspecto muito tosco e rústico, com portadas de madeira carcomida pelo tempo, sem grandes vidraças e com dois andares. No rés-do-chão ficavam as lojas de arrumos, uma adega muito pequenina, a cozinha e a retrete. O primeiro piso, a que se tinha acesso apenas por uns degraus exteriores também de xisto e ladeados por um corrimão de ferro enferrujado, era constituído por uma sala e dois quartos e eram estes que tinham as janelas voltadas para o Sousa, porque a casa, na realidade, ficava muito perto, mesmo nas margens deste afluente do Douro, um rio de águas límpidas, cristalinas e azuladas, repletas de uma imensidade de barbos, carpas, bogas e outros pequenos peixes que se movimentavam em loucas correrias, em constantes rodopios e em simulados ziguezagues. O Sousa deslizava calma e suavemente, atravessando uma planície onde, de um lado e outro das suas margens, se escarrapachavam campos atulhados de milho e com ramadas de vinha a servir-lhe de tecto e se acomodavam terrenos divididos por beiradas de amieiros, choupos e videiras, todos muito férteis e produtivos. No Inverno, enquanto aguardavam as sementeiras, os campos com as vinhas despidas de folhagem, tinham um aspecto avermelhado e escurecido, mas na Primavera revestiam-se com o verde dos milheirais, dos legumes e das vides e no Verão começavam a amarelecer até alourarem por completo no Outono. A ladear a casa e também com as portas voltadas para o rio, as cortes onde os animais se aninhavam, refastelando-se em descanso à espera de sustento e da do destino.
Casa com janelas para o Sousa gasta e desfeita pelo tempo!
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O NAITIGÃO
Há semanas que ela andava excessivamente entusiasmada com a preparação do enxoval para o seu casamento. Pais comerciantes e sogros lavradores remediados conjugavam as condições necessárias e os meios adequados para que a festa fosse de arromba e o enxoval de luxo ou que ao menos ombreassem com os melhores que, até então, a freguesia inteira tinha presenciado.
Desde há muito que se haviam apaixonado um pelo outro e iniciado o namoro. Sem grande oposição dos progenitores, ambos de boas famílias, ambos com comportamento exemplar e com algumas posses, começaram a frequentar a casa de um e do outro e, algum tempo depois, foi feito o pedido, foram anunciados os proclamas nas missas dos três domingos da praxe e, por fim, marcada a data do casamento. A mãe dela, que o pai já havia falecido, como era costume na Fajã, pagava as despesas mas os pais dele também se comprometiam a colaborar empenhadamente nos arranjos e a ajudar nos preparativos para boda. Mas o enxoval era totalmente da sua responsabilidade. Havia de ser ela própria a escolher os tecidos, a seleccionar os modelos, a conjugar as cores, enfim a indicar e a escolher tudo o que mais gostasse e, em sua opinião, lhe ficasse melhor. Com vestidos, casacos e blusas até nem se preocuparia muito. Mas havia duas coisas de que não podia abdicar de se esmerar na escolha: o vestido de noiva e o “naitigão” para a noite de núpcias.
O vestido, porém, não trouxe grandes dificuldades, desassossegos ou consumições. A senhora Elizinha, a costureira escolhida pela família, tinha muitas revistas, algumas até vindas da América, com vestidos de noiva para todos os gostos e de todos os feitios, por isso, a escolha foi fácil e acessível. Agora o “naitigão”, esse fiava mais fino, era mais difícil de optar, apesar de ela saber muito bem o que queria e desejava. Havia ser de tule, de um tule discreto, de cor creme e pouco transparente e havia ser curto, bastante curto, por meia perna e cavado… sem mangas. Sonhava que assim se lhe apresentaria naquela noite única e mágica, mais sensual, mais atraente, mais apetecível, mais mulher. A Irene, a amiga de sempre, havia-lhe jurado a pés juntos que, na noite de núpcias, havia noivos que até tiravam a camisola interior e ficavam em tronco nu. Talvez ele também o fizesse e com um “naitigão” de cavas havia de poder abraçá-lo melhor, sentir o calor do seu corpo, o carinho dos seus braços, a excelência da sua ternura, o enlevo do seu carinho. E ele também havia de gostar de a ver assim, apreciar a sua beleza, excitar-se coma suavidade da sua pele, talvez até lhe beijasse os braços, como tentara fazer certo dia, numa aba mais escondida de uma parede da ladeira das Covas, quando regressavam da Ponta, da festa da Senhora do Carmo. Ele puxou-a para a frente dos outros, começaram a correr como se fossem loucos sem, no entanto, conseguir esquivar-se por completo do grupo.
Em casa da senhora Elizinha o vestido e o “naitigão” começavam a tomar forma e feitio. Já tinha feito duas provas e preparava-se para a terceira. Estava tudo quase pronto. Mas era sobretudo o “naitigão” mais do que o vestido que começava a ser gabado, elogiado e cobiçado por amigas e vizinhas que o viam e a invejavam cada vez mais. Só que entre as candidatas a apreciadoras de tão excelsas e invulgares vestimentas, apareceu, certa tarde, uma futura cunhada. Uns anos mais velha do que ela, solteira, assumidamente casta, presumivelmente virgem, muito da igreja, muito de missas, de novenas e de devoções e, como se isso não bastasse, muito mandona e muito habituada a ser ela a decidir e a resolver tudo o que à sua família dizia respeito, de acordo com os seus princípios religiosos e os seus valores morais.
Ao entrar em casa da Elizinha, ao apreciar o enxoval e ao deparar com o “naitigão” de cavas desesperou, exasperou, gritou e berrou de tal modo que ninguém a calava. Que aquilo era uma grande pouca-vergonha, que era um descalabro, um horror. Mas aquilo não ficava assim. Ai não ficava não. Havia que impor dignidade, decência e respeito e se, a mãe dela o não fizesse, havia de ser ela própria a fazê-lo. Por isso procurou, de imediato, a futura noiva, com a denodada intenção de a demover de tão vil, energúmeno e quase sacrílego “naitigão”.
- Um “naitigão” de cavas, e ainda por cima curto e transparente! Nem pensar! Isso são coisas do demónio, desejos do “coiso-mau”. Lembra-te que o teu corpo é morada de Deus e da Santíssima Trindade. Nunca o hás-de profanar com tão grande, vil, indigna e imunda pouca-vergonha.
E voltando a casa da Elizinha, deu ordens rigorosas e indiscutíveis de que fizesse um “naitigão” decente, de flanela, mas da boa, comprido até aos artelhos e com mangas, como era apanágio das meninas de bem da freguesia.
- Com mangas, ouviu bem? Com mangas e bem compridas. – Repetiu vezes sem conta à Elizinha.
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ALBANO CORDEIRO
Albano Cordeiro nasceu na Ribeira Grande, ilha de S. Miguel, em 29 de Outubro 1914, onde faleceu, em Abril 1964. Albano Cordeiro foi um poeta de inspiração tradicional, romântico e sentimentalista, de cuja produção sobressaem sonetos ao gosto de Antero de Quental.
Viveu toda a sua vida na cidade natal. A sua obra reunida em três pequenos livros, o último dos quais, Mercê da Saudade, foi publicado postumamente. As outras publicações foram: O Poema de uma Juventude e Regresso.
Dados retirados do CCA – Cultura Açores
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O LUGAR DA ESCADA-MAR
A Escada-Mar era um dos lugares mais belos e mais airosos de todos os lugares da Fajã Grande. Situava-se num enorme planalto, sobranceiro à Silveirinha e tinha como fronteiras, a sul a Alagoinha de Baixo e os Paus Brancos, a oeste o Pocestinho, a norte a Silveirinha e a leste o Cabeço da Rocha e a própria Rocha. Aliás era esta proximidade da Rocha, pela qual a Escada-Mar era como que protegida, que conferia àquele lugar uma maior graciosidade, uma inexaurível beleza e uma invulgar singularidade. Por um lado beneficiava da proximidade da Rocha, precisamente no local onde esta atingia a sua maior altitude e no sítio em que estava cada vez mais atafulhada de verde, de tufos e de regatos, junto de quem a Escada-Mar parecia aninhar-se. Além disso a sua situação altaneira, o descampado de que estava aureolada e o perfume que emanava das ervas e plantas que cobriam o seu chão, tornavam a Escada-Mar um lugar ímpar e extraordinário.
Segundo algumas pessoas de idade mais avançada e também de acordo com alguns registos de propriedades situadas naquele local e que se encontravam inscritas no Registo Predial de Santa Cruz das Flores, o verdadeiro nome deste invulgar e original lugar, noutros tempos, seria o de “Escada do Amaro”, verificando-se assim uma evolução fonética provocada pela forma de falar do povo fajãgrandense, pautada fundamentalmente por critérios de facilitismo e simplicidade. Quem seria este Amaro que deu nome à Escada-Mar? Será de todo impossível sabê-lo. Com certeza que seria algum habitante da Fajã que por ali tivesse uma ou mais propriedades. Porquê “escada”? Poder-se-ão encontrar duas razões para explicar a presença da palavra “escada” neste topónimo. Uma delas, talvez a mais evidente e razoável, seria a seguinte: como o local ficava num planalto sobranceiro à Silveirinha, era preciso subir para lá chegar. Nos anos cinquenta a Silveirinha ligava-se ao planalto da Escada-Mar por uma ladeira que fazia parte do velho caminho entre a Fontinha e os Lavadouros. Mas antes da construção deste caminho e, consequentemente, antes da tal ladeira existir, possivelmente o acesso àquele local poderia ser feito por uma escada ou por degraus de pedra, que muito provavelmente se situariam numa propriedade de um tal Amaro. Esta poderá ser a explicação mais plausível, mas não única. Existe uma outra explicação, embora menos provável: poderia também um certo Amaro ter levado para ali uma escada para usar em qualquer uma das suas actividades, como por exemplo na apanha de fruta ou outra. No entanto a justificação anterior parece mais lógica, plausível e provável.
A Escada-Mar ou Escada do Amaro apesar de ser um local de grande beleza e de excessiva agradabilidade, era, no entanto, uma zona de terrenos pouco férteis e bastante pobres, uma vez que ficava situado numa zona de transição entre os férteis terrenos de cultivo da Silveirinha e as terras das árvores frondosas do Pocestinho e do Pico Agudo e ainda entre as viçosas relvas da Alagoinha. Era pois uma espécie de zona neutra (nem de cultivo, nem de mato, nem de relvas) e, por isso mesmo, por ali havia apenas algumas relvas de erva pouco viçosa e uma ou outra terra de cultivo de fraca produtividade. Além disso e, como ficava perto da Rocha, os terrenos por ali existentes estavam crivados de pedras e calhaus os quais, muito provavelmente, em tempos idos, se haviam despegado daquele alcantil e caído ali. Mas na década de cinquenta, não se podia considerar a Escada-Mar uma lugar de risco, uma vez que a Rocha já estava bastante calcificada e enrijecida.
Na Escada-Mar, um pouco antes do sítio onde o caminho se bifurcava, com uma saída para o Pocestinho, havia um enorme descansadouro, talvez o maior da freguesia e que servia para que descansassem os homens que vinham carregados do Pocestinho e de todos os lugares contíguos ao caminho que dava para os Lavadouros.
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MADRESSILVA
Fui plantar a madressilva,
Entre os rochedos do mar.
Nasceram bredos e cardos,
Sombras de lava, sem par!