PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
CARTA ABERTA A ALFRED LOUIS
(TEXTO DE GABRIELA SILVA)
Estamos a comemorar o centenário do teu nascimento. Durante muitos anos não sabia da tua existência. A ilha demorou a reconhecer os méritos dos seus ausentes. Não foste apenas tu que ficaste na memória discreta e silenciosa de muitos sem conheceres o fulgor das manifestações póstumas. Foi em Tulare que me falaram de ti, da tua vida, da tua obra, da tua coragem, da tua tenacidade, do teu brilho... Na realidade tu foras também cidadão de Tulare e Los Banos desde bastante jovem e até à morte. Da Fajãzinha foste bem menos tempo mas, às tantas, foi da ilha que levaste o melhor da tua força e (quem sabe?) da tua capacidade para a escrita: uma escrita sentida na distância ainda a pensar na ilha e no “teu” Pico Redondo donde cedo abalaste, mas levando na memória elefantina as imagens da rocha vermelha nos dias em que o sol se punha naquele horizonte que te ensinou a fuga. Pertences a um grupo de ilustres de uma freguesia que viu nascer muitos nomes sonantes nas mais variadas vertentes culturais e que continua a produzir hoje génios à sua dimensão. Homens e mulheres que ultrapassam as limitações da nossa pequenez e se projectam, pelo merecimento de um trabalho empenhado e da força inabalável do seu querer, para além das fronteiras desta estreiteza de terra. Quando, no ano passado, comecei a falar de ti percebi que muitos ainda se lembravam da tua mãe e alguns adolescentes já haviam compulsado um dos teus livros.
...Sabes? Tenho da Fajãzinha recordações muito especiais ligadas ao início da minha vida profissional quando, aos dezoito anos fui leccionar para uma escola nova em folha. Na altura pensei ser, não apenas a docente estreante do edifico mas também a primeira professora do ensino oficial que pisava a escola e ensinava na freguesia. Agora sei que o primeiro auto didacta que fez da Fajãzinha a freguesia que ainda é hoje, foste tu! Sei que ensinaste a ler e escrever a muitos jovens do teu tempo e que deixaste atrás de ti muitos homens livres porque a alfabetização é inquestionavelmente uma forma de liberdade. ...Quando sigo os teus passos não me encontro com um homem parado no Rossio nas tardes de domingo, de mãos nos bolsos à espera da vida acontecer. E, no entanto, na tua poesia perpassa saudade e as tuas palavras albergam memórias de uma localidade aparentemente sem história. Será que as fugas nos fazem clarividentes ou é na distância que encontramos resposta para as nossas interrogações? Foi preciso partir para recordar com tanta saudade o que já lá estava antes da partida? É que tu não foste um emigrante como os destes tempos modernos que em vinte e quatro vêm de S. Francisco às Flores. Tu partiste e nunca mais voltaste mas ficaram impregnadas em ti as marcas de uma insularidade sem limites e uma saudade visceral dos nossos hábitos, da nossa gastronomia, da nossa cultura, das nossas crenças... E isto é ser cidadão de corpo inteiro, isto é ser cidadão do mundo e do berço onde se viu a luz.
...Mesmo decorrido um século a ilha, no essencial, é a mesma. Se chegasses agora à Fajãzinha encontravas o Rossio com duas pás de cimento ao centro e mais dois ou três bancos de madeira ancorados a um canto mas ainda nos dão sombra os mesmos plátanos e a vista de um lado e doutro ainda são a Igreja de Nossa Senhora dos Remédios e a Casa do Espírito Santo. As estradas alcatroaram-se, algumas casas sofreram melhoramentos mas o essencial está ali. Até a tua casa, a casa onde nasceste, está lá. No verão passado fizemos uma festa em tua honra e levámos os nossos convidados até à porta. E do lugar que foi o teu berço, olhámos a rocha num fim de tarde nostálgico mas sereno. Viemos depois para o Rossio comer inhames com linguiça, morcela e tortas de musgão. Mais tarde dançámos a chamarrita e o pézinho como se estivéssemos a cumprir uma vontade tua expressa num daqueles teus poemas em que recordas com saudade estas especificidades ilhoas que levaste no peito.
...Mas saíamos a pé da tua freguesia e façamos o interior da ilha. Aí sim, há uma virgindade intacta na paisagem que nos rodeia. A Rocha dos Bordões continua a ter a altivez erecta dos nossos baleeiros e as lagoas mantêm a beleza serena e secreta que fala de segredos, de partidas, de afectos e despedidas. A vegetação do interior da ilha é sempre matizada de verdes de tons e mais tons e impregnada de uma humidade sangrenta da água virgem do centro desta terra que escorre lágrimas de água doce e fresca em todas as barrocas. Aqui e além tufos enormes parecem provocar-nos para o desafio de uma caminhada no tapete fofo mas perigosos de musgos altíssimos que conferem um charme inquieto a dezenas de terrenos virgens que preenchem a maior parte do interior de uma ilha pudica, recatada, discreta...
...O mar, o nosso mar continua caprichoso como sempre foi. Azul até à transparência, sereno até parecer silencioso e inerte, mostra nalguns dias a fúria do seu estar. E há invernos em que joga tetrápodos como quem atira ao ar bolas de futebol e enrola no cais com a fúria de amante embravecido com a ausência ou a traição.
...Já não há baleeiros mas repousam inertes em museus de pequena dimensão os harpões da coragem e um ou outro bote, agora em terra firma, contam histórias de heróis de um tempo em que o medo e a coragem se misturavam e perdiam quando a proa apontava a baía de S. Francisco que era mais do que um destino uma certeza. E quando o medo ousava tocar ao de leve um coração menos sereno sempre havia um homem que contava histórias de ventura e de sucesso nessa terra magnífica onde as “águias” de outro davam pão aos filhos e segurança ao futuro.
...Sei que foste juiz em Los Banos e que mais tarde abandonaste por altercações com a autarquia. Até nisso, és todo da Fajãzinha, freguesia politicamente diferente de todas as outras que conheço de perto na Região. Gente com opinião e cultura política, gente que respeita os seus ideais em todos os momentos, gente com uma profunda firmeza no querer e uma sábia inteligência nas suas escolhas, gente que não se verga a déspotas ou falsos heróis, gente crítica, dura, justa e directa. Gente capaz de se colocar frente a frente sem medo mas que não ousa colocar em causa coisas sagradas como a solidariedade, a amizade ou os laços de família. Mesmo quando pai e filho alternativas diametralmente opostas. Saber separar as coisas com rigor e com dignidade é uma característica da firmeza de carácter dos teus antepassados, Alfredo. Podes orgulhar-te de ter nascido numa freguesia onde os interesses desta estão acima de querelas pessoais ou questões políticas e onde, no momento de trabalhar para a colectividade todos arregaçam as mangas para o bem de todos. Esta postura invulgar na maioria de outros locais da ilha fazem perceber que a Fajãzinha marca a diferença pela positiva em muitas áreas. Praticamente sem analfabetismo a freguesia encerrou as portas da sua escola por falta de alunos alguns anos atrás. Mas os jovens que restam não param, e, mesmo divididos por poucas famílias, são os únicos que mantêm a porta aberta à única Filarmónica da ilha que já tem organizado digressões diversas fora da ilha e mesmo dos Açores pela qualidade técnica da sua execução.
...Somos ainda uma ilha de emigrantes. Seremos sempre uma terra de partidas e chegadas mas não deixaremos nunca de ser também uma terra de gente ordeira, cordial, trabalhadeira e generosa.
...Este Verão vamos comemorar o centenário do teu nascimento e recordar outros nomes que, como o teu, honram a freguesia da Fajãzinha, o concelho das Lajes e a ilha das Flores. ...No dia da Senhora dos Remédios, o Rossio vai encher-se de gente. E todos vão ouvir falar de todos. Os sinos hão-de repicar para chamar as gentes, há-de sentir-se o cheiro doce da caçoila com inhames, hão-de fritar-se torresmos com linguiça, há-de fazer-se a festa com baile no Rossio ao som das cordas e das vozes dos nossos homens, ecos de um século de história.
...E ao fim da tarde, havemos de ir todos em romaria silenciosa à tua porta, no Pico Redondo, para olhar o pôr-do-sol em direcção à rocha verde toldada de muitos tons. E enquanto no cemitério de Los Banos repousam os restos mortais do poeta, alguém dirá por ti um dos teus poemas. E faremos silêncio. O silêncio respeitoso que a tua memória nos merece.
...As mulheres, de regresso da terra, com a lata à ilharga, hão-de parar também no Pico Redondo para ouvir o bater das trindades e recordar o poeta da ilha que tendo o corpo
na América deixou bem vivas nas Flores as mais doces memórias.
Gabriela Silva
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FIM DO ALOJAMENTO A PASSAGEIROS EM VOOS CANCELADOS DA SATA INTER-ILHAS
Segundo noticiou, na passada quinta-feira, 14 de Março, o jornal açoriano “Diário Insular” a empresa açoriana de transportes aéreos, SATA, poderá, em breve, deixar de estar obrigada a disponibilizar alojamento gratuito aos passageiros afectados pela não realização de voos, devido ao mau tempo ou greves. São as novas regras da União Europeia, segundo as quais as empresas com aeronaves com menos de 80 lugares devem passar a não ser obrigadas a alojar passageiros durante voos cancelados, pois a Comissão considera que a obrigação de dar essa assistência pode pôr em causa a sobrevivência financeira de algumas transportadoras aéreas.
Segundo aquele matutino angrense, a Comissão Europeia propôs, no passado dia 13, um pacote de medidas que visa melhorar os direitos dos passageiros dos transportes aéreos, mas há uma proposta, em particular, que pode vir a afectar quem viaja na SATA entre as ilhas dos Açores. É que segundo o documento, os voos de pequena escala deixam de estar obrigados a oferecer alojamento aos passageiros afectados pela não realização de um voo.
De acordo com as regras actualmente em vigor, as transportadoras aéreas devem oferecer bebidas, refeições e alojamento por um lapso de tempo indeterminado. A nova proposta da Comissão Europeia considera que essa obrigação pode ameaçar a sobrevivência financeira das empresas em causa e, por isso, limita o alojamento a três noites (em circunstâncias excepcionais), ao mesmo tempo que impõe regras aos voos regionais. Assim, a Comissão Europeia suprime a obrigação de oferecer alojamento aos passageiros de voos de menos de 250 km e com aeronaves de menos de 80 lugares. O Dash-200 da SATA, recorde-se, possui 37 lugares, ao passo que o Dash-400 transporta um máximo de 80 passageiros.
As novas medidas propostas pela Comissão Europeia pretendem melhorar os direitos aos passageiros dos transportes aéreos em matéria de informações, assistência e reencaminhamento, sempre que fiquem retidos nos aeroportos. Está em causa também o melhoramento dos procedimentos de reclamação e medidas de execução, para que os passageiros possam fazer valer os seus direitos. O documento clarifica "zonas cinzentas" no plano jurídico e estabelece novos direitos.
Uma das mudanças tem que ver com a obrigação explícita de as empresas de transporte informarem os passageiros sobre a situação de atraso ou cancelamento do seu voo, o mais tardar 30 minutos após a hora de partida programada, avançando também a hora de partida estimada. A proposta reforça o direito dos passageiros receberem assistência após um atraso de duas horas, independentemente da distância de voo.
O documento estabelece, ao mesmo tempo, que quando a transportadora não puder assegurar pelos seus meios próprios o reencaminhamento dos passageiros num lapso de tempo de 12 horas, deve oferecer um reencaminhamento com outras transportadoras aéreas ou outros modos de transporte, o que, no entanto, nos Açores, nos voos inter-ilhas será impensável.
O documento da Comissão Europeia pronuncia-se também sobre questões relativas à bagagem. Actualmente não existe nenhuma autoridade responsável pelo controlo da aplicação dos direitos dos passageiros relacionados com a bagagem, mas a proposta indica que os organismos nacionais de execução, nomeados nos termos do regulamento em vigor, devem ser igualmente responsáveis pela execução das regras de indemnização em caso de problemas com perdas ou prejuízos na bagagem.
Fontes – Diário Insular e Forum Ilha das Flores
Texto publicado no Pico da Vigia em Março de 2013
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O REGRESSO DOS DUPONT
O Peugeot dos Dupont seguia a alta velocidade na A4 em direcção ao Porto O GPS indicava onde deviam sair e depois virar à esquerda. Mariana sentia uma grande ansiedade. Dentro em breve iria percorrer os caminhos e as vielas dos tempos de infância, recordando assim os lugares onde tinha nascido e fora criada. Em França, sobretudo depois do casamento com Pierre Dupont e da mudança de Clermont-Ferrant para Aurillac, poucas informações recebia de Portugal. Mas duma coisa tinha a certeza – tudo estaria muito diferente. À medida que se aproximava o coração apertava-se-lhe mais. É que a oportunidade de ver e talvez até de entrar na pequena casinha onde tinha nascido podia estar prestes a concretizar-se. Os semáforos à entrada da cidade causavam-lhe alguma confusão, mas configuravam grandes mudanças.
Voltaram à esquerda, tornaram a voltar à direita e seguiram em frente na direcção do sítio onde presumivelmente estaria a velha casita. Mais umas voltas e chegaram ao pequeno largo em frente à velha igreja, cuja fachada exterior semelhante a um castelo medieval, ainda tinha bem presente na memória. Não estaria muito longe, pois lembrava-se que, muitas vezes, à noitinha, da janela do seu quarto via, por cima dos telhados das casas circundantes, a torre da igreja. Vinha então debruçar-se à janela para ouvir o toque das Trindades. A avó havia-lhe ensinado as orações que devia rezar entre as lentas e demoradas badaladas do sino. Mais adiante estendia-se uma área enorme de terreno plano onde se misturavam prédios já construídos e outros em construção. Algumas escavadoras reviravam a terra e removiam enormes calhaus que eram retirados dali por camiões. Muito isolada, num dos cantos do grande eirado, com paredes e muros parcialmente destruídos, apenas uma casa, em tudo muito semelhante à sua. Era de uma amiga de escola, a Joaninha, lembrava-se bem. Passava por ali todos os dias, parava e chamava por ela. Depois lá iam, de malas a tiracolo, saltando e cantando pelos campos para encurtar caminho, apanhando flores com que faziam um ramo para oferecer à Dona Ermelinda. Grande parte das casas ao redor já tinham sido derrubadas e era nos seus lugares que edificavam aqueles prédios modernos e abriam novas ruas. Mais além as outras aldeias e o rio. É verdade que também as suas águas já não eram tão limpas, transparentes e cristalinas como as de outrora, muitos moinhos e azenhas haviam desaparecido e ao seu redor os campos já não se enchiam de milho e de couves repolhudas, já não havia matança de porcos, desfolhadas e as vindimas já não eram como outrora. Os homens já não se agarravam, de manhã à noite, à rabiça do arado e as mulheres já não sachavam e mondavam sob o calor tórrido do estio. Mas, em contra partida, nascera ali ao lado uma cidade, uma cidade grande e moderna que crescera graças à força, coragem e determinação de um povo.
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OS DESPAUTÉRIOS DO PADRE LIBÓRIO
(UM CONTO DE COUTO VIANA)
O «Cu de Coibes» (“coibes” significa couves na linguagem popular minhota) era o sacristão da Senhora do Resgate, uma pequena capela apertada entre dois prédios de habitação – para o exterior, apenas a larga porta numa parede de azulejos –, na rua mais antiga e estreita da cidadezinha.
Morava nas traseiras da capela e, do quarto de cama, via-lhe o sino, quase uma sineta, pondo-o a tocar estando ainda deitado, pois tivera artes de prender um arame ao badalo que puxava da janela nas madrugadas gélidas, pelas cinco e meia, no primeiro aviso da missa d’alva, às seis horas, assistida por mercadores de feiras próximas ou distantes, passageiros do primeiro comboio com destino ao Porto.
O «Cu de Coibes», Armandino Candeias no bilhete de identidade, era balofo e imberbe, apesar dos seus quarenta anos, com uma voz de tenorino, tal um castrado da Senhora Dona Maria I. Cantava, fanhoso, ao som do organito dedilhado pela D.ª Clemência, (um feixe de ossos assexuado, irmã do cónego Ângelo), durante a eucaristia do padre Libório, ali, no Resgate, com o velho sacerdote a dispensar acólito.
O sacristão e a organista tinham de comum a língua viperina, capaz de lançar para as profundas do inferno a alma mais imaculada; aquele inferno onde a aguardava a forquilha do cónego Ângelo, um anjo caído, sempre pronto a intrigar junto do bispo D. Teodorico Chaves, muito crédulo, muito confuso de ideias.
O padre Libório, um santo barão, modesto e ingénuo, era conhecido em toda a cidadezinha pelos tremendos despautérios que dizia e fazia durante o exercício das suas actividades sacerdotais.
Atribuíam-lhe, até, aquele caso em que, inadvertidamente, havia quebrado um segredo de confissão perante uma fila de fiéis, aguardando vez, frente ao seu confessionário: Ajoelhara-se diante das grades uma pobre velhota que trabalhava a dias numa casa fidalga da cidadezinha. Padre Libório, cansado de haver velado toda a noite à cabeceira de um moribundo, deixara-se adormecer embalado pela lengalenga bichanada da pecadora. Ela, ao ouvi-lo ressonar, abandonou o confessionário mesmo antes da penitência. Súbito, padre Libório acorda com um ronco mais forte e, dando pela ausência da confessada, deita a cabeça de fora da cortina roxa e pergunta em voz alta aos fiéis aparvalhados:
- Onde está a velha que roubou uma panela?
A.M. Couto Viana, Os Despautérios do Padre Libório e Outos Contos Pícaros
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IGREJA E MOSTEIRO DE VILAR DE FRADES
Dedicada a São Salvador, a igreja de Vilar de Frades e o mosteiro dos Lóios, que lhe é anexo, localizam-se no sopé do monte Airó, junto à margem esquerda do rio Cávado, na freguesia de Areias de Vilar, concelho de Barcelos, distrito de Braga. O conjunto arquitectónico ainda hoje existente faz parte do complexo do antigo convento da Congregação dos Cónegos Seculares de S. João Evangelista que aí estabeleceu a sua primeira casa-mãe, tendo sido, antes, um mosteiro beneditino e hoje é Monumento Nacional. A sua arquitectura é notável, imponente e bela, com destaque para a abóboda da igreja e para o portal manuelino da fachada principal, do lado contrário à torre sineira, que se cuida ter pertencido ao templo primitivo.
As origens deste mosteiro beneditino remontam ao séc. VI e aos tempos em que São Martinho de Dume, apostado em estender o movimento monacal e a cristianização, entre Douro e Minho, era bispo de Braga. O convento, ocupado nessa altura pelos monges beneditinos, terá sido quase totalmente destruído em 714, a quando de uma investida muçulmana. A reconstrução da obra, por nobres locais empenhados em ajudar os reis na Reconquista Cristã, verificou-se apenas em 1070, mantendo-se sob a alçada da Ordem Beneditina, até ao início do séc. XV, altura em que passou a ser uma abadia secular, sob o padroado da arquidiocese de Braga, realizando-se, então, mais algumas obras de restauro. É por essa altura que a Congregação dos Cónegos Seculares de S. João Evangelista ou frades Lóios, ali estabeleceu a sua primeira casa-mãe. Os seus reitores e abades, no entanto, vão adquirindo, aos poucos, alguma autonomia em relação ao arcebispado bracarense, ao mesmo tempo que vão anexando ao convento várias igrejas da região, dando um poderio crescente à Ordem, no Norte do País. Além disso, a Congregação ainda foi, paralelamente, conquistando muitos favores, indultos, graças, isenções e privilégios por parte de reis e papas.
Após o abandono por parte dos frades Lóios a igreja degradou-se e as instalações do mosteiro foram votadas ao abandono, passando a servir de cavalariça e celeiros de particulares.
A igreja voltou a sofrer obras de consolidação e restauro, a cargo da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais e do Instituto Português do Património Arquitectónico, a partir de 1990, nomeadamente alterações nas coberturas, limpezas e drenagens, estabilização de estruturas, limpeza e isolamento de alfaias litúrgicas e cantarias, sondagens arqueológicas, bem como obras de reabilitação das fachadas e caixilharias do edifício da igreja e restauro das salas do mosteiro, actualmente ocupado pelos frades da Ordem Hospitaleira de São João de Deus.
Segundo reza a história, neste mosteiro situava-se, outrora, o túmulo de um "Santo Abade" junto do qual acorriam muitos crentes em busca de curas milagrosas. A prova da sacralidade deste túmulo, dizia-se, estava num extraordinário fenómeno de que, sempre que um animal profanava o túmulo, ao passar-lhe por cima, acontecia ficar imediatamente com uma perna partida.
Sob o ponto de vista arquitectónico, exteriormente e para além do portal manuelino da fachada principal, há também, na torre sineira, um portal e uma janela de características românicas, vestígios do mosteiro original. Esta torre, rectangular e com sabor defensivo, é encimada por ameias e por uma águia, símbolo da Congregação dos frades Lóios. Por sua vez, o dorso do templo é coroado por três pares de pináculos, um dos quais (o da frontaria) foi transplantado para o cimo do escadório, à entrada do pátio. Faz parte também deste conjunto arquitectónico, um chafariz, de grande interesse histórico e artístico, existente no pátio conventual e que é composto “por um tanque circular, com uma coluna ornada com elementos vegetalistas e rematada por uma coroa real sustentada por quatro águias, sob as quais correm quatro bicas” e que data do século XVII. No adro da capela há ainda um pelourinho seiscentista. Consta, também, que era pertença deste mosteiro, um outro chafariz, outrora localizado no pátio do convento e que foi transferido para a cidade de Barcelos e colocado no Largo da Praça Nova, em frente à Igreja do Bom Jesus da Cruz.
Quanto ao interior, o templo é constituído por uma nave, uma peça única, pavimentada de granito e dela se separa a capela-mor por um arco de volta perfeita, com capitéis de ordem toscana. O tecto, um dos traços de maior beleza arquitectónica do templo, é constituído por uma abóbada de madeira pintada de azul, com nervuras cruzadas. O frontão apresenta um óculo que, presumivelmente, terá sido “tapado” por um alpendre, durante as obras de restauro do início do século passado. Existem também vários revestimentos nas capelas com azulejos seiscentistas. O altar-mor é constituído por uma peça de talha imponente, datado de 1697. Destacam-se ainda, na sacristia, duas telas do século XVIII, de Pedro Alexandrino e algumas valiosas esculturas. A capela também incluía um púlpito e um retábulo em talha dourada. O retábulo original foi, posteriormente, substituído por um de estilo barroco. Um inventário datado de 1834, menciona a existência de um retábulo neoclássico de mármore de várias cores, frisos e relevos dourados e, segundo documentos da Torre do Tombo, a capela incluía duas esculturas de Nossa Senhora do Socorro, “uma pequena de um palmo de altura, e outra maior de cinco palmos, ambas com uma coroa de folha-de-flandres e a maior com o menino Jesus ao colo”. Do conjunto arquitectónico da igreja e mosteiro de Vilar de Frades ainda faz parte, à entrada, um alpendre de arco abatido apoiado em duas colunas e um muro exterior com um portão de entrada, encimado por um nicho com a imagem de São Lourenço Justiniano que se cuidam ser reminiscências do templo medieval.