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A MARQUINHAS NASCIMENTO

Quarta-feira, 22.01.14

Nos anos cinquenta, vivia na Fajã Grande, na rua Direita, no cruzamento com a rua Nova, em casa de um irmão - o José Nascimento - uma mulher invulgar e típica, já de alguma idade, talvez mesmo a rondar os sessenta anos, de nome Maria, mas vulgarmente conhecida por Marquinhas do Nascimento. Uma das suas características físicas que mais atraía a atenção era o facto de possuir um acentuado defeito labial que não só lhe dificultava o falar como também impedia que fosse claramente entendida pelos seus interlocutores. Tinha os lábios extremamente salientes de tal modo que não se fechavam quando falava, pelo que os sons emitidos eram muito limitados e quase todos iguais. Talvez, por isso mesmo, nunca se casou, vivendo sempre em casa do irmão. No entanto esse grave e acentuado defeito físico, nunca a inibiu do que que quer que fosse. Pelo contrário era uma pessoa descontraída, desembaraçada, incrivelmente jovial, muito meiga e amiga de todos e, sobretudo, muito simpática, especialmente para com as crianças, Por isso todos a respeitavam, não manifestando nenhuma espécie de apoucamento, desdém ou desprezo. Pelo contrário, toda a freguesia a admirava, respeitava e ela tinha muitas amigas, pois, gostava muito de conversar, à sua maneira, e de conviver. Além disso era muito dedicada não apenas ao serviço doméstico mas também aos trabalhos agrícolas. Semeava milho atrás do arado, plantava batata-doce, acarretava molhos e cestos à cabeça e até levava os gados ao pasto, fazendo todas as tarefas com acentuado cuidado e singelo empenho.

Era uma senhora que, apesar da dificuldade que tinha em falar e do defeito físico que ostentava, granjeara a amizade, o respeito e a simpatia de toda a população da freguesia.

Na sua companhia vivia uma irmã, chamada Teresa, que durante muitos anos e desde muito nova se recolheu em casa, não saindo nunca à rua e não sendo vista por ninguém, a não ser pelos familiares. Cuidava-se que teria sido vítima de algum grave problema sentimental ou de algum desgosto. Nos anos sessenta, porém, rompeu esse tabu, começando a sair de casa e convivendo com todas as pessoas da freguesia que ela, apesar daqueles anos de retiro, conhecia perfeitamente, uma vez que da janela do quarto onde se enclausurar e por de trás dos cortinados, as via passar no caminho. Para além de muito bonita era também uma senhora muito afável, simpática e acolhedora, pelo que nunca ninguém a desprezou pela sua opção.

A Maria e a Teresa Nascimento, duas irmãs que, embora de forma diferente, ajudaram e contribuíram para a caracterização de uma população que, na década de cinquenta, qualificou, definiu e emoldurou uma freguesia – a Fajã Grande das Flores.

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publicado por picodavigia2 às 20:28

O PASSARINHO ENCANTADO

Quarta-feira, 22.01.14

(CONTO TRADICIONL)

 

Era uma vez um homem que tinha uma filha. Como enviuvasse, casou, em segundas núpcias, com uma mulher, também ela viúva e que, por coincidência, também tinha uma filha. As duas meninas davam-se muito bem mas a madrasta tratava a enteada muito mal.

Um dia a menina, triste e aborrecida com as ameaças e vexames por parte da madrasta, saiu de casa e fugiu para a floresta, que ficava ali ao lado. Sozinha e abandonada, começou a chorar. Pouco depois, porém, viu um belo passarinho vir ao seu encontro, dizendo-lhe:

- Por favor, arranja-me uma bacia com água, outra com leite e um laço de fita.

A menina ficou muito espantada, mas, apesar do passarinho fugir, fez o que ele lhe pedira. Algum tempo depois, o passarinho voltou, caiu no laço, banhou-se na bacia de água, depois na de leite e transformou-se num belo jovem, que lhe disse

- Eu sou um Príncipe. Até hoje estive encantado. Foste tu, bela jovem, que me quebraste o encanto. Mas se alguma vez alguém souber o meu segredo, voltarei a ficar encantado, só voltando a quebrar o encanto quando alguém me encontrar, depois de romper três pares de sapatos: um par de vidro, outro de madeira e outro de ferro.

A madrasta que andava por ali perto, ouviu vozes, espreitou e viu o passarinho banhar-se na água e no leite e transformar-se num Príncipe. Ficou cheia de inveja, mas o Príncipe, descoberto o seu segredo, pouco depois, transformou-se, novamente, num passarinho. A madrasta, no entanto, deitou-lhe um vidro partido na água sem que a menina desse por isso. Quando o passarinho se foi banhar, de novo, ficou muito ferido e fugiu. Mas a menina lembrou-se do que ele lhe tinha dito e mandou fazer os três os pares de sapatos. No dia seguinte, caminhou à sua procura.

Não precisou de andar muito para logo partir o par de sapatos de vidro. Avistando uma casinha, foi bater à porta. Apareceu-lhe uma velhinha, a quem perguntou:

- A senhora sabe dizer-me onde mora o passarinho encantado?

- Eu cá não sei, mas a minha filha, que é a Lua, há-de saber. – Respondeu a velha. - Esconda-se aí, para ela não a ver, pois tem muito mau génio.

Escondeu-se a menina, e dali a pouco chegou a Lua e disse, muito zangada:

- Cheira-me aqui a fôlego vivo.

- Ó filha, foi uma menina que me veio perguntar se eu sabia onde morava passarinho encantado.

- Eu só ando de noite, à hora em que toda a gente dorme com as portas e as janelas bem fechadas. O vento é quem há-de saber.

Ao outro dia a velhinha deu à menina o recado da Lua e entregou-lhe uma bolota, com a recomendação de só a abrir quando precisasse muito.

Pôs-se a menina outra vez a caminho, andando bastante mais e, passado algum tempo, os sapatos de madeira romperam-se e a menina avistou outra casinha. Bateu à porta e uma velhinha veio abrir. A menina perguntou-lhe:

- A senhora sabe dizer-me onde mora o passarinho encantado?

- Eu cá não sei, mas o meu filho, o Vento que anda por todo o mundo, há-de saber. Mas esconda-se porque ele tem muito mau génio.

A menina escondeu-se e dali a pouco chegou o Vento a soprar, dizendo:

- Cheira-me aqui a fôlego vivo.

- Ó filho, foi uma menina que me veio perguntar se eu sabia onde morava o passarinho encantado.

- Quando eu apareço, todos fecham as portas e as janelas de modo que não sei onde está. Quem deve saber é o Sol.

No dia seguinte a velhinha deu à menina o recado do seu filho Vento e entregou-lhe uma noz, com a recomendação de só a abrir quando precisasse muito.

A menina recomeçou a caminhar e andou, andou tanto, tanto que acabou por romper os robustos sapatos de ferro e viu, ao longe, outra casinha. Bateu à porta e uma velhinha veio ver quem era.

- A senhora sabe dizer-me onde mora o passarinho encantado?

- Eu cá não sei, mas o meu filho que é o Sol há-de saber. Mas esconda-se até que ele chegue.

A menina fez o que a velhinha lhe disse e dali a pouco chegou o Sol.

- Cheira-me aqui a fôlego vivo.

- Ó filho, foi uma menina que me veio perguntar se eu sabia onde morava passarinho encantado.

- O passarinho mora muito longe daqui, no palácio real, mas está em perigo de vida. Ninguém sabe curar a sua doença.

A velhinha transmitiu à menina as notícias que o seu filho Sol lhe tinha dado e entregou-lhe uma castanha com a recomendação de não a abrir senão quando muito precisasse.

E a menina pôs-se outra vez a caminhar, na direcção do palácio real. Quando anoiteceu, deitou-se debaixo de uma árvore onde umas rolas faziam ninho e, antes de adormecer, ouviu as rolinhas falarem, dizendo

- Então que notícias há do passarinho encantado?

- O passarinho encantado pode curar-se. Basta que alguém junte algumas das nossas penas, as queime e com as cinzas polvilhe as suas feridas, durante três noites a fio.

Foi o que a menina quis ouvir. Logo que as rolas adormeceram, apanhou as penas caídas no chão e fez como as rolas tinham dito. De manhã pôs-se a caminho da cidade. Quando chegou diante do palácio real, sentou-se no chão e abriu a bolota. Apareceu uma dobadoira de prata com meadas de oiro, a prenda mais rica que se podia imaginar. A menina pôs-se a dobar.

A rainha-mãe chegou à janela e vendo aquela dobadoira tão bonita, mandou um criado perguntar à menina se a queria vender.

- Dar sim, vender não; mas sua Majestade há-de deixar-me ficar esta noite ao pé do passarinho encantado, que está pousado dentro do palácio real.

A rainha aceitou e a menina, de noite, polvilhou as feridas do passarinho com as cinzas.

No dia seguinte foi sentar-se outra vez diante do palácio e abriu a noz.

Saiu dela uma roca de oiro cravejada de brilhantes, com um fuso de prata e a menina pôs-se a fiar.

Veio a rainha à janela e vendo a roca, mandou o criado saber se ela a queria vender.

- Dar sim, vender não; mas sua Majestade há-de consentir que fique outra noite ao pé do passarinho.

A rainha disse que sim e a menina, sem ninguém ver, polvilhou as feridas do passarinho com as cinzas que levava.

Pela terceira vez se sentou em frente do palácio e abriu a castanha, donde saiu uma galinha de oiro com pintainhos de prata.

Quando a rainha a viu, quis logo que a menina lha vendesse, mas ela respondeu:

- Dar sim, vender não; mas sua Majestade há-de deixar que eu fique mais esta noite ao pé do príncipe.

Pela terceira vez a menina deitou o resto das cinzas sobre as feridas do passarinho, que abrindo os olhos, logo se transformou no príncipe que reconheceu a sua salvadora.

A menina contou-lhe tudo quanto tinha acontecido o Príncipe casou com ela e foram muito felizes para sempre.

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publicado por picodavigia2 às 18:59

DIVINAL

Quarta-feira, 22.01.14

MENU 24 – “DIVINAL”

 

 

 ENTRADA

 

Pipetes, acamados sobre tiras de alface, recheados com creme de queijo fresco e tiras pimentos coloridos.

Canapés de tostas encharcadas e forradas com fiambre, com pimentos sobrepostos e salpicados de queijo ralado.

 

 

PRATO

 

Cenouras recheadas com picado de fiambre, peito de peru, cebola e cenoura, perfumado com alho e alecrim e sumo de lima, acamadas em fios de alface, salpicadas com azeite e vinagre balsâmico.

 

 

SOBREMESA

 

Pera natural e Gelatina de ananás.

 

 

******

 

Preparação da Entrada: Cozer a massa, deixá-la arrefecer. Recheá-la com o creme de queijo fresco, espetando-lhe numa das extremidades, uma tirinha de pimento. Colocá-las ao redor do prato sobre pequenas farripas de alface. Molhar as tostas em caldo de cozer carne e/ou legumes e coloca-las no meio das pipetes. Colocar-lhe uma fatiazinha de fiambre e por cima 3 ou 4 tirinhas de pimentos de cores diferentes, salpicando-as com um pouco de queijo ralado.   

 

Preparação do Prato – Cozer as cenouras, preferencialmente grandes, juntamente com a carne do peito de peru, temperada com alho e alecrim. Escavar as cenouras, formando uma espécie de barco. Juntar a carne cozida com a parte extraída das cenouras e triturar. Refogar uma cebola em azeite e alho e juntar o preparado. Rechear a cenoura, regando-a com o sumo de lima e queijo ralado. Gratinar. Colocar no prato sobre uma camada de alface picada e levemente regada com azeite e vinagre balsâmico.

 

Preparação das Sobremesas - Confecção tradicional.

 

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publicado por picodavigia2 às 14:55

PALAVRAS, DITOS E EXPRESSÕES UTILIZADOS NA FAJÃ GRANDE (X)

Quarta-feira, 22.01.14

Á – Ó, interjeição para chamar alguém.

Abalado – Comovido, chocado.

Achado – Objecto encontrado no mar.

Diabo-que-te-carregue – Expressão usada para indicar o desprezo que se tem por outra pessoa.– Expressão usada para indicar o desprezo que se tem por outra pessoa.

É Canja – É fácil.

Encher o pandulho – Comer em demasia.

Ensarilhada – Grande dificuldade.

Enxógalhar – Agitar, mexer,

Esbagoar        - Passar as contas do terço ou dizer muitas orações. Possivelmente por assimilação com o verdadeiro significado - tirar os bagos a.

Escarrapachar – Sentar com uma perna para cada lado

Esganado – Inquieto, com vontade de fazer algo, especialmente comer.

Estar descadeirado – Ter dores nas costas ou nos rins.

Estar somenos ou estar mum somenos – Estar muito mal.

Esterloucado – Mal da cabeça.

Fagulhas – Faúlhas

Fazer diligência – Esforçar-se.

Ficar com as calças na mão – Ser apanhado desprevenido.

Fonte – Fontanário.

Forreta – Avarento, agarrado

Forro – Sótão

Grotão            - Grandes vales que existem nos matos.

Home - Homem.

Incardido – Sujo

Increnca – Situação muito má.

Ingives – Gengivas

Inxugar – Secar.

Lambão - Pessoa que come muito.

Lambareiro – Que gosta muito de doces

Lonjura – Grande distância

Manápula – Mão.

Mancheia - Pequeno monte de qualquer produto ceifado mais ou menos da espessura de uma mão e que o ceifeiro vai colocando atrás de si e que depois é amarrado para mais facilmente ser transportado..

Marmelo - Diz-se de algo grande ou descomunal, incluindo pessoas.

Mosca-morta – Pessoa sonsa.

Mum perfeitinho – Criança bonita e saudável.

Não são contas do teu rosário – Não te diz respeito

Não vais lá das canetas – Não consegues.

Papa-sorda –  Pessoa sem desembaraço

Pimpolho - Criança

Pinguinha - Uma pequena quantidade de qualquer coisa.

Ponteiras – Argolas de metal, com rosca interior, que se aparafusavam nas pontas dos cornos dos bovinos.

Puxar pelo focinho – Desafiar, espicaçar alguém.

.Sarão – Serão

Tender – Dar forma ao pão

Tuta e meia – Barato.

Vardascar – Bater com uma vara.

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publicado por picodavigia2 às 14:10

MONSENHORES vs BONSENHORES

Quarta-feira, 22.01.14

Monsenhor é um título eclesiástico de honra conferido aos sacerdotes da Igreja Católica pelo Papa, como recompensa por méritos alcançados ao serviço da sua missão sacerdotal. No entanto, o Papa não confere os títulos de monsenhor, ao desbarato. Fá-lo a pedido do bispo diocesano, por meio da Nunciatura Apostólica. Mas os bispos também não podem exagerar nos pedidos, uma vez que existe uma norma canónica que define que o número máximo de monsenhores de uma diocese não pode ultrapassar 10% do total dos sacerdotes da mesma. Sendo apenas um atributo titular, os monsenhores, por o serem, não têm nenhuma autoridade ou poder canónico superior ao de qualquer padre, distinguindo-se destes, apenas pelo título honorífico e pelas vestes. Aparentemente, alguns bispos são mais comedidos do que outros nos seus pedidos ou propostas, sendo que, se uns colocam a fasquia dos seus pedidos no patamar mais alto, outros deixam-na bem mais cá por baixo.

Na década de sessenta e creio que durante o episcopado de D. Manuel Afonso Carvalho, na diocese de Angra, para além do simpático Monsenhor Medeiros da Horta, já velhinho e reformado, existiam apenas três monsenhores, no activo, na diocese: Mons José Gomes, reitor do Santuário de Santo Cristo, Mons Machado Lourenço, professor no Seminário de Angra e Monsenhor Pereira da Silva, Vigário Geral da Diocese. Ao contrário o número de cónegos era bem maior e aumentava, praticamente, de ano para ano. Parecia que o bispo se “vingava” no cabido do que rareava nas prelaturas.

Hoje consultando o site da diocese, para além de alguns recentemente falecidos, existem na diocese açoriana dez monsenhores: Júlio da Rosa, Caetano Tomás, Gil Mendonça, José de Lima, Agostinho Tavares, Weber Machado, António da Luz Silva, Augusto Cabral, José Nunes e Gregório Rocha, sendo que o número de padres nos Açores é bem menor, actualmente, do que nas décadas de 50/60.

A maioria destes monsenhores foram professores no Seminário Diocesano e, muitos deles, meus professores. Assim como todos os outros, são sacerdotes de grande mérito e nobre acção pastoral e, portanto, não está de forma nenhum questionada a justificação do título que lhes foi conferido pela Santa Sé e que, naturalmente, todos muito bem merecem.

Apenas tão elevado número, no que a professores do Seminário diz respeito, faz-me lembrar alguns outros professores por quem mantive e continuo a manter um respeito e um carinho muito especiais e uma grande admiração pela sua competência, dignidade, sabedoria e ainda pela amizade, dedicação, consideração e estima que dedicaram aos que foram seus alunos e, nos quais, eu obviamente me incluo: António Rogério Andrade Gomes, Artur Cunha de Oliveira, Artur Goulart de Melo Borges, Edmundo Machado de Oliveira, Francisco Carmo, Jaime Luís da Silveira, José Enes Pereira Cardoso, Manuel António Pimentel, Manuel Coelho de Sousa e muitos outros.

Uma vez que nenhum deles, por uma razão ou por outra, jamais poderá receber tal distinção, da minha parte, nomeio-os, simplesmente, “Bons Senhores”, prestando-lhes assim a minha mais singela e simples, mas sincera homenagem a estes e a quantos juntamente com eles durante doze anos, no Seminário de Angra e nesta altura em que celebra os seus 150 anos de existência, colaboraram na minha formação e na de centenas e centenas de jovens oriundos de todas as ilhas açorianas.

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publicado por picodavigia2 às 11:06

A LENDA DA ANTIGA PONTE DA RIBEIRA GRANDE

Quarta-feira, 22.01.14

Contava-se, noutros tempos, uma lenda que, de tão antiga, na década de cinquenta, quer na Fajã Grande quer na Fajazinha, já quase ninguém se lembrava dela. Dizia-se que uma ponte que terá existido, antigamente, sobre a Ribeira Grande, foi construída pelo diabo e, apenas, durante uma noite.

Segundo a lenda um rapaz da Fajã, chamado Inácio, ao atravessara Ribeira Grande, numa noite de grande tempestade, quase se afogou, quando levado pelo forte caudal da ribeira teve que se atirar à água e tentar passar a nado para a outra margem. Pretendia ele ir visitar a sua namorada que vivia na Fajãzinha, mas como não havia nenhuma ponte que unisse as duas margens e permitisse que os transeuntes atravessassem a ribeira em segurança, sobretudo em dias de forte caudal, teve que a atravessar a pé e a nado. A rapariga chamava-se Marília e era filha do capitão Gervásio de Fraga e de sua mulher Jesuína de Jesus e era muito bonita e inteligente. Como a casa do capitão ficava do lado norte da Fajãzinha, perto da Ribeira Grande e como a moça já estava à janela de vigia, à espera de Inácio, assustada com aquele temporal, ao ouvir gritos de agonia, percebeu logo que eram do seu bem-amado e, dando-se conta de que havia acontecido alguma desgraça, instintivamente, prometeu a sua alma ao diabo em troca dele construir, de imediato, uma ponte para ela poder atravessar a ribeira, salvar o seu namorado ou, pelo menos, ver o seu corpo, mesmo que estivesse já morto.

E eis senão, quando Lúcifer lhe apareceu e confirmou, conforme o pedido, que o faria a ponte, mas em troca da sua alma. Marília, agora já arrependida do que prometera e muito apavorada com o que lhe poderia acontecer, enchendo-se de coragem, enfrentou-o e pôs-lhe uma condição, que o diabo, temendo perder aquela alma, aceitou de bom grado: que a ponte teria que estar concluída antes do cantar o galo no curral do vizinho, pois não queria que as pessoas conhecessem a verdade e soubessem que fizera um pacto com Satanás. O diabo começou, de imediato, a construção da ponte mas quando o galo cantou ainda faltava construir um pequeno pedaço, do lado da Fajã, mas isso não impediu que Marília pudesse atravessar para a outra margem da ribeira e salvar o seu amado. Mas porque não cumpriu exactamente o combinado, o demónio não pode possuir a alma dela, e assim a rapariga não só fugiu às garras de Satanás, como também salvou o seu namorado, com quem casou, algum tempo depois e, como reza a lenda, viveram muito felizes para sempre.

Quanto à ponte, consta que uma enorme enxurrada, pouco dias depois, a derrubou, desfazendo-a para sempre, pois era “obra do diabo”.

 

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publicado por picodavigia2 às 09:14

TERCEIRO

Quarta-feira, 22.01.14

(UM POEMA DE PEDRO DA SILVEIRA)

 

Estas casas, onde a sabedoria dos arquitectos nada fez

 e os caminhos de corção nos quais as pedras

 são, mais que pedras, a força

 de as ter trazido e plantado

 sob os passos futuros;

 

e estas paredes dividindo,

contendo,

sobre o corpo do chão,

cerrados e courelas

e belgas trepando

- duras cordas de cinza -

 pelos flancos dos outeiros até onde

 permite o vento uma qualquer

utilidade vegetal;

 

estas terras

revolvidas,

minadas,

com maroiços nas margens e moledos esparsos;

estas árvores,

mais velhas que a memória

dos mais velhos dos velhos:

laranjeiras disformes,

figueiras torcidas

alastrando, subindo;

 

e os poços,

as levadas,

as pontes,

 

ISTO TUDO!

flores de diligência e força

com raízes de tino,

 

ei-la, é a nossa

história.

 

Que não foi escrita

- nomes de heróis -

nos compêndios.

 

Grande de mais para palavras mortas.

 

Pedro da Silveira in Sinais de Oeste 1962

 

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publicado por picodavigia2 às 07:48

SABER NADAR

Quarta-feira, 22.01.14

“Quem não sabe adanar não se chegue ao pé do mar.”

Antes que mais importa esclarecer que, neste interessante adágio fajãgrandense, “adanar” é uma forma popular, utilizada na ilha das Flores, da palavra “nadar”. Assim mais correctamente devia dizer-se “Quem não sabe nadar não se chegue ao pé do mar.”

Sendo assim o provérbio utilizava-se, na Fajã Grande, na década de cinquenta, no sentido real, mas, sobretudo, no sentido figurado. No primeiro caso era por mais evidente o que se pretendia aconselhar com o uso do provérbio. Realmente quem não soubesse nadar deveria ter muito cuidado ou até evitar aproximar-se do mar, sobretudo, na apanha de lapas, no caso das mulheres ou na pesca, em se tratando dos homens.

Mas o grande interesse deste adágio era o seu uso no sentido figurado. Com ele pretendia-se simplesmente avisar as pessoas de que deviam estar sempre preparadas para abraçar uma dificuldade ou para evitar que qualquer problema grave lhe causasse prejuízos. Quem não tivesse a capacidade necessária ou quem não estivesse devidamente preparado não devia aventurar-se em tarefas ou cometimentos sobretudo mais difíceis ou mais perigosos. Para a realização eficiente e produtiva de qualquer actividade ou tarefa era necessário ter a preparação adequada.  

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publicado por picodavigia2 às 06:27

MIRANDELA

Quarta-feira, 22.01.14

O Tua

espelha-te

e transforma em ondas,

suaves e doces,

a serenidade das tuas ruas,

o resplendor dos teus solares,

a tranquilidade das tuas casas.

 

E até

a pulcritude dos teus jardins,

os murmúrios das tuas fontes

e a serenidade dos montes

e dos vales que te rodeiam,

emergem

na torrente límpida e pura,

desse rio,

que corre,

jovial,

ao teu lado.

 

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publicado por picodavigia2 às 00:16





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