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CAPITÃO FRANCISCO AUGUSTO

Segunda-feira, 06.01.14

(EXCERTOS DE UM POEMA DE PEDRO DA SILVEIRA)

 

Capitão Francisco Augusto, meio americano, meio

Do Reino de Portugal; açoriano de berço,

De sua raiz, flamengo;

Comandante de navios,

Bom trancador de baleias,

Com fama de beber bem:

Brabo no soco, perdido

em lhe cheirando a mulher…

 

Mas porquê lembrar-me agora deste primo

Mais que morto, afogado,

Ausente do meu sentido?

 

Assim mesmo, exactamente:

guerras na Índia…ou não era ?

Assim mesmo: levar tropas .

E vem então um senhor…

Senhor não, um senhorito

lá dos palácios d’El Rei, pra ensinar ao comandante

do ”África”, ou como seria

O nome desse vapor,

que a El Rei se beijava a mão

Quando El Rei a estendia.

 

Capitão Francisco Augusto, meio americano, meio

Do Reino de Portugal; açoriano de berço,

De sua raiz, flamengo;

comandante de navios,

que outra coisa ele não era

senão bicho de mar alto

rude por fora, por dentro

coração de cera-bela:

mar, whiskey e mulheres…

famoso de costa a costa,

querido dos armadores,

estimado da maruja,

comandante de primeira

entre todos os melhores!

 

Rosa dos limos do mar; pedra de musgo

E candura, meu puro primo terceiro,

Porque lembrar-me de ti ?

(…)

Capitão Francisco Augusto

(…)

 -É tudo quanto eu guardei,

 E um retrato em corpo inteiro.

 De resto nada mais sei

 Deste meu primo terceiro.

 Nem importa quando foi.

 

Pedro da Silveira “Sinais de Oeste” 1952

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publicado por picodavigia2 às 22:19

PELOS TRILHOS DE SÃO JOÃO DO PICO

Segunda-feira, 06.01.14

A freguesia de São João do Pico explodiu cultural e desportivamente, através dum vaivém intenso, variado, pleno de vivências, encharcado de actividades e iniciativas, acorrentado à história e às tradições, galvanizado de empenhamento e dedicação, uma espécie de “vulcão de cultura e de desporto” donde emergiu uma lava agregadora, atraente e construtiva, unindo a memória do passado às vivências do presente, fortalecendo o sentido de união e o espírito colectivo, solidificando a identidade e a idiossincrasia da sua população.

Na realidade e integrando o Projecto “Freguesias CoMvida”, organizado pelo pelouro da Cultura da Câmara Municipal das Lajes do Pico, a freguesia de São João, como o já haviam feito a Ribeirinha, a Piedade e a Calheta, embora de forma diferente mas com actividades semelhantes, organizou entre os dias 21 e 28 de Abril, uma Semana Cultural e Desportiva, durante a qual se realizaram diversíssimas actividades. A Semana, agora realizada, caracterizou-se por um forte empenho dos seus organizadores e uma desmesurada afluência de participantes e constituiu um marco importante no desenvolvimento cultural e na prática desportiva não apenas da população da freguesia mas também dos forasteiros que, por estes dias, demandaram São João.

 Desta erupção de vivências culturais e de realizações desportivas, em que a semana foi fértil, emergiu, na manhã do dia 28, a realização de um trilho pedestre, por veredas e atalhos de outrora, com epicentro no Pico da Urze e que se estendeu, numa torrente de alegria, satisfação, camaradagem e confraternização, pelas encostas da montanha, quase até ao mar. Transportados até ao Pico da Urze em viaturas particulares, os cerca de cinquenta participantes num dos vários “Trilho dos Pastores de São João” iniciaram uma caminhada desde aquele monte até aos subúrbios de São João, não apenas descendo o vetusto e histórico “Caminho da Serra” mas também atravessando pastagens pejadas de gado bovino e percorrendo campos outrora a abarrotar de inhames, de frutos e de lenha. O “Caminho da Serra”, hoje um percurso abstracto, emerso em sombras e memórias, constituiu, no entanto, em tempos idos, a principal via pedestre a ligar o mar à serra, percorrida por quantos retiravam daqueles campos o seu sustento quotidiano ou, naquelas paragens, apascentavam os seus gados. Além disso, o “Caminho da Serra” também ligava aquela freguesia picoense às povoações do norte da ilha, nomeadamente, à vetusta vila de São Roque, nas demandas em Tribunal, para ir ao médico ou simplesmente consular um advogado. Era também a vereda que permitia o aceso às relvas para a ordenha, para tratar do gado alfeiro e que conduzia, diariamente, a população nas suas idas e vindas àqueles recantos serranos, para cortar lenha, apanhar inhames e sobretudo para acarretar o leite.

Orientado sob a sábia experiência do senhor Rui, profundo conhecedor daqueles párramos e andurriais desde criança, o grupo participante desfrutou de um interessantíssimo percurso pedestre que, embora cerceado, aqui ou além, por algumas dificuldades inerentes não apenas à natureza agreste e abrupta do terreno mas também provenientes do seu abandono actual, lhes proporcionou uma verdadeira caminhada de deslumbramento, de fascínio, de encanto e de magia, adocicado pela frescura do ar, pelo perfume dos campos, pelo sabor do poejo e da nêveda.

Nas encostas meridionais do Pico da Urze, a enorme e ampla Fajã, pejada de endémicas, onde sobressaem, para além do cedro, da urze e da queiró, o sanguinho, o tamujo, o rosmaninho, o pau branco, o folhado e o lendro, num chão atapetado do musgos, fetos, intercalados com árvores seculares com o tronco caiado de musgo, pejado de parasitas, com destaque para a “doiradinha”, a reivindicar para si o estatuto de um habitat em clausura, “sem ver o mar e sem ver a montanha do Pico” e que, outrora, se transformava em chá milagroso que curou os nossos antepassados dos mais variados achaques, das mais vis maleitas e dos mais atrozes sezões.

Depois da floresta endémica, as pastagens da Vereda do Giga a abarrotarem de erva verde, fresca e tenrinha, misturada com trevo, poejo, nêveda e mantastro, que fazem a delícia dos bovinos e enchem o ar de um perfume perturbante, adocicado, tranquilizante e enternecedor.

Finalmente o Outeiro do Cação, já mais cá para baixo, a fazer-nos regressar, novamente à floresta, onde agora o incenso, de braço dado com a faia e o loureiro, tem o seu império, com árvores seculares, de porte altíssimo, copas avassaladoras, transformando o “Caminho da Serra” num manancial de frescura, numa abóboda de murmúrios, numa torrente de imponência tranquilizante mas dominadora. Depois, o caminho segue ainda, ingreme e abrupto, atravessando a Falquejadura, pejado de furnas minúsculas onde se “acaçapavam” os homens para se abrigarem das intempéries e da chuva, de descansadouros, de marcos históricos, de cruzes a assinalar mortes e das ruínas da histórica Casinha da Laje, uma espécie de hall de entrada na serra e que servia de abrigo a quantos, em dias de chuva demandavam aqueles descampados.

Não ficaria completa, esta crónica, se não informasse os leitores, que o grupo, atravessando, agora sim, as modernas e alcatroadas ruas de São João, continuou, é verdade que já um pouco desfeito e sem recurso ao guia, a caminhar, como se do “Caminho da Serra” se tratasse, indo desembocar, ali mesmo, no restaurante “Tacão”, com janela debruçada para o mar e onde os caminhantes que assim o entenderam, puderam saborear um excelente almoço e desfrutar de um agradável e inesquecível convívio.

 

Texto publicado no Pico da Vigia, em 01/04/12

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publicado por picodavigia2 às 19:23

RASTRO DE FOGO

Segunda-feira, 06.01.14

há uma força telúrica

que amarfanha

e entontece a Terra.

 

há esguichos de vento

a gerarem respingos de espuma

- rastro de fogo -

transformando o Oceano

num deserto inacabado.

 

mas sobre o testemunho do vento

vagueia uma incerteza:

 

tempestade,

ou arco-íris tingido de esperança?

 

a incerteza

deste rastro de fogo

é cruel,

queima,

destrói,

arrasa

e aniquila.

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publicado por picodavigia2 às 16:38

AS FILARMÓNICAS DO CONCELHO DAS LAJES DAS FLORES

Segunda-feira, 06.01.14

Das onze Filarmónicas fundadas na ilha das Flores, ao longo da sua história, cinco pertenciam ao concelho das Lajes. No entanto, destas apenas uma ainda está em actividade – a filarmónica União Operária de Nossa Senhora dos Remédios, da Fajãzinha - aliás a única filarmónica sobrevivente de todas as que existiram na maior ilha do grupo ocidental, açoriano. Essas filarmónicas foram as seguintes:

Filarmónica Nossa senhora do Rosário, das Lajes – Esta filarmónica foi fundada nos finais do século XIX, por volta do ano de 1885, sendo na altura pároco nas Lajes o padre Tomé Gregório de Mendonça. Na sua criação esteve um grupo de lajenses, entre eles João Maurício de Fraga, Lúcio Maurício da Câmara, José Pimentel Soares e José Francisco Pereira. Organizada de forma insipiente e pouco organizada, a filarmónica decaiu, alguns anos depois, sendo reorganizada nos primórdios do século XX, sob a direcção de Jerónimo Lino de Freitas. Depois de mais uma década de actividade, voltou a dissolver-se para ser novamente reorganizada em 1932, sob a égide do professor Manuel da Silva Júnior e pelo pároco de então, padre José Francisco Soares, mantendo-se em actividade até 1958. Sob a direcção do padre Luís Pimentel Gomes, também pároco das Lajes, nessa altura, foi reactivada, mantendo-se em actividade até aos finais do século passado.

Filarmónica Lombense Manuel Martins, da Lomba – Foi fundada em 1931 pelo pároco de então, padre Francisco Vieira Soares, natural das Lajes do Pico, que ali paroquiou alguns anos. Mais tarde foi transferido para a Piedade do Pico onde fundou uma outra filarmónica a União da Piedade. Os fundos para a compra do instrumental foram obtidos por emigrantes florentinos nos Estados Unidos e teve em Manuel Martins que ofertou os primeiros 22 instrumentos, o seu principal benfeitor. Essa a razão porque recebeu o seu nome. A sua apresentação em público, com instrumental branco, o que era inédito no distrito da Horta, ocorreu no dia da festa do padroeiro, São Caetano, 7 de Agosto. Na organização e primeiros ensaios, o padre Francisco Vieira Soares foi auxiliado por Lino Augusto Santos. Esta filarmónica deslocou-se por várias vezes à fajã Grande para actuar na Festa da Senhora da Saúde. Em 1949, porém, ao ser convidada mais uma vez para abrilhantar aquela festa e depois de confirmar a sua presença, acabou por faltar nas vésperas daquela festa, sendo impossível, nessa altura, contratar outra. O povo ficou triste e revoltado a tal ponto que decidiu criar uma Filarmónica na própria freguesia.

Filarmónica União Fazendense da Califórnia, da Fazenda: Foi fundada, na Fazenda das Lajes, em 1938, por José Arlindo Armas Trigueiro, Francisco de Freitas Silva, António Rodrigues Gomes, Francisco Coelho Gomes e Luís Armas Gomes. Manteve a\sua actividade até 1961, sendo reorganizada, alguns anos depois, pelo pároco, padre José Vieira Gomes. Foram seus regentes José Armas Trigueiro, José Nunes da Silva e José Francisco da Rosa.

Filarmónica Nossa Senhora da Saúde da Fajã Grande – Foi fundada em 1951, fazendo a sua apresentação no dia 7 de Setembro desse ano. O instrumental e equipamento foi pago com o leite do primeiro domingo de cada mês, pelos sócios da Cooperativa de Lacticínios. Após várias interrupções, foi reactivada em 1979, sendo, nessa altura mudada a sua sede, da Casa do Espírito Santo de Cima para o antigo palheiro de gado do David, na loja da casa do António Teodósio, na Fontinha. Foram seus regentes, inicialmente José Mancebo Fagundes e, após a sua reactivação, José Lourenço Fagundes.

Filarmónica União Operária Nossa Senhora dos Remédios, da Fajãzinha – Foi fundada e inaugurada em 1953. Depois de alguns anos de inactividade, foi reorganizada em 1985, sendo a única filarmónica da ilha que se mantem em actividade, abrilhantando, actualmente, com um calendário muito preenchido, todas as festas da ilha. Depois da extinção da Filarmónica da Fajã Grande, alguns músicos, transitaram para a da Fajãzinha, ajudando assim a que esta sobrevivesse até aos tempos actuais.

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publicado por picodavigia2 às 15:50

JANEIRO

Segunda-feira, 06.01.14

“Em Janeiro não metas obreiro.”

Estranho mas interessante e significativo adágio fajãgrandense, utilizado apenas no sentido real, para significar que na realidade, na Fajã Grande, o primeiro mês do amo, era um mês de muito mau tempo, de ventos fortes, grandes chuvadas e temporais ciclónicos, pelo que cada qual havia de prevenir-se em termos de contratar alguém para trabalhar para si ou programar a realização grandes empreendimentos, caso contrário perderia todo o trabalho investido, dado que, geralmente no primeiro mês do ano, o mau tempo havia de dar cabo de tudo.

Na realidade no verdadeiro coração do inverno, ou seja, no mês de Janeiro, na Fajã Grande não era possível trabalhar devido aos temporais e ciclones que assolavam a ilha, sobretudo na costa ocidental.

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publicado por picodavigia2 às 11:52

O CALHAU DO TOURO

Segunda-feira, 06.01.14

Misterioso, enigmático, mítico e assombroso, o Calhau do Touro era um gigantesco pedregulho encastoado na primeira relva do Mato, ali mesmo logo ao cimo da Rocha que, em certos dias, vomitava urros uivantes, gemidos dolentes, rugidos assustadores, como se fosse um monstro vivo e verdadeiro. Um espanto, aquele calhau! Uma das mais interessantes e misteriosas maravilhas naturais da Fajã Grande! Tratava-se, na realidade, de um normal mas gigantesco pedregulho, possivelmente arrancado a algum pináculo, lá das alturas do Queiroal ou da Água Branca, por chuvas diluvianas e intempéries catastróficas e que arrastado pelas encostas macias e verdejantes do Rochão do Junco, por fortíssimas rajadas de vento, associadas à força da gravidade, saltitando por valados, rebolando por grotões, deslizando por socalcos, se viera alapar ali, inerte, zurzido, resvalado, quase morto. O Calhau do Touro, com os seus uivos angustiantes e berros medonhos assustava quantos, desprevenidos e alheados, passavam por ali.

De vereda em vereda, de socalco em socalco e de grotão em grotão, o Calhau do Touro, em tempos muito recuados e de que nem memória havia, quando a ilha ainda não parecia ilha, naturalmente viera parar ali, logo acima da Rocha, na primeira belga planáltica que encontrara, a separar os atalhos que, na direcção do Norte conduziam ao Queiroal e para os lados de Nordeste permitiam aos transeuntes chegar ao Curral das Ovelhas, atingir o Rochão do Junco, alcançar a Burrinha e a Água Branca ou até seguir para Santa Cruz ou outras localidades do Nordeste da ilha.

Alapado ali, o Calhau do Touro ali permanecera ao longo dos séculos, talvez desde de que a ilha era ilha e ali havia de fixar-se para sempre, manso, tranquilo e calado em dias de tempo calmo e de ventos de Sul e de Oeste, que a Rocha íngreme e altiva impedia de lá chegarem. Mas nos dias de grande ventania, com ventos muito fortes a soprarem, ininterruptamente, do Norte e do Nordeste, com fortes rajadas, a enfiarem-se encanadas por aqueles descampados abaixo, era um lamento perene e intercalado, um berreiro medonho e assustador, uma gritaria que nunca mais acabava. Parecia que tinha o diabo no corpo, aquele maldito calhau!

Tanto berrava, tanto gritava, tanto rugia que assustava os que por ali passavam, sobretudo os desprevenidos ou quantos desconheciam os dotes estridentes daquele misterioso e estranho prodígio da natureza.

Mas, afinal e bem vistas as coisas, o Calhau do Touro, simplesmente, não passava de um enorme pedregulho que rolara pelas encostas do Queiroal e do Rochão do Junco e viera parar ali quase ao cimo da Rocha, na primeira relva a que se chegava, logo após a Cancela. A sua localização e o seu exagerado tamanho faziam com que, fustigado por certos ventos, se formasse ali uma espécie de eco que se repercutia pelos arredores, assemelhando-se aos berros de um touro. Era essa a razão do seu epíteto.

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publicado por picodavigia2 às 10:32





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