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HONGA DO JAPÃO

Domingo, 15.12.13

No final da década de cinquenta e início da de sessenta chegou à Fajã Grande e provavelmente a outras freguesias e localidades da ilha das Flores, um estranho, esquisito e intrigante ser vivo, na altura designado por “honga do Japão” ou mais simplesmente “folha do Japão” e hoje perdido no tempo e até na memória de quantos, mais ou menos emocionalmente, lidaram, de perto, com ele.

Ainda hoje se desconhece qual a sua origem e quem o trouxe para a ilha das Flores, nem sequer, na altura, se soube e, provavelmente, nunca se saberá se era um animal ou uma planta. É que, por um lado, o seu aspecto assemelhava-se realmente ao de um cnidário ou celenterado do tipo das águas vivas, neste caso uma água viva gigante, semelhante às que abundam nalgumas praias mediterrânicas do norte de África, ou ao de uma medusa ou de uma alforreca, mas, por outro, era denominada com a estranha designação de “folha”, dando assim a entender que poderia muito bem tratar-se apenas de uma espécie vegetal, neste caso uma planta aquática, do género dos nenúfares.

A honga do Japão chegou à Fajã inesperadamente e depressa e sem reservas foi adoptada por todas as famílias e se espalhou por todas as casas, dado que se reproduzia com muita facilidade. Bastava retirar para um recipiente de vidro um copo do líquido em que a honga estava embebida e onde tinha o seu habitat e zás… Tínhamos filhote pela certa, com a vantagem de este crescer e se tornar adulto em poucos dias.

A loucura de se procurar e sobretudo de se possuir um exemplar deste invulgar bicharoco, tinha a ver com as suas proclamadas, exaltadas e mais que demonstradas qualidades medicinais, curativas e tonificantes. É que a folha do Japão, para sobreviver, era colocada numa terrina ou travessa de vidro, onde, de três em três dias, se devia regar com uma boa quantidade de chá preto, frio. A dita cuja, ao mesmo tempo que se alimentava com este chá, ao fim de três dias, transformava-o num outro chá, adocicado, saboroso e agradável de se beber e, dado que produzido por ela, designado por “chá da folha”. Segundo a opinião generalizada dos fajãgrandenses, esse chá era milagroso, dado que, por um lado curava todas as doenças e maleitas e, por outro, revigorava e fortalecia os que nem doentes estavam, mas o bebiam. Por isso, novos, velhos, homens e mulheres, toda a gente na Fajã bebia o chá da honga, os que se sentiam doentes para se curarem e reestabelecerem e os que gozavam de boa saúde para se revigorarem e evitarem possíveis doenças.

Sem honra nem glória a honga do Japão foi sol de pouca dura. Feneceu ou evaporou-se. Na realidade, passados poucos anos após a sua chegada à Fajã, desapareceu por completo, não deixando rastos a não ser uma ténue e pouco clarificante memória do seu curto mas intensivo, gratificante e como que mágico reinado, naquela que é mais ocidental localidades europeia

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publicado por picodavigia2 às 23:27

DESFOLHADA

Domingo, 15.12.13

Numa aula de Português pedi aos meus alunos que escrevessem um texto sobre alguns costumes antigos das suas freguesias. Se nada soubessem ou desconhecessem costumes antigos que se dirigissem aos seus avós ou a outra pessoa de mais idade, que estes sim, haviam de lembrar-se de muito coisa. Mais lhes disse que ficaria muito satisfeito com tudo o que me dissessem pois, sendo açoriano, desconhecia os usos e costumes do Continente, sobretudo desta região do Douro Litoral, que escolhera para viver.

O Sérgio, um dos melhores alunos que tive ao longo do meu percurso de professor, confessando-me ter recebido uma preciosa ajuda do avô, saiu-se com este belo texto, ao qual eu apenas dei alguns retoques:

“Antigamente, aqui, no Douro Litoral era, geralmente, no fim de Setembro ou no início de Outubro que se cortavam as canas já bem secas do milho, onde ainda estavam presas as espigas, as quais eram transportadas para a eira no típico carro de bois, pois era aí que se faziam as desfolhadas. Para a realização da desfolhada escolhia-se, normalmente, uma noite de Lua Cheia, ou uma das que a antecediam ou procediam. Os adultos, grupo constituído por familiares, vizinhos e amigos do dono da casa, sentavam-se em círculo, em pequenos banquinhos, na eira, à volta do amontoado das espigas e, enquanto lhes iam arrancando o folhelho, contavam histórias e anedotas ou cantavam ao som de um acordeão ou de outros instrumentos. No caso de haver alguém que o soubesse fazer, cantava-se ao desafio. Por sua vez as crianças, dispensadas do trabalho, brincavam, corriam e saltavam em alegres folguedos. À medida que se desfolhava o milho, iam-se amontoando as espigas em cestos de verga, de folhas ou de vime, os quais, depois de cheios, eram despejados no canastro ou colocados, directamente, no espigueiro. Os jovens e sobretudo os rapazes e as raparigas solteiros ou os pares de namorados que participavam em cada desfolhada, regozijavam-se, entusiasmavam-se e empolgavam-se na esperança de encontrarem o milho-rei para poderem dar um beijo ou, no mínimo, um abraço à namorada, na menina dos seus sonhos ou até numa desconhecida, caso não tivesse namorada. A dona da casa, ou alguém por ela, de vez em quando, suspendia a desfolha, levantava-se e ia buscar uma malga cheia de vinho muito vermelho e perfumado, a borbulhar e a escorrer pelas bordas brancas, que todos iam saboreando, à vez. Depois de vazia, voltava a encher a malga outras tantas vezes, quantas fossem necessárias para que todos bebessem e alguns voltassem a beber e todos ficassem saciados. Simultaneamente, algumas criancinhas, trajando aventais bordados, transportavam pequenas cestinhas forradas com panos de linho rendado, a abarrotar de pedacinhos de broa e presunto espetados em palitos e figos secos, que todos comiam. De seguida, homens e mulheres voltavam ao trabalho. De repente e com enorme alarido alguém gritava “Milho-Rei! Milho-Rei!”. A tarefa era suspensa de imediato e fazia-se uma grande festa de regozijo. As crianças, suspendiam as suas brincadeiras e vinham sentar-se ao redor do amontoado do milho. É que o feliz contemplado com a espiga de grãos vermelhos teria que abraçar todos os homens presentes e beijar todas as mulheres, entre as quais, eventualmente, estaria a sua apaixonada. Terminada a desfolha de todas as espigas, varria-se e limpava-se a eira e servia-se uma merenda: broa, presunto, salpicão, chouriças assadas, azeitonas e vinho, enquanto o acordeão continuava a emitir sons alegres e harmoniosos. Então os homens, as mulheres e as crianças formavam pares e dançavam pela noite dentro.

As desfolhadas além de se organizarem numa estrutura de entreajuda entre famílias, entre vizinhos e também entre amigos, tinham um importante papel social, pois era muitas vezes nas desfolhadas que se descobriam amores, que se confirmavam os já existentes, se solidificavam os mais fragilizados, dado que era a única ocasião em que, graças à descoberta de uma espiga de milho vermelho, eram toleradas e permitidas certas ousadias como a de um homem abraçar ou beijar, na face e em público, uma mulher que não fosse sua familiar ou com a qual não era casado.”

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publicado por picodavigia2 às 21:45

O MELHOR DA FESTA

Domingo, 15.12.13

“O melhor da festa é esperar por ela.”

Mais um douto adágio retirado da sabedoria popular fajãgrandense, por altura dos anos cinquenta, em que era bastante utilizado, sendo, no entanto, mais aplicado no sentido figurado do que no real. Este provérbio servia para lembrar às pessoas que quando desejamos muito alguma coisa, o nosso maior enlevo e dedicação é precisamente antes de a possuir, ou seja, enquanto esperamos por algo de que gostamos muito ou que é bom para nós é que nos deleitamos e entramos em êxtase. Assim que possuímos ou atingimos o que tanto se desejava ou a partir do momento em que passámos a ter o objecto do nosso desejo, a concretização de algo que queremos ardentemente, desde que isso mesmo passe a fazer parte do nosso quotidiano, o interesse e o empolgamento iniciais, normalmente, começam a diluir-se e a decrescer, sendo até que, por vezes num espaço de tempo não muito longo, se esvaem quase por completo, chegando mesmo a aniquilarem-se ou a desaparecerem. Este comportamento verificava-se sobretudo entre as crianças, a quem mais se aplicava o adágio no sentido real. De facto estas, ao saberem que iriam ter um determinado brinquedo ou outra coisa qualquer que desejavam ardentemente, aguardavam a sua chegada com um querer muito intenso, com uma vontade muito alegre, como se de um sonho maravilhoso se tratasse. Porém, algum tempo depois de possuírem aquele brinquedo com que tanto sonharam, já pouco por ele se interessavam. Algo de semelhante se passava com a magia da chegada do Natal, que por estas alturas se celebrava na Fajã Grande, embora de forma e com matizes muito diferentes do actual.

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publicado por picodavigia2 às 14:52

CARREGAR DE ABÓBORAS

Domingo, 15.12.13

Na Fajã Grande, quando um par de namorados acabava o namoro, quer fosse o rapaz a deixar a rapariga ou esta a abandonar aquele, dizia-se que aquele dos dois que decidia terminar o namoro, quer fosse ele quer fosse ela “carregava de abóboras” o outro.

Só que esta expressão “carregar de abóboras” era, geralmente utilizada com um sentido depreciativo, talvez mesmo humilhante, ou até com a premeditada intenção de apoucar aquele ou aquela que era abandonado e que ficava só e triste, enquanto o seu parceiro ou parceira já tinha estabelecido ou optado por um novo relacionamento amoroso e, por isso mesmo, vivia feliz e realizado. Na realidade ninguém gostava de ser “carregado de abóboras”, nem sequer de supostamente ser acusado de tal facto. 

Não é fácil, no entanto, encontrar a origem de tal expressão. A abóbora na Fajã, contrariamente a outras localidades do país, era pouco apreciada como alimento pelos humanos, sendo mais utilizada no cardápio dos animais, especialmente dos porcos. Geralmente não se fazia sopa de abóbora e o doce elaborado com aquela cucurbitácea rareava. Apenas, de vez em quando, se comia abóbora cozida, sendo partida aos pedaços, limpa de pevides e posta a cozer juntamento com a batata branca. Eram os suínos os principais consumidores de abóbora, comendo-a diariamente, mas crua. Quando cozida, as sobras da abóbora eram amassadas juntamente com as batatas, farelo e couves picadas para fazer a célebre “bola” para alimentar as galinhas.

Seria este uso pouco requintado e quase insignificante da abóbora na alimentação das pessoas, tendo em conta que a sua produção nas terras da Fajã Grande era bastante significativa, que estaria na origem desta metáfora. Por outras palavras, como havia muita produção de abóboras na freguesia e como estas eram pouco apreciadas como alimento, havia que lhes dar consumo e atirá-las, em ar de gozo, para as costas de alguém que se encontrasse em estado de choque ou de nítida insatisfação, devido ao doloroso abandono por parte da pessoa amada. Que servissem, ao menos, para carregar os que haviam ficado “a ver navios” em questão de namoro.

Não parece muito plausível esta interpretação mas apresenta-se como a mais lógica.     

De resto o único e principal simbolismo que, em quase todo o mundo, se dá à abóbora está ligado ao Halloween, celebração, na altura, desconhecida, por completo, na Fajã Grande. Também nunca se ouvira contar a célebre lenda, segundo a qual, após a sua morte, Jack, um conhecido brincalhão irlandês, foi proibido de entrar no céu por conta das suas brincadeiras, e também foi recusado entrar no inferno por ter enganado o diabo, que, muito bondoso, lhe deu uma pedaço de carvão aceso para iluminar seu caminho pela escuridão. O carvão estava dentro de um nabo oco, para que a sua chama durasse mais tempo, fazendo com que ele ficasse conhecido como Jack O'Lantern. Os irlandeses usavam nabos para fazer as suas decorações, mas quando emigraram para a América descobriram que as abóboras eram muito mais abundantes e práticas, e passaram a utilizá-las em vez dos nabos. Assim nasceu a tradição de se colocarem velas dentro de abóboras, transformando-as em rostos humanos. Tudo isto, porém, era desconhecido na Fajã Grande dos anos cinquenta, assim como não havia conhecimento de outras superstições sobre abóboras, tais como: “Comer abóboras, por serem redondas, na passagem do ano dava sorte.”, ou “As abóboras significam fertilidade, abundância.” e esta outra “Sonhar com abóboras significava herança próxima, lucros inesperados.”

Parece pois, que a explicação inicialmente referida será, não apenas, a mais razoável mas também a única, para se entender o porquê da metáfora tão frequentemente utilizada na Fajã Grande: “carregar de abóboras”.

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publicado por picodavigia2 às 10:32

A MORTE DO FOLIÃO DO SENHOR ESPÍRITO SANTO

Domingo, 15.12.13

O Ledesma regressou à Fajã muitos anos depois de ter partido para a Améria. Ainda criança acompanhara o pai, esquivando-se para os States, a bordo duma escuma que ancorara ali para os lados do Canto do Areal, já ao anoitecer, sem que ninguém desse por isso, nem a guarda costeira desconfiasse o que quer que fosse. A «Voice of the Sea» fora rápida na sua escala nos mares da Fajã. Carregara meia-dúzia de clandestinos e pusera-se na alheta, antes que o pior acontecesse. Ainda a noite não escurecera por completo e já desaparecera no mar alto, deixando atrás a mancha negra da ilha e as luzes frouxas dos pequenos faróis que povoavam a sua orla marítima. Algumas semanas depois estavam na costa leste dos Estados Unidos, à espera do “trem” que os havia de levar até à outra banda do mundo, onde se dizia, havia uma espécie de “el dorado” para quantos, de tão longe, demandavam aquelas longínquas paragens. Fixou-se o Ledesma pai, juntamente com a criança, surripiada de entre as brumas e escarpas açorianas, para os lados do Vale de São Joaquim, nos arredores de Fresno. Não tardou o Ledesma filho a crescer, a tornar-se um jovem forte e robusto, começando a ajudar o pai nas lides campestres e no pastoreio. E quando o velho pai, alguns anos depois, resolveu voltar à ilha onde nascera, o filho decidiu não o acompanhar, permanecendo na terra do Tio Sam por mais um bom punhado de anos.

Fez fortuna o Ledesma e, quando se decidiu por regressar às Flores, estava ao que se dizia, podre de rico. Chegou à Fajã, construiu casa na Fontinha, comprou terras de cultivo e de mato, relvas, gado, apetrechos agrícolas e utensílios domésticos. Casou e decidiu-se ficar ali, para sempre. Nada de anormal pois aquela era a terra que o vira nascer. Mas como a estadia na Califórnia havia sido longa e prolongada, o Ledesma demorou algum tempo, quer a inteirar-se dos usos e costumes da terra que o vira nascer, quer a conhecer os seus hábitos e as suas tradições.

Certo dia, pouco depois do seu regresso da Califórnia, decidiu que havia de deslocar-se a Santa Cruz, a fim de registar umas propriedades que comprara lá para as bandas do Queiroal. Levantou-se cedo e partiu sozinho, cuidando que ainda conhecia os atalhos e veredas que em criança havia calcorreado com o pai. Saiu de casa, subiu a Fontinha, atravessou o Alagoeiro e a Ribeira e iniciou a subida da Rocha ainda noite escura, embora já se vislumbrassem, sobre a Caldeirinha, alguns raios de luz esbranquiçada, a anunciar que o dia nasceria em breve. Ao iniciar a subida da Rocha, no entanto, notou que ao seu redor havia um silêncio enorme, medonho e enigmático. Não havia um único pássaro que fizesse ecoar a sua voz por aqueles recantos a anunciar o amanhecer. O mesmo acontecia com os galos das capoeiras da Fontinha que permaneciam mudos como nunca. Talvez fosse mais cedo do que pensava e, por isso, continuou a subir a Rocha, descontraidamente. Ao chegar ao Descansadouro o silêncio parecia ainda maior, o que voltou a despertar a admiração e o espanto do Ledesma. Como poderia estar o dia prestes a nascer e não haver, no meio de todo aquele arvoredo, uma única ave que anunciasse, com o seu belo e alegre canto, o início de mais um dia? À Fonte Vermelha sentou-se e pôs-se a escutar com mais atenção. Nada! Que raio! O que teria acontecido a aquela passarada para estar assim silenciosa? Indignado continuou até ao cimo da Rocha. A manhã já clareara por completo, mas pássaros a cantar… nem um para amostra. Nada de cantorias. Inquieto, admirado, embasbacado e já um pouco confuso, o Ledesma seguiu o seu trajecto até Santa Cruz, sem que, ao longo de todo o percurso, ouvisse cantar um único pássaro que fosse.

Entrou na Vila já a manhã ia a meio. Santa Cruz parecia deserta, assombrada, entristecida. O Sol escondera-se por completo, um denso manto de nuvens cobria o povoado, tornando a vila sombria, soturna e pardacenta. Nas ruas, não se viam pessoas, nos campos não pastavam animais e os ramos das árvores estavam pejados de pássaros, mas, incompreensivelmente, permaneciam todos silenciosos. Ao chegar à Praça, apenas viu um velho, sentado num banco, soturno e sorumbático, como que a olhar o infinito. Dirigiu-se a ele, indagando-o sobre o que se passava e sobretudo porque seria que naquela manhã, estranhamente, não se ouviam os pássaros a cantar. Foi então que o velho, fixando-o com os olhos rasos de lágrimas, esclareceu:

- Só tu vives nesta terra e não sabes o que se passa, no dia de hoje. Os pássaros não cantam, nem cantarão durante todo o dia, porque hoje morreu um folião do Senhor Espírito Santo. No dia em que morre um folião do Senhor Espírito Santo, toda a Terra chora, os Céus ficam muito tristes e até os pássaros não cantam!

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publicado por picodavigia2 às 10:03

O PRESÉPIO QUE SE FAZIA NA MINHA SALA

Domingo, 15.12.13

{#emotions_dlg.painatal}Na minha casa, apesar de pobre e pequenina, todos os anos, pelo Natal, fazia-se um gigantesco e descomunal presépio.

Era num dos cantos da sala, naquele que ficava virado para as traseiras e do lado da cozinha, porque era o único que habitualmente não tinha barra, cómoda, ou caixa de roupa, onde estavam colocadas meia dúzia de cadeiras dispostas em ângulo recto e que, por essa razão, por alturas do Natal, eram dali retiradas.

O presépio era muito bonito e grande, ocupando rigorosamente uma boa terça parte da sala e nele, para além da gruta e das figuras religiosas, havia de tudo: montes, vales, caminhos, ribeiras, pontes, casas, igreja, pessoas, animais e uma enorme estrela.

No canto da sala eram colocados bem encostados à parede cestos velhos, tábuas retiradas das caixas de sabão e caixotes de papelão de modo a formarem uma espécie de monte, com uma furna ou gruta feita de maneira que desde tempos idos se guardava de ano para ano. O dissimulado monte era depois muito bem coberto e forradinho com leivas de musgo que íamos apanhar ao Outeiro, enchendo e carregando pesados cestos. Por todo o monte pastavam um sem números de ovelhas branquinhas, feitas também de papelão, nas quais se colavam pedacinhos de lã, mas apenas do lado que estavam voltadas para fora. A gruta, escura mas aconchegada, ficava encravada bem no meio do monte e era coberta e forrada também com musgo. O chão era de palha e lá se colocava uma manjedoura, feita de pequenas tabuinhas, à volta da qual estavam a vaca e o burro, ambos deitados. Ao lado apenas as imagens de São José e da Virgem, dado que o Menino só era colocado na manjedoura na noite de Natal e os pastorinhos, carregadinhos, só apareciam no dia seguinte. Sobre a gruta estava colocado um anjo e sobre este, mas suspensa do tecto por um barbante, uma enorme estrela feita com papéis brilhantes. Circundando todo o monte e em frente à gruta, já sobre o soalho, era construída o pequeno povoado com casas, nas quais se incluía, do lado da porta da cozinha, o sumptuoso palácio de Herodes e, do lado da janela de trás, já muito longínqua e retirada, a pobre e pequenina casa de Barbearias. Era esta casa que São José demandara para ir buscar lume para aquecer a água para lavar o Menino, dado que todas as outras lhe haviam fechado as portas e recusado ajuda. Finalmente e bem no centro e ao lado da gruta ficava a igreja. Todas estas construções eram feitas com caixas de sapatos e outros papelões que íamos pedindo nas lojas, nos meses que antecediam o Natal e nas quais desenhávamos e recortávamos as portas e as janelas, sendo-lhes colados os telhados com papel canelado. Todas elas eram pintadas e por dentro das janelas eram visíveis os cortinados multicolores. Ao redor das casas ficavam pequeninas terras, feitas de musgo ou areia e divididas por pedrinhas, onde havia um sem número de vacas, porcos, galinhas e alguns cavalos. Casas e terras eram ligadas por caminhos feitos de areia e ladeados por pequeninos seixos trazidos da costa. Por toda a parte estavam colocados pratinhos com trigo já crescidote e muito verdinho que havia sido posto a germinar uns dias antes.

Construía-se assim uma espécie de pequenina cidade, atravessada por um rio que nascia no monte e por ele descia em ziguezague, até a uma enorme lago. Este era feitos com areia e pedacinhos de vidro, assim como o rio, cujo curso era atravessado pontes, umas de barro outras feitas com pequeninos paus, cortados e amarrados uns aos outros. No monte havia pastores, pelas ruas circulavam homens e mulheres e animais uns de barro outros de papelão, devidamente pintados ou recortados.

Os Reis Magos apenas eram colocados no dia de Natal. Desciam o monte, passavam junto à casa de Herodes, onde paravam e todos os dias andavam um bocadinho de maneira a que no dia seis de Janeiro chegassem à gruta.

O meu presépio era um dos maiores e mais bonitos da Fajã e, por isso, entrava muita gente em minha casa para o ver.

 

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publicado por picodavigia2 às 00:08





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