PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
POST MIL
Pico da Vigi 2, substituindo o famigerado Pico da Vigia, foi criado a 31 de Junho de 2013. Para além da divulgação de novos textos, tinha, também, como objectivo recuperar a totalidade de todos os textos publicados, no seu homónimo anterior. Não foi possível fazer a importação massiva dos mesmos. Foi necessário que se fossem publicando, um a um e o Pico da Vigia continha mil cento e dois posts. Assim foi necessário em sete meses colocar grande quantidade de textos o que fez com que, por vezes, num dia, se colocassem mais de dez post.
Neste momento faltam colocar cerca de trezentos posts, tarefa que se espera, esteja completa dentro de dois meses, a parir dos quais a divulgação de posts entrará no seu rimo normal, ou seja um a dois posts por dia.
Os mil textos colocados no Pico da Vigia 2, até ao momento, dos quais cerca de trezentos não existiam no Pico da Vigia anterior, estão distribuídos pelos seguintes tags: - Autores Açorianos 33, Acidentes 4, Açores 15, Actualidade 28, Adágios 23, Alimentos 13, América 4, Alimentos Proibidos 61, Aravias 16, Blogue 9, Brincadeiras 12, Construções 1, Contos tradicionais 25, Corvo 4, Costumes 36, Descansadouros 7, Descritivo 16, Diário de Ti’Antonho 19, Douro 12, Edifícios 5, Estórias 87, Estórias d’alunos 13, Fantasias 1, Festas 8, Ficção 13, Ficção E 60, Filosofia 4, Flores 5, Grotas e ribeiras 3, Gourmet 21, Gracejos 2, Histórico 20, Jogos 5, Lendas 20, Léxico 6, Lírico 15, Lugares 25, Maleitas 4, Naufrágios 6, Outras estórias 11, Outros Autores 50, Pensamentos 20, Pessoas 34, Pico 15, População 11, Pico da Vigia Júnior 1, Pedro da Silveira 32, Rede Viária 15, S. Caetano 9, S. Miguel 5, Seminário de Angra 13, SI 49, Textos orais 8, Tradições 11, Transportes 5, Utensílios agrícolas 7, Utensílios domésticos 13 e Vários 23.
Este é pois o Post Mil, com o qual o Pico da Vigia 2 termina o ano de 2013, iniciando, amanhã, 2014, um novo ano e um novo ciclo.
Um Bom Ano para todos os que lerem este último post de 20
Autoria e outros dados (tags, etc)
DEZ CENTAVOS
Era o último dia do ano. Álvaro passara a manhã excitadíssimo à espera de que a tarde chegasse depressa, a fim de ensaiar o que haviam de cantar durante a tarde do dia de Ano Bom. Na véspera, depois de um chorrilho de pedidos, corroborados com inúmeras juras e variadíssimas promessas, o pai cedera. Havia de o deixar ir, pela primeira vez, cantar os “Anos Bons”. É verdade que era impossível entrar nos ranchos dos maiores e que não era fácil ser aceite nos dos mais novos, mas o José Nunes, seu amigo desde há muito, era o chefe de um dos ranchos dos mais pequenos e havia prometido aceitá-lo. Mais, havia já combinado que a tarde do último dia do ano era para ensaios, na sua loja.
Jantou à pressa, apesar dos lamentos da mãe e dos protestos dos irmãos mais velhos que não cessassem de recriminar, atirando-lhe à cara que ninguém queria um badameco daqueles num rancho, vestiu uma froca de angrim que o frio do Inverno não estava para brincadeiras e, pés descalços e mãos a abanar, saiu em louca correria pela porta da cozinha. Para além do Fitas já lá estavam o José Henriques, o Heitor e o Luís. O António Jorge chegou mais tarde e, logo depois o Narciso, novato como ele. Muitas outras vezes ali se haviam reunido, sobretudo nas tardes de chuva, para outras flostrias e brincadeiras. A mãe do Nunes era condescendente e, como não o queria longe de casa, permitia que se acomodassem por ali, pese embora o barulho, a desarrumação, a barafunda e zaragata em que o grupo era pródigo.
O ensaio correu com grande dignidade, concentração e perfeccionismo. O resultado era excelente: cantavam que nem uma cotovia e tocavam que nem a música da Caveira. O Nunes na gaita, o Heitor nos ferrinhos e o Luís no tambor.
Regressou a casa ao lusco-fusco. A noite pareceu-lhe infinita, a manhã quase infindável e a missa nunca mais acabava. Finalmente chegou a tarde. A mãe autorizou-o a que levasse a melhor roupa, “a da missa” e fosse calçado com os sapatos de pele cabra.
Iniciaram a peregrinação pelo cimo da Assomada. Parecia vinha vindimada! Um dos ranchos dos maiores já por ali passara e iam “às casas melhores” às que “davam mais”. Mas começaram a juntar algum. Dez centavos daqui, vinte dacolá e alguns figos passados ou meio cálice de licor, caseiro, “fraquinho”. Chegaram à Praça com noventa centavos na bolsa que o António Jorge ia segurando. A Fontinha deu menos. Moedas brancas apenas duas de cinquenta centavos, na rua Direita. Uma na casa do Senhor Padre outra na da Senhora Dias. A Tronqueira e a Via d’Água consubstanciaram negas contínuas – pouco deram. Ávidos, foram contar o dinheiro para o adro da igreja, atrás da sineira. Três escudos e sessenta centavos. Agora era só dividir por sete. Muito fácil. “Cinquenta centavos a cada um”. – Concluiu o Heitor. Os dez excedentes ficavam para o Nunes que acumulara as funções de chefe, de organizador e de tocador de gaita. Além disso cedera as instalações para os ensaios. Era mais que justo!
Álvaro regressou a casa, felicíssimo. Sentia-se o homem mais rico do mundo. Uma moeda de vinte centavos e três de dez. Abriu a porta num ápice, aproximou-se da mãe que se entretinha a remendar umas calças do pai. Estendeu-lhe a mão que seguravam as quatro moedinhas e exclamou:
- Veja mãe, o que eu ganhei. Olhe, são para si! Todas para si.
A mãe levantou a cabeça do trabalho, olhou de soslaio, sorriu e beijou-o. Depois, num misto de transtorno e inquietação, pegou nas moedinhas deixando-lhe na mão uma de dez centavos.
Expressando no rosto mais alegria, por saber o que poderiam representar para ela os quarenta centavos, Álvaro apressou-se a abrir uma das gavetas da cómoda da sala, de onde tirou uma pequena carteira e onde introduziu a moeda que a mãe lhe devolvera - dez centavos. Cuidava que com ela, em Setembro, havia de comprar um chocolate, na festa da “Senhora da Saúde”.
Autoria e outros dados (tags, etc)
ALVORADA SANTA
Oh! Alvorada Santa!
Magno louvor divinal,
Que nesta noite se canta
Ao Deus d’Amor imortal!
Oh! Alvorada Santa!
Aurora resplandecente.
Glória a Deus, hoje se canta
Em laivos d’amor ardente.
Oh! Alvorada Santa!
Flor da bruma imaculada,
Outra glória não se canta
Nesta noite d’Alvorada.
Oh! Alvorada Santa!
Beleza pura, inocente.
Tua honra hoje se canta
Áureo jasmim florescente.
Oh! Alvorada Santa!
Deus Pai seja louvado.
Ao Filho também se canta
E ao Espírito adorado.
Autoria e outros dados (tags, etc)
A PACIÊNCIA DE JOB
Era este também um dos muitos contos tradicionais que os nossos antepassados nos contavam aos serões, na Fajã Grande, na década de cinquenta. Neste caso, tratava-se de uma “estória” muito provavelmente inspirada numa passagem da Bíblia, narrada no livro de Job.
Havia, noutros tempos um homem chamado Job, bom, generoso, paciente e temente a Deus. Mas Job também tinha muitos bens, tinha esposa, tinha filhos, tinha criados e tinha muito gado, era muito rico. Certo dia, o Demónio, que tinha inveja daquilo tudo, pediu a Deus que pusesse à prova a paciência e a bondade de Job. Para isso propôs a Deus que o autorizasse a lhe retirar todos os bens e lhos desse a ele, Diabo. Assim Deus havia de ver como a paciência de Job se esgotava, de um momento para o outro. Mas Deus disse-lhe:
- Não, não te dou os bens dele, todos, de uma só vez, mas vai-lhos tirando aos poucos, um a um, conforme entenderes. Assim verás que ele se mantém bom e paciente.
Então, o Demónio que era mau e invejoso, pediu a Deus para retirar a alma de Job. Deus, porém, opôs-se, novamente, dizendo-lhe:
- Isso não. Podes tirar-lhe tudo, menos a alma pois essa, quero-a para mim.
Então, o Demónio, começou a sua tarefa de retirar todos os bens de Job. No primeiro dia tirou-lhe uma filha, matando-a. No dia seguinte matou-lhe a esposa e, de seguida, todos os filhos. Não contente com isso, matou-lhe o gado todo, as vacas, os porcos, as galinhas e até os criados. Incendiou-lhe a casa e, por fim, cobriu-lhe o corpo de feridas e de chagas.
Os vizinhos e os amigos admiravam-se com toda aquela tragédia que atingira Job, mas abandonaram-no porque julgavam que se ele tinha sido assim castigado por Deus, era por ser um grande pecador. Deus só castiga os que praticam o mal. E diziam uns para os outros:
É Deus que o está a castigar! Devem ser muitos e grandes, os seus pecados! – E dirigindo-se a ele com desprezo, perguntavam-lhe:
- Ó Job, o que é que tu fizeste de tão grave para Deus te castigar tanto?
Job, cheio de paciência e de generosidade, respondia sorrindo:
- Deus não castiga ninguém, nem me castigou. Os bens que eu tinha haviam-me sido dados por Ele. Assim Deus mos deu, Deus mos tirou.
Então Deus chamou o Demónio, fez-lhe ver a paciência de Job e exigiu que lhe devolvesse todos os bens que lhe havia retirado. Deu-lhe nova esposa, nova família, deu-lhe nova fortuna mas não permitiu mais que o Demónio se metesse na vida dele, nem pusesse à prova a sua paciência.
E concluíam os contadores da estória: - É esta a razão por que ainda hoje dizemos: “Quem me dera ter um pedacinho da paciência de Job”.