PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
SONETO DE IDENTIDADE
(PEDRO DA SILVEIRA)
"Chamo-me Pedro, sou Silveira e sou
também Mendonça: um tanto duro, como
Pedro é pedra; picante agudo assomo
de silva dos silvedos — não me dou
Raiz flamenga, já se sabe; e um gomo,
no fruto, castelhano. E assim bem pou-
co, pois, que doce me passara à ou-
tra pátria (língua?) que me coube e tomo.
Ainda Henriques (alemão? polaco?)
e outros cognomes mais: espelho opaco
de errâncias várias, que mal sei (desfaço,
talvez por isso, no que faço.) Ilhéu
da casca até ao cerne — e lá vou eu,
sem ambição maior que o livre espaço".
Pedro da Silveira, em Poemas ausentes, O Mirante, 1999: 14
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PONTA DELGADA DE RELANCE
A madrugada tardou em comparecer, (ontem), aqui, em São Miguel, talvez porque diminuída num fuso horário, quiçá porque aureolada de um relento que lhe parece ser congénito, e, como se isso não bastasse, ainda chegou, trazendo consigo uma cidade cinzenta, molhada e, aparentemente, tonta. Apesar de tudo, Ponta Delgada não perdeu a beleza, nem o burburinho que lhe são peculiares, nem sequer o estatuto que usufrui de maior cidade açoriana e capital administrativa dos Açores. A sombrear ainda mais o destino desta acolhedora urbe açoriana, a greve, que para além do mais, veio baralhar, complicar e alterar voos e viagens, retendo, no João Paulo II, passageiros, em trânsito, que rumavam às “ilhas de baixo”. Mas ao longo do dia, a manhã foi clareando e, embora caldeada com chuviscos, Ponta Delgada foi-se mostrando simpática e atraente, fazendo desaparecer, aos poucos, aquela chuva miudinha que a envolvia e que nos molhava e, pior, consternava.
Se os dissabores do desalento climatérico acarretaram consternação, a serenidade da bela cidade, apesar de transformada, involuntariamente, em “cárcere”, havia de constituir-se em desanuviamento turístico e ostentar-se nos seus templos e monumentos e, sobretudo, na sua magnitude histórica, cuja origem remonta aos mapas e portulanos genoveses do século XIV e ao início do seu povoamento, no princípio do século seguinte, graças ao empenho de homens e mulheres, oriundos do Algarve, do Alentejo e de outras paragens, aqui aportados, numa madrugada, talvez ela também acinzentada e nevoenta.
Na realidade, como se pode ler nos roteiros e guias turísticos que proliferam no hall do hotel, “Ponta Delgada é dona de uma rica história e de um encantador património construído, rodeado pela esplêndida natureza da Ilha de São Miguel, que delicia quem a contempla a todo o momento. Outrora, a cidade mais importante da Ilha seria Vila Franca do Campo, contudo em 1522 um grande terramoto causou a maior destruição na localidade, passando então Ponta Delgada, uma povoação composta por várias comunidades piscatórias, a herdar a sua importância. Foi no século XIX que Ponta Delgada granjeou o maior sucesso e prosperidade, tornando-se mesmo numa das principais e mais ricas cidades do País, sobretudo devido à forte exportação de citrinos, à indústria piscatória e à fixação de muitos comerciantes estrangeiros. Esta herança é hoje visível no aspecto colonial e Romântico da cidade, tão típico deste período, concedendo-lhe uma ambiente encantador. Hoje em dia, pela cidade respira-se história, quer pelo seu ambiente cosmopolita, quer pelos seus românticos jardins, pelas suas ruas apertadas e calcetadas, ou pelos vários palacetes espalhados pela região que demonstram o poderio económico de outros tempos, graças à fertilidade dos solos e ao furor mercantil. É a Ponta Delgada que oferece o seu rico património cultural, arquitectónico e histórico numa paisagem idílica, onde a indústria turística tem florescido com conta, peso e medida. Ponta Delgada orgulha-se do seu património, com monumentos como a sua bela Igreja Matriz do século XV, o gracioso edifício da Sede da Alfândega, os Conventos da Conceição, de Santo André, do Carmo e de Nossa Senhora da Esperança, o antigo Colégio dos Jesuítas, o Forte de São Brás (também conhecido por Castelo de São Brás) ou as emblemáticas Portas da Cidade.
A cidade apresenta hoje uma crescente oferta de serviços, animação e actividades com espaços comerciais, teatros, cinemas, locais de diversão nocturna, e a renovada Marinha com as suas piscinas e os espaços de lazer, apresenta também espaços antigos e sempre tão aprazíveis como o romântico Jardim António Borges, ou interessantes como o excelente Museu Carlos Machado, instalado no antigo mosteiro de Santo André, retractando a história natural, a pesca e a agricultura de toda a Ilha de São Miguel.”
E a tarde acabou por se tornar soalheira, convidativa a devaneios, aureolados por uma simples, pequena, ordeira e singela manifestação contra os dissabores da crise, frente às portas da cidade, que se transformou em cortejo, com destino ao palácio da Conceição, na demanda de entregar as justas reivindicações de um povo que também se sente, fortemente, ultrajado nos seus direitos, ao representante do governo central na região.
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O ENFORCADO DE SANTO ESTÊVÃO
Logo a seguir ao Largo de Santo Estêvão, no caminho que dava para a Cuveba, do lado direito de quem caminhava na direcção daquela localidade, existia uma pequena relva, ao fundo da qual estava uma nascente de água, que havia sido aproveitada e transformada numa espécie de bica ou fonte, donde brotava um fiozinho de água, que corria dia e noite, ténue, diáfano e cristalino e que era vulgarmente designada pela Fonte do Silvado. O precioso líquido que dali brotava, que rareava naquelas redondezas, era muito fresquinho, limpo e deliciosamente saboroso, pelo que dava de beber e matava a sede a quantos sequiosos passavam por ali ou se sentavam no largo contíguo – o Largo de Santo Estêvão - num descansadouro que ali havia, onde muitos homens descansavam nas suas idas e, sobretudo, das suas vindas dos campos, para suavizar as pesadíssimas cargas que acarretavam, para conversar, para fumar ou simplesmente para irem saciar a sua sede à Fonte do Silvado.
Ao fundo da relva onde se situava a fonte, no entanto, e um pouco mais abaixo desta, havia uma quinta com altas paredes e um enorme portão, encimado por uma cruz, sempre aberto, sempre disponível a quem quisesse por ali entrar. No entanto poucos o faziam, porquanto as maçãs, as peras, as ameixas e outros frutos que abundavam em muitas árvores ali plantadas, caíam no chão e apodreciam. Ninguém as apanhava e, por isso mesmo, o solo era um tapete afofado de apodrecimento, um azulejo gigante ornamentado de uma natureza morta.
Contava-se e pelos vistos teria sido verdade, que uns anos atrás se enforcara ali um rapaz – o enforcado de Santo Estêvão. Ora como o suicídio, na freguesia, sobretudo através do enforcamento, era raríssimo, o povo, embalado em ensinamentos religiosos onde pontificava o misterioso, o maldito, o coiso-mau e, sobretudo, a ameaça permanente do envolvimento do diabo e das almas do outro mundo na sua vida e costumes, considerava-o como uma espécie de mistério ou algo de terrível, diabólico e do outro mundo, pese embora neste caso, a beatitude toponímica do lugar ofuscasse, parcialmente o macabro do evento que o notabilizara. Mas a maioria dos transeuntes que por ali passavam e, muito especialmente, os que paravam naquele recanto paradisíaco para ir buscar à água à nascente, num contraste mítico, traziam, permanentemente à memória, a recordação do enforcado de Santo Estêvão, cuidando que ele pudesse eventualmente, dada a sua qualidade de condenado ao inferno, aparecer por ali sob a forma de alma penada ou de demónio. Por isso, todos e cada um dos que por ali transitavam e sentavam, sobretudo se tivessem o atrevimento de ir buscar água, temiam que sobre si próprio viessem a cair anátemas de perdição moral ou lhe acontecesse alguma desgraça ou desventura. Pior ainda, a entrada na horta consubstanciava-se com aparecimentos fantasmagóricos e tétricos que assustavam e aterrorizavam todos, incluindo os mais “anamudos”. Eram, sobretudo, as mulheres e as crianças, umas e outras mais vulneráveis a medos e crendices, que evitavam passar por ali sozinhas e, pior do que isso, nunca iam buscar água às nascentes, a não ser quando acompanhadas.
Mas o mais curioso e anacronicamente inconcebível é que se sabia, com absoluta certeza, porquanto muitos o haviam conhecido, que o “enforcado de Santo Estêvão” afinal, em vida, fora um excelente rapaz, educado, trabalhador, amigo de todos e incapaz de faltar ou respeito ou ofender quem quer que fosse. Mas isso de nada aliviava os medos ou desfazia as crendices, Enforcara-se e era tudo. Suicidara-se, aparentemente por razões desconhecidas – cuidava-se que por rejeição de comportamentos maternos - e isso era o suficiente para que o anátema tivesse caído sobre a sua memória e o mistério se adensasse sobre o local onde decidira por termo à vida. Por isso e durante muito tempo o enigma que envolvia aquele enforcamento havia de aturrear um medonho temor e, anacronicamente, consubstanciar-se numa espécie de maldição permanente e o lugar havia de ficar sempre conhecido como “O Lugar do Enforcado de Santo Estêvão”.
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A IGREJA DE TODOS OS SANTOS, DE PONTA DELGADA
A Igreja de Todos-os-Santos, mais conhecida como Igreja do Colégio dos Jesuítas, localiza-se no centro histórico da cidade de Ponta Delgada, na ilha de São Miguel, nos Açores. É chamada de igreja de Todos-os-Santos, por o lançamento da primeira pedra ter ocorrido no dia 1 de Novembro de 1592. Juntamente com o templo e paralelo a este, foi construído, pelos religiosos da Companhia de Jesus, um convento onde os frades jesuítas estabeleceriam o seu Colégio na cidade. A igreja foi reconstruída na primeira metade do século XVII, quando adquiriu a actual fisionomia. Os trabalhos iniciaram-se em 1637, sendo o frontispício adossado ao anterior. Entre 1643 e 1646 foi instalado o novo retábulo na capela-mor. A nova fachada foi concluída em 1666. Nesta igreja pregou o padre António Vieira, por ocasião da festa da Santa Teresa de Jesus, no dia 15 de Outubro de 1654.
Com a expulsão da Companhia de Jesus do reino de Portugal, à época Pombalina, o valioso recheio da igreja foi dispersado. Era na biblioteca do Colégio que se encontravam importantes documentos da história dos Açores, como por exemplo, o acervo de Gaspar Frutuoso, inclusive o manuscrito das Saudades da Terra. Hoje a igreja do colégio encontra-se classificada como Imóvel de Interesse Público, tendo sido recuperada e requalificada. Desde 2004 que se fechou ao serviço litúrgico e passou a abrigar o núcleo de arte sacra do Museu Carlos Machado, no qual se destaca a pintura “A Coroação da Virgem”, de Vasco Pereira Lusitano. Em 2008 nela foi instalado um grande órgão, obra do organeiro Dinarte Machado, inaugurado por Ton Koopman. ´Nas décadas de cinquenta e sessenta do século passado, funciou ali uma dependència do Seminário diocesano.
Trata-se de um templo de uma beleza singular e de um valor histórico inexaurível, destacando-se a magnífica talha da capela-mor em cuja construção foram utilizadas madeiras de árvores muitas delas endémicas dos Açores, como o teixo, o cedro, o bucho, faia, vinhático e o pau-branco. A ornamentação do altar-mor, do arco triunfal e dos retábulos laterais eram arautos de um eloquente testemunho da liberdade decorativa do Barroco. Coexistia ali uma variedade enorme de elementos decorativos, de elevado requinte artístico, destacando-se motivos vegetalistas e zoomórficos, colunas salomónicas, torneados e concheados. No altar-mor podia ver-se uma infinidade de anjos em diferentes poses e nas amplas e altas paredes das duas enormes sacristias pendiam vários quadros pintados a óleo de pintores notáveis.
É verdade que a talha da capela-mor não é pintada a ouro, como a da maioria das igrejas açorianas, tinha antes uma cor acastanhada, muito próxima da cor da própria madeira. Tal facto, no entanto, não lhe retirava a beleza. Pelo contrário, esta singularidade e esta singeleza faziam realçar ainda mais a beleza natural da talha. Também o frontispício era um emaranhado magnífico de pedra basáltica, conjugada com a fluência inebriante e singular das portadas e janelas.
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O DESCANSO DO GUERREIRO
D. Paio de Farroncóbias, fronteiro de D. Afonso Henriques, chegou a Lubisonda, sem que ninguém o esperasse. Por isso, logo que a sua comitiva ultrapassou a muralha, começaram a sair dos humildes casebres, homens, mulheres e crianças, com ar de espanto e susto. De repente as ruas e praças encheram-se de povo que aclamava os guerreiros, congratulando-se com a sua chegada e orgulhando-se de acolher aqueles que haviam lutado ao lado do seu valoroso príncipe. Era ali, na humilde vila de Lubisonda que iriam pernoitar os heróicos guerreiros que haviam acompanhado o glorioso príncipe na batalha de Ourique.
Lubisonda era agora um mar de gente. Os guerreiros haviam-se reunido numa pequena praça, em frente ao templo românico, com um portal de arco redondo e paredes escuras, cujas portas se haviam aberto. Os sinos repicavam festivamente, como se de grande festa se tratasse. Ao lado, do templo e da meia dúzia de casas de ricos-homens erguia a mansão do honrado Pêro Fogaça. Era uma casa enorme e esbranquiçada, a contrastar com o escuro do templo e dos casebres de Lubisonda. A frente, voltada para uma pequena praça, era precedida de um ádito e rodeado por um muro coberto de heras, begónias e robínias, rasgada por diversas janelas e duas enormes portas. A maior abria-se apenas em dias de grande solenidade e dava para um corredor escuro e comprido, ladeado por portas que conduziam aos quartos e salas. Ao fundo, do lado direito de quem entrava, uma enorme sala, com uma mesa monumental, onde eram servidos os lautos banquetes durante as festanças em que o quotidiano do honrado comerciante era profícuo. Do lado esquerdo a cozinha.
Foi este pequeno palacete, que D. Paio de Farroncóbias de tanto cansaço de peleja e viagem, decidiu escolher para pernoitar. Pêro Fogaça e os restantes habitantes da aldeia não cabiam em si de contentamento. A alegria do comerciante, no entanto, ultrapassou em demasia a dos restantes lubisondenses e excedeu todas as limitações, quando soube que D. Paio de Farroncóbias escolhera para pernoitar a sua própria mansão. Há muito que ali se contavam os feitos vitoriosos do famoso conquistador, flagelo dos infiéis, ilustre fronteiro do ditoso príncipe, as suas vitórias sobre os infiéis e as suas investidas, cada vez mais intensivas, para libertar o Condado Portucalense do jugo do monarca leonino e transformá-lo em reino independente. Agora, era a fama da vitória de Ourique que se espalhara por todo o condado e que também já havia chegado a Lubisonda.
Ainda o fronteiro e o seu séquito não tinham ultrapassado os umbrais da pequena fortaleza que rodeava Lubisonda e já alguns ricos-homens, à frente dos quais estava Dom Pero Fogaça, vieram recebê-lo. Foi o marido de Dona Aldonça e pai do jovem Banaboião quem primeiro se aproximou de D. Paio e, ajoelhando-se a seus pés, com humilde espontaneidade, gritou:
- Meu senhor! Ilustre fronteiro do Rei de Portugal, sede bem-vindo a Lubisonda!.
Os outros aclamaram de imediato:
- Viva o nosso rei! Viva D. Afonso Henriques, rei de Portugal. Viva D. Paio de Farroncóbias, seu ilustre guerreiro.
Ao ouvir pronunciar aquelas palavras de exaltação do seu amo e senhor, D. Paio de Farroncóbias encheu-se de regozijo e contentamento Depois da vitória em Ourique, aquelas palavras repetiam-se como que por eco e magia. Até então, excepto os que estavam em Ourique, nenhum vassalo ou habitante do condado portucalense, tratara o príncipe de tal forma. E agora ali, aquele povo humilde fazia-o com tamanha espontaneidade e sinceridade como eles próprios o haviam feito em Ourique. Por isso, de ouvi-los, o coração do foreiro encheu-se de júbilo e regozijo. Assim, D. Paio de Farroncóbias, manifestando a sua alegria, contava-lhes como depois daquela gloriosa batalha, na qual para além da força e do valor dos seus homens, o príncipe recebera a protecção e ajuda de Nosso Senhor Jesus Cristo, que lhe aparecera em sonhos, pregado na cruz, sangrando nas suas cinco divinas chagas. Foi tanta a emoção que o esposo da senhora de Cangas e de Freixomil sentiu ao ouvi-lo que, D. Paio de Farroncóbias, aproximando-se, abraçou-o fraternalmente, não permitindo que permanecesse ajoelhado por mais tempo a seus pés. Depois fixando-o seriamente, disse-lhe:
- Honrado cidadão de Lubisonda, D. Paio de Farroncóbias. Foste o primeiro, depois de mim e dos outros valentes guerreiros que com o príncipe combateram em Ourique, que nestas terras portucalenses, tiveste a coragem e a honra de chamar ao valoroso príncipe, rei de Portugal. E tendes razão. Como sabeis, desde há muito que ele deseja ser rei. Não é loucura, é força, vontade e luta. Agora, depois desta retumbante vitória sobre tão vis infiéis, até porque eram muito mais numerosos do que nós e comandados por cinco reis, posso de facto e com verdade, eu um humilde servo do príncipe meu senhor, orgulhar-me também de lhe chamar rei de Portugal e louvar-vos-ei por isso, porque afinal, ele próprio assim já se intitula – D. Afonso Henriques, rei de Portugal. Na realidade só um verdadeiro rei poderia lutar contra cinco reis mouros e derrotá-los copiosamente. Tendes razão, Dom Paio. A partir de agora todos devem reconhecê-lo e aclamá-lo rei, inclusivamente seu primo D. Afonso VII, rei de Leão e Sua Santidade o Papa Celestino II, Sumo Pontífice da Santa Igreja Católica de Roma. Ambos serão obrigados a reconhecê-lo como rei, em breve. Peço-te, agora, que me conduzas à tua casa, e me dês guarida, se isso te apraz, a mim e ao meu servo e fiel escudeiro Gesismundo, durante uma noite. Peço-te que arranjes ainda abrigo para estes valorosos guerreiros da minha mesnada. Amanhã, ao romper do dia, retomaremos a nossa caminhada até Trancoso. O nosso destino, agora que a moirama está assustada e não voltará a atacar-nos tão cedo, é o reino de Leão. Afonso VII vai ser forçado a reconhecer Afonso Henriques, rei de Portugal e a conceder-lhe a independência, transformando este condado num reino independente como já o são Aragão e Navarra – o Reino de Portugal. Se o não fizer de bom grado há-de fazê-lo por força desta espada.
E tirando a espada da bainha, desenhava com ela no ar movimentos convulsivos e maquinais como se estivesse a lutar.
Fonte de Inspiração – Aquilino Ribeiro São Bonaboião Anacoreta e Mártir
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O PADRE FRANCISCO CONSTANTINO KORTH
Um dos mais insignes sacerdotes da ilha das Flores, do século XX, foi o padre Francisco Constantino Korth. Nasceu a 31 de Julho de 1881, na freguesia da Caveira, concelho de Santa Cruz das Flores, sendo de ascendência alemã, por parte da mãe. Em 1896, terminada a instrução primária, ingressou no Seminário de Angra do Heroísmo, onde se destacou pela sua inteligência e sucesso nos estudos. Em 1905 concluiu, com notável êxito e elevada classificação, o curso do Teologia, sendo pouco depois ordenado presbítero, regressando às Flores, onde celebrou a Missa Nova e iniciou a sua pregação pelas igrejas da ilha. Algum tempo depois, foi nomeado responsável pelo recentemente criado curato da Fazenda das Lajes das Flores, sendo o primeiro sacerdote a prestar serviço religioso, por nomeação, naquela localidade. Por essa razão foi inaugurada nesse ano, sob a presidência do ouvidor das Lajes, padre Filipe Madruga. a nova igreja daquela localidade, sendo pregador o próprio padre Korth.
A acção do cura Francisco Korth, na localidade da Fazenda, foi notável, pois para além de completar as obras da nova igreja, nomeadamente a construção os altares laterais e a aquisição de imagens e alfaias litúrgicas, lutou arduamente pele elevação da localidade da Fazenda, a freguesia e a paróquia. Infelizmente não o conseguiu, dado que a Fazenda só se constituiu como paróquia em 1959. O padre Korth manteve-se como cura da Fazenda das Lajes, durante toda a sua vida, embora conste que tenha rejeitado diversos convites promocionais e prescindido de colocações noutras localidades maiores, mais importantes e mais prestigiosas. Exerceu, no entanto, o cargo de Ouvidor das Lajes, durante vários anos.
Por tudo isto, o padre Korth gozava de grande respeito, prestígio e admiração, não apenas na Fazenda mas em toda a ilha das Flores, incluindo a Fajã Grande, onde se deslocava com muita frequência, sobretudo devido â sua amizade com o padre Bizarra. Aliás, na década de cinquenta ainda se ouviam ecos da sua competência e dignidade e sobretudo da sua erudita e eloquente oratória. A qualidade da sua pregação depressa se divulgou pela diocese, sendo, na altura, considerado um dos melhores e mais prestimosos pregadores dos Açores. Para além de elevada qualidade literária, os seus sermões eram ricos de conteúdo, seguindo sempre com rigor a doutrina cristã e as orientações religiosas e respeitando a hierarquia da Igreja Católica. Escrevia previamente os sermões de maior responsabilidade, fazendo-os com o brio e a dignidade que o caracterizavam, valorizando-os com os seus dotes naturais. Era um óptimo mestre no português e no latim, possuindo primorosos dotes oratórios, designadamente uma excelente dicção que muito o valorizava como pregador.
Conta-se, que certo dia, quando se encontrava a proferir no púlpito da igreja Matriz de Santa Cruz o sermão da Paixão, na Sexta-Feira Santa, certamente por ter visado o poder constituído com alguma afirmação proferida, foi-lhe dada, de imediato, voz de prisão pelo Administrador do Concelho. Mesmo do púlpito, depois de afirmar calmamente que se apresentaria logo que concluísse o sermão, o Padre Korth continuou a sua pregação. Seguidamente, descendo as escadas do púlpito e despindo as vestes religiosas, apresentou-se à respectiva autoridade.
A sua bondade, a sua sabedoria e a sua dignidade fizeram com que, em 1928 o Padre Korth fosse nomeado de Administrador do Concelho das Lajes das Flores, cargo que ocupou por mais de uma vez, sempre com isenção e justiça, não obstante nenhum outro benefício concelhio lhe ser particularmente atribuído nessa qualidade.
Diziam os que com ele privaram que era elegante e vestia a rigor, mantendo sempre o seu estatuto de clérigo, sem se envolver demasiado, respeitando todos para assim também ser respeitado e admirado quer por colegas ou superiores hierárquicos, quer por simples humildes paroquianos ou pelos amigos. Era considerado um excelente e credível conselheiro para os seus paroquianos e amigos e, muito especialmente, para todos os que para esse efeito o procuram. Uma das suas preocupações foi a educação e formação da juventude, pelo que ainda hoje é considerado, devido à sua influência como educador e disciplinador, como o responsável pelo progresso educativo, instrutivo e cultural dos jovens fazendenses.
À semelhança de outros sacerdotes do seu tempo, entre 1 de Julho de 1938 e 1 de Abril de 1940 visitou a Califórnia, onde tinha familiares e amigos e onde proferiu brilhantes e fluentes sermões, deixando em todos os que o ouviram saudosas recordações açorianas.
Faleceu subitamente em 16 de Janeiro de 1946, e os seus restos mortais encontram-se sepultados no Cemitério da freguesia da Fazenda. Francisco Korth deixou o seu nome ligado a excelentes poemas religiosos cantados, na altura, nas igrejas florentinas.
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BORDÃO DE SÃO JOSÉ
Açucena:
quando te via,
prisioneira,
nas mãos calejadas do carpinteiro José,
galvanizava-me de ternura
e imaginava-te
como se fosses minha.
Depois,
embora tímido,
aproximava-me do altar.
onde estava a imagem
e tocava-te
com a ponta dos dedos.
Sentia, então, o teu perfume,
como se fosses um hino de glória,
comungava a tua suavidade,
como se fosse um cântico de louvor,
apreciava a tua frescura
como se fosse um salmo profético.
Eras
branca como a neve,
pulcra como o jasmim
e límpida como as madrugadas de Agosto.
Açucena branca… Bordão de São José!