PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
NATAL DIVINO
MIGUEL TORGA
Natal divino ao rés-do-chão humano,
Sem um anjo a cantar a cada ouvido.
Encolhido
À lareira,
Ao que pergunto
Respondo
Com as achas que vou pondo
Na fogueira.
O mito apenas velado
Como um cadáver
Familiar…
E neve, neve, a caiar
De triste melancolia
Os caminhos onde um dia
Vi os Magos galopar…
Miguel Torga
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OS ANTIGOS PRESÉPIOS NA FAJÂ GRANDE
Na Fajã Grande, e creio que em todas as localidades açorianas, nos anos cinquenta, sobretudo nas casas onde havia crianças, faziam-se, sempre, presépios, por altura do Natal. Grandes presépios, bonitos presépios! Presépios com uma gruta que abrigava a Virgem, o Menino e São José, com montes, com rios e lagos, com pontes, estradas e terras, com o palácio de Herodes, com igreja e com casas, entre as quais personificava uma muito especial, localizada num dos cantos do presépio. Era a casa de Barbearias, uma casa pobre, humilde, pequenina e a mais distante da gruta.
Na minha casa, apesar de pobre e pequenina, todos os anos, pelo Natal, num dos cantos da sala, armava-se um gigantesco e descomunal presépio. O presépio era muito bonito e grande, ocupando rigorosamente uma boa terça parte da sala e nele, para além da gruta e das figuras religiosas, havia de tudo: montes, vales, caminhos, ribeiras, pontes, casas, igreja, pessoas, animais, carros, uma enorme estrela e até um avião.
No canto da sala eram colocados bem encostados à parede cestos velhos, tábuas retiradas das caixas de sabão, achas de lenha, caixotes de papelão e outro entulho, de modo a formarem uma espécie de monte, com uma furna ou gruta feita com um dos cestos ou dos caixotes. O dissimulado monte era muito bem coberto e forrado com leivas de musgo que íamos apanhar ao Outeiro, enchendo e carregando pesados cestos. No monte pastavam um sem números de ovelhas branquinhas, desenhadas e recortadas em papelão, nas quais se colavam pedacinhos de lã, mas apenas do lado que estavam voltadas para o público. A gruta, escura mas aconchegada, ficava encravada bem no meio do monte e também era coberta e forrada com musgo. O chão era de palha e lá se colocava uma manjedoura, feita de pequenas tabuinhas, à volta da qual estavam a vaca e o burro, ambos deitados. Ao lado apenas as imagens de São José e da Virgem, dado que o Menino só era colocado na manjedoura, na noite de Natal e os pastorinhos, carregadinhos com ofertas, só apareciam no dia seguinte. Sobre a gruta estava colocado um anjo e sobre este, mas suspensa do tecto por um barbante, uma enorme estrela feita com papéis brilhantes. Muitas das imagens eram de barro, mas a maioria era de cartão e forradas com papel colorido ou pintadas. Circundando todo o monte e em frente à gruta, já sobre o soalho, era construído o enorme povoado, com casas, nas quais se incluía, do lado esquerdo, o sumptuoso palácio de Herodes e do direito, muito longínqua e retirada, a pobre, humilde e pequenina casa de Barbearias. Segundo uma lenda antiga, esta casa que São José demandara para ir buscar lume para aquecer a água para lavar o Menino, dado que todas as outras lhe haviam fechado as portas e recusado ajuda. Finalmente e bem no centro e ao lado da gruta ficava a igreja. Todas estas construções eram feitas com caixas de sapatos e outros papelões que íamos pedindo aos comerciantes, nos meses que antecediam o Natal e nas quais desenhávamos e recortávamos as portas, as torres e as janelas, sendo-lhes colados os telhados com papel canelado. Todas elas também eram pintadas ou se lhes colava papel colorido e, por dentro das janelas, eram visíveis os cortinados multicolores. Ao redor das casas ficavam pequeninas propriedades, feitas de musgo ou areia e divididas por pedrinhas, onde havia um sem número de vacas, porcos, galinhas e alguns cavalos. Casas e terras eram ligadas por caminhos feitos de areia e ladeados por pequeninos seixos trazidos da beira-mar. Por toda a parte estavam colocados pratinhos com trigo já crescido e muito verdinho que havia sido posto a germinar uns dias antes.
Construía-se assim uma espécie de pequenina cidade ou gigantesca freguesia, geralmente, atravessada por um rio ou ribeira que nascia no monte e por ele descia em ziguezague, até a um enorme lago. Este era feito com areia e pedacinhos de vidro, assim como o rio, cujo curso era atravessado por pontes, umas de barro outras feitas com pequeninos paus, cortados e amarrados uns aos outros. No monte havia pastores, pelas ruas circulavam homens e mulheres e animais uns de barro outros de papelão, devidamente recortados e pintados.
Os Reis Magos apenas eram colocados no dia de Natal, mas muito distantes da gruta. Desciam o monte, a passo lento, passavam junto ao palácio de Herodes, onde paravam e todos os dias andavam um bocadinho, de maneira a que, no dia seis de Janeiro, chegassem à gruta.
O meu presépio era um dos maiores e mais bonitos da freguesia e, por isso, entrava muita gente em minha casa para o ver.
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NATAL - BOCAGE
(UM SONETO DE BOCAGE)
Se considero o triste abatimento
Em que me faz jazer minha desgraça,
A desesperação me despedaça,
No mesmo instante, o frágil sofrimento.
Mas súbito me diz o pensamento,
Para aplacar-me a dor que me traspassa,
Que Este que trouxe ao mundo a Lei da Graça,
Teve num vil presepe o nascimento.
Vejo na palha o Redentor chorando,
Ao lado a Mãe, prostrados os pastores,
A milagrosa estrela os reis guiando.
Vejo-O morrer depois, ó pecadores,
Por nós, e fecho os olhos, adorando
Os castigos do Céu como favores.
Manuel Maria Barbosa du Bocage
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DIA DE NATAL (DIÁRIO DE TI ANTONHO)
25 de Dezembro de 1946
“Hoje é um dia muito especial. Como me lembro deste dia, como ele era antigamente, quando eu ainda era «monço» pequeno. Os sinos da nossa igreja não paravam de repicar, neste dia. Nessa altura, aqui na Fajã Grande, viviam dois padres e, como no dia de Natal cada um podia e devia dizer três missas, aquilo nunca mais acabava. Eram missas e missas atrás umas das outras, toda a manhã. Começava à meia-noite com a missa do Galo, celebrada pelo vice vigário, o padre José Francisco Morais, um homem muito inteligente e que mais tarde foi chamado pelo bispo para a Terceira, para ser professor no Seminário. No dia de Natal as missas começavam logo de madruga. A primeira era celebrada ainda de noite e destinava-se os que não tinham ido à missa do galo e era celebrada pelo cura coadjutor o padre Manuel Alfredo Goulart, de quem também ainda me lembro. Era um dia extraordinário e muito bonito. Os padres faziam longos sermões, durante os quais explicavam como o Natal devia ser celebrado, com muita alegria e paz, na simplicidade cristã do povo de Deus. Explicavam também com tudo aconteceu há quase 2000 anos, numa gruta, em Belém. Foi ali que nasceu, rodeado de Nossa Senhora e são José, um burrinho e uma vaca e muitos pastores e anjos. Uns dias mais tarde, chegaram os três Reis do Oriente.
Naqueles tempos as pessoas iam muito à igreja e assistiam às missas e a todas cerimónias religiosas. Na noite de Natal, então, a nossa igreja enchia-se. A missa era cantada e com sermão e os padres vestiam as roupas melhores, muito brancas e amarelas. O vigário celebrava e o cura pregava. Assim que o sino dava as badaladas, todos corriam para a igreja, a fim de chegarem a tempo e ouvirem o sacerdote cantar o “Glória in excelsis Deo” que era, segundo diziam, o momento em que Menino Jesus nascia. Nessa altura é que os sinos não paravam de repicar. A igreja ficava totalmente iluminada porque nesse momento as pessoas levantavam os pavios das lanternas de petróleo que levavam para a igreja. Era um momento muito bonito.
No fim da missa o padre ia buscar a imagem do Menino Jesus a um presépio que faziam de baixo do altar lateral, onde havia casas, montes, ribeiras, vales, terras de relva e lagoas como as dos nossos matos. Havia também pastores trazendo ovelhas e cordeiros às costas, pessoas a levarem ofertas, os reis Magos, São José, Nossa Senhora e o Menino Jesus deitado nas palhas de uma manjedoira. Havia sempre a casa de Barbearias, que foi quem deu o lume a São José para aquecer a água para dar o banho ao Menino Jesus.
No final da missa o padre ia junto presépio, pegava na imagem do Menino e colocava-se à grade para o “beija-pé” do Menino. Nas nossas casas também se faziam presépios com as figurinhas todas e com o burrinho e a vaquinha. Eram as crianças que ficavam muito contentes e se alegravam com tudo, pois passavam horas e horas diante do presépio a ver o Menino Jesus, Sua Mãe e S. José, com o burrinho, a vaquinha e os pastores ao lado. Para elas tudo era um encanto.
Nesse tempo nem havia presentes como agora. Em regressando a casa, depois da missa, cada um ia para cama, sonhar com o que vira e ouvira na igreja.
Depois de jantar, geralmente linguiça e torresmos com inhames, às vezes ainda morcela ou restos do galo que se comia na ceia do dia anterior, as mulheres faziam visitas aos familiares e às amigas e passavam a tarde nas casas umas das outras. Nós, os “monços” pequenos juntávamo-nos em ranchos a cantar pelas casas, neste dia, no de Ano Novo e no de Reis
Como era diferente o Natal de outros tempos! Hoje é tudo modernices. Muitos já nem à missa vão.
E porque é dia Natal, vou passar o dia em minha casa, com a minha Maria que este ano até fez filoses. Desejo, a todos, um Natal muito Feliz.
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AS MANHÃS DE NATAL NO SEMINÁRIO DE ANGRA OU O DOCE E SUAVE ACORDAR AO SOM DO ADESTE FIDELIS E COM A ALEGRIA CONTAGIANTE DOS TEÓLOGOS
No início dos anos sessenta, o Seminário de Angra, nos Açores, teria cerca de cento e trinta alunos, agrupados em três prefeituras. A prefeitura dos miúdos, também designada de São Luís Gonzaga, que abrangia, na altura, os alunos do terceiro e do quarto ano, os médios, ou prefeitura de São José, abarcando, por sua vez, os alunos do quinto ao oitavo ano e, finalmente, os teólogos, prefeitura que tinha como padroeiro o Coração de Jesus e que agrupava os alunos do curso de Teologia, correspondentes aos últimos quatro anos de frequência daquela que na altura era considerada a mais importante e a mais prestigiada instituição de ensino açoriana.
Embora partilhando o mesmo tecto e constituindo, juntamente com os professores e meia dúzia de empregados, uma família, os alunos de cada prefeitura circulavam em espaços próprios, exclusivos e limitados, tendo em comum apenas as salas de aula, a capela, no caso dos teólogos e dos médios, e o refeitório, no caso destes e dos miúdos. De resto uma disciplina rígida e rigorosa, de acordo com o regulamento interno, sendo expressamente proibido “comunicar”, isto é, os alunos de cada prefeitura não podiam falar com os de outra, a não ser com autorização expressa do respectivo prefeito, o que muito raramente era concedido. Assim como as camaratas e as salas de estudo, também os recreios eram separados, e até os passeios extra muros eram organizados e realizados em espaços e locais diferentes.
Verdade, porém, é que havia momentos e até dias, e entre estes, um muito especial, em que esta rígida e incompreensível disciplina era forçosa e radicalmente quebrada. Era no dia de Natal, mais concretamente, nas manhãs do dia de Natal. Era o almejado destronar-se, por um dia, daquele displicente e quotidiano bater de palmas do padre prefeito e do “Benedicamus Domine” que o mesmo atirava em catadupa para os ares silenciosos da madrugada, enquanto ia sacudindo um ou outro mais dorminhoco, que permanecia embrulhado nos cobertores, sem nem sequer responder “Deo gratias”. Mas nas manhãs do dia de Natal, tudo era diferente, mais gratificante e mais belo! Os teólogos, mantendo uma doce e maviosa tradição, entravam-nos pelas camaratas dentro e acordavam-nos entoando cânticos do Natal, acompanhados com ferrinhos, tambores e outros instrumentos. Eram momentos afectuosos, ternurentos, repletos de carinho, plenos de magia, a incentivar uma partilha de afectos. Os seus cânticos entonteciam-nos de alegria, enchiam-nos de encanto e ainda hoje perduram em eco redobrado nos corações de todos aqueles que, na altura jovens ou crianças, quase entontecidos e a espreguiçarem-se, esfregavam os olhos sonolentos, como que pasmados com aquela esperada mas sublime aparição. O sorriso alegre e meigo com que os “desejados invasores” nos brindavam tonificava-nos, fortalecia-nos e cravou-se em nós, nos mais pequenos, como um doce e agradável estigma. A sinceridade com que nos desejavam “Boas Festas” e a envolvência que transparecia nos seus cânticos, nos seus olhares e nas suas atitudes eram um incentivo que clarificava o nosso destino e nos motivava a caminhar com mais firmeza e convicção. A música polifónica do Adeste Fideles” misturada com a amizade e o carinho evidenciados em pequenos gestos ou em parcas palavras, fazia-nos, naquela mágica manhã, saltar da cama sem tormento ou hesitação, agarrar o dia com mais coragem e sentir o enlevo da amizade reinante entre todos sem entender o porquê de os outros dias não serem assim.
E aquela sonoridade sublime que emanava dos seus cânticos, aquele sorriso carinhoso que saía dos seus rostos, aquela alegria contagiante que emergia do seu olhar, aquelas palavras tonificantes que nos dirigiam e até as brincadeiras inocentes com que um ou outro mais folgazão nos brindava, na realidade, perduraram na memória de todos para sempre. Estes laços de encanto ternurento e mavioso jamais se desfizeram. Esta onda gigantesca de estima, de carinho, de camaradagem, de consideração recíproca e de respeito mútuo transformou-se numa amizade sólida e foi germinando, ao longo dos tempos, uma saudade imensa. É o eco persistente destes cânticos natalícios dos teólogos nas manhãs dos dias de Natal e o alegre e carinhoso sorriso que transparecia nos seus rostos que ainda hoje, nos trazem, permanentemente, à memória aqueles que, infelizmente, já partiram e também nos fazem recordar, com estima e consideração, quantos continuam a exercer o seu múnus sacerdotal nas ilhas açorianas ou os que se refugiaram nas terras mais distantes da América e do Canadá. Mas é sobretudo esta grata recordação que tem motivado um bom punhado deles (outrora professores, teólogos, médios ou miúdos) a reunirem-se, com uma regularidade inquestionável, de há vinte dois anos a esta parte, em franco, alegre e salutar convívio, ali, para os lados de Sintra, no Mucifal e agora nos ainda mais abrangentes encontros de Angra.
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A RENA CONTENTE
(UM CONTO DE NATAL ESCRITO POR CATARINA FAGUNDES – 7 ANOS)
Aproximava-se o dia Natal. O Pai Natal tinha um grande problema.
- Como é que eu vou entregar os presentes se o meu trenó não consegue andar?
No dia de Natal, apareceu uma rena que andava sozinha lá fora.
O Pai Natal ouviu um som estranho.
- Que barulho é este? – Perguntou o Pai Natal e veio abrir a porta.
A rena aproximou-se e o Pai Natal perguntou-lhe:
- Hoje, queres ajudar-me a distribuir os presentes a todas as crianças de todos os países do Mundo?
- É claro que sim! – Disse-lhe a rena que, muito contente, ajudou o Pai Natal a distribuir os presentes. E a partir desse dia, passou a viver com ele.