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OS MISERÁVEIS DE VITOR HUGO

Sábado, 28.12.13

O livro Os Miseráveis de Victor Hugo, publicado em 3 de Abril de 1862 simultaneamente em Leipzig, Bruxelas, Budapeste, Milão, Roterdão, Varsóvia, e Paris é, em minha opinião, um excelente livro, daqueles que se lêem duas ou mais vezes. A acção acontece na França do século XIX, entre a Batalha de Waterloo (1815) e os motins de Paris, Junho de 1832. É uma extensíssima narrativa, onde a ficção se envolve com a história, a filosofia, a ética, a moral, a religião, a psicologia, etc, sobre a vida de Jean Valjean e de variadíssimos personagens que com ele vão enriquecer os cinco volumes do romance, testemunhando a miséria daquele século e a pobreza miserável da sociedade francesa.

Jean Valjean, depois de cumprir 19 anos de prião nas galés - cinco por roubar um pão para sua irmã e sete sobrinhos, e mais catorze por inúmeras tentativas de fuga - é libertado, mas marginalizado por todos que o encontram, excepto pelo bondoso monsenhor Myriel, Bispo de Digne, nos Alpes Franceses. No entanto, em vez de se mostrar grato, Valjean, durante a noite, rouba-lhe uns talheres de prata e foge. De imediato é preso e levado à presença do Bispo que o salva, alegando que os talheres foram um presente, dando-lhe dois castiçais de prata e repreendendo-o por ter saído com tanta pressa e esquecer essas peças bem mais valiosas do que os talheres. Este gesto de bondade de Monsenhor Myriel nunca mais se apagará da memória do antigo presidiário e mudar-lhe-á, radicalmente, a vida. Anos depois, Valjean reaparece no outro extremo da França sob o pseudónimo de senhor Madeleine e torna-se um próspero empresário, dono de uma fábrica, um homem respeitado pela sua bondade e caridade, sendo eleito governador da cidade onde vive - Montreuil-sur-Mer. É aí que encontra o inspector Javert, antigo guarda prisional e chefe da polícia da cidade, que desconfia da identidade de Madeleine, perseguindo-o persistentemente, até o identificar como o antigo forçado, que conheceu quando trabalhava como guarda, na prisão de Toulon. É também em Montreuil que Madeleine conhece a desafortunada Fantine, que, algum tempo depois, morre, deixando sozinha a filha Cosette, que entregara aos cuidados dos Thérnardier, um casal de estalajadeiros, corrupto e sem escrúpulo, que maltratam e abusam da menina e extorquem dinheiro a Fantine. Perante informações de Javert de que o verdadeiro Valjean fora descoberto e havia de ser condenado e após uma longa noite de hesitação e sofrimento, Madeleine apresenta-se, em tribunal, como verdadeiro Valjean, sendo ele próprio condenado e levado para prisão, de onde foge para libertar Cosette das atrocidades dos Thérnardier, como prometera a Fantine. A partir daqui e depois do autor historiar a Batalha de Waterloo, a acção do romance decorre em Paris, onde todos os personagens se vão reencontrando em encontros e desencontros, misturando-se com outros, nas ruas e no convento Petit-Picpus, onde Valjean se torna jardineiro e onde Cosette recebe uma boa formação. Personagem de destaque, em Paris, é Marius Pontmercy, um aristocrata de segunda geração que se desentendeu com seu avô monarquista por causa das suas ideias liberais. Estuda Direito e junta-se aos estudantes revolucionários. No entanto, apaixona-se por Cosette, com quem casará, mais tarde. Ferido nos motins de Paris, Marius é salvo por Valjean, escondendo-se nos esgotos da cidade. No entanto Javert, que se intrometera nas barricadas como espião, ao ser descoberto e desmascarado é poupado à morte por Valjean, mas, vítima de um terrível conflito interior, atira-se ao Sena, suicidando-se. Nos motins de 5 de Junho surgem outras personagens como Enroljas, o líder dos Amigos do ABC e líder da rebelião de Paris. Trata-se de um jovem charmoso e de beleza angelical, apaixonado e dedicado à democracia, lutando pela igualdade, pela liberdade e pela justiça. Enjolras é um jovem de princípios que acredita numa causa - a criação, na França, de uma República Livre e Democrática, libertando os pobres, defendendo os oprimidos e onde todos são iguais. Mas ele e os outros revoltosos são executados pela Guarda Nacional, após a queda da barricada que haviam montado, em defesa dos seus princípios e valores. Outro personagem invulgar é Gavroche, filho mais velho dos Thénardier, abandonado pelos pais e que também participa, activamente, nas barricadas, sendo morto enquanto recolhia as balas dos mortos da Guarda Nacional para dar aos revoltosos. Por sua vez, sua irmã Eponine, mimada em criança, acaba sozinha nas ruas de Paris, quando chega à adolescência. Apaixonada por Marius, participa na rebelião e salva-lhe a vida, parando com a mão uma bala que o atingiria. Acaba por ser mortalmente ferida quando a bala, destinada a Marius, lhe atravessa a mão e as costas. Destacam-se ainda, como personagens, no romance de Victor Hugo: Baptistine, irmã do Bispo Myriel e Madame Magloire, a sua empregada, Gervais, um miúdo que Valjean rouba e depois, arrependido, lhe devolve a moeda, Félix Tholomyès, estudante rico e burguês, amante de Fantine e pai biológico de Cosette, que a abandona, Fauchelevent a quem Valjean salva a vida retirando-o debaixo duma carroça e que depois o abriga e esconde no convento Petit-Picpus, Bamatabois agressor de Fantine e Champmathieu, o vagabundo erroneamente confundido com Jean Valjean. São de referir também a irmã Simplice que cuidou de Fantine em seu leito de morte e a Madre Innocente, prioresa do convento Petit-Picpus. Nas ruas de Paris, aparecem, ainda, o Senhor Gillenormand, avô de Marius e a Senhorita Gillenormand, sua filha, o Coronel Georges Pontmercy, Pai de Marius, um oficial do exército de Napoleão, ferido em Waterloo, o Tenente Théodule sobrinho favorito de senhorita Gillenormand, o Senhor Mabeuf, amigo e protector de Marius, que também se junta aos insurrectos e que é baleado e morto no alto das barricadas, quando erguia uma bandeira vermelha. Por sua vez do grupo de estudantes revolucionários, para além do líder Enjolras, fazem parte Courfeyrac, Combeferre, Jean Prouvaire, Feuilly, Bahorel, Laigle, Joly e Grantaire. Paralelamente movimenta-se um grupo de bandidos, liderado pele malicioso Montparnasse e a que pertencem Claquesous, Babet e Gueulemer. Magnon é uma ex-funcionária de senhor Gillenormand e amiga dos  Thénardier recebem, fraudulentamente, uma parte dos pagamentos. Ela é presa por ser supostamente envolvida no roubo a Gorbeau e muitos outos. A história, finalmente, termina pouco depois do casamento de Marius e Cosette. Valjean confessa a Marius que é um forçado evadido. Marius, horrorizado com a revelação, consegue fazer com que Valjean, perdendo a vontade de viver, desapareça, gradualmente, da vida de Cosette. Apesar de tudo Marius e Cosette procuram-no, acabando por encontrá-lo nos seus últimos momentos de vida. Feliz por estar ao lado da filha e do genro, Valjean relembra todo o seu passado a Cosette e revela-lhe a identidade da sua mãe, Fantine, acabando por morrer feliz porque amado por ambos.

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publicado por picodavigia2 às 23:54

O GRUPO CORAL DAS LAJES DO PICO NA ABERTURA DA SEMANA DOS BALEEIROS

Sábado, 28.12.13

Ontem, dia 20 de Agosto de 2012, realizou-se a sessão solene da abertura da semana dos baleeiros, nas Lajes do Pico, presidida pelo Engenheiro Roberto Silva, presidente da Câmara daquela vila picoense,

Para além do presidente da edilidade, usaram da palavra o Dr Miguel Costa, Director Regional dos Equipamentos e Transportes, em representação do presidente do Governo Regional, o pároco da Matriz Lajense e o presidente da direcção do Grupo Coral das Lajes do Pico, Dr Manuel Francisco Costa.

No entanto o que mais caracterizou esta sessão de abertura da semana dos baleeiros e da festa de Nossa Senhora da Lurdes foi a actuação do Grupo Coral das Lajes do Pico que apesentou ao público com um repertório diversificado, com interpretação de obras de música clássica, de autores açorianos (Emílio Porto, Edmundo Oliveira, António Dionísio e outros) e ainda alguns números de música regional das ilhas.

A actuação do Grupo Coral das Lajes do Pico foi extremamente aplaudida pelos presentes, pelo facto de se tratar da primeira actuação oficial daquele Grupo, após o falecimento do seu fundador e maestro de sempre, Manuel Emílio Porto, em Abril transacto, sendo agora a direcção musical do grupo da responsabilidade do jovem maestro Ildeberto Peixoto, professor de música e vereador da Cultura da Câmara municipal lajense.

No discurso que proferiu, o presidente da direcção do Grupo Coral das Lajes do Pico, Dr Manuel Francisco Costa, referiu, com emoção, saudade e agradecimento,  a figura de Emílio Porto e do seu inequívoco contributo na formação e direcção musical do grupo desde a sua formação em 1983, até à altura em que faleceu, bem como o seu valioso contributo como músico de excelente qualidade e que nos legou um notável acervo musical.

Outro facto digno de relevo é o de esta cerimónia ter como cenário a igreja Matriz das Lajes, o que, não sendo inédito, é um bom augure do quanto se pode e devem aproveitar espaços destes, amplos, dotados de excelentes condições acústicas e subaproveitados, uma vez que até agora tinha uma muito reduzida utilização semanal – cerca de uma hora, apenas aos domingos e dias festivos.

A semana dos baleeiros continua recheada de actividades, entre as quais sobressaem muitos de índole cultural, mantendo assim uma tradição desde há muito arreigada nas festividades da Senhora de Lourdes, naquela que é considerada a vila mais baleeira de todas.

 

Texto publicado no Pico da Vigia, em 21/08/12

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publicado por picodavigia2 às 18:41

O CONGRESSO DE TODAS AS RECORDAÇÕES

Sábado, 28.12.13

Emanados dos mais nobres sentimentos de convívio, de alegria e de camaradagem, cá estamos reunidos num verdadeiro “Congresso de Todas as Recordações”. Os que há cinquenta anos aqui viveram, estudaram e se formaram. Uns viajaram de longe, outros moram aqui ao lado. Não vieram todos, vieram alguns. Vieram os que puderam e os que de tempo e saúde dispuseram. Uns, muito provavelmente, suspendendo trabalhos e tarefas, outros já interrompendo o repouso das suas aposentações. Juntos querem celebrar os 150 anos da instituição que, há cerca de meio século, nos recebeu, educou e formou. Mas o que mais querem é dar aqueles enormes e afectuosos abraços que encaixotaram dentro si e guardaram durante dezenas e dezenas de anos, para agora os trocar. São abraços que duram minutos. São abraços que apertam e trazem lágrimas. São abraços dos mais belos abraços que existem no mundo mundo. Partilham-se sobretudo, as recordações mais doces. Dois mestres nos acompanham, para aqui e para acolá, para onde podem. Cunha de Oliveira com a sua bengalinha, corre, procura, canta e caminha como se fosse um aluno. O José Nunes que ainda conserva aquele doce sorriso que se torna maior quando lhe sugerimos que imponha ordem e respeito. É o nosso cicerone, a mostrar, sobretudo o que mudou, nas camaratas, nos corredores, nos salões, nos pátios e até na capela. O Caetano Serpa é mais aluno do que mestre. Ontem ao jantar, o Carlos Dias foi o “leitor” de serviço e o grande contador de histórias. E sabem o que leu? Aquela passagem do evangelho “et galus cantavit”. Claro que o galo do saudoso cónego Jeremias veio à baila. Depois da leitura, o José Nunes é que deu a ordem para terminar o tempo de silêncio. O actual Reitor, uma simpatia em pessoa, também nos acompanhoupasto no repasto,sempre solícito e sempre aento,a ver se algo faltava. O principal prato foram as cantigas, com o maestro José Carlos Rodrigues. De tarde o encontro e a partilha. De fotos, de quadras, de histórias, de testemunhos. Só faltou uma coisa impossível de conseguir-se: tempo, tempo para mais. À noite ensaio. O José Luís, repartindo batuta com o José Carlos: “Mi, dó, sol dó´.” Vê-se que é “escola do Dr Edmundo”. O mesmo transparecia no Emílio Porto, quando pegava na batuta. E o Fernando Mota num excelente solo do “Juravit Dominus”. Depois “Maldita”, e por aí adiante. O pior é que já não nos aguentamos “das canetas”, aquelas horas todas em pé. E o José Manuel que até tem ferros nas pernas em vez de ossos. Vieram os do Seminário, veio o reitor, veio o Ricardo e os seminaristas seguiram-lhe o exemplo e no fim, os de ontem e de hoje, cantaram, juntos, o hino “Se há grandeza no Mundo…” Belo, comovente, sublime.

Quando todos foram embora dei por mim a conversar com um grupo de seminaristas, ainda ali residente. Eles olham-nos com um respeito extraordinário, com uma admiração gigantesca! Querem conhecer-nos, querem ver-nos e querem sobretudo, agora ao vivo, ouvir os “ecos” da nossa presença naquela que é a sua e nossa casa. Agora, esses ecos tornaram-se reais e entraram-lhes abruptamente pela porta dentro. Mas verdade é que eles têm sempre a porta aberta e estão sempre à nossa espera.

 

Texto publicado no Pico da Vigia, em 8 de Julho de 2012

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publicado por picodavigia2 às 17:30

ARTUR GOULART HOMENAGEADO PELA CÂMARA DE ÉVORA

Sábado, 28.12.13

A Câmara Municipal de Évora vai homenagear o Dr Artur Goulart de Melo Borges, numa cerimónia solene que terá lugar no próximo dia 29 de Junho, “Dia da Cidade de Évora” entregando-lhe a Medalha de Mérito Municipal “Classe Prata”, como reconhecimento “… pelo seu contributo inigualável nas áreas da cultura em geral e da história da arte em particular, nomeadamente em Évora e no Alentejo, assim como pela sua qualidade humana e de investigador…”

Artur Goulart de Melo Borges nasceu na vila das Velas ilha, de São Jorge, em 12 de Abril de 1937. Após fazer os estudos primários naquela vila, matriculou-se no Seminário de Angra, estabelecimento de ensino que frequentou durante quase toda a década de cinquenta. Após terminar o Curso de Teologia, naquela instituição, em 1958, ausentou-se para Roma, onde frequentou o Pontifício Instituto de Arqueologia Cristã e o Pontifício Instituto de Liturgia, licenciando-se em Arqueologia e Liturgia. Após o seu regresso aos Açores, em 1961 leccionou no Seminário Episcopal de Angra as disciplinas de Desenho, Arte, História da Arte e Liturgia, altura em que, durante alguns anos, assumiu, simultaneamente, o cargo de redactor do jornal «A União», sendo director o Dr Cunha de Oliveira, tendo, nessa qualidade incentivado a implementação e publicação do suplemento cultural e literário «Glacial», acontecimento marcante na cultura açoriana.

Alguns anos depois mudou a sua residência para a cidade de Évora, fez a pós-graduação em Museologia e História da Arte e frequentou o Curso Superior Livre de Estudos Árabes, da Universidade de Évora, tendo-se dedicado ao estudo da epigrafia árabe em Portugal. Nesse âmbito, colaborou no Catálogo da exposição “Portugal Islâmico”, 1998-1999, do Museu Nacional de Arqueologia. Publicou as inscrições de Évora, Beja e Moura e participou no projecto “Bibliografia crítica luso-árabe”, da Universidade de Évora. Técnico do Museu de Évora de 1979 a 1999, exerceu o cargo de director durante sete anos. Participou em congressos, seminários e publicações sobre estudos árabes, património artístico e cultural, etc. Foi professor na Universidade Católica, onde leccionou algumas aulas num mestrado sobre Peritagem de Arte.

. Desde Março de 2002, é o coordenador científico do Inventário do Património Artístico Móvel da Arquidiocese de Évora. Como investigador arqueológico publicou trabalhos diversos, entre os quais: em 1985 “Duas Inscrições Árabes Inéditas no Museu de Évora”, em 1989, “As Inscrições Árabes Lapidares do Museu de Beja”, em 1991, “Património da Epigrafia Árabe em Portugal” e, em 2001, Epigrafia. Em 2010 publicou o livro de poemas “no fio das palavras”, editado pela Santa Casa da Misericórdia das Velas.

Recorde-se que a Câmara Municipal das Velas, em 26 de Abril de 2010, já havia agraciado o Dr Artur Goulart com a “Medalha de Prata do Município” por quanto considerar que: “... se tem distinguido e se distingue como escritor exímio e como poeta brilhante e possui um currículo de vida de reconhecido valor mantendo sempre ligações fortes e saudosistas com o Concelho das Velas, a quem nunca negou a sua colaboração bem como se distinguiu no campo social como voluntário e no campo cultural, como homem sábio e participativo…”

Para mim e decerto para todos aqueles que tiveram o privilégio de ter o Dr Artur Goulart como amigo de sempre e como mestre, durante quase uma década, uma e outra destas notícias enchem-nos de júbilo e de alegria. Tanto em Évora como nos Açores, onde com ele vivemos, convivemos e aprendemos, Artur Goulart impôs-se não apenas como mestre sábio, competente e dócil, mas também como homem e cidadão dotado dos mais nobres princípios de humanismo e solidariedade, pautando o seu quotidiano pelo estudo e pelo trabalho em prol da cultura, da arte e da defesa do nosso património. Bem hajam quantos o reconhecem.

 

Texto publicado no Pico da Vigia, em 26/06/12

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publicado por picodavigia2 às 14:16

O ACIDENTE NA POÇA DAS SALEMAS

Sábado, 28.12.13

Em meados da década de sessenta, a população da Fajã Grande foi alarmada por mais um acidente mortal, no mar. O José Joaquim fora encontrado, praticamente sem vida, na Poça das Salemas

José Joaquim Cardoso de Freitas era filho do Roberto de José Padre e da Madalena da Maria da Ponta, que moravam na rua da Via d’Água, numa casa térrea, mas caiada de branco, situada ao lado de um chafariz que havia, precisamente na maior curva daquela artéria, em frente à antiga casa do Senhor Arnaldo, derrubada a quando da abertura da estrada que ligava o Porto da Fajã à Ribeira Grande.

Nascido no final da década de quarenta, o José Joaquim teve uma infância pouco feliz, não granjeando simpatias, não dispondo de grandes oportunidades para ser feliz, nem sendo contemplado com a sorte ou bafejado pela fortuna, nem sequer agraciado pelo bem-estar. Talvez por tudo isso e por muito mais, ao terminar a escola primária foi-lhe dada a oportunidade de ingressar no Seminário Diocesano, cujos primeiros cinco anos, nessa altura, deviam ser cumpridos no Seminário Colégio de Ponta Delgada, em São Miguel, onde aquela instituição estava sediada. Agarrou, inicialmente, com ambas as mãos a oportunidade que lhe era disponibilizada, para se libertar dos trabalhos quase esclavagistas a que era obrigado, das canseiras, dos aborrecimentos, dos constrangimentos e de outros males que sobre si caíam. Mais tarde, porém, falhou. Os estudos não correram da melhor forma, a inteligência era algo limitada e a vontade de estudar quase nula, fracassando em quase todas as disciplinas. Assim foi forçado a regressar à Fajã, com um destino incerto, com um futuro problemático, com um percurso devida assinalado pelo estigma do insucesso. De fracasso em fracasso, o José Joaquim entrou num mundo onde as oportunidades de ser feliz eram raras e diminutas e a capacidade de se realizar como pessoa era-lhe cerceada quase por completo. Eram esbatidas, esfumadas e dispersas as perspectivas que lhe delineavam o futuro. Tentou de tudo um pouco, mas quase nada conseguiu com eficiência e eficácia, até que o infortúnio havia de lhe bater à porta, pondo-lhe fim à vida.

Certa tarde decidiu-se por ir aos polvos para o Canto do Areal, com vontade e energia de percorrer, se necessário, todos os caneiros e poças que por ali abundam, desde a Poça das Salemas até à Coalheira e ao Caneiro das Furnas, a fim de conseguir apanhar meia dúzia de polvos que pudesse vender e fazer algum dinheiro. Partiu sozinho como já fizera outras vezes. Caniço curto e grosso na mão, “pexeiro” às costas, iniciou a pescaria com a necessária captura de caranguejos, meia dúzia que fossem para amarrar ao nylon do caniço e pô-los a balancear para cá e para lá, nas poças, a fim de despertar o apetite dos octópodes. Os excêntricos moluscos marinhos logo que vissem os caranguejos a nadar, embora mortos e amarrados com o fio invisível, cuidando que eles estavam vivos e ali à sua disposição, haviam de sair das suas buracas e atirar-se a eles como Santiago aos Mouros. Aí ele, José Joaquim, muito rápido e certeiro havia de lhes enfiar o “pexeiro” com um enorme anzol e prendê-los de tal maneira que nenhum havia de lhe escapar.

Entusiasmado com o presumível sucesso da pescaria, começou na Poça das Salemas de fora. A maré estava muito seca e chegava lá muito bem, a pé. Mas os arrabaldes da poça, normalmente cobertos de água estavam a abarrotar de limos verdes, de sargaços molhados, de algas escorregadias e perigosas e o José Joaquim não sabia nadar. Provavelmente uma escorregadela e estatelou-se sobre o baixio, batendo com a cabeça e, como se isso não bastasse, escapuliu para dentro da poça, cheia de água, ficando ali a flutuar de costas para cima, como alguém o encontrou, algumas horas depois.

Na tentativa de o salvar, apesar de estar morto, ainda foi levado para o Hospital de Santa Cruz, onde foi registado o óbito, tendo sido sepultado, no dia seguinte, no cemitério daquela vila.  

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publicado por picodavigia2 às 13:14

PANELA

Sábado, 28.12.13

“Sabe da panela quem mexe nela.”

 

Douto provérbio este, muito repetido na Fajã Grande, na década de cinquenta e, obviamente, utilizado apenas no sentido figurado, a fim de referir que para a realização eficiente de qualquer actividade ou tarefa era necessária a experiência. Poder-se-ia mesmo dizer que este provérbio, simplesmente, traduzia uma expressão utilizada noutros meios: “A experiência é mestra da vida”.

No entanto, na Fajã Grande o mesmo provérbio também era utilizado para elogiar a qualidade ou a excelência com que alguém estava a realizar um trabalho ou actividade com elevada excelência. Assim um carpinteiro que estava a fazer uma porta era, por vezes, saudade, com este provérbio, não só com o fim de o elogiar mas até de incentivar que realizasse ainda com mais eficiência um trabalho.  

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publicado por picodavigia2 às 12:34

IN MEMORIAM DE EMÍLIO PORTO

Sábado, 28.12.13

Comungámos o esplendor das madrugadas, quando assomavas à janela do teu quarto, projectada para o lado dos mais novos, dos que haviam chegado há pouco, dos que, como eu, se enterneciam e deliciavam com os movimentos sibilantes e sublimes da tua batuta de maestro debutante.

 

Abrigámo-nos de torrentes e enxurradas diluvianas, quando, em São Caetano, é verdade que em tempos diferentes, espicaçávamos as flores e os pássaros, a fim de que se espelhassem na luminosidade infinita da esperança e que se locupletassem nos alvores sublimes da liberdade, a que estávamos, incondicionalmente, acorrentados.

 

Sem o querer e muito menos sem o desejar, entrincheirámo-nos num quotidiano mavórcio, entre balas, granadas e obuses, é verdade que em lugares diferentes, mas elegemos, sempre, a amizade como estandarte da guerra e fizemos da paz o caminho da esperança que não morre.

 

Depois seguimos caminhos paralelos, semelhantes e diferentes, na demanda da felicidade, do amor e do trabalho, até nos reencontramos entre a lava verde da montanha e o bafo sulfúrico dos vinhedos, saboreando o perfume adocicado do entardecer.

 

Por tudo isto, tínhamos combinado encontrarmo-nos, ontem, às dezanove e cinquenta em ponto, em Campanhã!

 

Texto publicado no Pico da Vigia, em 14/03/12

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publicado por picodavigia2 às 12:00

TRÊS NAUFRÁGIOS EM TRÊS ANOS

Sábado, 28.12.13

A falta de faróis ou de outros meios de sinalização da ilha das Flores, a grande quantidade de escolhos, baixas e ilhéus da sua costa e a não existência de meios de apoio à navegação, foram os culpados de grande parte de um bom número de naufrágios verificados ao redor das costas florentinas, desde o seu povoamento até à primeira metade do século passado. A Fajã Grande, ponto de referência de toda a navegação proveniente das Américas com destino ao Norte da Europa e ao Mediterrâneo, não foi excepção. Foram inúmeros os acidentes verificados desde o início do povoamento daquele lugar, sendo que de muitos desses naufrágios não há registo ou memória. Alguns, no entanto, marcaram definitivamente a história e a toponímia da freguesia, como foi o caso da “Bidart”, barca francesa naufragada no Canto do Areal, na madrugada de 25 de Maio de 1915, precisamente num local que mais tarde passou a chamar-se, “o lugar da Bidarta”.

 Neste longo decurso do tempo, houve, no entanto, um período negro ou de grande ocorrência de naufrágios, nas costas fajãgrandenses. Foi no início da década de setenta do seculo XIX, quando a Fajã Grande como freguesia ainda era uma criança. Nessa altura, num curto espaço de, aproximadamente, três anos, verificaram-se três grandes naufrágios.

No dia de Natal de 1869 deu à costa, nos baixios mais ocidentais da Europa, a barca francesa “Republique”, vinha da Martinica e dirigia.se para França, carregada de açúcar. Rezam as crónicas que foi tal a abundância de açúcar despejado em terra, na altura escasso na ilha, que uma parte foi arrematada, tendo, no entanto, o povo recolhido tanto que, pelos vistos, houve quem chegasse a utilizá-lo como tempero nas couves, em vez do sal, também escasso na freguesia, naqueles recuados tempos. Felizmente salvou-se toda a tripulação.

Ano e meio depois, a 15 de Julho de 1871 verificou-se um outro naufrágio nos mares contíguos à Fajã Grande. Desta feita foi um brigue inglês, de nome “Concórdia” com capacidade de 180 toneladas, que transportava açúcar e aguardente, embora, neste acidente, grande parte da carga se tenha perdido no mar, não sendo recuperada e a que o foi, pelos vistos uma pequena parte, terá sido guardada pelas autoridades e arrematada mais tarde. A embarcação naufragada seguia com destino a Queentown e salvaram-se todos os tripulantes, num total de 8 homens.

Finalmente, a 9 de Janeiro do ano seguinte deu-se mais um grande naufrágio na Fajã Grande, Desta feita foi o lugre francês “Alexis”, capitaneado por Boncherie que faleceu no acidente, juntamento com dez dos onze tripulantes que, com ele, seguiam a bordo. O navio navegava de Rio Grande com destino ao Sul para a Europa, carregando couros, lã, chifres e clina. Uma parte deste carregamento salvou-se e foi arrematada.

A esta série negra de três naufrágios em tão curto espaço de tempo, poder-se-á juntar um quarto, acontecido no dia 26 de Fevereiro de 1866. Trata-se do naufrágio do patacho inglês “Greffin”, capitaneado por Philip de Boutellier. Salvou-se a tripulação e uma boa parte da carga que transportava, neste caso fardos de algodão, dos quais se recuperaram alguns, os quais, como era hábito na altura, foram arrematados na ilha.

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publicado por picodavigia2 às 10:31

ÚLTIMO REGRESSO

Sábado, 28.12.13

(POEMA DE PEDRO DA SILVEIRA)

 

Com os seus malvões, a amoreira, a magnólia,

 – estas duas talvez da minha idade –

 o pátio à frente imitava

 uma varanda corrida sobre o mar, a oeste.

 

 Subo o caixilho da janela e fico a olhar

 para isto que tanta vez eu vi mas hoje sinto

 alheio, ou, quem sabe?, inimigo.

 Os retratos ainda estão, como estavam,

 entre ouros de moldura nas paredes;

 e a cadeira-de-embalar (com um braço partido)

 dorme entre sombras no canto onde a deixaram.

 

Volto-me outra vez para a janela aberta.

 Liso, calado, azul nítido, o mar

 é, sem mais nada, mar até ao último fim.

 

Um instante parado

 entre os craveiros que resistem no quintal,

 um gato espreita-me,

 estrangeiro que lhe sou em minha casa.

 

Pedro da Silveira

 

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publicado por picodavigia2 às 00:39





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