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A SAFRA DO TREVO

Domingo, 26.01.14

Vinham ajudar os tios, os primos e um ou outro vizinho. Armados de cestas, transportando cada um o seu banquinho de madeira – usados à noite, na cozinha, para lavar os pés – cerravam fileira junto a uma das paredes do enorme cerrado. Depressa formavam um eito. Melros e tentilhões, habituados a grandes comezainas nos dias anteriores, fugiam, agora, a sete pés.

Meu pai e o tio Jorge, à frente a derrubar os milheiros esqueléticos e nus, a que há muito lhes haviam sido arrancadas, primeiro as folhas, depois as maçarocas. O cerrado era agora um enorme tapete amarelado, onde desfloriam, murchas e flectidas, as espigas loiras, amadurecidas. Os do eito, limpa a primeira cordada, mudavam os bancos, dos quais nem despegavam o rabo, e as espigas continuavam, umas direitinhas como quando presas ao restolho, outras amachucadas e desfeitas, a amontoar-se e a subir dentro das cestas que, em breve, transbordavam. Os mais atentos, antes que as espigas se espalhassem, acorriam a despejá-las nos sacos de serapilheira que, aos poucos, se iam avolumando, bem acalcados, bojudos e fofos, a simularem gigantescas almofadas.

A manhã crescia e os sacos do trevo empinavam-se junto à parede.

Minha mãe e tia Gertrudes, muito antes do meio-dia, chegavam, cada uma com um cesto de vimes brancos à cabeça, usados habitualmente para ir lavar a roupa à ribeira, com pratos e tigelas a que sobrepunha postas de peixe frito, torresmos, toros de linguiça, talhadas de inhames, quartos de bolo do tijolo, fatias de pão de milho, pedaços de queijo, um bule cheio de café com leite, fruta e sopas fritas. Os mais pequenos, mais sobejos do que esfomeados, açudados pelo cheiro do conduto, abalroavam-nas, quase as impedindo de circular por entre o restolho amachucado. Bem os enxotavam elas:

- Saiam daqui, labregos! Não têm mais pressa do que os outros.

Num canto, junto a uma aba da parede, minha mãe estendia duas toalhas enormes, bordadas nos cantos com flores vermelhas e amarelas - a água crescia-nos na boca – e elas bem gritavam:

- Parem, parem - depois, para os outros, para os adultos que continuavam agarrados aos caules de restolho. - Venham, venham comer! –

Mas eles, os adultos, nada. Queriam acabar de encher as cestas antes do bródio. Nós, os pequenos agora formando coro com minha mãe:

- Olhem que isto arrefece! Cheguem-se, por favor - eles nada. - Safa, parece que estão moucos, não ouvem nada!

Distraía-se minha mãe a colocar os pratos a abarrotar de conduto e nós, à socapa, penica aqui, repenica acolá e lá nos íamos encharcando naquela alegria que era comer no meio do trevo seco, sentados sobre o restolho perfumado.

Agora era contra nós que minha mãe se empertigava, batendo-nos ao de leve, na mãozita matreira:

- Xou! Xou! Parem com isso! Não sejam lambões! Não sabem esperar pelos outros?!

Depois de amarrar os sacos já cheios e de os empinar contra a parede, lá vinham os adultos, um a um, sentar-se à volta das toalhas brancas com flores vermelhas e amarelas bordadas nos cantos, sobre as quais minha mãe despejara pedaços de pão, de bolo, talhadas de inhames e os pratos com o conduto. Os homens tiravam dos bolsos as naifas da América, com que iam cortando cada torresmo, cada toro de linguiça e cada quarto de bolo em pedaços mais pequenos que metiam na boca com ponta da navalha, mastigando-os voluptuosamente. As mulheres com os garfos espetavam as postas de peixe que iam comendo às dentadas, alternadas com as de inhame. Nós, os mais pequenos a pegar com a mão e a engolir tudo à pressa, na mira de fugir, com pedaços de pão frito e toros de linguiça nos bolsos, escapulindo para cima dos maroiços, ao esconde, ao trinta e um ou ao pai-velho:

- Canalha. Que ninguém lhe põe a mão em cima. Piram-se que nem os tentilhões.

Os homens fumavam um cigarro, as mulheres ajudavam a minha mãe a arrumar os pratos e as sobras dentro dos cestos e, em breve, as espigas continuavam a desprender-se dos caules do restolhos, as cestas a encherem-se, os sacos a empinarem-se junto às parede e o Sol, cada vez mais tórrido, a descambar para o Oeste.

Sacos às costas dos homens ou à cabeça das mulheres, cestas enfiadas nos braços e nós, os mais pequenos, loucos de encanto, à frente, a carregar os banquinhos. Era o regresso a casa, após a safra do trevo, calcorreando veredas íngremes e sinuosas, ladeadas de velhas paredes de pedras toscas, caiadas de musgo esverdeado.

 

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publicado por picodavigia2 às 11:14

GAZETILHA DA SATA

Domingo, 26.01.14

(Só Amanhã Tenho Avião)

Estou retido em Lisboa

Num amargo e longo dia

Não auguro coisa boa…

Quem viajasse no “Poesia”!

 

A espera no aeroporto,

Foi, longa, dura e penosa,

Doía cabeça e corpo,

Tinha a alma em polvorosa!

 

Primeiro, à nave, inspecção

Depois técnica avaria,

A seguir, a tripulação

Trabalhar já não queria

 

Por fim o voo cancelado…

Já pró hotel, perto fica.

P’ra dormir bem descansado,

E ir à Luz ver o Benfica.

 

Só amanha, se Deus quiser,

Havemos de ter avião.

Se voo da Sata houver…

Não nos avisem em vão.

 

A Sata fez o favor,

De dar hotel e comida

Estamos sem grande ardor,

Com esta gaita de vida.

 

Como se isto não bastasse.

Chegaram turcos, em bica,

Para apoiar o Fenerbace.

Tenha cuidado o Benfica.

 

Se Aqui Tivesse um Amigo,

Como tenho em S. Miguel,

Ainda hoje ia pró Pico,

Não ficava neste hotel.

 

Dei uma volta por Lisboa,

Pra esquecer mágoas cruéis

Ainda irei à Madragoa,

A Belém, comer pastéis.

 

 

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publicado por picodavigia2 às 11:07

ILHA DAS FLORES SEM BANDEIRA AZUL

Domingo, 26.01.14

As 27 zonas balneares dos Açores que se candidataram este ano ao galardão da Bandeira Azul foram todas aprovadas pelo júri internacional deste certificado de qualidade ambiental, que distingue o esforço de diversas entidades para a melhoria do ambiente marinho e costeiro.

 A Bandeira Azul é atribuída anualmente às zonas balneares, marinas e portos de recreio que apresentam a sua candidatura e cumprem um conjunto de critérios de natureza ambiental, mas também de segurança e conforto dos utentes e de informação e sensibilização ambiental.

Em Portugal, a organização do programa Bandeira Azul é da competência da Associação Bandeira Azul da Europa (ABAE), estando a coordenação nos Açores a cargo da Secretaria Regional dos Recursos Naturais, através da Direcção Regional dos Assuntos do Mar.

Para as zonas balneares são considerados critérios que abrangem quatro capítulos: qualidade da água, informação e educação ambiental, gestão ambiental e equipamentos, segurança e serviços.

Nos Açores há cinco bandeiras a menos que em 2012, “porque o município da Praia da Vitória não conseguiu reunir condições para se candidatar”, disse o presidente da ABAE.

As zonas balneares das ilhas do Corvo e das Flores voltam em 2013 a não ter qualquer bandeira azul, nem sequer as entidades públicas realizaram nenhuma candidatura ao galardão.

Recorde-se que a Região Autónoma dos Açores estreou-se com o hasteamento da Bandeira Azul no ano de 1988 com três bandeiras, atingindo em 2009 o maior número de galardões atribuídos .

A ilha das Flores situa-se no Grupo Ocidental do arquipélago dos Açores, sendo a maior das ilhas que compõem aquele Grupo. Ocupa uma área de 141,7 km², na sua maior parte constituída por terreno montanhoso, caracterizado por grandes ravinas e gigantescas falésias. O ponto mais alto da ilha é o Morro Alto, a 914 m de altitude. A população residente é de 3 995 habitantes (2001), repartindo-se pelos concelhos de Santa Cruz e Lajes das Flores. É frequentemente considerada como o ponto mais ocidental da Europa (obviamente fora do continente europeu) e uma das mais belas do arquipélago, cobrindo-se de milhares de hortênsias de cor azul, que dividem os campos ao longo das estradas, nas margens das ribeiras e lagoas.

Fontes: - «Açoriano Oriental», «Jornal Diário», GACS (Gabinete de Apoio à Comunicação Social, da Presidência do Governo Regional dos Açores) e Forum Ilha das Flores.

 

Texto publicado no Pico da Vigia em Maio de 2013

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publicado por picodavigia2 às 10:41

DEUSES COMO NÓS (COMÉDIA PELO GRUPO “GOTA DE MEL” DE SÃO MATEUS)

Domingo, 26.01.14

O grupo de teatro da Casa do Povo de São Mateus do Pico, “Gota de Mel” levou, ontem, à cena, uma “divina comédia” intitulada “Deuses como Nós”. Trata-se de uma adaptação, muitíssimo, livre dos “doze trabalhos de Hércules”, em que Zeus, pai de Hércules, numa das suas saídas nocturnas do Olimpo, se apaixonou por uma comum mortal e que, no fervor da sua paixão, decidiu conquistar. Com os seus companheiros da farra, Mercúrio e Baco, preparou um plano infalível para arrebatar a dona do seu coração, disfarçando-se de Elvis Presley. Após consumar a sua paixão, Zeus voltou ao Olimpo, confiante de que toda esta história ficaria por aqui, mas a intervenção de Vénus junto de Juno, a esposa de Zeus, o deus infiel, fez com que no Olimpo nada mais voltasse a ser como era d’antes.”

Recorde-se que “Os doze trabalhos de Hércules” ou, simplesmente, os "Trabalhos de Hércules" são uma série de episódios arcaicos, ligados entre si por uma narrativa contínua, relativa a uma penitência que teria sido cumprida por um dos maiores heróis gregos, Héracles, ou Hércules dos romanos. Hércules, num acesso de loucura, assassinou a sua esposa, Mégara e os seus três filhos. Quando se deu conta de ter praticado tão hediondo crime, fugiu para o campo, vivendo sozinho. Foi encontrado por seu primo Teseu, que o convenceu a visitar o oráculo em Delfos, a fim de recuperar a sua honra. O oráculo impôs-lhe como penitência, servir Euristeu, o homem que ele mais odiava, executando uma série de doze trabalhos, findos os quais, se obtivesse sucesso, se tornaria imortal. Todos os trabalhos, embora diferentes e localizados em espaços diferentes, têm um objectivo comum têm: castigar Hércules, obrigando-o a matar, subjugar ou buscar uma planta ou animal mágico para Euristeu. Foram os seguintes esses doze trabalhos: 1º - exterminar o leão de Nemeia e trazer a sua pele de volta para entregar a Eristeu; 2º - cortar as nove cabeças da hidra de Lerna; 3º - trazer vivo o javali selvagem de Erimanto; 4º - capturar viva a corça dos pés de bronze de Cerinéia; 5º - enfrentar os monstruosos pássaros do lago Estinfália, em Arcádia; 6º - lavar os touros sagrados de Augias, rei de Elis; 7º - capturar vivo e trazer até Eristeu o touro de Creta; 8º - capturar as éguas de Diomedes, rei da Trácia; 9º - ir buscar o cinturão de Hipótila, rainha das Amazonas, na Capadócia, superando a oposição das próprias amazonas; 10ª - capturar o gado de Gerião; 11º - levar as maçãs douradas do jardim das Hespérides. 12º - capturar Cérbero, o monstro-cão de três cabeças, guardião dos portões do Inferno.

Segundo o “Site” da Câmara Municipal da Madalena, autarquia a que pertence a freguesia de São Mateus, “o Grupo de Teatro Gota de Mel da Casa de Povo de São Mateus do Pico, para além de dar continuidade a uma população habituada a ver e fazer teatro, tem uma faceta de animador cultural da freguesia. Muitas foram as noites que este grupo ofereceu aos habitantes com diversões que vão do teatro aos concursos de animação, passando pelo trabalho de habituação em palco com crianças.

Por sua vez o próprio grupo Gota de Mel, considera-se um grupo de ilhéus picoenses que ama desmesuradamente a arte de palco e luta para que as luzes da ribalta promovam o engrandecimento de consciências. “A partir do palco conseguimos apregoar as mais eloquentes propostas - principalmente as que nos confinam a seres de grandes atitudes. O público que "nos assiste" é, por natureza, um lutador e contador de histórias referentes a essas lutas; detesta falsas verdades. Temos respeitado sempre esta máxima num crescendo de também abrir o pano para a actualização e alargamento do nosso espaço teatral.”

Para a edilidade madelenense “o alargamento do espaço teatral de uma ilha passa pela dinâmica de palco. O Grupo de Teatro Gota de Mel tem apostado em trazer, sempre que possível, novas referências para o público do Pico, o que o torna um excelente crítico.”

Fundado em 1980, conta actualmente com 12 elementos fixos: Carla Silva, Mário Silva, Carina Goulart, Carlos Goulart, Marlene Bettencourt, Helder Goulart, Gilberta Goulart, Lara Gonçalves, Luís Cardoso, Laura Serpa, Nuno Matos e Ana Matos.

Dos trabalhos levados à cena pelo grupo, para além do agora apresentado, destacam-se os seguintes:

- "Auto da Vida e da Morte", de António Aleixo, apresentado em algumas freguesias do Pico, em 1981;

- Participação, durante anos consecutivos, nas Festas de Natal do Doente;

- "Gota de Mel", peça que representou a ilha do Pico no Festival de Teatro Amador realizado na ilha Terceira e que arrecadou o 1º lugar;

- "Anatomia de uma História de Amor", ilha de Santa Maria em 1994;

- "Deixai Voar os Pássaros" de Álamo de Oliveira e "O Principezinho" de Saint Exupery em 1996;

- "No Jardim da Vida", ilha da Graciosa em 1997;

- Participação na "Corrida dos Reis", dinamização cultural, desde 1998;

- "A ilha", digressão pela ilha do Pico em 1998;

- Organização do "Festival Infantil de Imitação da Canção", em 1999 e 2000;

- Actuações e elaboração de oficinas de Teatro no encerramento das Férias Desportivas, organizadas pelo Serviço de Desporto do Pico, de 1992 a 2006;

- "Ilhas de Bruma", Festas de Santa Maria Madalena, em 2000;

- "Oficina de Teatro" - comemoração do Dia Mundial do Teatro, no ano 2002;

- "O Papão e o Sonho" - ilha de São Miguel, em 2002, num processo de intercâmbio com um Grupo de Teatro local;

- "Lua Azul" - com texto e encenação de Nelson Monforte, em 2003;

- "O Gato" de Henrique Santana - comemoração do Dia Mundial do Teatro, em 2004 e digressão pela ilha do Pico no mesmo ano;

- "Rostos 1" de Helder Goulart, em 2006.

- "Rostos 2" de Helder Goulart, em 2006;

- "O Poeta Pescador" de Helder Goulart, em 2006;

- "O Café Cruel" com encenação de Ricardo Alves da Companhia de Teatro "Palmilha Dentada" - comemoração do Dia Mundial do Teatro 2007;

- "Destinos" de Helder Goulart, em 2007;

- "Um Zé em Cada Um" de Helder Goulart, em 2008;

- "Menino de Rua" de Helder Goulart, em 2008, a convite da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens da Madalena;

- "Texto disperso" - festa de homenagem ao escritor Dias de Melo, em 2008;

- "A Birra do Morto" de Vicente Sanches, encenado por António Revez da Companhia de Teatro "Lêndias d'Encantar" - comemoração do Dia Mundial do Teatro 2009.

 

Texto publicado no Pico da Vigia, em 6 de Abrl de 2013

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publicado por picodavigia2 às 10:29

NOVA TRANSPORTADORA MARÍTIMA ENTRE AS FLORES E O CORVO

Domingo, 26.01.14

Desde do corrente mês de Abril, que a Empresa de Barcos do Pico de Amaral, Felicianos & Faria Lda, passará a ser a única responsável pelas as ligações marítimas entre as Flores e o Corvo, assegurando pelo menos duas viagens semanais entre as Flores e a mais pequena ilha dos Açores, com a excepção dos meses de Julho e Agosto, em que se prevê que sejam realizadas três ligações por semana.

A viagem inaugural realizou-se no passado domingo, dia sete, sendo efectuada pelo navio “Lusitânia” que saiu na passada sexta-feira, dia cinco de Abril, do porto da Madalena com destino ao grupo Ocidental açoriano. O Lusitânia que, no dia sete, partindo de Santa Cruz, atracou no Porto da Casa, no Corvo, concretizando assim a primeira viagem entre as duas ilhas, ao abrigo do novo contrato de concessão deste serviço. Segundo o jornal on-line Açores-9 e outros meios de comunicação social da região, o Fundo Regional da Coesão, na sequência do procedimento por concurso público, adjudicou no início de Janeiro o contrato de prestação de serviços relativo ao transporte marítimo regular de mercadorias entre as ilhas das Flores e do Corvo, àquela empresa, pelo montante global de 1.062.600 euros. O contrato foi visado pelo Tribunal de Contas, no dia 19 de Março, entrando de imediato em vigor.

A Empresa de Barcos do Pico vai, assim, a partir de agora, assegurar as ligações semanais entre Flores e Corvo, sendo esse serviço de transporte efectuado pelo navio Lusitânia, com uma capacidade de carga de 125 toneladas, e, em caso de impedimento deste, pelo navio Cecília A, com capacidade para 350 toneladas de carga. Esta nova operação vai permitir um aumento da capacidade média semanal de carga transportada de cerca de 60 toneladas, podendo ser transportadas para o Corvo, em média e por semana, mais de 277 toneladas. Com a entrada em vigor do novo contrato, o anterior quadro que regulamentava o transporte marítimo de mercadorias entre as Flores e o Corvo deixa de vigorar, bem como os direitos e obrigações previstos.

Sendo assim, a MareOcidental, empresa de transporte marítimo sediada em Santa Cruz das Flores e que, até agora, fazia a ligação entre aquelas duas ilhas do grupo ocidental açoriano, vai encerrar, uma vez que, segundo Mauro Lopes, sócio-gerente da MareOcidental “a entrada de um novo operador de transporte marítimo de mercadorias não deixa outra alternativa à empresa.” Prevê-se, assim, que o encerramento da empresa coloque no desemprego 11 funcionários, o que, numa ilha com pouco mais quatro mil habitantes é muito

Aquele jornal ainda acrescenta que secretário regional do Turismo e Transportes revelou, na Comissão Parlamentar de Economia, que o processo de elaboração das obrigações de serviço público do transporte marítimo de passageiros e carga rodada vai estar concluído no final do ano

Uma outra boa notícia para florentinos e corvinos, vinculada pelos jornais açorianos é a de que o navio "Odin Finder" já se encontra desde o passado dia oito, no porto da Horta e de que já se encontram a bordo técnicos qualificados da PT Açores. Recorde-se que o RV Odin Finder é o navio que vem fazer o "survey" da rota de lançamento dos novos cabos submarinos que ligarão a Praia de Porto Pim, na ilha do Faial ao Boqueirão de Santa Cruz das Flores, ao Boqueirão do Corvo e ao Carapacho na ilha Graciosa.

Texto publicado no Pico da Vigia em 11 de Abril de 2013

 

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publicado por picodavigia2 às 10:16

O FUTURO PAPA

Domingo, 26.01.14

(TEXTO DE CAETANO VALADÃO SERPA)

Universidade de Massachusetts at Boston

 

A Igreja Católica em breve terá um novo chefe, eleito em conclave por um grupo de pouco mais de 100 cardeais, embora, o cardinalato não seja um sacramento nem tão pouco um sacramental. É um titulo que vem com a pesada responsabilidade de eleger o papa quando a sede vaticana se encontra vacante. São bispos-funcionários da cúria romana, colaboradores próximos do papa e encarregues da governação central da igreja universal. A maior parte, ainda hoje, é europeia com predominância italiana, onde se estabeleceu a sede papal, à imagem e semelhança do império romano. O Vaticano é uma cidade-estado implantada no coração de Roma, a capital da Itália.

Depois dos primeiros séculos de perseguição, o cristianismo não só adquiriu liberdade de culto como se tornou a religião oficial do império romano ocidental e oriental, e o bispo de Roma passou a designar-se por papa, sumo pontífice, santo padre, com direito a trono e tripla coroa, património territorial e até exército. E mais tarde o único vivente sobre a Terra declarado infalível em matéria de fé e de costumes, o que nunca foi bem aceite nem claramente definido se se tratava de infalibilidade colegial ou individual. O seu poder e influência chegou ao ponto de os governantes europeus e os próprios reis e imperadores não terem legitimidade sem o beneplácito papal, sobretudo, na idade média. Portugal, na sua longevidade e sobrevivência, foi um bom exemplo deste condicionalismo histórico.

Com o andar dos tempos, criou-se a percepção de que Deus era um ente do género masculino, um Deus Pai. Que a hierarquia eclesiástica tinha de ser toda constituída exclusivamente por homens, proibidos de contrair matrimónio e as mulheres excluídas do sacramento da Ordem. Fórmula perfeita de controlo total da instituição em configuração vertical, mais económica e simplificada sem crianças nem questões de herança, à custa da privação do contributo direto da mulher, a maioria esmagadora da cristandade, relegada para o serviço auxiliar da oração e da obediência. Assim, a experiência natural da família e do amor humano, para o clero celibatário, fica reduzida a uma ideia abstrata com sabor de fruto proibido incompatível com o amor de Deus.

 Nas vésperas da eleição de um novo papa, em pleno século XXI, quando a vida humana, nestes vinte séculos passados, evoluiu substancialmente, poder-se-á perguntar o que é que se espera do novo pontífice da Igreja Católica que se encontra mergulhada em profunda crise, com certeza, uma das mais graves de sempre. E o problema principal neste preciso momento histórico é, sem dúvida, a atitude da igreja em relação à sexualidade humana, por mais incrível que pareça. Jesus Cristo parece que foi celibatário, embora, os seus discípulos mais próximos, os apóstolos, tenham sido casados à exceção de um. A sua incarnação, como Deus-homem, segundo o credo católico, deu-se através de uma virgem e de um pai não biológico, como se o nascimento natural como o de qualquer outra criança do seu tempo, lhe pudesse ter subtraído algo à sua divindade. Ao mesmo tempo a igreja professa que Jesus foi verdadeiro Deus e verdadeiro homem.

Portanto, parece que a primeira grande questão que se porá ao próximo papa, mais que qualquer questiúncula doutrinária será, de facto, uma nova postura quanto à sexualidade. Tarefa muito difícil, para qualquer homem celibatário, com um voto de castidade que o impossibilita de ter, o conhecimento experimental, natural e legítimo,  da sexualidade num ambiente familiar baseado no amor. A igreja, perante os abusos sexuais do clero, terá de interrogar-se, sincera e humildemente, se continua a fazer sentido a obrigatoriedade do celibato eclesiástico e a proibição da ordenação das mulheres?!

Se continuar a defender o status quo, com meras palavras e desculpas ocasionais, sem assumir responsabilidades, como tem feito até agora, irá parar aos tribunais civis, e a tecnologia da comunicação instantânea, hoje disponível,  tornará possível assistir-se ao julgamento público da igreja. Já lá vão os tempos em que resolvia os problemas da sexualidade do clero com a imposição do silêncio obrigatório, orações penitenciais e fuga das tentações. Há já movimentação, a nível nacional e internacional para considerar crime contra a humanidade o abuso sexual de menores. E as responsabilidades da igreja católica, neste campo, abrangerão todos os níveis da hierarquia eclesiástica, da base à cúpula.

 Mesmo nos países mais conservadores e fieis às orientações do Vaticano, as revelações de abusos sexuais do clero começam a aparecer em catapulta, sem poupar nenhum continente ou país. Veja-se Portugal, terra de fé e de Fátima, onde há poucos dias, o próprio cardeal patriarca de Lisboa, agora em Roma para eleger o próximo papa, afirmava impávido à janela aberta do ecrã televisivo para que todo o mundo escutasse, que desconhecia qualquer abuso sexual do clero em Portugal!

Por isso o novo papa, seja ele liberal ou conservador, europeu ou africano, asiático ou americano, velho ou novo, não poderá ignorar o problema por mais tempo. É a credibilidade da igreja que está em causa, assim como a ofuscação de muitas outras obras meritórias que realizou nos seus dois milénios de existência.

Quem diria que a Igreja Católica, um dia, viria a ser julgada, em praça pública, sobretudo, a partir dos escândalos, abusos e crimes sexuais do clero, sendo o celibato eclesiástico, a pérola preciosa e sinal de distinção da igreja romana,

O primeiro grande teste do novo papa quanto à atualização da igreja passará pela reformulação da doutrina da sexualidade humana.

 

Texto publicado no Pico da Vigia, em 13 de Março de 2013

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publicado por picodavigia2 às 01:19

INSÍGNIAS AUTONÓMICAS E FESTEJOS DO ESPÍRITO SANTO

Domingo, 26.01.14

Ontem, feriado na região, celebrou-se, aqui nos Açores, à mistura com os festejos em honra do Divino Espírito Santo, o dia dos Açores. Integrada nas celebrações deste dia, realizou-se, na cidade da Horta, uma sessão solene, presidia pela Presidente da Assembleia Regional, com o objectivo de homenagear quase quatro dezenas de cidadãos, na sua maioria naturais dos Açores, uns residentes nas ilhas outros dispersos pela diáspora e alguns já falecidos, a quem foram entregues as várias Insígnias Autonómicas da Região.

Há dias havia recebido, efusivamente, a notícia, de que um dos homenageados pela Assembleia Regional dos Açores era Monsenhor José Soares Nunes, meu professor no Seminário Episcopal de Angra do Heroísmo e a quem devo grande parte da minha formação académica e humana. Ao humilde e carismático Monsenhor José Nunes seria atribuída, a Insígnia Autonómica de Mérito Cívico dos Açores. Essa a razão pela qual decidi acompanhar a cerimónia, transmitida em directo pela RTP Açores.

Aguardei pacientemente que chegasse a ocasião de ser chamado o Dr José Nunes e ouvir ler o seu currículo. Os olhos encheram-se de lágrimas e o peito de emoção, ao ver aquele homem simples, humilde, bondoso e simpático, aquele amável, dócil, modesto e competente professor receber um galardão que com toda a justiça lhe foi atribuído pelo Parlamento Açoriano. Bem hajam os que tiveram a hombridade de o fazer.

No entanto a atribuição de uma outra Insígnia Autonómica de Reconhecimento, também me encheu de gáudio e contentamento. Foi a atribuída ao Seminário Episcopal de Angra, na altura em que celebra os 150 anos da sua existência. Nada mais justo e merecido.

Também homenageado foi o António José Cassiano, actualmente a paroquiar em São Miguel, Monsenhor Júlio da Rosa, um antigo aluno do Seminário de uma geração já posterior à minha e, a título póstumo, o padre José Simões Borges. Isto significa, em termos gerais, que das 37 Insígnias Autonómicas atribuídas pela Assembleia, seis dizem respeito directamente ao velhinho Seminário de Angra, o que é gratificante, pelo menos para quem, como eu, o frequentou durante doze anos. 

 

* * *

Hoje, aqui, na freguesia de São Caetano do Pico, celebra-se a festa em honra e louvor do Divino Espírito Santo. Para além da parte litúrgica, onde sobressaem a celebração da eucaristia, o terço cantado durante a semana anterior e a organização de procissões e cortejos, esta festa consubstancia a partilha da carne e do pão, outrora apenas junto dos mais pobres, hoje extensiva a todos. Este sentido de partilha tem um significado muito abrangente porquanto a ela estão ligados rituais e costumes ancestrais, geralmente relacionados com promessas feitas pelos antepassados em momentos de enorme angústia e aflição, em virtude de crises sísmicas, catastróficas, acontecidas na altura, durante as quais o povo solicitava o auxílio divino para travar as correntes de lava que arrasavam a ilha, destruindo habitações, povoados e culturas. Na realidade, os festejos em honra e louvor do Divino Espírito Santo constituem, na freguesia de São Caetano, como em toda a ilha montanha, uma genuína tradição, muito provavelmente trazida pelos primeiros povoadores e implementada com um cunho religioso e cultural muito forte, mantendo-se, ainda hoje, com rituais e celebrações muito semelhantes às dos tempos antigos, com destaque para um inusitado e interessante cerimonial em que o "imperador" leva, em procissão, a coroa, até à igreja, com a qual é “coroado”, no fim da missa. De realçar ainda a realização da chamada "função" que consiste, fundamentalmente, na participação colectiva num almoço de praticamente toda a população da freguesia que se senta, conjuntamente, à mesma mesa, saboreando as típicas e tradicionais sopas do Senhor Espírito Santo. Mas o que mais revela este sentido de partilha mútua e de comunhão recíproca das festas do Espírito Santo, é o facto de em São Caetano, como em todas as freguesias do Pico e até em alguns lugares da mesma freguesia, também se distribuir por todos os habitantes e pelos forasteiros massa sovada, no caso de São Caetano, sob a forma de rosquilhas.

 

Texto publicado no Pico da Vigia, em 21 de Maio de 2013.

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publicado por picodavigia2 às 00:27

MANHÃ

Sábado, 25.01.14

É manhã…

 

Sobre o chão,

- solo ressequido -

cai uma chuva,

miudinha,

suave mas persistente,

mesmo teimosa…

 

Não é em vão,

este vagido!

Bagos de uva

- girândolas perfumadas -

sob sinfonia eloquente,

nascem em polvoros

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publicado por picodavigia2 às 19:27

MIL

Sábado, 25.01.14

O Pico da Vigia assinalou, ontem a publicação do poste mil. Iniciado quase há quatro anos – 9 de Março de 2009, o Pico da Vigia tem mantido uma actividade permanente, embora uma outra vez, ocasionalmente, interrompida, com uma média de cerca de 250 postes por ano. Estes postes estão distribuídos por 49 “tags”, dos quais 31 incluem textos, directa ou indirectamente, relacionados com a freguesia da Fajã Grande, na ilha das Flores, Açores, com especial referência aos anos cinquenta do século XX, dando assim cumprimento ao seu objectivo primordial. Os mil postes estão assim distribuídos pelos 49 “tags”:

Autores Açorianos 34, Acidentes, Açores 7, Actualidade 42, Adágios 27, Alimentos 12, América 4, Alimentos Proibidos 61, Aravias 16, Blogue 7, Brincadeiras 1, Construções, Contos tradicionais 27, Corvo 1, Costumes 71, Descansadouros 9, Descritivo 16, Diário de Ti’Antonho 32, Douro Litoral 5, Edifícios 10, Estórias 137, Estórias d’alunos 16, Fantasias 1, Festas 18, Ficção 43, Ficção E 60, Filosofia 4, Flores 11, Grotas e ribeiras 4, Gourmet 20, Gracejos 2, Histórico 35, Jogos 19, Lendas 36, Léxico 14, Lírico 22, Lugares 31, Maleitas 9, Naufrágios 12, Outras estórias 23, Outros Autores 48, Pensamentos 20, Pessoas 34, Pico 27, População 21, Pico da Vigia Júnior 1, Pedro da Silveira 30, Rede Viária 15, S. Caetano 8, S. Miguel 5, Seminário de Angra 9,SI 48, Textos orais 20, Tradições 5, Transportes 5, Utensílios agrícolas 6, Utensílios domésticos 13 e Vários 19.

Recorde-se que num blogue os “tags” constituem agrupamentos temáticos que permitem uma mais fácil consulta de qualquer texto anteriormente publicado. Basta, para tanto, clicar num determinado “tag” e surgem de imediato todos os textos “tagados” no mesmo. Depois é apenas seleccionar o que se pretende ler.

 

Texto publicado no Pico da Vigia, em 7 de Fevereiro de 2013, dia em que o número de posts colocados naquele blog, atingiu mil.

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publicado por picodavigia2 às 19:11

O CANTEIRO DA BATATA-DOCE

Sábado, 25.01.14

Era pela altura do Carnaval, ou seja, no fim de Fevereiro ou princípio de Março que, na fajã Grande, se faziam os canteiros da batata-doce, sendo que por vezes se aproveitava o dia de Entrudo ou Terça-Feira Gorda, dado o seu carácter de feriado, para executar tal tarefa.

Os canteiros da batata-doce eram uma espécie de viveiros, feitos, geralmente, numa pequena courela ou na “terra da porta”, consequentemente, junto da moradia do próprio agricultor, a fim de que a “planta” uma vez nascida e crescida “estivesse mais à mão”. Era, no entanto, uma tarefa árdua e que demorava quase um dia, pois exigia muito trabalho e cuidados excessivos, uma vez que o seu objectivo era produzir a “planta boa” que depois seria plantada nos terrenos para tal preparados. É óbvio que as batatas-doces seriam tanto melhores quanto boa fosse a qualidade da “planta” e esta dependia, necessariamente, da forma mais ou menos perfeita de como se fazia o canteiro.

Como as batatas eram metidas na terra e no estrume para que fosse possível rebentarem em grande quantidade e produzirem mais do que uma colheita ou apanha de “planta”, era importante utilizar uma técnica que não as deixasse enfraquecer e, sobretudo, que evitasse que apodrecessem. Para tal era cavado na terra um enorme e profundo fosso, geralmente de forma quadrangular, cujo fundo era bem forrado com milheiros, formando uma espécie de gradeamento para que a água da chuva ao cair sobre o canteiro, penetrando a terra, não enxurrasse mas antes escorresse a fim de que as batatas não se deteriorassem. Depois cobria-se a camada de milheiros com terra e esta com uma boa quantidade de esterco de vaca, colocando-se ainda por cima deste uma outra camada de terra sobre a qual, então, se colocavam as batatas-doces deitadas, muito direitas e juntinhas, sendo por fim todas muito bem cobertas com uma grande camada de terra, muito bem alisada na superfície superior, para que a rama nascesse fofa e direitinha. Ao redor do canteiro era aberto um rego mais profundo do que a camada dos milheiros para que assim toda a água coada por aqueles escorresse para fora do canteiro. Finalmente e a toda a volta, mas do lado de fora do rego, semeava-se um carreiro de milho, o mais basto possível, o qual tinha uma dupla finalidade: ser uma espécie de bardo protector da “planta” e dar maçarocas para se assarem ou cozerem, uma vez que o milho dos campos tinha outro destino.

Passada uma ou duas semanas começava a rama da batata a nascer e a crescer muito verde e basta. Ao fim de três ou quatro semanas estava pronta a ser cortada e levada para os campos das Furnas, do Areal, do Porto, do Mimoio ou da Bandeja para ser plantada.

Na Fajã cultivavam-se dois tipos de batata-doce. Uma de cor avermelhada ou roxa e uma outra mais esbranquiçada, conhecida por “Batata da Madeira”. As primeiras normalmente eram plantadas “de latada”, ou seja sem serem misturadas com nenhuma outra cultura e eram bem melhores para cozer, sendo por vezes que o seu interior era branco, tinham “carnegão” como se dizia e essas eram as melhores. Cultivam-se geralmente em terrenos, mais secos, menos férteis e mais distantes do mar, como os da Bandeja, do Mimoio, das Queimadas, da Vale da Vaca e até os do Delgado. Por sua vez a “Batata da Madeira” tinha uma cor mais esbranquiçada, era mais aguada, mas bem melhor para assar no forno, sendo também muito utilizada na alimentação dos porcos. Cultivava-se junto com o milho e preferencialmente nas terras à beira-mar, ou seja, no Areal, nas Furnas, no Estaleiro e no Porto.

Uma vez cortada, a “planta” do canteiro era levada para os campos onde era plantada, geralmente por duas pessoas. Uma ia à frente espalhando-a sobre a terra, demarcando assim os lugares onde devia ser plantada, enquanto a outra ia atrás abrindo uma pequena cova com uma enxada própria, a “enxada de plantar batata-doce”, onde metia o pezinho de “planta”, junto do qual acuculava um pouquinho de terra. Quando plantada entre o milho semeado para ser sachado com caliveira havia que se ter muito cuidado para que a batata não fosse plantada nos regos por onde a mesma havia de passar.

Em Junho, Julho e Agosto os campos estavam cobertos de rama muito verde e espevitada mas infectada de bichos feios, asquerosos e horríveis, mas debaixo da terra havia batatas-doces prontas a apanhar e de excelente qualidade.

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publicado por picodavigia2 às 16:58

A FURNA DAS MEXIDEIRAS

Sábado, 25.01.14

Na Fajã Grande, no lugar das Furnas, junto ao mar, em frente a uma enseada chamada “Caneiro das Furnas”, existia uma enorme furna conhecida como  “A Furna das Mexideiras”. Tratava-se de uma gruta, isto é, uma cavidade natural rochosa com dimensões que permitiam que um ser humano pudesse perfeitamente lá entrar e percorrê-la, embora, agachado. Na altura, cuidava-se que esta gruta teria um prolongamento horizontal, em forma de galerias subterrâneas intercaladas com alguns espaços mais amplos e com uma extensão considerável que atingiria a rua da Via d’Água. Como muitas outras grutas existentes nos Açores, algumas, actualmente, já exploradas e transformadas, parcialmente, em roteiros turísticos, a “Furna das Mexideiras” teria sido originada por um conjunto de processos geológicos, envolvendo uma combinação de transformações químicas, tectónicas, biológicas e atmosféricas. Devido às condições ambientais exclusivas deste tipo de orifícios naturais subterrâneos, nestas grutas, geralmente, não existe fauna e a flora, para além de rara, é específica de ambientes escuros e, consequentemente, despojada de vegetação nativa.

 Sobre a Furna das Mexideiras da Fajã Grande das Flores, nunca explorada, mas ainda hoje existente, na década de cinquenta, circulavam muitas estórias, algumas delas, até um pouco sinistras e apavorantes. Contava-se, por exemplo, que um certo homem tentara entrar por ali dentro com uma lanterna mas ela apagou-se. O homem voltou a acendê-la, mas sempre que o fazia a lanterna apagava-se. Havia ali algo de misterioso, do outro mundo que impedia que a lanterna se mantivesse acesa. Outro homem que nela também entrara, de lá nunca mais saiu. Muitos homens que por ali haviam passado viam luz no interior da gruta, outros, nevoeiros a sair pela abertura exterior e muitos chegaram a ouvir gritos aflitivos. Também havia quem acreditasse e jurasse a pés juntos, de que aquela furna era a morada e o esconderijo das Mexideiras. Estas eram uma espécie de monstros estranhos, com aspecto semelhante ao diabo, em forma de mulheres que ali permaneciam durante o dia e que, apenas durante a noite, saíam do esconderijo para perseguir e atacar os mortais. Quem passasse em frente à gruta, à noitinha, em dias de temporal, podia ouvir perfeitamente, os seus ruídos e barulhos, umas vezes gritos ruidosos e barulhentos outras gaitadas finas e alegres, muito esganiçadas a ecoarem nas paredes da furna. Havia, porém, quem cuidasse e dissesse que aqueles gritos eram das cagarras que aflitas e quase a morrer, ali se escondiam, quando impossibilitadas de chegar aos seus esconderijos naturais, nas encostas do Pico do Areal. Muitas pessoas, porém, acreditavam que eram mesmo os gritos de festa e de regozijo ou então de dor e aflição das malditas. Os mais crentes ouviam-nos perfeitamente, pois cuidavam que elas andavam ali, à solta, a retoiçar, a rebolar, à espera da hora da saída, ou seja à meia-noite, porque só a partir dessa hora podiam sair do esconderijo e circular livremente fora da gruta. Também diziam os sonhadores de tesouros perdidos que aquela furna escondia um enorme tesouro, deixado ali por piratas que se haviam escondido de outros piratas e tinha morrido lá dentro. Em respeito pelos falecidos ninguém poderia lá ir procurar o tesouro. E a verdade é que ninguém ousava ali entrar para recuperar o tesouro ou fosse para o que fosse. Minha avó contava que Pai Cristiano (o homem que a criara desde criança e após a morte da mãe) certa noite, ao voltar da pesca, passou em frente à furna e ouviu um barulho assustador. Hesitou entre ir ver o que se passava ou fugir para casa, neste caso ficaria cheio de medo e nunca mais por ali passaria. Decidiu-se, então, por ir lá, ver o que se passava. Era uma matilha que para ali havia levado a cabeça de um carneiro. Cada cão latia ferozmente e lutava freneticamente a fim de obter um naco do pitéu. Era uma algazarra tremenda!

 Que a Furna da Mexideiras existia, era verdade, que era mítica e lendária, lá isso, também, era. E o medo que eu, em criança, tinha de passar por ali!

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publicado por picodavigia2 às 14:20

PALAVRAS, EXPRESSÕES E DITOS UTILIZADOS NA FAJÃ GRANDE (XIII)

Sábado, 25.01.14

Ajuntar – Casar.

Alantado ou alantadinho – Forte, robusto, gordo.

Alevantado – Doido, estouvado, leviano.

Antes isso do que um soco num olho – Expressão de desdém ou menosprezo.

Aparelhar o caniço – Preparar o caniço para a pesca.

Aparelhar a madeira – Aplainar.

À porta de casa – Junto de casa. Perto.

Aprofiar – Insistir

Aquecer a pélia – Bater fortemente.

Aquilhe – Aquilo.

Arcada – Brinco de mulher. Argola de arame presa ao focinho do porco, para o impedir de fossar.

Arengar – Pronunciar mal as palavras.

Arrebentado da cachola – Doido, tolo

Arreda que vai d’aposta – Afasta-te imediatamente.

Arreda vaz, satanás – Expressão para afastar o mal.

Arrefiadela – Piscar de olho.

Arreganhado – Rir em demasia, rir com os dentes à mostra.

Atafulhar – Encher muito, encher até às bordas.

Atinado – Que faz as coisas bem feitas.

Bem perfeitinho  - Criança muito bonita e saudável.

Bodeca – Algo pequeno e com pouca importância.

Bonzissimo – Óptimo.

Cabeça fina – Criança ou pessoa inteligente.

Enjorcado – Mal vestido, mal feito, com mau aspecto.

Espiquiado – Saliente.

Fazer escarne – Fazer pouco de outro, rir-se ou gozar alguém.

Galo – O mesmo que mamulo. Inchaço resultante de um pancada na testa ou cabeça.

Galocha – Peça de madeira, em forma de barco, com buraco a meio de abrir e fechar que se colocava numa das mãos dos bovinos para os impedir de saltar as paredes das relvas.

Inteiriçado – Esticado, hirto, duro.

Iscariotas – Aquele que faz pouco dos outros.

Lalabete – Pouco.

Lambarear – Acender e apagar-se do lume ou da luz de um candeeiro a petróleo, com o vento.

Língua destravada – Falador.

Mamulo – Inchaço, maleita resultante de uma pancada na testa ou cabeça

Mausíssimo – Péssimo.

Mentes com quantos dentes tens na boca – Mentes muito. Grande mentiroso.

Metes nojo – Estás muito sujo.

Mexe as aivecas – Incentivo a um companheiro de jornada para andar mais depressa.

Ministra – Mesa da cabeceira

Ó home, sim ou ó home, não – Estou ou não estou de acordo.

Ossos desmanchados – Luxação Ossos partidos.

Parrogilde – Planta apanhada junto ao mar. Perrexil.

Peche – Defeito.

Perfeita de mãos – Mulher que sabe fazer renda, bordar ou costurar com perfeição.

Pica-porte – Fechadura manual de uma porta.

Reboitalho – Resto de folhas e caules depois de escolher as sementes.

Safa daqui pra fora – Vai-te embora, imediatamente.

Safate – Açafate.

Troiceste – Troceste.

Truce - Trouxe

Vaca dando – Vaca que não conseguiu engravidar e que continua a dar leite todo o ano.

Velhas às escondidas – Jogo de crianças em que formando dois grupos, cada um, por sua vez, tentava descobrir onde o outro estava escondido.

Verga – Grosso e comprido arame preso no cimo e na parte baixa da rocha de forma oblíqua por onde eram atirados os molhos de lenha, erva, fetos, etc.

 

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publicado por picodavigia2 às 13:56

PALAVRAS, EXPRESSÕES E DITOS UTILIZADOS NA FAJÃ GRANDE (XII)

Sábado, 25.01.14

Abrir o fastio – Ter apetite ou vontade de comer.

A caminho – Logo, naquela direcção.

Advertido – Divertido.

Aferrar – Apanhar o peixe pelo anzol.

Aferroada – Picada de abelha.

Afogar-se – Engasgar-se.

Alfanica – Vaca ou pessoa folgazona.

Alminha de deus – Pessoa ingénua e simples.

Alpantesma – Pessoa desajeitada.

A mode c’ma tole – Tolo, atoleimado.

Adanar – Nadar.

Apensionado – Com defeito.

Aqui atrasado – Há algum tempo.

Arrebantado – Falido, destruído, mal, doente.

Arregoado – Dizia-se do pão quando ficava aberto, mal cozido.

Atira-te da rocha a baixo – Foge, desaparece de junto de mim.

Avantage – Façanha. Acto heróico.

Avariado da cabeça – Maluco. Doido.

Balaio – Espécie de cesto muito grande onde se guardavam os cereais.

Boa bisca – Pessoa má, mal intencionada e de maus hábitos. Pessoa cuja companhia se devia evitar.

Buzil – Remoinho de água do mar, provocado por forte ventania

Caganeira – Diarreia.

Calçar milho ou Correr milho – Puxar, com o sacho, a terra para junto do pé de milho para o fortalecer.

Carnegão – Parte branca, no interior da batata doce e que era sinal da sua excelente qualidade.

Danasteres – Andar de baixo

Dar em cara – Referir, com frequência, o que se ofereceu.

Está consolando – Está muito bom.

Feio – Enorme, grande.

Inchade c’mum pão de milho – Muito inchado.

Inferno do moinho – Parte inferior do moinho, onde existem as rodas dentadas que fazem girar a mó.

Lanzeira – Sorna, Preguiça, lentidão no trabalho.

Mantinho – Véu com que as mulheres cobriam a cabeça para ir à missa ou entrar na igreja.

Muja – Tainha muito pequeno que vive em poças.

Raitear – Passear

Ranzelar – Resmungar, barafustar.

Rasoira – Caixa de medir os cereais.

Ser c’má folha do álamo – Ser inconstante.

Sortes – Inspecções militares.

Tá bunzinhe c’ma parece – Forma de cumprimentar.

Tailhe – Zona de forrageira até onde os animais bovinos, amarrados à estaca, comeram.

Tarrafa – Rede de pesca.

Tempo manso – Tempo bom.

Tempo manso ou o tempo amansou – Tempo bom. O tempo melhorou.

Ter a língua destravada – Falar demais ou que se não deve.

Ter bicho-carpinteiro – Dizia-se das crianças irrequietas.

Ter fervuras – Estar inquieto, preocupado.

Terras de relva – Pastagens.

Xabouco ou xaboco – Desajeitado. Que não sabe fazer algo.

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publicado por picodavigia2 às 13:50

A FUGA

Sábado, 25.01.14

Foi na véspera dos anos de Mariana que ela, os pais e o irmão partiram para a França. Para os vizinhos e amigos iam às Caldas, a casa dos avós maternos, passar o aniversário da menina.

Quando chegaram a Bragança, um tipo de aspecto esquisito aproximou-se, recebeu-os e, ostentando disfarçadamente uma premeditada intenção, ofereceu-se, como taxista, para os levar a Gimonde. Que esperassem um pouco sem dar muito nas vistas. A viagem era curta e só à meia-noite em ponto deviam estar em Talhinhas junto à ponte de Remondes, sobre o rio Sabor. O plano em nada falhou. Ao dar a meia-noite, lá estavam juntando-se a eles dois desconhecidos, com quem teriam que efectuar uma longa e perigosa viagem. Pouco depois, chegou o guia que, disfarçadamente, os acompanhou e conduziu até à fronteira.

Era Outubro. As noites já eram grandes e frescas. As crianças começaram a sentir fome e frio. O pai de Mariana, pensando nos pequenos, prevenira-se com comida, em Bragança, mas o Zezito não se calava e, em vão, pedia leite. O choro e a impaciência começavam a importunar. A mãe, vezes sem conta, arrependia-se de ter partido.

Na manhã seguinte, uns a dormir e outros acordados, chegaram a Puebla de Sanábria, em Espanha, juntando-se a alguns pequenos grupos que tinham passado a fronteira noutros locais. Alguns dias depois estavam em Dancharie na França, onde o último guia os deixou.

- Agora tomem o comboio e sigam os vossos destinos conforme as instruções que vos deram. Governem-se, como puderem – e virou costas.

O comboio ainda parou em Puyoô e em Agen onde saíram alguns portugueses. Apenas um pequeno grupo seguiu para Clermont-Ferrand.

Na capital de Auvergne o pai de Mariana procurou o Cardoso, que morava na rua de La Rotunde e desde há muito estava radicado em França. Os conhecimentos que tinha junto dos patrões de algumas fábricas de pneus, metalurgia, produtos farmacêuticos e alimentares proporcionavam-lhe que fosse arranjando alguns empregos e residências para os que o Ramalho lhe recambiava de Portugal. Era uma maneira de, à socapa, ganhar mais algum. O que tinha disponível de momento era numa fábrica de pneus. Não era nada mau.

- O trabalho é pesado, mas vais ganhar bem. És novo e forte. Se com o teu trabalho agradares aos patrões, tens promoção pela certa. Já sabes que para aqui não se vem passar férias.

O alojamento é que estava um pouco complicado. Para já só conseguira um quarto, um pouco distante da fábrica. Era na rua Berlliard. A mulher podia usar a cozinha e o preço era acessível. Em breve lhe arranjaria uma casita. Havia um tipo de Viana que, em breve, ia tentar melhor sorte em Paris e deixava casa vaga. Já a tinha “apalavrada”. Quando ele fosse embora ficaram de vez com a casa.

E no dia seguinte, o pai de Mariana começou a trabalhar na fábrica de pneus “ La Souquete”.

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publicado por picodavigia2 às 12:31

CANÇÃO DO REMENDO E DO CASACO

Sábado, 25.01.14

(BERTOLD BRECHT)

Sempre que a nosso casaco se rasga

Vocês vêm correndo dizer: assim não pode ser

Isso vai acabar, custe o que custar!

Cheios de fé vão aos senhores

Enquanto nós, cheios de frio, aguardamos.

E ao voltar, sempre triunfantes

Nos mostram o que por nós conquistam:

Um pequeno remendo.

Óptimo, eis o remendo

Mas onde está

O nosso casaco?

 

Sempre que nós gritamos de fome

Vocês vêm correndo dizer: Isso não vai continuar

É preciso ajudá-los, custe o que custar!

E cheios de ardor vão aos senhores

Enquanto nós, com ardor no estômago, esperamos.

E ao voltar, sempre triunfantes

Exibem a grande conquista:

Um pedacinho de pão.

Que bom, este é o pedaço de pão

Mas onde está

O pão?

 

Não precisamos só do remendo

Precisamos o casaco inteiro.

Não precisamos de pedaços de pão

Precisamos de pão verdadeiro.

Não precisamos só do emprego

De toda a fábrica precisamos.

E mais a carvão

E mais as minas

O povo no poder.

É disso que precisamos.

Que têm vocês

A nos dar?                                                    

 

Bertold Brecht

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publicado por picodavigia2 às 10:56

SEMPRE NÃO

Sábado, 25.01.14

(CONTO TRADICIONAL

 

Um cavaleiro, casado com uma dama nobre e formosa, teve de ir fazer uma longa jornada: receando acontecesse algum caso desagradável enquanto estivesse ausente, fez com que a mulher lhe prometesse que enquanto ele estivesse fora de casa diria a tudo: – “Não”. Assim pensava o cavaleiro que resguardaria o seu castelo do atrevimento dos pajens ou de qualquer aventureiro que por ali passasse. O cavaleiro já havia muito que se demorava longe da corte, e a mulher aborrecida na solidão do castelo não tinha outra distracção senão passar as tardes a olhar para longe, da torre do miradouro. Um dia passou um cavaleiro, todo galante, e cumprimentou a dama: ela fez-lhe a sua mesura. O cavaleiro viu-a tão formosa, que sentiu logo ali uma grande paixão, e disse:

– Senhora de toda a formosura! Consentis que descanse esta noite no vosso solar?

Ela respondeu:

– Não!

O cavaleiro ficou um pouco admirado da secura daquele não, e continuou:

– Pois quereis que seja comido dos lobos ao atravessar a serra?

Ela respondeu:

– Não.

Mais pasmado ficou o cavaleiro com aquela mudança, e insistiu:

– E quereis que vá cair nas mãos dos salteadores ao passar pela floresta?

Ela respondeu:

– Não.

Começou o cavaleiro a compreender que aquele “Não” seria talvez sermão encomendado, e virou as suas perguntas:

– Então fechais-me o vosso castelo?

Ela respondeu:

– Não.

– Recusais que pernoite aqui?

– Não.

Diante destas respostas o cavaleiro entrou no castelo e foi conversar com a dama e a tudo o que lhe dizia ela foi sempre respondendo “Não”. Quando no fim do serão se despediam para se recolherem a suas câmaras, disse o cavaleiro:

– Consentis que eu fique longe de vós?

Ela respondeu:

– Não.

– E que me retire do vosso quarto?

– Não.

Na manhã seguinte, o cavaleiro partiu, e chegou à corte, onde estavam muitos fidalgos conversando ao braseiro, e contando as suas aventuras. Coube a vez ao que tinha chegado, e contou a história do “Não”; mas quando ia já a contar o modo como se metera na cama da castelã, o marido que era um dos cavaleiros presentes, já sem ter mão em si, perguntou agoniado:

– Mas onde foi isso cavaleiro?

O outro percebeu a aflição do marido e continuou sereno:

– Ora quando eu ia eu a entrar para o quarto da dama, tropeço no tapete, sinto um grande solavanco, e acordo! Fiquei desesperado em interromper-se um sonho tão lindo.

O marido respirou aliviado, mas de todas as histórias foi aquela a mais estimada.

 

Teófilo Braga Contos Tradicionais do Povo Português

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publicado por picodavigia2 às 09:28

GAIA

Sábado, 25.01.14

Palácios senhoriais,

com o rastro das uvas

a alterar-lhes o destino!

Caves vetustas,

bordadas a mosto,

léguas de aromas,

amontoado de sabores!

 

E o Douro,

ao lado,

atafulhado de marés

mas a correr, inutilmente,

como se fosse um rio louco, deserto e sem destino.

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publicado por picodavigia2 às 00:44

OVELHAS DA BURRINHA

Sábado, 25.01.14

“Ser (não ser) como as ovelhas da Burrinha.”

Os adágios são, incontestavelmente, uma das mais interessantes formas de ensinamento moral, inventadas pelas sociedades a fim de alertar os seus membros para uma vivência de acordo com os mais nobres princípios da moral, da ética e dos bons costumes. Baseados, normalmente, em factos do quotidiano, os adágios exprimem, em pequenas e sucintas frases, sentenças que tem como objectivo moldar a experiência e as acções humanas, geralmente apresentadas em breves e elegantes palavras e são como que um precioso erário, não só de sabedoria popular, mas também do código de conduta moral e cívica do povo.

Ora como todas as sociedades a Fajã Grande, até porque diferenciada por um isolamento acentuado, também criou, naturalmente, ao longo da sua história, costumes, tradições e os seus próprios adágios, entre os quais era muito frequente o seguinte: “Ser (não ser) como as ovelhas da Burrinha.”

Para compreender o significado deste interessante adágio muito utilizado, talvez mesmo exclusivo ou se quisermos “endémico” da Fajã Grande, é necessário recorrer-se a alguns costumes daquela freguesia florense, na primeira metade do século passado, nomeadamente no que se relacionava com a forma como se criava o gado ovino. Na realidade, na Fajã Grande, como aliás noutras freguesias das Flores e até no Corvo, as ovelhas eram criadas de forma comunitária, sendo colocadas numa zona do mato chamada “concelho”, um grande espaço comunitário de pastagens, situado nas zonas mais altas da ilha e, consequentemente, mais pobres e consideradas “terra de ninguém”. Despejadas aí as ovelhas, abandonadas ao seu destino, eram assinaladas nas orelhas com o sinal do seu proprietário, sendo que todos sinais eram diferentes. O povo juntava-se, duas vezes por ano, para as recolher, num “curral” para tal construído, com o fim de as tosquiar. Era o chamado dia de “Fio” a que se atribuía um ar festivo. Nesse dia de manhã, bastante cedo, os homens partiam para o mato, para a zona do concelho, a qual, pelo menos uma boa parte, se situava no lugar chamado a “Burrinha”, onde se distribuíam estrategicamente, a fim de recolher todas as ovelhas, que, sentindo-se perseguidas por homens e cães, caminhavam umas atrás das outras, sem saber qual era o seu destino e muito menos sem o escolher. Foi este costume secular que naturalmente deu origem ao provérbio “Ser ou não ser como as ovelhas da Burrinha”, com o qual se queria significar e transmitir às pessoas que ao fazerem as suas opções, não deviam ser como as ovelhas recolhidas pelos homens nos terrenos da Burrinha no dia de Fio e que caminhavam umas atrás das outras, sem escolherem o seu caminho e sem saber para onde iam. Pelo contrário, o ser humano devia ser livre de agir e pensar por si próprio, evitando deixar-se arrastar pelas ideias ou pelos costumes, pensamentos e atitudes dos outros.

Pensar livremente e por si próprio, agir de forma coerente com os seus princípios, ser responsável pelas suas opções e projectos de vida, ser coerente consigo próprio e construir o seu próprio percurso de vida é o que de mais nobre tem o ser humano e era precisamente isso que se pretendia sintetizar, na Fajã Grande, na década de cinquenta, com este adágio. Em boa hora, pois, era lembrada a estultícia e o desatino das ovelhas da Burrinha e, sobretudo, a sua falta de liberdade.

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publicado por picodavigia2 às 00:30

A MINHA BENFEITA (DIÁRIO DE TI’ANTONHO)

Sexta-feira, 24.01.14

17 de Janeiro de 1947

 

“Tenho tantas saudades da minha Benfeita… Ela era o meu “ai Jesus”. Era uma vaca lavrada de preto e branco, com um pelo muito luzidio e um andar muito elegante. Boa de leite e sempre pronta a puxar o arado ou o corção.

Nasceu e foi criada no meu palheiro. A sua mãe era uma vaca toucada que tive durante anos e o pai, um belo touro de meu compadre Mateus. Bem cedo percebi que daquela bezerra se havia fazer uma boa vaca de leite. Não me enganei. Apanhou cria muito nova e logo na primeira vez que pariu, deu-me a lata grande de 12 litros, a transbordar de leite.

Coitadinha da minha Benfeita! É que cedo, ainda era uma bezerrinha, meti-lhe a canga e habituei-a ao trabalho. A valente nunca me virou a cara às sementeiras, ao lavrar dos campos ou ao puxar o “corsão” de canguinha, bem carregado, umas vezes de lenha, outras de milho e outras de feitos e cana roca. Ainda nem tinha um ano e já lavrava o meu cerrado do Areal três vezes. A primeira faina era a mais árdua e desgastante. A terra estava coberta duma camada de estrume que ela havia carreado, dias a fio, tornava-se muito rija com os rigores do Inverno, por isso tinha que ser lavrada com o arado de ferro, muito mais pesado e com umas aivecas gigantes que perfuravam a terra em grandes sulcos. Mas tinha que o puxar de canguinha, pois eu não tinha mais nenhuma rês. Ela porém lá ia pacientemente, lutando contra a força opositora dos regos sulcados pelo arado e contra os impropérios, insultos, ameaças e, por vezes vergastadas que lhe dava. Pobre coitada! Agora bem me arrependo. Eram horas e horas de trabalho, de esforço e canseiras. No fim estava exausta. Da boca escumava-lhe uma baba esbranquiçada que lhe caía em fios sobre a terra fresca, o corpo cobria-se-lhe de suores, sentia vertigens, quase desfalecia. É verdade que no fim lhe passava a mão pelo lombo, lhe anafava os pelos lhe fazia uns carinhos e lhe dava umas maçarocas de milho, o que servia de lenitivo para o enorme desgaste. Seguia-se o puxar da grade, tarefa não menos árdua do que a anterior, embora bastante mais rápida. É que a terra não podia ficar assim cheia de leivas e torrões, a aquecer ao Sol. Amarrava-a então à grade, cravejada de enormes bicos de ferro de um dos lados. Do outro lado colocava-lhe enormes pedregulhos a fim de que os dentes de ferro penetrassem na terra e a alisassem. Passados dois ou três dias a Benfeita voltava ao cerrado do Areal. Agora era encangada ao arado de madeira muito mais leve e com uma pequena aiveca de madeira com uma luzidia ponteira de ferro que ia abrindo pequenos regos destinados à sementeira do milho. Atrelava-a ao arado e ela traçava regos paralelos e simétricos de uma extremidade à outra do terreno. A minha Maria seguia atrás de nós e, retirando punhados de milho de uma cesta que levava enfiada no braço, atirava os grãos com tanta agilidade e perícia que eles caiam direitinhos no rego, muito bem alinhados uns à frente dos outros. A Benfeita seguia sozinha, sem ninguém diante. Parava quando era preciso alisar algum torrão e virava, no fim de cada rego que se fechava com o abrir do seguinte, tapando assim os grãozinhos que ali ficavam a germinar durante alguns dias. Por fim voltavam os mimos e as maçarocas de milho pois esperava-a de novo a grade. A terra tinha que ser de novo gradeada e alisada para que os grãos ficassem todos muito bem escondidinhos e assim germinassem mais facilmente.

É verdade que passadas umas semanas havia de consolar-se com as sobras do desbaste e mais tarde com a espiga e no Inverno com a rama seca. Ajudou-me muito a minha Benfeita. Mas nunca lhe faltei com erva fresquinha que lhe ia buscar de madrugada à lagoa das Covas, com incensos que acarretava da Cabaceira e com couves e rama de batata-doce que lhe trazia das Furnas.

Um homem afeiçoa-se tanto aos animais, que só Deus o sabe. E hoje chorei que nem uma Madalena, pois tive que ir levar a minha Benfeita à Vila, para a embarcar para Lisboa. O animal estava a ficar velho e, além disso, o outro dia ao descer a ladeira do Covão “pegou” no rapaz do Furtado. Durante toda a viagem até Santa Cruz, a pobrezinha não parou de berrar a berrar. Parecia que sabia para que estava destinada e para onde eu a levava.

Custou-me tanto, tanto separar-me dela que nem calculam.”

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publicado por picodavigia2 às 22:06

A VIOLA DA TERRA

Sexta-feira, 24.01.14

Embora sem nenhuma ligação directa à música popular e ao folclore açoriano, nem sequer com alguma formação ou competência musical, mas simplesmente como apreciador de costumes, tradições e valores culturais, recordo-me que desde sempre ouvia as mais nobres referências aquele, tão interessante, instrumento musical designado por “viola da terra”, que, na década de cinquenta, ainda existia em muitas casas da Fajã Grande, das Flores, como ícone quase sagrado e que importava perseverar.

Trata-se de um instrumento musical de cordas, tipicamente açoriano que, segundo reza a história, terá existido, desde os primórdios do povoamento do arquipélago e que é considerado como que um símbolo emblemático das ilhas açorianas, dos seus costumes e tradições, da sua música e, sobretudo, do seu folclore.

Na Fajã Grande e, muito provavelmente, em todo o arquipélago açoriano, na década de cinquenta, o uso da “viola da terra”, ligava-se, sobretudo, aos cantares festivos, aos "balhos”, casamentos, danças de carnaval, serões animados, matanças do porco e outros divertimentos e, por vezes, até em trabalhos colectivos.

A viola da terra, também conhecida como viola de dois corações, é um instrumento semelhante ao violão mas, sensivelmente, mais pequeno. Uma das suas características é a existência de um orifício, no tampo da caixa-de-ressonância, em formato de dois corações unidos, com as pontas em sentidos opostos e ligados por um coração mais pequeno, em vez do habitual buraco, geralmente, redondo, que os outros instrumentos possuem. Há quem, virando a posição da viola, veja nos corações invertidos o desenho de uma coroa do Espírito Santo, símbolo do Paráclito, de tanta devoção e com tantas tradições entre o povo de todas as ilhas. O desenho dos corações parece estar ligado ao sentimento de saudade, tão comum entre as gentes açorianas, sobretudo devido à sua eterna vocação emigrante e, por isso, a viola da terra, muitas vezes, era levada na bagagem pelos emigrantes que demandavam quer os Estados Unidos quer outras paragens.

Dizem os entendidos que “este instrumento musical possui cinco parcelas (ou ordens) de 12 cordas, sendo afinado, do mais agudo para o mais grave, mi, si, sol, ré, lá nas ilhas dos grupos Central e Ocidental, enquanto no grupo Oriental dos Açores a afinação da corda prima é feita num tom mais baixo, ou seja em ré.”.(1)

No Pico, na década de cinquenta e seguintes eram frequentes os serões chamados “Folgas”, onde a viola da terra estava sempre presente e desempenhava papel predominante. Geralmente à luz de uma Petromax ou de candeeiros a petróleo o povo bailava, por vezes quase até de madrugada. E dizem os historiadores que se juntavam os casais, em casa própria e com a viola da terra e outros instrumentos tocava-se e bailava-se a Chamarrita.

A viola da terra, antigamente, como que fazia parte da vida de cada família. Regra geral era uma herança de pai para filho, quando o pai morria, o filho mais velho ou outro que a soubesse tocar (e quase todos o sabiam fazer) recebia-a como herança. E, nas casas, as mulheres quando faziam a cama, era tradição colocar a viola sobre o travesseiro, ou no meio da cama, com um xaile à volta. Na Fajã Grande e creio que no Pico também, em tempos mais recuados, dizia-se que uma família que ficasse de luto por um familiar próximo devia esconder a viola no tecto, enquanto durasse o chamado “luto pesado”. Daqui se conclui a importância e do significado da viola da terra e o facto de simbolizar alegria e divertimento, um e outro, interditos em momentos de dor e sofrimento.

Segundo o recente testemunho de José Agostinho Serpa, um dos poucos tocadores actuais e o único construtor da “viola da terra” na ilha das Flores, divulgado no “Forum Ilha das Flores”, no passado dia 18 de Janeiro, «A viola da terra já esteve praticamente votada ao abandono na ilha das Flores. Hoje existem, apenas, dois ou três tocadores». No Pico, felizmente, esse número parece ser bem maior.

(1)     - Colaboração de Maria Antónia Fraga

 

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publicado por picodavigia2 às 20:41

FRANCISCO DE CHAVES E MELO

Sexta-feira, 24.01.14

Francisco Afonso de Chaves e Melo nasceu na cidade de Ponta Delgada, em 1685, tendo falecido na mesma cidade em 1747, Foi morgado e administrador do vínculo da família Chaves e Melo, capitão de ordenanças da companhia do Rosto de Cão, juiz da alfândega, mar e direitos reais e contador da Fazenda Real nas ilhas de S. Miguel e Santa Maria. Era parente da venerável Margarida de Chaves, decidindo escrever uma biografia dessa sua antepassada usando muita documentação familiar, com o fim de não deixar cair no esquecimento o processo de beatificação. O livro que veio a intitular Margarita Animata tornou-se num clássico da historiografia açoriana e uma preciosa fonte informativa para o século XVIII micaelense. A obra divide-se em duas partes, uma primeira com a biografia da venerável Margarida de Chaves e a segunda com a descrição da ilha de S. Miguel.

Outras obras: Idea Moral, Polticia e Historica, de Tres Estados, discursada na vida da Veneravel Margarida de Chaves e Virgem Maria Santíssima,

 

Dados retirados do CCA – Cultura Açores

 

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publicado por picodavigia2 às 19:13

O DIÁLOGO DOS VELHINOS

Sexta-feira, 24.01.14

Fajã Grande das Flores – anos cinquenta. Sentados à Praça, na soleira da porta da casa velha do Laureano Cardoso, (a casa que Pedro da Silveira descreve num dos seus poemas e que terá pertencido ao seu avô) dois velhinhos conversam, em puro “dialecto fajãgrandês”:

 

- Wei, home! E antão? Toca a descansá, pr’aí! Tás bunzinhe c’ma pareces?

 - Ó home, iste tá mun somenes. Ache qu’apanhei frie, tou sim fastie e cua caganeira dos diabes. Ainda pur cima doim-m’as aduelas qu’é ua coisa feia. Nim sequé me posse agaichar. Tou a modes c’ma tole, nem m’apetece pegá na navalha e falquejá…

 - Deixa lá, home, nã crames tante. Antes isso cum soque nun olhe! Mas olha qu’ei fique ben abalade cum isse. Mas ei nã te posse fazê nada. Há uns tempes atrás, tamen andei bem mal amanhade e coa casa cheia de monces piquenes pa m’apoquentar.

 - Pois é, home. Na noss’idade é contas e bordões. Istames quase entre a cruz e caldeirinha. Lá vai o tempe qu’agente nan parava in ramo verde. Ei ia ao mate num pé e vinha n’outro.

 - Ó home, fot’avantage! E ei tamen, quand’era nôve, nã tinha lanzeira nenhua. Trabalhava cm’um danade e nunca ranzelei. Sasquei muites dedes, fiz muitas tupadas, até cum dedes degolades e cui pés que pareciim pães de milhe, calcorriei muites caminhes, sempre descalce, trabalhei que me fartei. Às vezes, até parecia que deitava as tripas pela boca fora

 - Ei tamen nã parava in rame verde, home e nunca tive murrinha nenhua. Mas a minha mulhé ten m’ajudade muite. In casa é ua mulhé perfeita de mãos e ben escoimada. Nas terras é u que toda a gente vê: danada p’ra trabalhar. Trabalha c’ua gadanha ou cum ansinhe milhó que muites homes.

 - Tens bastanta sorte, home dos diabes. Ei é que tou mum semenes e, ainda pur cima, sozinhe neste munde. Nin sequé um prate de mangão sei fazê, nim muite menes cuzê bole do tijole.

 - É triste home, é triste. Mas o milhó é a gente falá in coisas ben más alegres.

 - Mixeriques, qués tu dzê?

 - Olha, sabes que virim a mulhé do Batoco caldeada cu Sabastião, nos apsteres lá de casa. Dizim qu’era un bonite fandine. Tavim ui dois in coire…

 - Virge Maria! Louvade e louvede! Mas tamen o Sabastião… fotavantage! Aquele sanabagana mete-se é cus fraques. Precisava era qu’álguém lh’aquecesse a pélia. Aqui atrasade, o sanabicha andava a dar arrefiadelas à piquena do Desalmade. E um badameque daqueles, no fim, ainda se põe a arreganhar ei ventas.

 - Mas a du Batoco tamen é ua boa bisca e ele, ainda por cima, coitade, já mal s’aguent’in pé, já mal mech’as aivecas, já nã pode cun gate pindurade p’lo rabe. E o pior é que nã s’incherga. Aquilh’é qu’é ua alminha de Deus. E ele cu Sabastião são amigues c’ma porcos.

 - Ó home, deixa lá! Isse tamen nã são contas do nosse rosaire. Falemes mas é dei nossas vacas. Olha, a minha Lavrada, benzá Deus obra, dá ua grandeza de leite mas o oitre dia, na relva das Queimadas saltou a parede e até m’arrebantou o estrape da campainha. Agora tenhe que lhe pô ua galocha, mas c’mei nan tenhe nenhua, vou mas é acabramá-la. Ela há-de s’amanhá assim.

 - Fazes ben, home, fazes ben. Ei minhas tão mas é no oitone, amarradas à estaca. Dão bem menes consumições, mas ainda onte, chuvia c’ma Deus a da dava, ua delas, puxa que puxa, a sanababicha, lá m’arrebantou o suevo! Amarrei-a cum’ua corda e c’ma ande a corrê o millhe du Areal, tirei-a do tailhe e deitei-lh’o desbaste.

 - Já vedei a minha relva da Pedra d’Agua! Pó mês que ven a minha vai dá bezerre.

 - Poisei minhas, ua tá dando e a outra vou ingordá-la pá mandá ver os sinhôs de bengala. Já sou mum velhe pa tratá de duas vacas sozinhe.

 - Ó home, mas isso é bunzissime! Menes trabalhe e mais móni in casa.

 - Agora cá, home. Bota ben sintide nu qu’ei digue. Olha q’ei nunca fui muite agarrad’ao dinheire, e agora, imbarcand’a vaca, nan vou guardá u dinheire nos caninhos, vou mas é cumprá ua barra, ua ministra e ua clauseta nova pá casa de fora e metê áugua in casa.

 - Fazes ben, home, fazes ben. Ei é que n’na posse. Só se fosse cum conchas de lapas.

 - Ó home, já chega de conversa. Ala botes, mas é pra casa, que já é ben tarde Tou danade p’ra ciá e são horas d’inchê o pandulhe e tim que me deitá cede. Goste de me deitá c’u as galinhas. Até amanhã, se Deus quisé.

 - Nã, mas pra casa é quéi nã vou ainda. Vou fica pur aqui mais um bom padaço. Mas ei nã queria ficá a vê navies. Pode ser que chegue algum, cum mais alcuvitices. Até amanhã, se Deus quisé, home.

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publicado por picodavigia2 às 18:02

O RAPAZ SEM OLHOS

Sexta-feira, 24.01.14

Era uma vez uma mãe que tinha dois filhos, mas como era muito pobre e pouco tinha para lhes dar. Um dia mandou-os pedir esmola mas havia de lhes dar, para levarem, um pequeno farnel do puco que ainda tinha em casa. Antes, porém, perguntou-lhes se queriam ambos comer da mesma vasilha ou levar cada um a sua comida separada. O mais velho disse que era melhor cada um levar a uma vasilha com a sua comida.

Assim fez a mãe. Pelo caminho o irmão mais novo disse que tinha fome e que queria comer o seu farnel. O mais velho concordou mas disse-lhe que era melhor comerem juntos, um dos farnéis, primeiro e depois o outro. Feito o acordo, no primeiro dia, comeram ambos a comida do mais novo. No segundo dia, à hora do almoço, disse este:

 - Ó irmão, vamos agora comer o teu farnel?

O mais velho disse-lhe que não pois ainda era muito cedo, mas às escondidas foi comendo tudo o que levava na sua vasilha sem dar nada ao mais novo.

À noite, o irmão mais novo voltou a pedir ao mais velho que, conforme o combinado repartisse com ele o seu farnel, pois estava a morrer de fome.

O mais velho retorquiu:

- Só se me deixares tirar um dos teus olhos.

A fome era tanta que o rapaz cedeu, pese embora, depois de lhe tirar um olho, o irmão mais velho não lhe tenha dado nenhuma comida.

Na manhã seguinte aconteceu o mesmo e o irmão mais novo ficou sem o outro olho.

Vendo o irmão cego, o mais velho decidiu abandoná-lo, deixando-o sozinho. Passado algum tempo, depois de caminhar na escuridão, o rapaz chegou a um sítio onde ouviu o barulho a água. Cuidando que era um rio e com medo de cair à água e morrer afogado o rapaz decidiu sentar-se ali, não se arriscando a atravessar o rio. Cansado e cheio de fome adormeceu.

Ora era naquele local que todas as noites se reuniam as feiticeiras para decidir o que haviam de fazer no dia seguinte. Vendo ali o menino, esfomeado, doente e cego, uma das feiticeiras decidiu que havia curá-lo. Havia ali perto uma árvore. A feiticeira apanhou três folhas e cuspiu-lhe três vezes, antes de amanhecer. Depois esmagou as folhas nas mãos, formando uma papa ou bálsamo com o qual untou as pálpebras dos olhos do rapaz, que assim voltou a ter os seus olhos e a ver.

Com esta “estória” pretendia mostrar-se que afinal as feiticeiras não eram tão más como, muitas vezes, se cuidava.

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publicado por picodavigia2 às 17:32

O PINÁCULO DO QUEIROAL

Sexta-feira, 24.01.14

O Pináculo do Queiroal era um enorme e abrupto rochedo como que plantado em riste no meio de um enorme e elíptico vale forrado de fresca alfombra e ornamentado de bardos de hortênsias. Apontado para o céu, visto de lado era como se fossem duas mãos postas, mas observado de frente, assemelhava-se ao frontispício de uma gigantesca catedral medieval. O Pináculo situava-se no lugar do Queiroal, donde lhe advinha o nome, na freguesia da Fajã Grande mas já na fronteira com o concelho de Santa Cruz. Tratava-se de um tosco, volumoso e altivo bloco de pedra basáltica, localizado num vale, aprazível, fresco e verdejante mas encafuado e escondido bem lá no centro da ilha das Flores, sem canadas, caminhos ou outros meios de acesso. Apenas através de veredas íngremes e de atalhos sinuosos, atravessando valados e saltando grotões, lá se chegava. Por isso pouca gente o conhecia e muita mais ainda o ignorava, pois ninguém por ali passava e era escasso e reduzido o número de pessoas que ali se deslocavam, nas suas fainas diárias, de acompanhamento e vigilância do gado. Era o fim de todos os atalhos, o termo de todos os caminhos, o início do degredo, do deserto, do emaranhado. No entanto a sua localização era privilegiada, em função da vista que dali se desfrutava sobre uma boa parte da ilha e do oceano, inserindo-se, além disso, num cenário maravilhoso quase bucólico, ideal para um desenvolvimento de aliciantes projectos turísticos, na década de cinquenta ainda impensados.

O Pináculo do Queiroal, encastoado num vale amplo, rodeado de vegetação luxuriante, impunha-se, sobretudo, no seu topo com dois picos, um semelhante a uma torre e o outro em forma de triângulo, como que simulando a parte central e superior da fachada de um templo. Esta era, muito provavelmente, a razão de ser do seu epíteto.

O acesso, não apenas ao Pináculo, mas a toda a zona do Queiroal, para além de longo e demorado, era muito difícil. Primeiro a íngreme subida da Rocha e o atravessar daqueles lameiros das primeiras relvas, onde proliferavam inúmeros e minúsculos mas extremamente pantanosos afluentes da Ribeira das Casas. A partir do Caldeirão da Ribeira das Casas não havia caminho, seguia-se por trilhos que, para além de maus, eram inseguros e pouco acessíveis, uma vez que a vereda, aparentemente, parecia diluir-se, mesmo fechar-se, obstruir-se com bardos de hortênsias, de queirós e de cedros, com copas seculares e enormes, que ali se haviam desenvolvido em excesso. Como alternativa era possível seguir através das relvas, sem trilhos demarcados ou veredas decalcadas sobre a erva, gastando-se em distância o que se poupava em esforço descontrolado e, por vezes, improfícuo.

Outra curiosidade deste idílico lugar onde se situava o famoso Pináculo é que do sentido contrário não havia qualquer tipo de acesso. Era uma floresta densa de cedros e queirós, obstruindo toda e qualquer passagem. Isto porque terminava ali o território da freguesia da Fajã Grande e iniciava-se o da de Ponta Delgada, já em pleno concelho de Santa Cruz.

Enquanto se passava por ali, naquela espécie de bucólica mas agreste vereda, defrontávamos pequenas manadas de gado alfeiro, um manso e domesticado que ali era colocado temporariamente e outro quase selvagem, ali nascido e que dali havia de ser retirado, apenas quando gordo e arrolado, pronto a embarcar no Carvalho com destino a Lisboa.

O Pináculo e o vale onde estava localizado, eram um dos mais belos locais, edificados pela natureza, não só da Fajã Grande mas até da ilha das Flores, depois da emblemática Rocha dos Bordões. E como monumento natural talvez fosse um dos mais interessantes dos Açores. Mas mais do que desconhecido e ignorado, na altura, o Pináculo do Queiroal, naturalmente, ter-se-á perdido no espaço, estando, hoje, totalmente desaparecido no tempo, talvez encoberto por arbustos e arvoredos, como muitos outros monumentos naturais, existentes na Fajã Grande, na década de cinquenta, semelhantes, embora mais pequenos, como eram os calhaus das Feiticeiras, do Tufo, do Touro, a Laje da Silveirinha, a Furna do Peito e tantos outros.  

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publicado por picodavigia2 às 16:20

RÚSTICO

Sexta-feira, 24.01.14

MENU 25 – “RÚSTICO”

 

 

 ENTRADA

 

Brócolos cozidos e caramelizados em açúcar.

Rodela de queijo fresco e nozes embebidas em mel.

 

 

PRATO

 

Filete de pescada, perfumado com alho, azeite e sumo de lima, cozido e grelhado em pão ralada, acamado sobre salada de feijão vede,

olhinhos de couve branca e miolo de pão.

Tiras de pimentos passadas por creme de queijo fresco.

 

 

SOBREMESA

 

Pera natural e Gelatina de ananás.

 

 

******

 

Preparação da Entrada: Cozer os brócolos e grelhá-los numa frigideira borrifada com açúcar. Retirar e colocar em prato ao redor da rodela de queijo fresco e das nozes. Borrifar estes últimos com mel.

 

Preparação do Prato – Cozer os olhinhos de couve picados muito finos, moer uma fatia de pão ou broa sem côdea. Alourar alho finamente picado em azeite, juntar a couve, os grãos de feijão-verde de lata e o miolo de pão, misturar bem. Temperar o filete com alho e sumo de lima, cozer, rapidamente, em água a ferver. Passar por pão ralado e grelhar. Colocar o filete sobre a salada e ornar ao redor com tirinhas de pimentos vermelhos e amarelos, borrifados com creme de queijo fresco.

 

 

Preparação das Sobremesas - Confecção tradicional

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publicado por picodavigia2 às 13:57

A PEREGRINAÇÃO

Sexta-feira, 24.01.14

Mataram-se porcos e carneiros, trouxe-se do melhor vinho dos arredores, cozeu-se pão nos melhores fornos da região, chamaram-se jograis e cantadores, fez-se festança como jamais outrora Lubisonda conhecera, pese embora o fronteiro de tanta canseira e abatimento, cedo se recolhesse aos aposentos que Pero Fogaça lhe disponibilizava. A festa, porem, prolongou-se fora dos umbrais de Lubisonda. Depressa e célere correu pelas redondezas notícia de tão grandioso evento. De perto e de longe começaram a chegar grupos de ricos-homens e camponeses, uns ávidos de oferecer préstimos a D. Paio de Farroncóbias, outros apenas curiosos de ver ao de perto a temível espada a que os infiéis não resistiam.

Na manhã do dia seguinte, alta madrugada, D. Paio de Farroncóbias partia, à frente da sua mesnada. Esperavam-no em Trancoso os braços ternos, meigos e amorosos de Iluminata, sua doce e amada esposa.

Algum tempo depois, recebeu D. Paio de Farroncóbias notícias de que Afonso Henriques, como aliás era seu intento, reiniciara peleja com o rei de Leão, Afonso VII. A missiva ainda mais dizia que Afonso Henriques quebrara a paz de Tui, recusava-se a continuar a prestar vassalagem ao monarca de Leão e como se isso não bastasse invadira a Galiza. Corriam, no entanto, rumores de que D. Afonso VII entrara em terras portuguesas vingando-se, arrasando castelos e, descendo as montanhas do Suajo, dirigia-se para Valdevez. Deviam seleccionar-se os melhores cavaleiros e guerreiros portugueses. As ordens eram para que o alcaide de Trancoso, partisse de imediato, juntasse tropas pelas terras circundantes e comandasse a peleja, enquanto o príncipe não regressasse. O zeloso fronteiro e alcaide de Trancoso avisou, de imediato, todos os seus homens de Penas Róias até Guarda, para que se reunissem e recrutassem todos os jovens que por ali existiam e preparou-se para partir, com destino a Valdevez.

Iluminata chorava perdidamente. Ainda não havia muito que o seu esposo amado e guerreiro valoroso chegara de Ourique, para onde se ausentara durante meses e meses. Agora, partia outra vez. E ela ficaria novamente ali, fechada no castelo, dias e noites, sozinha, sem amor, sem paixão, sem os braços de seu esposo querido. Iluminata era muito nova. A paixão ardia-lhe no peito e os sentidos impeliam-na para a aventura. Amava e necessitava de ser amada

D. Paio de Farroncóbias, quer porque acedesse às lamúrias mais que justas de Iluminata, quer porque temesse seriamente o confronto com o rei de Leão, ordenou-lhe que, uma vez que se aproximava a festa de São Tiago, em Compostela e, além disso, era ano de indulgência plenária, se preparasse para uma romaria aquela cidade. Levaria lacaios e guardas que a protegeriam a ela e a todo o seu séquito.

Aprontaram-se as duas comitivas. A mesnada de D. Paio de Farroncóbias foi a primeira a partir. Depois a comitiva de Iluminata: “Era tudo gente de cavalo e ela ia montada em soberba mula branca, no meio de muitos pajens e donzelas. Trazia manto de ciclaton, guarnecido de pele de marta, suspenso do ombro direito por uma fíbula de oiro, gorjeira de topázios e berilos que luziam como sóis, e doidejava-lhe acima dos cabelos um penacho tremulante e furta-cores de gemas de aljofres. De envolta fraldejavam belas capas de pano ingrês, gorras vermelhas, saios de bom ruão dos cavaleiros, zorames da famulagem...”

Seguiram ambos destinos diferentes. D. Paio encaminhou-se para Valdevez, onde o esperava dura peleja com os exércitos de Afonso VII. Iluminata tomou o rumo de Compostela. Durante a viagem, porém, a comitiva encontrou um velho e um jovem que seguiam idêntico destino, caminhando em míseras condições. Eram Beltrasanas e Banaboião que também se dirigiam em peregrinação a S. Tiago de Compostela na mira de indulgência plenária. Caminhavam a pé, sem comida nem sítio para dormir. Viviam das esmolas que o povo das diversas aldeias por onde passavam lhes dava porque deles se apiedavam ou trabalhavam nos campos, rachavam lenha, cavavam uma horta, malhavam uma eirada, cegavam feno, roçavam o tojo ou aqueciam um forno de pão para em troca lhes ser dada comida. Dormiam aqui e ali, ao relento, em estábulos estrebarias ou grutas. Além disso sofriam injúria e vitupérios de outros viandantes. Vendo-os em tal estado de abandono e tão cansados da caminhada e do trabalho que diariamente executavam, Iluminata apiedou-se deles e integrou-os na sua comitiva, não tanto por piedade do velho mas sobretudo por sedução pelo jovem. Como levava muitas mulas e jumentos de reserva, ordenou que dessem uma burra ao velho Beltrasanas e um robusto cavalo ao jovem Banaboião. Além disso passou a alimentá-los e a dar-lhes guarida em ricas tendas. Os servos de Deus bem recusavam o que Iluminata lhes oferecia, porque pensavam que tais luxos e requintes não eram agradáveis aos olhos de Deus Nosso Senhor e além disso excediam as exigências que haviam imposto à sua promessa. Mas era a nobre dama, Iluminata, esposa de D. Paio de Farroncóbias que ordenava e os servos de Deus tiveram que aceitar, passando a usufruir de tais luxos e conforto.

Fonte de Inspiração – Aquilino Ribeiro São Bonaboião Anacoreta e Mártir

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A RUA NOVA (FAJÃ GRANDE)

Sexta-feira, 24.01.14

Na década de cinquenta, a Rua Nova, relativamente, quer ao número de casas, quer ao de pessoas que nelas moravam, era a rua mais pequena da Fajã Grande, uma vez que possuía, apenas, quatro casas habitadas, nas quais moravam dezasseis pessoas. Lá bem no fundo da Rua Nova e já quase nas Furnas, morava o Urbano, com a mulher e quatro filhos: a Maria Teresa, o José, o Edmundo e o Antonino. O Urbano, para além de trabalhar nos campos, foi sempre muito dedicado ao mar e à pesca e durante muitos anos foi um notável baleeiro e primoroso executor de uma das mais arriscadas e arrojadas tarefas da caça à baleia, a de “trancador” ou arpoador. Também se distinguiu como jogador de futebol e foi um dos fundadores do Atlético Clube da Fajã Grande, em 1939. Numa casa em frente, mas alugada, morava o José Pereira, com a mulher e dois filhos. O José Pereira foi um dos melhores pescadores de sempre da freguesia. Era verdadeiramente um homem do mar e, durante muitos anos, foi ele quem abasteceu de peixe a maior parte da população da Fajã Grande. Tinha uma lancha, era um excelente marítimo e um óptimo pescador, tendo também “arreado” durante várias épocas à baleia, exercendo a função de mestre de lancha, no gasolina “Sta Teresinha” que durante anos e anos ficou ancorada no Poceirão, do Porto Velho, a fim de, após o foguete lançado pelo vigia, puxar os botes para o mar alto, dar-lhes apoio durante o tiroteio da caça à baleia e arrastar, posteriormente, os cetáceos, já mortos, para a fábrica de óleo do Boqueirão, em Santa Cruz. Mais adiante e numa casa um pouco isolada vivia sozinha a senhora Josefina Greves, pessoa muito discreta, sensata e muita amiga de todos com quem por ali passava. Um pouco ao lado, na única travessa que a Rua Nova tinha, vivia o António Lourenço, irmão do Urbano e casado com a Marquinhas do Carmo, na companhia dos quatro filhos: o José, a Ema, o Lucindo e o Antonino. O António Lourenço era pessoa extremamente solícita, de tacto muito agradável e atencioso, foi director da Sociedade, cabeça de festas e do Fio. A esposa exerceu durante muitos anos a honrosa função de parteira da freguesia, sempre com uma dedicação e um êxito notáveis. Além disso exercia também a função de enfermeira e até de “médica”, tratando todos gratuitamente e sem distinção, quer os que a procuravam na sua própria casa, quer deslocando-se às casas dos que a não podiam procurar, mas necessitavam dos seus cuidados. E ficava por aqui a população residente na Rua Nova.

No que ao seu traçado dizia respeito a Rua Nova era a mais larga e uma das que possuía melhor piso na Fajã. Como o seu nome indica, muito provavelmente teria sido uma das últimas ruas da freguesia a ser construída, por isso mesmo mais cuidada e talvez mesmo mais moderna. A rua iniciava-se no cruzamento com a Rua Direita, frente à casa de Josézinho Fragueiro e era ladeada, logo no início pelas moradias do José Nascimento e do Afonso das Tomásias, porém quer uma quer outra, tinham a porta principal voltada para a Rua Direita. Depois prolongava-se numa recta até um dos mais belos e emblemáticos edifícios da Fajã Grande – a casa do Guarda Furtado. Tratava-se e um enorme casarão, com uma torre na parte superior que estava desabitado, no entanto, por vezes era arrendada. Ainda em plena época de cinquenta foi alugada pelos empreiteiros que vieram construir a estrada entre o Porto da Fajã e a Ribeira Grande e, no início da época de sessenta, pelo novo pároco, o padre José Gomes, uma vez que a paróquia não lhe disponibilizava passal. Frente a esta casa havia uma outra casa, cujo terreno onde se situava, mais tarde, deu origem à nova escola, A rua continuava, formando uma ampla curva em frente à casa da senhora Josefina Greves, prolongando-se, de seguida, novamente em recta, indo terminar no caminho que dava para as Furnas.

Como as casas eram relativamente poucas, quase toda a rua era ladeado por campos de cultivo, todos de grande produtividade. Talvez por isso é que esta era uma das ruas por onde também transitava a procissão das Rogações, realizada por altura das têmporas de Setembro para abençoar e aumentar a produtividade dos campos, ou para, em tempos de seca, implorar a bondade divina, a fim de que concedesse a chuva necessária.

Recentemente foi atribuída a esta rua o nome de “Rua Mariquinhas do Carmo”.

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publicado por picodavigia2 às 11:08

DÚVIDAS

Sexta-feira, 24.01.14

Durante o ano havia várias festas na vila. A maior era a festa em Honra do Divino Salvador. É que para além das celebrações religiosas havia muitas outras actividades que Mariana adorava. Na feira eram os carrosséis alguns destinados apenas às crianças, os artesãos expondo uma grande variedade de produtos artesanais e as barracas das farturas e de comes e bebes que proliferavam por toda a parte. A vila engalanava-se toda com bandeiras, luzes, arcos e balões. No domingo eram as celebrações litúrgicas que tinham lugar de realce. De manha missa cantada com sermão, com a Matriz a abarrotar de gente e de calor. À tarde era a procissão. Mariana adorava-a. A avó Leocádia, prevendo alguns problemas a quando do seu nascimento, prometera que, logo que a menina andasse pelos seus pezinhos, havia de ir todos os anos, na procissão, vestida de anjinho. A mãe esmerava-se na preparação das roupitas. Faltasse tudo lá em casa, mas promessa era promessa e, por isso, a roupa que a menina vestiria para a procissão do Divino Salvador nunca havia de faltar.

Os domingos eram dias diferentes, mas apenas da parte da manhã. As tardes, porém, eram ainda de mais labuta do que os dias de semana. Os pais reservavam para as tardes domingueiras os trabalhos mais leves mas considerados necessários. O pai dava feno e erva ao Lavrado, ordenhava a cabra e apanhava os legumes enquanto a mãe tratava do porco e dava uma barrela à casa.

Este trabalho contínuo, persistente e sem futuro começava, por vezes, a indignar o pai da Mariana. Aquilo era uma vida miserável. Trabalhava-se, trabalhava-se para ter apenas o sustento de cada dia. Por várias vezes ensaiara algumas tentativas de arranjar emprego nalgumas fábricas de móveis, que começavam a surgir por ali. Mas não tivera sorte, nunca fora admitido por falta de qualificação. É verdade que já lhe tinham oferecido emprego em Valongo e até no Porto, mas recusara-os. Os transportes eram muito caros e demorados, obrigando-o a sair alta madrugada e regressar a casa pela noite dentro. Assim ficava totalmente impossibilitado de continuar a trabalhar o campo e a Teresa sozinha e com as crianças muito pequeninas não podia atender a tudo. Além disso os ordenados propostos eram muito baixos, quase nem chegavam para os transportes.

Mas a ideia de abandonar a agricultura e mudar de vida nunca saiu por completo do pensamento do pai da Mariana. Muitas vezes, à noite juntamente com a mulher, quando as crianças já dormiam, lamentava aquela vida árdua e cansativa, sobretudo para ela. Não fora para aquilo que a tirara de casa dos pais, da Tornada, lá nas Caldas da Rainha. E os filhos? Que futuro lhes preparava? Continuarem ali, agarrados à rabiça do arado ou ao cabo da enxada para ter apenas um caldo de couves e um bocado de broa ao fim do dia? Não, não podia ser assim. Tinham que pensar em mudar de vida, em construir um futuro melhor sobretudo para os filhos. Para isso tinham que se aventurar.

A mulher bem o tentava demover lembrando que não estava nada incomodada com aquela vida. Casara com ele por amor e era por amor que tinha deixado os seus pais e tinha saído das Caldas. Além disso estava habituada à vida do campo. Também na Tornada, desde que terminara a quarta classe, sempre se habituara ao trabalho agrícola, ajudando os pais nas lides agrárias e que a mãe lhe estava sempre a dizer que ela não nascera para princesa.

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publicado por picodavigia2 às 10:46

PALAVRAS, DITOS E EXPRESSÕES UTILIZADOS NA FAJÃ GRANDE (XI)

Sexta-feira, 24.01.14

Abelhudo – Teimoso.

Ablorado – Que tem bolor, bolorento. Dizia-se do pão quando já estava velho, devendo ser estufado.

Abobra-menina – Abóbora acastanhada por fora, redonda e achatada.

Acalcado – Muito cheio.

Adanar – Nadar.

Afelegir – Afligir, preocupar.

Aferradela – Dentada de animal (gato ou cão).

Agarrado ao dinheiro – Avarento, forreta.

Agora cá – Não, de maneira nenhuma.

Aguentar-se nas canetas – Estar em pé.

Aivecas – Braços.

Alfeiro – Gado que não dá leite.

Aliviar o luto – Começar a usar roupas de cores.

Alma-do-diabo – Mau, maldito.

Alumiar – Iluminar.

Amigos c’ma porcos – Muito amigos.

Amouchado – Abatido, abaixado.

Arcada – Pedaço de arame retorcido preso no focinho dos porcos para que não fossem.

Asseado – Muito bom. Perfeito.

Abafado ou atabafado – Tempo húmido e quente.

Atarrachar – Aparafusar.

Atilho – Atacadores dos sapatos. Cordão ou fio grosso.

Atiradeira – Corda com que se prende o gado ao lavrar para os conduzir no rego.

Ave d’agoiro ou ave agoirenta – Pessoa que habitualmente dá más notícias.

Barriga de bichas – Barrigudo, que tem barriga grande.

Dar água pela borda – Estar aflito. Ter uma tarefa difícil de realizar.

Dar o fanico – Desfalecer, desmaiar.

Dar tafulho – Conseguir dar arranjo ou conserto a algo. Arranjar. Consertar.

Engatar – Conseguir, arranjar.

Engatar uma monça – Arranjar uma namorada.

Espertalhote – Coelho.

Estar acabado – Envelhecer.

Estar a estudar a tabuada – Dizia-se das vacas que estavam num campo ou relva e tinham pouco ou nada que comer.

Falar devagar – Falar em voz baixa.

Forrada de luto – Diz-se de mulher que veste totalmente de preto.

Fotaventage – O que fizeste não tem grande mérito.

Home e antão – O que aconteceu.

Lambuzar – Comer de maneira desajeitada e suja.

Mal ságuentar im pé – Estar fraco.

Máquina – Desnatadeira ou o local ou casa onde existia a desnatadeira.

Matar o desconsolo – Consolar-se em comer algo que já não se prova há muito tempo..

Moenda – Saco de farinha cheio de milho ou farinha. (Geralmente eram utilizadas as sacas das encomendas vindas da América).

Moirão – Peça de ferro enfiada no meio da eira, à volta da qual rodava o trilho.

Parece que tens azougue no corpo – Nunca estás quieto ou parado.

Parece que tens bicho-carpinteiro – Não estás quieto um instante.

Peixão – Mulher bonita e atraente.

Seja p’la tua saúde – Forma de agradecimento. Obrigado.

Seja p’l’alma dos teus - Forma de agradecimento. Obrigado.

Semenino – Fraquinho, magrinho.

Tainque – Tanque, local onde as vacas bebiam água.

 

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publicado por picodavigia2 às 09:31

O NAUFRÁGIO DO PADRE ANTÓNIO VIEIRA AO LARGO DAS FLORES E DO CORVO

Quinta-feira, 23.01.14

É por de mais conhecida a passagem pelos Açores do grande orador e escritor português, o padre António Vieira. Esta presença de Vieira, nalgumas ilhas açorianas, verificou-se no ano de 1654 e terá sido meramente casual, pois aconteceu devido a um naufrágio de que foi vítima a embarcação em que viajava, oriunda do Brasil e com destino a Lisboa. Mais curioso ainda é o facto daquele naufrágio se ter verificado relativamente perto das ilhas do grupo ocidental açoriano – Flores e Corvo, embora aquele célebre orador, ao que se crê, não tenha aportado a nenhuma destas ilhas.

Reza a história que, algum tempo depois de proferir o mais que conhecido "Sermão de Santo António aos Peixes" em São Luís, no estado do Maranhão, no Brasil, o padre António Vieira embarcou, às escondidas das autoridades e dos brancos, a 17 de Junho de 1654, com destino a Lisboa, a bordo de um navio da Companhia de Comércio, que carregava açúcar do Brasil para a Metrópole. No entanto, o padre António Vieira só chegou a Lisboa em Novembro do ano seguinte, depois da mais tormentosa de todas viagens que alguma vez realizou. O padre António Vieira vinha em missão diplomática, cujo objectivo era defender, junto do rei de Portugal, D. João IV, os direitos dos indígenas, escravizados pela ganância e pela cobiça dos colonos portugueses. Após cerca de dois meses de viagem, já à vista das ilhas das Flores e do Corvo, a Oeste dos Açores, abateu-se sobre a embarcação em que viajava o ilustre orador, uma violenta e terrível tempestade. Uma rajada mais forte de vento terá arrancado uma das velas, deixando a embarcação à deriva. No meio do mar revolto, entre um vento fortíssimo e ondas altivas, na iminência do naufrágio, o padre António Vieira cuidando que a embarcação não resistiria à tormenta, concedeu a todos os tripulantes e outros passageiros a absolvição geral, bradando: "Anjos da guarda das almas do Maranhão, lembrai-vos que vai este navio buscar o remédio e salvação delas. Fazei agora o que podeis e deveis, não a nós, que o não merecemos, mas àquelas tão desamparadas almas, que tendes a vosso cargo; olhai que aqui se perdem connosco."

Após essa exortação, todos fizeram em conjunto, a Nossa Senhora a promessa que lhe rezariam um terço todos os dias, caso escapassem à morte, por demais, iminente. O navio permaneceu adernado durante mais um quarto de hora, até que os mastros se partiram. Felizmente e com o peso da carga, o navio voltou à sua posição normal, mas permanecendo à deriva, ao sabor do vento, das ondas e das correntes, durante algumas horas.

No entanto, uma embarcação passou por ali e, vendo-os, aproximou-se. Por azar dos azares, tratava-se de um navio de piratas holandeses que tudo saquearam e deixaram Vieira e os companheiros sem roupas e sem bens. Mas como que por milagre, os piratas, acabaram por condoer-se dos náufragos e recolheram-nos, mas afundaram a sua embarcação. Nove dias mais tarde, consta que todos os tripulantes, despojados de seus bens pessoais, foram desembarcados, às escondidas e em lugar ermo, na ilha Graciosa, onde o padre António Vieira, com o auxílio dos religiosos da Companhia de Jesus, procurou providenciar roupas, calçado e dinheiro para todos, durante os dois meses que permaneceram na ilha, após os quais, seguiram para Terceira, onde Vieira pretendia arranjar uma embarcação para que ele e os seus companheiros de infortúnio pudessem seguir para Lisboa. Em Angra, o padre António Vieira ficou instalado no Colégio dos Jesuítas, onde permaneceu algum tempo. Foi durante o tempo que permaneceu em Angra que terá instituído a devoção do terço, que pela primeira vez foi cantado na Ermida da Boa Nova. Além disso foi muito solicitado a pregar em diversos templos da ilha, destacando-se o sermão que proferiu na Igreja da Sé, na festa da Senhora do Rosário. Consta que a catedral se encheu de fiéis como nunca, embora sem presença de bispo diocesano, pois, nesses anos, entre os governos de Dom Frei António da Ressurreição e Dom Frei Lourenço de Castro, a sede da diocese estava vacante.

Uma semana mais tarde, Vieira passou à Ilha de São Miguel. A sua estadia em Ponta Delgada também ficou historicamente ligada à pregação, na Igreja que os Jesuítas possuíam nesta cidade, a igreja de Todos os Santos, do memorável sermão em louvor de Santa Teresa. O estilo vigoroso e inconfundível que o celebrizou como pregador encontra-se bem visível neste sermão, onde também é comentado o naufrágio de que fora vítima, meses antes, fora da ilha das Flores, em metáforas que apelam, com veemência, à emoção. Vieira inicia o sermão com a citação da passagem evangélica das dez virgens: “Quinque autem ex eis erant fatuae, et quinque prudentes”. E depois continua: “Acaso, e bem acaso, aportei às praias desta ilha; acaso e bem acaso entrei pelas portas desta cidade; acaso e bem acaso me vejo hoje neste púlpito, que é verdadeiramente o poço de Sicar, onde se bebem as águas da verdadeira doutrina”.

Logo a seguir refere-se ao naufrágio, explicando-o com uma passagem do Antigo Testamento: “Por certo que não foi tão grande a tempestade de Jonas como aquela em que eu e os companheiros nos vimos. O navio virado no meio do mar, e nós fora dele, pegados ao costado, chamando a gritos pela misericórdia de Deus e de sua Mãe. Não apareceu ali baleia que nos tragasse, mas apareceu — não menos prodigiosamente naquele ponto — um desses monstros marinhos que andam infestando estes mares. Ele nos tragou, e nos vomitou depois em terra”.

Dali o padre António Vieira partiu para Lisboa, a bordo de um navio inglês, onde chegou em Novembro desse ano, curiosamente, após atravessar nova tempestade.

 

Dados retirados da Internet

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publicado por picodavigia2 às 20:47






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