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A MANTA

Terça-feira, 17.12.13

«A Manta” era um dos muitos contos populares e tradicionais contados durante os longos serões de Inverno, nas casas da Fajã Grande, depois de se rezar o terço, enquanto as mulheres cardavam, fiavam e tricotavam a lã ou remendavam roupa, para entreter e, sobretudo, para ensinar as crianças, dado que muitos deles eram verdadeiras lições de moral, como é o caso de “A Manta” que aqui relato de memória.

Era uma vez um pai já de avançada idade que vivia na companhia de um filho. Este, porém, tinha mulher e filhos, e muitas terras para trabalhar e gado para tratar, não tendo, por isso, nem tempo, nem disponibilidade, nem paciência para cuidar do seu velho pai, durante os últimos dias da sua vida.

Considerando-o um empecilho para si e para a sua família e porque cuidava que ele já não havia de viver durante muitos anos, resolveu ir levá-lo ao mato, em sítio bem distante, onde ele ali ficasse, sozinho, abandonado, até morrer. No entanto, cuidando que ele havia de ter frio, levou consigo uma manta para o embrulhar.

Ao chegar ao local escolhido para o abandonar, sentou-o e desdobrou a manta para lha colocar por cima dos ombros e agasalhá-lo. O pai pediu-lhe a navalha e pegando na manta, cortou-a a meio, embrulhando-se numa metade e entregando a outra ao filho, dizendo-lhe:

- Leva esta metade contigo e entrega-a ao teu filho para que um dia, quando fores velho como eu, ele te faça o mesmo.

O filho caiu em si, arrependeu-se do que ia fazer, pediu perdão ao pai e trouxe-o, de novo para casa, tratando-o com muito carinho até aos últimos dias da sua vida.

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publicado por picodavigia2 às 23:36

A PULGUEIRA

Terça-feira, 17.12.13

Apesar de difícil e, por vezes, quase improfícua, é muito gratificante e deveras atraente a tarefa de se descobrir ou pelo menos tentar descortinar não apenas o significado mas também e, sobretudo, as razões que terão levado os nossos antepassados e primeiros povoadores da Fajã Grande a por um nome a este ou aquele sítio, isto é, a todos e a cada um dos mais de duzentos lugares dispersos pelos 12,55 quilómetros quadrados que constituem a área desta freguesia e que ainda existem com os mesmos nomes, embora alguns deles, hoje, estejam quase abandonados ou esquecidos.

Na Fajã Grande, como naturalmente nas outras freguesias da ilha e dos Açores, existem topónimos muito interessantes e com um significado histórico muito intenso e rico.

Um dos mais curiosos e extravagantes topónimos fajagrandenses é o de “Pulgueira”. Esta palavra, no feminino, não existe na língua portuguesa e, no masculino é muito pouco usada, sendo utilizada apenas no sentido burlesco, significando, neste caso e de acordo com a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, “cobertor”. Assim, pode concluir-se que este topónimo foi criado, pelos nossos antepassados, expressamente, para dar nome a um lugar da freguesia, o que é revelador da sua sabedoria e do seu espírito criativo.

A Pulgueira é um lugar situado no mato da Fajã Grande, que abrange uma enorme extensão de terreno, desde o Queiroal até à Água Branca e ao Rochão do Junco, confrontando e penetrando, a este, no concelho de Santa Cruz. Como a maioria dos lugares do mato da Fajã, a Pulgueira era sítio distante das casas e povoado de pastagens extensas e pouco férteis, onde se lançava o gado alfeiro, sobretudo no verão, dado que ficando longe de casa não permitia uma cansativa e demorada deslocação diária àquelas terras, por parte dos seus proprietários. No entanto, uma boa parte da Pulgueira não tinha dono, isto é, pertencia a uma zona comunitária chamada “concelho”, onde eram lançadas, soltas e sem acompanhamento humano, as ovelhas de todos os habitantes da freguesia que assim quisessem e bem entendessem.

A origem deste topónimo terá naturalmente a ver com a palavra donde, aparentemente, deriva ou seja “pulga” a que se adicionou o sufixo “eira” que também significa “local onde se coloca ou onde existe alguma coisa”. Assim como, por exemplo, estrumeira é um lugar onde existe estrume, pulgueira, se fosse palavra portuguesa, significaria um lugar onde existem pulgas. Ora como no mato, o gado era frequente e continuamente, atacado por um insecto parasita, chamado “pulgão”, que se assemelhava a uma pulga gigante, que não existia junto do povoado, nem nas terras baixas, é muito provável que esta zona dos matos da Fajã fosse mais fecunda em pulgões ou pulgas do mato. Terá sido decerto esta a razão pela qual os nossos antepassados inventaram e criaram este interessante e significativo topónimo: “Pulgueira”.

Situado bem lá no coração da ilha das Flores a Pulgueira ficava muito distante do povoado e, por isso, poucos eram os habitantes da Fajã que para lá se deslocavam, a não ser nos dias de Fio, quando, alta madrugada, iniciavam a tarefa de juntar das ovelhas, soltas e dispersas por aquele e por muitos outros lugares dos matos da Fajã e até da Fajãzinha e de Santa Cruz, conduzindo-as, de seguida, até ao Curral das Ovelhas, no Rochão Tamusgo, a fim de serem tosquiadas.

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publicado por picodavigia2 às 22:45

O POVOAMENTO DA ILHA DAS FLORES

Terça-feira, 17.12.13

As duas ilhas do Grupo Ocidental do arquipélago dos Açores - Flores e Corvo - foram as últimas a serem encontradas ou descobertas, o que terá acontecido no ano de 1452, quando do retorno da viagem de exploração de Diogo de Teive e seu filho, João de Teive, à Terra Nova. No início do ano seguinte, a 20 de Janeiro de 1453, D. Afonso V, rei de Portugal, fez a doação das ilhas de "Corvo Marini" ao seu tio, Afonso I, Duque de Bragança. Nesse documento de doação não é mencionada a ilha das Flores, uma vez que, à época, ainda não tinha nem este nem outro nome, sendo o Corvo considerado, apenas, um ilhéu deserto. As duas ilhas seriam doadas, anos mais tarde, ao Infante D. Henrique. Nesse testamento a ilha das Flores é designada por “ilha de São Tomás” e o Corvo “ilha de Santa Iria”. A actual designação de "Ilha das Flores", em uso desde 1474 ou 1475, deve-se, como é por demais sabido, à abundância de flores de cor amarela, os cubres que recobriam a ilha, cujas sementes possivelmente foram trazidas por aves migratórias desde a península da Flórida, na América do Norte.

O primeiro capitão donatário destas ilhas foi Diogo de Teive, passando a capitania a seu filho, João de Teive. Este cedeu-a a Fernão Teles de Meneses em 1475. Com a morte acidental de Teles de Meneses, a viúva deste, D. Maria Vilhena, que administrava as duas ilhas em nome do seu jovem filho, Rui Teles, negociou estes direitos com Willem van der Haegen. Foi este nobre flamengo, que por volta de 1470 havia chegado com avultada comitiva à ilha do Faial, depois de passar algum tempo na Terceira, resolveu fixar-se as Flores por volta de 1480, junto à foz da Ribeira da Cruz. Por essa altura ter-se-á começado a formar o primeiro lugar povoado da ilha, iniciando-se também o cultivo do pastel, planta tintureira, que no início do povoamento teve grande importância no desenvolvimento económico das ilhas açorianas. Willem van der Haegen permaneceu nas Flores apenas durante dez anos, findos os quais resolveu deixar a ilha, devido ao isolamento e à dificuldade de comunicações com as outras ilhas, indo fixar-se em de São Jorge.

Mais tarde, D. Manuel I faz doação da capitania-donatária a João da Fonseca, o qual, em 1504, retomou o povoamento da ilha, com elementos vindos da Terceira e da Madeira, aos quais se juntaram, por volta de em 1510, muitos indivíduos, oriundos de várias regiões de Portugal, sobretudo do norte. Este povoamento distribuiu-se ao longo da costa da ilha, com cada família a ocupar e trabalhar a parte de terra que lhe coubera, com base na cultura de trigo, cevada, legumes e na exploração da urzela e do pastel. A primeira povoação a mais crescer, a se desenvolver e a transformar-se em vila foi as Lajes, que recebeu carta de foral em 1515, com uma população, na altura, muito superior à de Santa Cruz. À vila das Lajes estavam subordinadas todas as restantes localidades da ilha das Flores.

Em meados de século XVI, muito provavelmente toda a ilha já seria povoada, sendo a sua população de cerca de 1300 habitantes. Crê-se que por essa altura terão chegado os primeiros colonos ao lugar da costa ocidental que hoje se chama Fajã Grande. No entanto, só no final do mesmo século e início do seguinte se terá fixado aí um grupo populacional fixo, originando um povoado que pertenceu à freguesia das Lajes, até 1676. Nessa altura passou a integrar e a ser um lugar da freguesia das Fajãs, tornando-se freguesia autónoma em 4 de Abril de 1861. Segundo Gaspar Frutuoso, no início do povoamento da ilha, as pessoas andavam descalças, as casas eram de palha, não havia caminhos e os contactos com as outras ilhas eram muito raros.

 

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publicado por picodavigia2 às 16:55

A BELA E A COBRA

Terça-feira, 17.12.13

(Conto Tradicional)

Era uma vez um rei que tinha três filhas, uma das quais era muito formosa e ao mesmo tempo dotada de boas qualidades. Chamava-se Bela. O rei tinha sido muito rico, mas, por causa de um naufrágio, ficou completamente pobre.

Um dia foi fazer uma viagem; antes porém perguntou às filhas o que queriam que ele lhes trouxesse. – Eu, disse a mais velha, quero um vestido e um chapéu de seda.

– Eu, disse a do meio, quero um guarda-sol de cetim.

– E tu que queres? – perguntou ele à mais nova.

– Uma rosa tão linda como eu, respondeu ela.

– Pois sim, disse ele.

E partiu.

Passado algum tempo trouxe as prendas de suas filhas, disse à mais nova:

– Pega lá esta linda rosa. Bem cara me ficou ela!

Bela ficou muito preocupada e perguntou ao pai por que é que lhe tinha dito aquilo. Ele, a princípio, não lho queria dizer, mas ela tantas instâncias fez, que ele lhe respondeu que no jardim onde tinha colhido aquela rosa encontrou uma cobra, que lhe perguntou para quem ela era; que ele lhe respondeu que era para a sua filha mais nova e ela lhe disse que lha havia de levar, se não que era morto. Depois disse ela:

– Meu pai, não tenha pena, que eu vou.

Assim foi. logo que ela entrou naquele palácio, ficou admirada de ver tudo tão asseado, mas ia com muito medo. O pai esteve lá um pouco de tempo e depois foi-se embora. Bela, quando ficou só, foi a uma sala e viu a cobra. Ia-se a deitar quando começaram a ajudarem-na a despir. Estava ela na cama quando sentiu uma coisa fria; deu um grito e disse-lhe uma voz: – Não tenhas medo.

Em seguida foi ver o que era e apareceu-lhe uma cobra. Ela, a princípio, assustou-se, mas depois começou a afagá-la. Ao outro dia de manhã apareceu-lhe a mesa posta com o almoço. Ao jantar viu pôr a mesa, mas não viu ninguém; a noite foi-se deitar e encontrou a mesma cobra. Assim viveu durante muito tempo, até que um dia foi visitar o pai; mas quando ia a sair ouviu uma voz que lhe disse:

– Não te demores acima de três dias, senão morrerás.

Ia a continuar o seu caminho e já se esquecia do que a voz lhe tinha dito. Chegou a casa do pai. Iam a passar três dias quando se lembrou que tinha de tornar; despediu-se de toda a sua família e partiu a galope; chegou lá à noite, foi-se deitar, como tinha de costume, mas já não sentiu o tal bichinho. Cheia de tristeza, levantou-se pela manhã muito cedo, foi procurá-lo no jardim e qual não foi a sua admiração vendo-o no fundo dum poço! Ela começou a afagá-lo chorando; mas, quando chorava, caiu-lhe uma lágrima no peito da cobra; assim que a lágrima lhe caiu a cobra transformou-se num príncipe, que ao mesmo tempo lhe disse:

– Só tu, minha donzela, me podias salvar! Estou aqui há uns poucos de anos e, se tu não chorasses sobre o meu peito, ainda aqui estaria cem anos mais.

O príncipe gostou tanto dela que casou com ela e lá viveram durante muitos anos.

 

José Leite de Vasconcelos, Contos Populares e Lendas

 

 

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publicado por picodavigia2 às 16:40

PREDESTINADO

Terça-feira, 17.12.13

Desde há muito que os mitos da inocência se haviam dispersado na mente de Banaboião que já despertara para o fascínio do mundo. Todas as donzelas de Lubisonda o desejavam, e ele, no seu íntimo, ripostava a esses desejos. Os seus apetites, instintos e paixões faziam tremer os sacrossantos desígnios de sua mãe, D. Aldonça, desígnios que quase ruíram, quando o coração de Bonabaião, sedento de amor e paixão, se abriu a Ximena, filha do sócio de seu pai Rigoberto Frojaz. Agora altar, ermitério e cenóbio eram miragem. D. Aldonça, no entanto, de nada se apercebera e continuava a acreditar piamente que o seu unigénito havia de seguir as pegadas de Jesus Cristo, Nosso Senhor.

D. Paio de Farroncóbias não apoiava tão nobre intenção, antes a contrariou, embora elogiasse a nobreza e dignidade de vida dos que, afastando-se dos prazeres e glórias mundanas, se entregam ao serviço de Deus Nosso Senhor. Porém, na opinião do alcaide de Trancoso, Banaboião era jovem e belo e decerto conquistaria o coração de muitas donzelas como ele próprio conquistara o da sua muito amada Iluminata. Além disso, era forte e bem constituído de corpo e de espírito, por isso o aconselhou e encorajou a seguir a carreira de armas e a lutar ao lado do rei de Portugal, D. Afonso Henriques, que assim tanto necessitava de jovens e valorosos guerreiros para que libertasse o reino dos infiéis sarracenos e se combatessem os inimigos da fé e que isso era um desígnio tão agradável a Deus como era o de subir ao altar e celebrar os santos mistérios da nossa Redenção ou o de se retirar para um eremitério para se entregar à penitência e ao sacrifício, unindo a sua vida à paixão e morte do nosso Redentor. Mais acrescentava que se fosse vontade de Banaboião e dos seus progenitores, seguir a vida de guerreiro, aceitá-lo-ia de bom grado na sua mesnada.

D. Aldonça protestava timidamente. Nunca deixaria o seu menino seguir tal destino. Que lhe perdoasse o ilustre guerreiro. Contava depois as noites e dias de preces sucessivas do seu tio D. Hermínio Guterres e dela própria, durante os seus anos de esterilidade. Finalmente Deus apiedara-se dela e dera-lhe Banaboião por isso o menino estava destinado ao serviço de Deus. Nascera numa manhã de Verão, rubente como uma peónia como que por milagre e durante o seu nascimento vários outros milagres aconteceram: ela não sofreu dores nenhumas, os sinos repicaram sem que ninguém os tocasse, o céu cobriu-se de pombas brancas, o aparecimento tardio e repentino de leite nos seus seios que na altura do nascimento estavam secos, o olhar fixo e contínuo do menino para imagem de Cristo enquanto se baptizava ainda só com oito dias de existência. Tudo isto eram indícios de que Banaboião nascera para se consagrar totalmente a Deus Nosso Senhor, ou antes, nascera já consagrado. Além disso, tudo nele era perfeito como ainda agora se podia observar: alvo de neve, olhos negros, proporção admirável de todos os seus membros, enfim, a perfeição completa o que vinha confirmar que Deus Nosso Senhor o havia escolhido para seu eleito como desde logo após o seu nascimento o confirmara seu tio Hermínio Guterres. Numa palavra, o seu menino era mais anjo do que criatura humana. Por isso não podia seguir as pegadas de D. Paio. Depois - continuava a explicar Aldonça, tentando demover D. Paio de Farroncóbias de tão drástica intenção - muito era o empenho e esmero que tinha posto na sua educação. Escolhera-lhe os melhores mestres que mais iluminados do que arcanjos cedo lhe ensinaram as primeiras letras, enquanto com ela e com vigário Guterres ele tinha aprendido os Mandamentos da Santa Lei de Deus e as Leis da Santa Igreja Romana. Mesmo agora, Aldonça considerava-o um espelho de virtudes pois que se lhe mantinham puros os instintos e os impulsos do coração como os sentidos se firmavam refractários aos engodos do apetite. Com mulheres apenas convivia com ela, sua mãe e com a jovem Ximena, mocinha jucunda, descuidada e nada mais igual à boninha que era ele. Tudo nele era orientado para que se dedicasse à vida monástica e ascética e ao serviço de Deus Nosso Senhor e não para combater fosse ao lado de quem fosse. Perante tais evidências e sobretudo por conselho do vigário Guterres ela sabia que ele era consagrado a Deus e assim como não o deixara seguir os negócios do pai também se opunha a que seguisse a carreira de armas.

D. Paio de Farroncóbias compreendeu e regozijou-se por estar em frente de tão predestinado jovem, desistindo assim de desviar para a guerra o que fora talhado para anunciar os mistérios de Deus Nosso Senhor.

 

Fonte de Inspiração – Aquilino Ribeiro São Bonaboião Anacoreta e Mártir

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publicado por picodavigia2 às 15:09

A BARRICA CHEIA

Terça-feira, 17.12.13

Contava-se, outrora, que há muitos, muitos anos, na freguesia de São Caetano do Pico, um homem havia prometido levar a coroa e dar um jantar em louvor do Senhor Espírito Santo. Porém o ano foi muito mau, o vento e a chuva destruíram muitas vinhas e, consequentemente, nasceram poucas uvas e muitas das que nasceram perderam-se ou não se desenvolveram, por isso a vindima foi muito fraca e houve muito pouco vinho. Assim o homem colheu poucas uvas, pelo que não conseguiu encher mais do que meia barrica de vinho.

 O homem ficou muito preocupado e os dias seguintes foram de grande angústia e tristeza, pois não teria vinho suficiente para dar às pessoas no dia do jantar e não tinha dinheiro para comprar mais algum.

 Mesmo assim esmagou as poucas uvas que colheu, com todo o cuidado, deixou-as fermentar e colocou o vinho na barrica, ficando mais de metade da mesma vazia.

 Passados dias, quando estava em casa a jantar, um vizinho chamou-o da rua e disse-lhe:

 — Ó homem, vai à tua adega que tens uma barrica a derramar vinho. Passei por lá agora mesmo e, cá fora, cheirava poderes a vinho.

 O homem ficou muito admirado, não acreditou, pois só tinha posto vinho numa barrica e esta nem meia tinha ficado. Era impossível que estivesse a deitar por fora, a não ser que, por qualquer razão, estivesse a vazar.

 Levantou-se, a tremer como varas verdes, foi logo para a adega, no Caminho do Meio, pensando que se calhar o pouco vinho que tinha já estava no chão e ia encontrar a barrica totalmente vazia. Já era pouco o que tinha e agora, provavelmente, ficaria sem nada.

 Quando chegou junto da adega, sentiu realmente cheiro a vinho e, qual não foi o seu espanto quando, ao abrir a porta, verificou que a barrica estava completamente cheia e a botar por fora.

 Ficou muito contente por ter abundância de vinho para pagar a sua promessa. Como estava cansado e cheio de sede, aproveitou o vinho que saia da barrica e encheu um tijela. Depois sentou-se e bebeu-a, achando o vinho delicioso e de excelente qualidade. Nunca se tinha bebido vinho tão bom, nem na sua adega nem nas dos seus amigos que ficavam ali à volta. O homem caiu então em si e acreditou que era um milagre do Senhor Espírito Santo. Contou-o a toda a gente e levou a coroa à igreja, coroou, fizeram-se as sopas, convidou para o jantar a freguesia toda. Todos beberam e admiraram-se porque nunca tinham bebido um vinho tão bom.

 

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publicado por picodavigia2 às 11:15

A CANÇÃO DA FOME

Terça-feira, 17.12.13

(Georg Weeth, poeta alemão 1822-1856)

 

 “Prezado senhor e rei,

Sabes a notícia grada?

Segunda comemos pouco,

Terça não comemos nada.

 

Quarta sofremos miséria,

E quinta passámos fome;

Na sexta quase nos fomos,

Não se aguenta quem não come!

 

Por isso vê se no sábado

Mandas cozer o pãozinho,

Senão no domingo, ó rei,

Vamos comer-te inteirinho.”

 

Georg Weerth, in “Rosa do Mundo 2001 – Poemas para o Futuro” (Assírio e Alvim).

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publicado por picodavigia2 às 10:40

NOVENAS DO NATAL

Terça-feira, 17.12.13

{#emotions_dlg.painatal}Outrora, na Fajã Grande e possivelmente em muitas outras ou talvez até em quase todas as aldeias, freguesias e pequenas vilas de Portugal, que nas cidades e nas grandes vilas era um pouquinho diferente, o Natal não se anunciava através da persistente publicidade televisiva, da desenfreada corrida aos shopings, da enxurrada de prendas a serem compradas em loucas correrias, nos fins-de-semana e feriados de Dezembro, de emails repletos de interessantíssimas imagens natalícias ou de um sem número de lâmpadas multicolores a piscarem nas árvores dos jardins e nos arcos que ornamentam as ruas ou nos telhados, nas janelas e nos frontispícios das casas, das igrejas e até dos monumentos. Nessa altura, o Natal, embora já sendo a enorme e importante festa que é hoje, na Fajã Grande e, muito provavelmente, em todos os mais pequenos recônditos de Portugal, sobretudo nos mais isolados no espaço e extirpados no tempo, anunciava-se e preparava-se através das “Novenas de Natal” que tinham início precisamente no dia dezasseis de Dezembro, ou seja, como o próprio nome indica, exactamente nove dias antes do Natal.

Na Fajã Grande, para além do seu conteúdo religioso orientado no sentido de anunciar preparar os fiéis para a celebração de tão majestoso acontecimento cristão, as Novenas do Natal tinham uma característica interessantíssima: eram celebradas de madrugada, muito antes do romper do dia ou do despontar da aurora. Esse ancestral hábito dava-lhes um sentido especial, um significado transcendente, fazendo com que fossem amplamente desejadas por todos. Alta madrugada, éramos acordados pelos adultos. Levantávamo-nos à pressa, passávamos um pingo de água pela cara, que não se devia sair para o frio da madrugada com o rosto quente da cama, vestíamos umas roupas seleccionadas de véspera e, bem agasalhados para nos prevenirmos dos rigores do Inverno, de lanterna de petróleo na mão, caminhávamos na noite escura, em direcção à igreja, acompanhados pelo alegre repicar dos sinos. As ruas enchiam-se de pequenas e trémulas luzinhas e de vultos apressados. O templo, num de repente, enchia-se de gente e iluminava-se com as titubeantes luzes emanadas das frouxas lanternas de candeeiros tisnados, com o pavio muito baixo a formar uma espécie de penumbra e a exalar um mefítico cheiro a petróleo mas como que a simbolizarem que estávamos à espera da verdadeira luz que havia de chegar em breve.

Entre preces, cânticos e orações ali ficávamos uma boa meia hora, por vezes quase a dormitar, à espera que os rituais, os cânticos e as orações, liturgicamente, apresentados pelo pároco se esgotassem, para regressarmos a casa ainda mais apressados e voltar para a cama nem que fosse mais uma pequenina nesga de tempo. Antes porém cantava-se o mágico e deslumbrante canto final, verdadeiro precursor da grande festa que dias depois havia de vir:

 

“Quando virá senhor o dia,

Em que apareça o Salvador,

E se efectue a profecia:

- Nasceu no mundo o Redentor?

 

Aquele dia prometido,

Da antiga fé dos nossos pais,

Dia em que o mal será banido,

Mudando em risos nossos ais.”

 

Quando virá senhor o dia,

Da suspirada redenção,

Encha-se o mundo de alegria,

De Deus se faça a encarnação."

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publicado por picodavigia2 às 09:14





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