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A ÁGUIA E A RAPOSA

Sexta-feira, 31.01.14

CONTO TRADICIONAL

 

Era uma vez uma águia e uma raposa que eram comadres. Um dia a águia convidou a comadre raposa para ir a uma boda ao céu. A raposa disse-lhe que aceitava de bom grado o convite, mas que infelizmente não podia ir, porque a idade avançada e o cansaço das agruras da vida já não lhe permitiam dar grandes passeios ou fazer longas viagens.

A águia, muito solícita e amiga, disse-lhe que não havia problema. Ela, raposa, que não se preocupasse que havia de lhe pegar com as suas fortes unhas, transportando-a pelos ares, enquanto voava. Para além de não se cansar, a viagem seria muito mais rápida e agradável.

A raposa, renitente ao princípio, acabou por anuir ao convite da comadre e lá foram as duas pelos ares. A águia a voar, sustentando pelo pescoço, com as suas garras, a pobre raposa que se torcia e retorcia toda, ao sentir as afiadas unhas da águia a penetrarem-lhe a carne. Mas como tinha aceitado livremente e de boa vontade o convite da comadre, sofria, calada, as agruras do seu destino.

Já iam a mais de meio da viagem, bem lá no alto, quando a águia diz para a raposa:

- Segura-te bem, comadre, que eu quero cuspir nas unhas, para te poder segurar melhor. E dizendo isto largou a raposa que mais nada pode fazer do que estatelar-se estrondosamente no solo, em cima duma enorme laje de pedra granítica, que cobria o chão, no local onde ela caiu.

Desfeita, amachucada, com alguns ossos partidos e muitas dores no corpo, a raposa, aos poucos, lá foi recuperando a saúde, até se recompor por completo.

Ao saber que a raposa escapara da primeira, a águia voltou a procurá-la para lhe armar uma segunda cilada, da qual a enfadonha comadre, não havia de sobreviver. Dirigiu-se pois à toca da raposa, lamentando o sucedido, desculpando-se e fazendo-lhe um segundo convite. Os seus filhos pequeninos, faziam anos e pretendia dar uma grande festa e um bom jantar, lá no alto, no seu ninho e que tinha muito gosto que a comadre e amiga estivesse presente. A raposa, voltou a aceitar de bom grado o convite, que a comadre podia contar com ela, pois que até a poderia ajudar no arranjo do jantar, sobretudo no acender do lume.

No dia combinado, para espanto da águia, apareceu a raposa junto à árvore, onde, bem lá no alto estava o ninho com os seus filhotes:

- Suba, comadre, suba! – Incentivava a águia, esboçando um sorriso cínico.

- Espere um pouco, comadre, que vou começar a ajudá-la de cá de baixo.

Dizendo isto a raposa começou a amontoar junto da árvore uma grande quantidade de palha, tojo e paus secos que incendiou de tal maneira, que depressa fez arder a árvore, o ninho e os filhos da águia. Apenas esta escapou, fugindo dali, jurando que nunca mais se havia de meter com a raposa.

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publicado por picodavigia2 às 22:13

A MINHA PRIMEIRA VISITA AO CORVO

Sexta-feira, 31.01.14

A primeira vez que fui ao Corvo, pese embora a sua proximidade das Flores, a minha ilha Natal, foi quando, viajando a bordo do velhinho Carvalho Araújo, regressava à Fajã Grande, após o meu primeiro ano no Seminário de Ponta Delgada. Um dos professores que viajava no mesmo navio, da Terceira para as Flores, era o Dr Américo Vieira, na altura professor e Director Espiritual do Seminário de Angra. O Dr Américo era natural das Lajes das Flores e filho do Senhor Pedro Vieira que era o “conhecido” dos meus avós maternos, nas Lajes. Nas Flores naqueles tempos recuados, sem estradas e com deslocações difíceis e demoradas, a saltar grotões e valados, a atravessar ribeiras sem pontes, a descer rochas e a subir ladeiras com veredas sinuosas, cada família tinha o seu “conhecido” nas outras freguesias da ilha. O “conhecido” era um amigo em cuja casa se pernoitava e tomava as refeições, a quando das deslocações a esta ou aquela freguesia, sobretudo, por altura das festas. Ora quando ia à Fajã Grande, à festa da Senhora da Saúde, o Dr Américo, embora se hospedasse no presbitério, ia sempre visitar os meus avós, os “conhecidos” da sua família naquela freguesia. Eu próprio já pernoitara com meu pai, em casa de um irmão dele, certa vez que viéramos às Lajes comprar uma vaca. Por isso mesmo o Dr Américo já me conhecia, pelo menos de vista,

Após o Carvalho fundear na baía do Porto da Casa, na Vila Nova do Corvo, o Dr Américo procurou-me e disse-me que como iria desembarcar nas Lajes, onde o Carvalho chegaria a meio da tarde, iria a terra, enquanto o navio fizia serviço, para celebrar missa, convidando-me para eu ir com ele, a fim de lhe ajudar à missa. Que me havia de pagar o bilhete de ida e volta a terra. Fascinou-me a ideia, não só por acompanhá-lo, mas também por viajar de graça e, sobretudo, por ter oportunidade de, pela primeira vez, visitar o Corvo.

Partimos na primeira barcaça e, logo ao chegar a terra, em cima do pequeno cais do Porto da Casa, estava o padre Eugénio Rita, pároco daquela ilha e único sacerdote ali residente.

Acompanhou-nos até à pequenina igreja matriz da Senhora dos Milagres, onde o Dr Américo celebrou missa, tendo no fim o padre Rita lhe pedido que o confessasse. Dizia ele, um pouco a brincar, que estando ali sozinho, na pequenina ilha do Corvo, só Deus sabia quando havia de morrer e que, por isso mesmo queria “estar preparado” e, por isso, aproveitava para “acertar as suas contas com Deus” sempre que por ali passava outro sacerdote, o que, por vezes, quase só acontecia de ano a ano. Muita fé tinha este homem!

De seguida levou-nos a sua casa, onde a irmã nos serviu um excelente pequeno-almoço, no qual não faltou leite fresco, doces caseiros, queijo e bolo do tijolo de que eu tanto gostava, Depois conduziu-nos numa visita pela vila, com paragem no Outeiro, a mais mítica praça da Vila Nova do Corvo, onde os homens, mais velhos se reuniam todos os dias para descansar, para fumar, para falquejar, para conversar e, nas ocasiões mais solenes, numa estranha forma de gerontocracia, para tomar decisões e fazer julgamentos em nome de toda a população da ilha.

De origem vulcânica como as restantes, o Corvo é a menor das nove ilhas açorianas, com uma área de cerca de 17 km2 e uma população de quase meio milhar de habitantes. Na ilha do Corvo havia apenas uma localidade povoada, a Vila Nova do Corvo, que era considerado o mais pequeno município do arquipélago e o único do país que não tem freguesia. A área habitada da ilha era essencialmente formada por uma rua principal e várias travessas muito estreitas e sombrias, designadas por canadas – um imbricado de ruelas irregulares, de pavimentação grosseira que constituem um conjunto pitoresco e invulgar no contexto do arquipélago. Os vários cones vulcânicos, com lendas que procuram dar sentido ao desconhecido e que se vim ao longe, as casas invulgarmente próximas umas das outras e voltadas para o mar, procurando o aconchego dos vizinhos e a presença, lá ao fundo, da ilha das Flores, a vastidão do horizonte, a vida simples e calma daquela pequena comunidade não só me encantaram como me haviam ficar na memória e perdurar até que ali regressasse muitas outras vezes.

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publicado por picodavigia2 às 13:54

A BELA INFANTA

Sexta-feira, 31.01.14

“A Bela Infanta” é um poema romanceado da tradição popular portuguesa, recolhido por Almeida Garret  e muito divulgado e conhecido em todo o país. A Fajã Grande que sempre se revelou, talvez devido ao seu isolamento, como um excelente e amplo viveiro de desenvolvimento de textos orais, não podia alhear-se deste, assim como de um outro muito conhecido, “Nau Catrineta”. Tal como os outros rimances, “A Bela Infanta” contava-se aos serões das longas noites de Inverno, mas com algumas pequenas diferenças do texto recolhido por Almeida Garret, sobretudo por utilizar algumas palavras ou expressões que eram utilizadas na linguagem típica e corrente na freguesia e até na ilha das Flores. Rezava mais ou menos assim:

 

“Estava a bela Infanta

No seu jardim assentada

Com o pente de oiro fino

Os seus belos cabelos penteava.

Voltou os seus olhos ao mar

Viu vir uma nobre armada;

Capitão que nela vinha,

Muito bem que a governava.

- «Dize-me tu, ó capitão

Dessa tua nobre armada,

Se encontraste o meu marido

Na terra que Deus pisava.»

- «Anda tanto cavaleiro

Naquela terra sagrada...

Diz-me tu, ó senhora,

As senhas que ele levava.»

- «Levava cavalo branco,

Selim de prata doirada;

Na ponta da sua lança

A cruz de Cristo levava.

- «Pelos sinais que me deste

Lá o vi numa estacada

Morrer de morte matada:

Eu sua morte vingava.»

«Ai triste de mim viúva,

Ai triste de mim coitada!

Das três filhinhas que tenho,

Nenhuma delas é casada!...»

- Que darias tu, senhora,

A quem o trouxesse aqui?»

- «Dera-lhe oiro e prata fina,

Quanta riqueza há por aí.»

- «Não quero oiro nem prata,

Não nos quero para mi:

Que darias mais, senhora,

A quem o trouxesse aqui?»

- «Os três moinhos que tenho,

Todos três são para a ti;

Um mói o cravo e a canela,

Outro mói o gerzeli:

Rica farinha que fazem!

Tomara-os el-rei para si.»

- «Os teus moinhos não quero,

Não nos quero para mi:

Que darias mais, senhora,

A quem o trouxesse aqui?»

- «As telhas do meu telhado

Que são de oiro e marfim.»

- «As telhas do teu telhado

Não nas quero para mi:

Que darias mais, senhora,

A quem o trouxesse aqui?»

- «De três filhas que tenho,

Todas três são para ti:

Uma para te calçar,

Outra para te vestir,

A mais formosa de todas

Para contigo dormir.»

- «As tuas filhas, infanta,

Não são damas para mi:

Dá-me outra coisa, senhora,

Se queres que o traga aqui.»

- «Não tenho mais que te dar,

Nem tu mais que me pedir.»

- «Tudo, não, senhora minha,

Que inda não te deste a ti.»

- «Cavaleiro que tal pede,

Que tão vilão é de si,

Por meus vilões arrastado

O farei andar aí

Ao rabo do meu cavalo,

À volta do meu jardim.

Vassalos, os meus vassalos,

Acudi-me agora aqui!»

- «Este anel de sete pedras

Que eu contigo reparti...

Que é dela a outra metade?

Pois a minha, vê-la aí!»

- «Tantos anos que chorei,

Tantos sustos que tremi!...

Deus te perdoe, marido,

Que me ias matando aqui.»”

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publicado por picodavigia2 às 09:42





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