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O ALQUEIRE, A RASOIRA E A QUARTA

Quarta-feira, 08.01.14

Na Fajã Grande, como naturalmente em todas as outras localidades rurais açorianas, os habitantes de outros tempos, desconheciam os sofisticados e modernos meios de peso e de medição, mas tinham necessidade de avaliar e de quantificar os produtos agrícolas que cultivavam e recolhiam nos seus campos, nomeadamente, o trigo, o milho, as favas e o feijão. É que até as simples trocas de um produto por outro, a que muito naturalmente tinham que se sujeitar numa sociedade rural com características ancestrais, exigiam instrumentos de medição fiáveis e critérios de medida rigorosos. Uns e outros foram criados pelo próprio povo de cada localidade, em função das necessidades que sentiam e dos meios de que dispunham. Por isso mesmo, embora com nomes, nuns lugares semelhantes noutros diferentes, foram surgindo, através dos tempos, os pesos, as medidas e os próprios instrumentos de medição, ao mesmo tempo que se iam definindo e delineando os critérios que deviam presidir à sua regulamentação consuetudinária.

Assim, na Fajã Grande, nos anos cinquenta, existiam e eram utilizados três instrumentos de medir os cereais e outros produtos agrícolas: o alqueire, a rasoira e a quarta.

O Alqueire, segundo rezam as crónicas, teria à volta de 10 a 12 quilos e, na Fajã Grande correspondia ao valor de um dia de trabalho corrente e que, na época, rondava os dezasseis escudos. Vendia-se ao alqueire sobretudo o milho, uma vez que, nos anos cinquenta, este era o único cereal produzido em grandes quantidades.

Para os outros cereais produzidos em menor escala, nomeadamente o trigo, assim como para outros produtos, como o feijão, as favas, o tremoço e até para o milho quando se pretendiam medir pequenas quantidades, utilizava-se a rasoira e a quarta.

A rasoira era um instrumento de madeira em forma de caixa, e que levava aproximadamente metade do alqueire, enquanto a quarta, também de madeira e com a mesma forma da rasoira mas muito mais pequena, levava, como o próprio nome indica, uma quarta parte daquela.

No entanto, na Fajã Grande, nas Flores e nas outras ilhas dos Açores, além de alqueire como medida de capacidade, existia um outro “alqueire”, como medida de superfície e que era utilizado nas medições de terrenos agrícolas ou até pastagens e quintas ou terras de mato, para inventário do património dos respectivos proprietários, quer na compra e venda de propriedade quer ainda para cálculos de foros, adubações, sementeiras e colheitas ou ainda nas partilhas. Um alqueire de terra correspondia a cerca de 1000 metros quadrados.

Tudo indica que a base histórica destas medidas venha desde o povoamento das ilhas. É natural que os primeiros povoadores dos Açores não possuíssem grandes aparelhos ou utensílios de medições, sendo que a medida padrão mais ancestral terá sido o próprio palmo, pese embora tivesse a inconveniência de não ser igual em todos os agentes de medida.

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publicado por picodavigia2 às 18:03

A LENDA DA CAVEIRA

Quarta-feira, 08.01.14

A Caveira é uma das onze freguesias da ilha das Flores. Pertence ao concelho de Santa Cruz, tem uma área de 3,29 e, de acordo com o Censos 2011, tem apenas 77 habitantes, sendo a mais pequena freguesia da ilha no que respeita à área que ocupa e, também, uma das menores, em termos de população. A Caveira, situada no extremo sul do concelho de Santa Cruz das Flores, dista desta vila apenas de 5 quilómetros, ficando pois nos seus subúrbios e ergue-se sobre uma alta lomba que se estende e prolonga entre a Ribeira da Cruz e a Ribeira da Silva, separando-a, esta ribeira, da freguesia da Lomba e do concelho das Lajes. O alto sobre o qual assenta a freguesia prolonga-se para o mar, formando um alcantilado promontório, rodeado por falésias basálticas, denominado Ponta da Caveira. É ali que tem lugar um vale, com um miradouro lá do alto e do interior da ilha, donde se pode desfrutar de uma das mais belas paisagens da ilha e dos Açores – o vale da Ribeira da Cruz. A paróquia católica da Caveira, pertencente à Diocese de Angra, tem como orago, actualmente, Nossa Senhora do Livramento, embora oficialmente nunca tenha obtido autorização canónica para abandonar o primitivo orago que eram as Benditas Almas. Considerou, em tempos, a igreja açoriana que, uma vez que as Almas do Purgatório, ainda não eram “santas”, não podiam ter o estatuto nem figurar como padroeiras de ninguém, nem de coisa nenhuma.

O estranho nome desta freguesia e o próprio orago tem a sua origem numa antiga lenda, conhecida por “A Lenda da Caveira”. Segundo esta lenda, antigamente, nos tempos em que as embarcações passavam ao largo das Flores, rumo às Américas ou vindas de lá, carregadas de riqueza, por vezes, eram atacadas por piratas ou assoladas por tempestades, após as quais quase ninguém nem nada se salvava.

Durante uma dessas tragédias, no entanto, salvou-se e arribou à ilha, um náufrago. Vinha todo molhado da água salgada, cheio de fome e de frio e foi ter a um lugar bastante acidentado e ventoso, do lado nordeste da ilha, precisamente onde hoje se situa a freguesia da Caveira e onde as pessoas lhe deram comida, roupa e amizade. Esse homem, chamado Demétrio, começou a gostar da vida no pequeno lugarejo, casou e ali se estabeleceu para sempre.

 Como homem bom que era, tornou-se muito querido das gentes do lugar. Mas, apesar de ser cristão, tinha ideias que alguns consideravam heréticas. Dizia que as orações pelos defuntos não tinham qualquer sentido ou valor e negava a existência do Purgatório e do Inferno. Acreditava que a alma humana reside no sangue e que, no momento da morte, esta se separa do corpo sob a forma de ave, a qual pousa numa planta próxima, até que o corpo seja queimado ou comido pela terra. Acreditava também que essa ave cantava enquanto o homem morria, facilitando-lhe a entrada no sono eterno.

 Com esta crença viveu Demétrio, nela educou os filhos e, embora os vizinhos não acreditassem no mesmo, não deixou de viver em sã convivência com eles, sendo muito estimado e considerado por todos,

 Passaram os anos e um dia, Demétrio, já idoso, adoeceu e, passado algum tempo, morreu. Nesse mesmo momento uma lavandeira levantou voo e foi pousar sobre a faia mais próxima, mas não se ouviu o canto facilitador da entrada da alma de Demétrio no sono eterno, enquanto era sepultado no cimo do monte.

 A mulher, que tinha sido influenciada na sua fé pelo marido, apercebeu-se do sucedido e ficou perturbada por a ave não ter cantado durante o enterro de Demétrio, mas nada disse.

 Passado algum tempo, durante a noite, começou a aparecer sobre a colina uma caveira com uma luz interior. A gente, que morava ali, sentia-se aterrada com a visão e soube-se então que era a caveira de Demétrio, cuja alma vinha pedir orações para ser recebida no Purgatório.

Alguém encarregou-se de mandar rezar missas e de oferecer terços por intercessão do bom, mas herético Demétrio e, passado pouco tempo, uma mansinha lavandeira cantou sobre a faia e a caveira desapareceu.

 No alto e pedregoso lugar a família e os vizinhos construíram um nicho dentro do qual fizeram um painel representando a caveira.

 O nome ficou na mente das pessoas e aquela lugar da ilha das Flores passou a chamar-se Caveira, nome, mais tarde dado também à freguesia que ali se formou e que ainda hoje se mantém, sendo as suas padroeiras de origem, as Benditas Almas do Purgatório.

 

 Fonte – Ângela Furtado Brum, Lendas e outras histórias dos Açores

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publicado por picodavigia2 às 14:24

O BALEEIRO PERDIDO (DIÁRIO DE TI ANTONHO)

Quarta-feira, 08.01.14

24 de Junho de 1946

 

Contavam os antigos, que certo dia, aqui na Fajã, depois do vigia, de lá de cima do Pico, atirar o foguete anunciador de que havia sido descoberta baleia, os homens que andavam na sua faina agrícola diária, de repente, uns largaram o sacho mesmo ali no lugar em que se encontravam, alguns atiraram a foice com que ceifavam fetos e cana roca para um canto, outros abandonaram os animais que andavam a tratar e todos, vindos dos campos de perto ou das terras de longe, correram para o Porto Velho, onde estavam varados os botes baleeiros e em cujo boqueirão estava a lancha que os rebocava. As mulheres, aflitas e espavoridas, corriam para casa a fim de lhes prepararem uma dentada de comida acompanhada com café que os seus homens levassem para o mar e com que se alimentariam o dia inteiro. Depois de tudo preparado lançavam-se também em louca correria na direcção do mar, com a intenção de chegarem antes que partissem. Os homens, sobretudo os mais lestos e que haviam chegado primeiro, arriaram os botes à pressa e, juntando-se aos atrasados, remavam afoitamente, iniciando uma marcha lenta pelo mar fora, enquanto as mulheres de cima dos rochedos do baixio lhes iam atirando os sacos de pão de milho ou bolo, com queijo, linguiça, inhames e peixe frito, uma garrafa com café e num caso ou outro, de sumo ou de vinho. A lancha, esperando pelas sacolas de comida mais atrasadas, iniciava também a sua marcha, aproximando-se dos botes e lá os ia rebocando pelo mar fora, até desaparecerem no horizonte. As mulheres regressavam a casa a abafar suspiros e a avantajar desejos. Os botes, no mar alto, navegando à vela algum tempo, no alto mar para não assustar os cetáceos, avistaram por fim uma gigantesca baleia, que se fosse apanhado daria para cima de cem barris de óleo, despertando assim ainda mais a fúria desesperadora dos baleeiros. Era uma pechincha que não se podia desperdiçar de forma alguma.

Como todos a queriam caçar, gerou-se grande reboliço entre os botes. Apanhar uma baleia daquele tamanho era um acto heróico. Desceram as velas, enrolaram-nas nos mastros e começaram a remar na ânsia de caçar o enorme cetáceo que, pouco depois, como que amedrontado, voltou a mergulhar para aparecer uns bons metros mais fora, lançando para o ar enormes jactos de água que enchiam o mar de ondas e espuma. Um dos botes conseguiu aproximar.se e pôr-se em posição mais vantajosa para atirar. Sob as ordens dooficiale, o trancador, curvando o corpo e fixando o olhar naquela enorme mancha negra, atirou o arpão certeiro ao sítio mais adequado. A alegria enorme mas a confusão ainda foi maior. A baleia, ferida e louca de dor, num instante levou a primeira celha de linha, e depois a segunda. Só que antes da ponta da linha sair da celha, o trancador, apesar de forte e robusto, agarrou-a a amarrou-a ao tronco. Mas de repente, sem que ninguém esperasse, caiu que nem um melro. Preso na linha, num ápice foi arrastado pela borda do bote e engolido pelo mar, enquanto os companheiros ficavam atónitos, aflitos, enterrados num silêncio de morte. Só o oficial dizia: "Não! Não!"

O gasolina passou a triste notícia aos restantes botes e toda a tarde procuraram com tristeza o pobre baleeiro desaparecido. Exaustos, desolados, com uma tristeza de morte a tolher-lhes o rosto, não podendo fazer nada, voltaram, já noite alta para terra.

 A chegada ao Porto Velho foi de grande tristeza e consternação. Todos os baleeiros se abraçavam aos seus e choravam amargamente. Um silêncio profundo enegrecia ainda mais o porto. A família vestiu-se de luto e toda a santa noite as vizinhas choraram e carpiram de dor enquanto os homens contavam em voz baixa, como tudo se tinha passado.

No dia seguinte ainda saíram alguns botes à procura, por descargo de consciência, do corpo do trancador para que lhe dessem enterro digno. Depois de muito andarem, começaram a avistar, ao longe, um negrume no mar e foram para lá. Qual o seu espanto quando avistaram, sobre a grande baleia, já morta, o baleeiro, de pé, encostado ao cabo do arpão fincado no toucinho do animal. Como se nada tivesse acontecido disse para os colegas por quem esperara toda a noite:

 " Só agora é que vocês chegam? Tenho estado aqui toda a noite à vossa espera!". De seguida, perante o pasmo dos outros, saltou para o bote, como se nada fosse. E foi ele que prendeu a baleia ao gasolina para a rebocar para o porto de santa Cruz, porque os outros de tanto medo e pânico que tinham, não foram capazes de o fazer.

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publicado por picodavigia2 às 10:21

O SACRISTÃO QUE NÃO QUIS APRENDER A LER NEM ESCREVER

Quarta-feira, 08.01.14

Conta-se que numa certa igreja, duma pequena e pobre paróquia, havia um sacristão que não sabia ler nem escrever. Quando faleceu o velho bispo que governava a diocese a que a paróquia pertencia, foi nomeado, para o substituir, um prelado muito novo que trazia consigo ideias modernas, com as quais pretendia renovar a sua diocese. Algum tempo depois de tomar posse, entre várias leis que tinha em mente e elaborou, publicou uma, segunda a qual todos os fiéis que trabalhavam no serviço da diocese, incluindo os sacristães, deviam aprender a ler e a escrever. Pretendia assim, Sua Excelência Reverendíssima, combater o analfabetismo na sua diocese, começando pelos seus funcionários.

O sacristão da tal igrejinha é que não esteve nos ajustes, recusando-se a frequentar a escola e a aprender a ler e a escrever. Como a lei era clara e não contemplava excepções, o sacristão foi despedido, caindo no desemprego.

Como não tinha que fazer passava os seus dias à Praça junto com outros homens, muitos deles em condições semelhantes à sua. Quase todos fumavam mas nem todos tinham cigarros, pedindo-os uns aos outros ou indo comprá-los aqui ou além. Lembrou-se o homem que podia muito bem comprá-los e, depois, vendê-los ali, à Praça, ganhando assim algum dinheiro. Se bem o pensou melhor o fez, verificando que, passado algum tempo, a coisa resultara, pois já tinha ganho algum dinheiro. Como os lucros aumentavam de dia para dia, a ponto de o homem já não poder atender a todas as encomendas de cigarros, ali, à Praça, decidiu-se por comprar uma loja e montar uma tabacaria. O negócio floresceu, o homem comprou mais uma tabacaria, depois outra e muitas outras até que enriqueceu.

Resolveu então ir depositar o dinheiro que ganhara num banco. O gerente recebeu-o e, quando lhe pediu para assinar os documentos, o homem disse-lhe que não sabia ler nem escrever, nem sequer assinar o seu nome. O gerente, muito admirado, interrogou-o:

- Como é que você, não sabendo ler nem escrever, conseguiu tão grande fortuna?

O homem pediu ao gerente que, juntamente com ele, se aproximassem duma janela, Depois, apontando para uma igrejinha que se via lá, muito ao longe, disse-lhe:

- Está a ver aquela igrejinha, lá ao fundo? Pois se eu soubesse ler e escrever ainda hoje estava lá de sacristão.

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publicado por picodavigia2 às 00:06





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