PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
O NAUFRÁGIO DA MODENA E A PEDRA DE LANG
Nos anos cinquenta, na Fajã Grande, ouvia-se contar, com alguma indefinição e muito vagamente, a história de uns náufragos que tinham sido abandonados na ilha das Flores, mais concretamente na Fajã do Conde, lá para os lados da Caveira e Santa Cruz. Mas muito pouco ou quase nada se sabia acerca do que teria acontecido nesse naufrágio, como e porque tinham sido ali abandonados os náufragos e o que lhes teria acontecido posteriormente.
Mais tarde veio a descobrir-se que, na realidade, naquele aprazível lugar da Fajã do Conde, junto à Ribeira da Cruz, entre uma densa e verdejante vegetação, existia um bloco de pedra, de forma mais ou menos cúbica, que há muitos anos ali havia sido colocado e que continha gravadas algumas informações importantes sobre o suposto naufrágio e os seus intervenientes. Descobertas e investigações posteriores, confirmaram que nessa pedra se podia observar a seguinte inscrição:
“CAPT. W. H. LANG / AND 11 MEN / LANDED MAY 5 73 / FROM BARK MODENA / OF BOSTON MASS. FOUNDERD / APRIL 22”
Hoje, sabe-se que esta enigmática inscrição se ficou a dever ao facto de a tripulação de uma embarcação americana – registada em Boston pelos proprietários J. Rideout e H. O. Roberts, com o nome Modena, de 206 toneladas – que, quando se viu em apuros enquanto navegava nos mares das Bermudas, foi socorrida por uma outra embarcação, cujo nome se desconhece. A Modena tinha saído da Serra Leoa e dirigia-se para Boston, na costa leste dos Estados Unidos da América. No dia 9 de Março de 1873 aportou na Bermuda, onde fez escala, permanecendo aí até ao dia 15 de Abril. Uma semana depois de ter levantado ferro, a 22 de Abril, a referida embarcação defrontou-se com alguns problemas de segurança e o seu comandante, o capitão W. H. Lang, ordenou o seu abandono, tendo-se a afundado, algum tempo depois, nas águas do Atlântico, entre as Bermudas e Boston. Depois de alguns dias à deriva, o capitão Lang e os restantes onze tripulantes foram encontrados e recolhidos, já perto dos Açores, por um navio que navegava entre a América e a Europa. Era necessário colocar os náufragos em sítio seguro e a primeira terra avistada foi a ilhas das Flores, no extremo ocidental do Arquipélago dos Açores, onde no dia 5 de Maio, foram “depositados”, os náufragos, precisamente, no local conhecido por Fajã do Conde.
A barca Modena tinha sido construída em Duxbury, Massachusetts (EUA), no ano de 1851. Mas relativamente à presença dos náufragos na ilha das Flores, o único documento conhecido é, apenas esta interessante inscrição, registada numa pedra, actualmente conhecida como a “Pedra de Lang”, mas só descoberta por Celestino Flores em 1962 e decifrada, anos mais tarde, por Jacob Tomás. Até ao momento não se encontrou qualquer outro registo que permita identificar e conhecer melhor o destino destes homens, nem sequer a sua identidade e que devem ter permanecido na ilha durante algum tempo, aguardando transporte para as suas terras de origem.
A maçonaria tem divulgado este curioso acontecimento, porquanto considera o capitão W. H. Lang um maçon, o que se deduz pelo facto de, aparentemente, existir um esquadro e um compasso gravados na pedra, logo abaixo do nome de Lang. No entanto, cuida-se que estes símbolos não serão fidedignos, por quanto nunca foram reconhecidos nem pelos historiadores nem pelos curiosos que descreveram e opinaram sobre a inscrição registada na chamada “Pedra de Lang”, da Fajã do Conde.
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A SALA DO SENHOR ERNESTO
A sala da casa de habitação do Senhor Ernesto, em Ponta Delgada, nos meus recuados tempos de criança, pese embora fosse típica da casa rural açoriana daquela altura, era dum tamanho descomunal, duma imponência impressionante e duma grandiosidade quase rara. Com uma porta de entrada, a comunicar com um enorme pátio, de pedra negra e carcomida pelo tempo e quatro janelas de guilhotina, com enormes vidros, separados uns dos outros por taliscas de madeira, pintadas de branco e fixados com massa de vidro esbranquiçada, tinha um ar soturno, emanava uma penumbra perturbante e exalava um cheiro bafiento e desconcertante. No interior, amplo e claro, a mobília tradicional: num canto, uma cómoda que continha, para além duma grande quantidade de fotos a antigas, um cadeeiro a petróleo e um oratório repleto de pequenas imagens de santos, com velas e luzinhas à volta e com pagelas nos bordos. Nas paredes, uma pintura do Sagrado Coração de Jesus e uma outra de Maria, um quadro de São Pedro a erguer as chaves do Céu e algumas fotos de homens de bigodes farfalhudos, trajes estranhos, com laços a apertar-lhe os pescoços e mulheres de mantinho na cabeça. Várias cadeiras ao redor da sala e num outro canto, um enorme cadeiral de vimes, no qual, habitualmente, estava sentado o dono da casa. Ao lado a esposa, a senhora Josefa, a dormitar, numa palidamente envernizada cadeira de balanço.
Embora, meu pai batesse de leve à porta, a senhora Josefa acordou. Um pouco espantada, chamou de imediato:
- Muda! Ó Muda! Parece que estão a bater à porta. Despacha-te mulher! Ai meu Sagrado Coração de Jesus! Esta Muda nunca me ouve.
- Ó mulher, como queres que ela te ouça se é surda? Vá lá tu abrir a porta… Anda lá.
Como meu pai continuasse a bater, embora levantando-se, a muito custo, a senhora Josefa veio abrir a porta, cramando impacientemente:
– Ai este meu reumatismo… Esperem que já lá vou!... E aquela Muda que está cada vez mais surda. E eu aqui já sem poder fazer nada e a ter que fazer tudo… O Sagrado Coração de Jesus tenha compaixão de mim. – E como meu pai continuasse a bater, ela caminhando na direcção da porta de entrada, lá ia suplicando: - Esperem!... Esperem! Jesus! Credo! Parece que querem rebentar a porta! Já lá vou. Louvado seja o Santíssimo Sacramento.
– Ó mulher, despacha-te e deixa-te de rezas… Só rezas e jaculatórias! Vá lá ver quem é.
Destrancando a porta e levantando-lhe o “picaporte”, dona Josefavoltou-se para o marido, admirada:
- Temos visitas! É gente da Fajã! É o teu amigo António, com um dos pequenos.
- Ó mulher, e tu de que estás à espera?! O meu amigo António!? Manda-o entrar imediatamente, que me custa levantar.
Meu pai entrou e eu, tímido e hesitante segui-o. Entrar ali, na sala do Senhor Ernesto, era como se entrasse uma igreja e o senhor Ernesto fosse Deus.
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NO CENTENÁRIO DO NASCIMENTO DO PADRE FRANCISCO VITORINO VASCONCELOS
Hoje, dia 2 de Julho, faz cem anos que nasceu na freguesia da Lomba, concelho de Lajes, ilha das Flores, o Padre Francisco Vitorino Vasconcelos, professor do Seminário de Angra durante 21 anos e pároco de Santa Cruz das Flores cerca de duas décadas e meia. Fui seu aluno durante dois anos.
Vitorino Vasconcelos fez os seus estudos primários na escola da sua freguesia, sendo dos poucos alunos que, na altura, na ilha das Flores, teve o privilégio de fazer o exame final, na altura 3ª classe, tendo para tal, que se deslocar à vila de Santa Cruz. Esse exame, no entanto, era condição necessária para prosseguir os estudos, o que permitiu ao jovem Francisco, já com quinze anos, ingressar no Seminário de Angra do Heroísmo, onde, segundo rezam as crónicas, terá sido um aluno brilhante, sobretudo na área das ciências geográfico-naturais, pelas quais sempre manifestou grande paixão e interesse.
Ordenado sacerdote, em Junho de 1937, na Sé Catedral da Angra do Heroísmo, celebrou a Missa Nova na freguesia da Lomba, algum tempo depois, sendo, nesse mesmo ano, nomeado Prefeito dos “Miúdos”, no Seminário de Angra, passando a leccionar, no mesmo estabelecimento, as disciplinas de Físico-Química, Ciências Naturais e Latinidade. Durante alguns dos anos que viveu no Seminário exerceu, em simultâneo, o cargo de vigário cooperador da paróquia da Conceição, da mesma cidade.
No Seminário dedicou-se ao estudo, à investigação e ao ensino, sendo também o responsável pelo laboratório, cujas instalações funcionavam na sala oito, junto à Biblioteca. O padre Vitorino revelou-se, sempre como um estudioso e um investigador de grande capacidade e conhecimentos, dedicando a essas actividades um dinamismo invulgar, uma paixão contínua e uma entrega permanente. Pessoalmente, tive o privilégio de ser seu aluno e pude aperceber-me como ele se esforçava por, através do estudo, da observação e da experiência, melhorar os seus conhecimentos e a sua cultura, para assim melhor os transmitir aos alunos. Era também um apaixonado pela fotografia que guardava sob a forma de diapositivos, fruto da pesquisa e observação realizadas durante vários anos, como entretenimento nas suas horas vagas e com os quais enriquecia as próprias aulas
Apesar de ter voz monótona e ser pouco cativante na sua forma de expor, preparava muito bem as aulas, demonstrava os postulados com experiências diversas, dominando com profundidade a matéria que se propunha transmitir. Era também um bom orador, sendo muito solicitado pelos párocos das Flores, nas férias de Verão, para pregar nas várias paróquias da ilha, sobretudo por altura das festas. Preparava com cuidado e esmero os sermões que proferia, utilizando linguagem erudita e cuidada mas simples e adequada.
Em Junho de 1962, depois de intensa e profícua actividade ligada ao ensino no Seminário Diocesano, foi colocado como pároco da Matriz de Santa Cruz das Flores onde, apesar de cansado e doente, assumiu ainda o serviço sacerdotal da paróquia da Caveira e do curato da Fazenda de Santa Cruz, exercendo durante alguns anos o cargo de Ouvidor Eclesiástico, passando também a leccionar no Externato da Vila as disciplinas de Físico-Químicas e Ciências Naturais.
Segundo o testemunho de alguém que, como eu, também lidou de perto com ele: “O padre Vitorino era obstinado, mas inteligente e comunicativo, mostrando-se sempre disposto ou mesmo entusiasmado nos ensinamentos que a sua elevada cultura lhe permitia transmitir. Fazia-o discreta e habilmente, mesmo nas ocasiões em que entendia serem esses ensinamentos úteis ou necessários, sem que tivessem de lhos pedir. Bastava-lhe compreender que o seu interlocutor os desejava receber ou que os desconhecia e que os mesmos lhe poderiam ser úteis.”(1)
Cansado, doente, envelhecido e amargurado, em Agosto de 1987, abandonou o pastoreio na paróquia de Santa Cruz e fixou-se em Angra do Heroísmo, passando a residir em casa de um sobrinho, onde veio a falecer com 79 anos de idade em 10 de Dezembro de 1991.
Tive oportunidade e o privilégio de, em jovem, conviver com ele, nas aulas, como seu aluno e fora das aulas, como amigo e conterrâneo, tendo inclusivamente estabelecido sempre com ele relações de amizade, de consideração e de estima recíproca. Disponibilizou-me sempre, tanto como professor, tanto como amigo, um carinho e uma atenção, muito especiais, talvez por sermos da mesma ilha. Nesses contactos, fui testemunho da sua jovialidade, do seu espírito jocoso e de fina piada, assim como duma elevada cultura de que era detentor. Como sacerdote viveu, essencialmente, para servir e ensinar, prestando assim relevantes serviços à Diocese de Angra e aos Açores.
Agora e por altura do centenário do seu nascimento, creio que lhe deva ser prestada, por quem de direito, a justa homenagem que merece, pese embora a Junta de Freguesia da Lomba, já tenha atribuído o seu nome ao largo fronteiriço à igreja.
(1) – Testemunho de José Arlindo Armas Trigueiro in “Florentinos que se Distinguiram”.
Texto publicado no Pico da Vigia, em 02/07/12
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ACHA E MARIA
“A acha sai à facha e a Maria à sua tia.”
Este é um dos muitos interessantes adágios fajãgrandense, embora o seu conteúdo seja um pouco enigmático, sobretudo ao significado dado aqui à palavra “facha”, que neste caso creio que deve ser entendia como o pau ou a árvore de onde a “acha” é retirada ou cortada. Assim, parece plausível, concluir-se com este provérbio se queira significar que assim como um simples pedaço de madeira, mesmo depois de cortado, mantém as características da árvore que o originou, também as pessoas herdam as características dos seus familiares, incluindo os mais afastados, como é o caso dos tios. Creio que seria usado em casos de se querer justificar o comportamento de alguma rapariga, trazendo â memória o de alguma das suas tias.
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UM SOLIPSISTA GIMNOSOFISTA
Chegou numa manhã, cálida, fulva e etérea de Outono e era um viajante solipsista, misterioso e invulgar. Solipsista porque era filósofo e, vivendo em solidão absoluta, defendia o seguinte aforisma: “nada existe fora do pensamento individual, tudo aquilo que o ser humano julga perceber não passa de uma espécie de sonho que se tem transitoriamente”. Misterioso porque envolto em enigmas e incongruências transcendentes. Invulgar porque era, simplesmente um anão. Vinha de longe, de muito longe e cuidava que existia apenas um Eu que comanda o Mundo, que é controlado consciente ou inconscientemente pelo Ser. Devido a isso, a única certeza de existência que tinha era a de que o pensamento é instância psíquica que controla a vontade. O mundo ao redor é apenas um esboço virtual do que o Ser imagina. Além disso considerava que o corpo do próprio Ser era algo virtual, pois tudo é uma reprodução, uma vez que não se pode ter confiança nos sentidos mas apenas nos pensamentos, como fonte de certeza de existência.
Percorrera mares, andurriais e páramos, suportando tempestades e procelas, saltando montanhas de espuma e de submissão, sentando-se à sombra de árvores sem folhas e sem esperança, perdendo-se ininterruptamente em ilhas desertas e em oásis mistificados. Atravessara, com extenuante lucubração, um grande e tórrido deserto, com rios de fogo e pináculos de estranha adoração, onde se perdera e onde, simultaneamente, enlapara muitos dos seus sonhos e fantasias. Mas trazia consigo a experiência da liberdade, a fragrância da dignidade, a auréola da fraternidade, a estranheza da sublimidade e do amor, sobretudo do amor. Sonhava que as estrelas eram de prata, e que para além de cada oceano, havia sempre um outro mar. Ensinava que as nuvens quando se desfazem não pretendem apenas jorrar sobre os mortais a incomodidade da chuva, pelo contrário, solidificam o insustentável desmoronar da humanidade. Aprendera nos campos e nos bosques e estudara com as flores e os pássaros. Acolhia com sorriso as manhãs sombrias, escuras, enevoadas e chuvosas. Era amigo da esperança e das florestas. Pernoitava nos bosques, ao relento, dialogando com o destino e com a solidão. Alimentava-se do perfume das flores e dos frutos. Possuía um coração com aromas de alecrim e sabor a hortelã. Mas tinha um grande defeito: dependia total e exclusivamente do Sol, para quem olhava constantemente, sonhando poder, um dia, voar ao seu encontro.
Mais! Para além de solipsista também era gimnosofista, o anão. Pois vivia permanentemente nas florestas, abstraído das multidões, convivendo com a frescura e a mansidão dos bosques. Considerava a "noite" como a origem de todos os males e produtora de todas as limitações, e a "escuridão" a filha única da ignorância universal. Cuidava ele, solipsista e gimnosofista, que a fuga a estas maléficas divindades – noite e escuridão - se adquire através da sabedoria, filha da claridade, mas que permanece afastada do ser humano e quase inatingível pela sua mente, porque libertadora de sucessivas, contínuas e constantes migrações, e que consiste, apenas e simplesmente, na capacidade equívoca de fugir aos pesadelos escuros e tétricos da nossa existência atormentada. Isto apenas se consegue mediante um isolamento total e uma entrega às "hamadríades", ou seja, às ninfas dos bosques, que nascem simultaneamente com as árvores, nunca se desvinculando das mesmas, vivendo e morrendo com elas. A vida duma árvore ninfada ou duma ninfa arborizada é, no entanto, perene e infinita, porque umas e outras dependem da única fonte de vida do universo - o Sol. Por essa razão, o solipsista anão entendia, que as árvores nunca deviam ser destruídas, pois o aroma das suas folhas, o perfume das suas flores e o sumo dos seus frutos constituem o alimento primordial e único de todo a raça carracena, pelo que a vida depende, necessariamente e em último grau, da luz emanada pelo astro-rei. Este é um armazém infinito de poder e beleza, receptor tranquilizante de todas as inquietudes. Somente através dele é possível atingir a sublimação da beleza absoluta e, consequentemente, atingir a simplicidade. Assim toda e qualquer oposição à força e à beleza solar devia ser eliminada.
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LOGRO OU MALÍCIA
Texto publicado no Pico da Vigia, em 04/04/12, em virtude de fenómenos estranhos que aconteciam ao meu blogue anterior, com suporte noutra plataforma:
“Estranhamente o acesso a este blog “Pico da Vigia”, através do site de busca Google está rigorosamente ameaçador, com o seguinte aviso: “se visitar este Web site poderá danificar o computador!”, o que faz com que naturalmente dele se afaste qualquer dos seus frequentadores habituais ou quem a ele queira aceder pela primeira vez. Por isso mesmo o número de visitantes tem descido substancialmente.
Ora acontece que este aviso é uma verdadeira fraude, uma vez que blog não foi infectado por nenhum tipo de vírus malicioso, pelo que a entrada no blog se pode fazer à vontade, sem nenhum tipo de problema, quer através de outros sites de busca, como por exemplo o “altavista” http://www.altavista.com/ ou seguindo outra hiperligação disponível em que o URL http://picodavigia.blogs.iol.pt/ , esteja registado ou até nos favoritos de cada computador.
Desconhece-se a origem deste embuste e se se trata de facto de logro ou de malícia.
Já foi enviado um email à Google a saber o que se passava e a pedir para resolver o assunto. A resposta foi a seguinte: “Thank you for contacting us. This is an automated response confirming the receipt of your ticket. One of our agents will get back to you as soon as possible. For your records, the details of the ticket are listed below. When replying, please make sure that the ticket ID is kept in the subject line to ensure that your replies are tracked appropriately.” Só que após esta resposta, nenhum agente da Google enviou qualquer informação.
Estranho logro, perturbadora malícia, inquietante imbróglio.”
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A VIZINHA GLÓRIA JACOB
Para mim e para meus irmãos, que passávamos uma boa parte do dia na casa da minha avó materna, na Fontinha, os vizinhos dos meus avós também eram nossos vizinhos ou, pelo menos, assim os tratávamos. Curiosamente, eles também nos consideravam como tal. Não havia dúvida de que naqueles recuados tempos, o facto de as pessoas se tratarem por vizinhos, parecia que mais as agregava e mais as unia, conferindo-lhes uma maior disponibilidade para cultivarem mais acentuadamente uma boa dose de amizade recíproca.
Entre os vizinhos da minha avó, no entanto, havia uma senhora por quem eu tinha uma consideração, um respeito e uma amizade muito especial. Era a vizinha Glória Jacob. Este meu enlevo por ela, no entanto, não se devia, apenas, ao facto de ela ser minha vizinha, nem sequer por ela ser uma vizinha especial, ou seja, uma vizinha melhor do que as outras vizinhas, nada disso, mas simplesmente por que, segundo rezavam as crónicas da altura, fora ela que ajudara a minha mãe durante o meu nascimento, por outras palavras, fora a minha parteira.
Curiosamente eu decidi – se é que somos nós a deliberar estes momentos especiais da nossa vida – que havia de nascer no dia de Páscoa, altura em que a parteira “oficial” da freguesia, a senhora Mariquinhas do Carmo, se havia ausentado da Fajã Grande. Minha mãe, minha avó e minhas tias em grande aflição. Como havia eu de saltar cá para fora sem uma parteira experiente e credenciada, que ajudasse a minha mãe? Pois a vizinha Glória Jacob, destemida e valente que era, logo se prontificou para resolver o imbróglio, “assumindo o comando e chefia das operações”. Pelos vistos, fê-lo com mestria, competência e assinalável êxito, dado que dois dias depois, já passeava eu, na rua Direita, é verdade que ao colo da minha madrinha, na demanda do Baptismo. E assim a minha vizinha Glória Jacob granjeou fama e mereceu para sempre o reconhecimento da minha família e, mais tarde a minha consideração e amizade.
A minha vizinha Glória Jacob era, na realidade, uma mulher muito forte, trabalhadeira, possuidora de grande energia, executando todo o tipo de tarefas, não apenas as domésticas mas também as dos campos, acompanhando o marido, o senhor João Bizarro em todos os trabalhos agrícolas: cavar, lavrar, sachar, ceifar feitos e cortar lenha. Carregava molhos pesadíssimos às costas como se fosse um homem e era ela que muitas vezes tirava o esterco do palheiro do gado, também contíguo à casa da minha avó.
Teve quatro filhos, dois rapazes, o José e o João ambos eles, também, robustos, fortes e valentes, homens de muito trabalho, que mais tarde emigraram para o Canadá. As duas filhas, a Leonor e a Adelaide também sempre a ajudar a mãe nas lides do campo e sobretudo nos trabalhos domésticos.
Muitas vezes escapulia da casa da minha avó, descia a pequena ladeira que as separava e ia ter à casa da vizinha Glória Jacob, que sempre me recebia com muito carinho e amizade, outras vezes ficava sentado num pequeno pátio, altaneiro e voltado para o mar, sobranceiro à casa da minha vizinha e ficava a observá-la no seu vai e vem contínuo e permanente, de casa para a rua e da rua para casa, a lavar roupa, a secar milho, a varrer os pátios, a arrumar a casa, a tratar dos porcos ou, de latas em punho, a ir tirar o leite às vacas.
Creio mesmo que a minha vizinha Glória Jacob tinha um especial carinho por mim, uma vez que era eu que de alguma forma configurava toda aquela força, pujança, coragem e determinação que ela possuía e que havia demonstrado heroicamente a quando do meu nascimento.
Um pormenor muito interessante tinha a sua casa. A porta da cozinha era muito diferente das habituais portas das casas da Fajã Grande. Era uma porta de fero, pintada de cinzento, tendo apenas um pequeno vidro rectangular, na parte superior. Dizia-se que aquela porta tinha pertencido ao paquete inglês Slavónia, naufragado por fora da Costa do Lajedo, no dia 10 de Junho de 1909.
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PAI CRISTIANO
Todos os dias quando, no início do serão, terminava a reza do Terço e as invocações da Ladainha de Nossa Senhora, minha avó rezava um Padre-Nosso por alma de cada um dos nossos familiares falecidos, incluindo nessa lista, para além de meu avô, minha mãe, um irmão da minha mãe que havia falecido em criança e a que ela chamava José do Céu, seus pais e sogros, um tal Pai Cristiano, que considerava como seu pai adoptivo. Além disso, e para além desta oração diária, repetidas vezes, recordava com saudade, estima e muita consideração este quase mítico personagem, que aos poucos ia adquirindo forma e ocupando um lugar de destaque, relevo e de grande simpatia e consideração no nosso flutuante e imaginário universo de crianças ingénuas e inexperientes mas dóceis, inocentes e gratas.
A estória afinal era muito simples, idílica e enternecedora. Minha avó ficou órfã de mãe quando tinha apenas dois anos. Dispôs-se o pai, a criá-la, juntamente com os outros rebentos, no meio de grandes dificuldades e muitas limitações.
Certo dia, estava minha avó, na inocência e candura dos seus dois anos de idade, a brincar no pátio em frente à sua casa, no lugar da Cuada, onde nascera, quando passou por ali o senhor José Cristiano, pessoa bondosa e de grande reputação na freguesia. Conhecedor da situação do meu bisavô e das dificuldades que ele tinha, uma vez que era viúvo e vivia sozinho, em criar tantos filhos, propôs-lhe que lhe entregasse a menina a ele, que por sua vez, vivia só com a esposa Margarida, pois o seu único filho, falecera, recentemente, de uma queda que dera na rocha. Levá-la-ia para a sua casa, tratá-la-ia como se fosse sua filha e havia de lhe dar tudo o que ela necessitasse, incluindo uma boa formação humana e religiosa.
Meu bisavô hesitou. Nem por nada deste mundo se queria separar da pequena. Mas como o senhor Cristiano insistisse e lhe prometesse que havia de vê-la e tê-la consigo sempre que quisesse e entendesse, meu bisavô, a abarrotar de trabalhos, canseiras, de consumições e de pobreza, com falta de tempo e penúria de cuidados para dedicar aos filhos, anuiu de bom grado, pese embora tentasse disfarçar a dor de alma e as saudades que havia de sentir quando se separasse definitivamente da sua pequerrucha. E lá veio a Joaquinazinha, da Cuada para a Fajã, passando a viver, alegre e feliz, na casa de José Cristiano, na Fontinha, tratando-o, desde menina e durante toda a vida, por “Pai Cristiano”.
José Cristiano Ramos, filho de Manuel Cristiano Ramos e de Margarida de Jesus, nascera na Fajã Grande, na altura ainda um lugar da freguesia das Fajãs, em 1838, tendo casado, na igreja paroquial da Fajã Grande, localidade recentemente erecta paróquia, em 4 de Janeiro de 1968, com Margarida Jacinta, filha de João Jacinto Rodrigues e Catarina Maria. Consta que na realidade era um homem bom, trabalhador, sério e honesto, de muita fé e temente a Deus, frequentando a igreja e assistindo à missa diariamente, sempre disposto a partilhar os seus bens com os mais pobres e a disponibilizar ajuda aos mais necessitados.
Consta, também, que sempre tratou muito bem a minha avó, como se de uma filha se tratasse, fazendo dela, depois da sua morte, a herdeira de todos seus bens, a qual também sempre se referia a ele com muita estima e gratidão, considerando-como um pai de verdade
Pai Cristiano faleceu repentinamente quando se encontrava a trabalhar numa terra que possuía num local chamado Cabeço da Rocha, lá para os lados da Silveirinha. Terá sido vítima de um ataque fulminante. Foi Ti’Antonho do Alagoeiro que naquele momento, andava a sachar milho no seu cerrado das Queimadas, a uns bons metros dali, o foi socorrer, mas infelizmente quando se acercou dele já não o pode ajudar. Quando chegou ao Cabeço da Rocha, encontrou-o sentado sobre uma pedra, mas já morto. Essa pedra foi guardada ali, por meu avô e mais tarde por meus tios, como testemunho vivo de um nobre e digno cidadão. Nos meus tempos de criança, ainda lá existia. Ti’Antonho do Alagoeiro, apenas se limitou a transportá-lo às costas, através de veredas e canadas, até ao caminho da Silveirinha, trazendo-o para casa e entregando o cadáver à família. Foi tão grande o esforço despendido que, sofrendo de uma hérnia, esta lhe rebentou durante a caminhada, o que, apesar de tudo, não o impediu de carregar o cadáver aos ombros e o trazer até a casa.
Minha avó, após a morte de Pai Cristiano, manteve sempre dele uma lembrança bem viva, pois para além de tudo o que contava e recordava, atribuiu a dois dos seus filhos, nascidos depois da morte do seu pai adoptivo, os nomes dele e da esposa - Cristiano e Margarida.
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DESFOLHAR RAMA (DIÁRIO DE TI’ANTONHO)
Sábado, 14 de Setembro de 1946
“Esta noite deitei-me muito tarde, quase nem dormi, e também porque tive que me levantar muito cedo para ir ceifar e buscar um molho de erva à minha lagoa das Covas. As minhas vacas estavam sem comida… O tempo, ontem, esteve muito bom e a noite maravilhosa. Era noite de Lua cheia e era preciso aproveitá-la. Os trabalhos agrícolas devem ser realizados de acordo com as fases da Lua. Há umas luas boas para isto e outras para aquilo, por isso tinha que aproveitar esta Lua cheia para desfolhar o meu milho, além disso como a noite estava muito clara foi fácil fazer o trabalhinho. Felizmente, tive muitos amigos a ajudarem-me. Sozinho não conseguia fazer quase nada. Assim, juntamente com o meu compadre Joaquim e muitos outros amigos, aproveitei para, durante a noite, ir desfolhar a rama do milho do meu cerrado das Furnas. Quando as folhas e o caule do milho começam a alourar e quando as maçarocas principiam a ficar durinhas, resistentes à unha e com a casca amarelada é altura de quebrar as espigas. Mas isso, eu já tinha feito. Como precisava de comida para as vacas lá fui apanhando um molhinho de espigas hoje, outro amanhã e em poucos dias dei cabo delas todas. Mas quebrar a espiga também é uma arte, é preciso saber fazê-lo. Se se fizer bem feito é muito melhor para o milho, pois terá melhor qualidade. Primeiro não se deve quebrar espiga a eito, é preciso ir andando pelo terreno e descobrir quais os pés que já estão prontos para quebrar a espiga. Se não se quebrar a espiga na altura certa, podemos prejudicar ainda o crescimento e o amadurecimento da maçaroca e, consequentemente, dos grãos de milho. Além disso cada espiga ou pendão deve ser quebrada no nó certo e adequado, ou seja, pelo primeiro nó logo acima da maçaroca, devendo para tal obedecer a um toque ou movimento afoito, rápido, destemido e certeiro da mão. Hoje em dia, há muitos rapazes novos e modernos que têm a mania que sabem tudo, mas não sabem quebrar espiga. Se partirmos o milheiro por outro sítio, não o conseguimos quebrar à mão, é preciso usar uma navalha ou uma foice para o cortar. Há muitos rapazes novos que cortam a espiga com uma navalha. mas meu pai dizia que isso não era tão bom para o milho
Mas esta noite, aproveitando o luar, fui desfolhar o meu milho. Felizmente, tive muita ajuda e em poucas horas o milho do cerrado ficou todo desfolhado. Há dias atrás, tinha ido ali acima ao Outeiro, apanhar uma boa gavela de folhas de espadana. Pu-las ao Sol para secarem um pouco e depois cortei-as aos pedacinhos pequeninos, desfiei-os em tiras bem fininhas, amarrando-as em pequenos molhos, para que cada um os pudesse amarrar no suspensório ou a uma alheta das calças e assim dispor melhor das tiras para com as elas ir amarrando as pavias da rama. Depois de amarradas, as pavias são penduradas num ou noutro dos milheiros, junto à maçaroca, para que, sequem melhor. Com aquela gente toda aquilo foi rápido. Por volta da meia-noite o milho do cerrado estava todo desfolhado. Agora as pavias estão penduradas nos milheiros. É necessário esperar alguns dias, para que a rama seque. Daqui a dias com a ajuda da minha Maria hei-de recolhê-las. A minha Maria há-de as ir tirando dos milheiros e eu a fazer molhos que depois hei-de acarretar no corsão de canguinha puxado pela gueixa. Meu compadre Joaquim prometeu que o filho me havia de ajudar. Se assim for, tanto melhor. Como a carga, apesar de volumosa, é muito leve, não é necessário encangar uma junta e assim vou poupando as vacas leiteiras. Já se sabe que as vacas quanto mais trabalham menos leite dão. Mas hoje ainda vou voltar ao cerrado a fim de ver como é que aquilo ficou feito. Meu pai dizia que o que é feito de noite se vê de dia. É que desfolhar rama não é tarefa fácil, exigia-se que a folha seja arrancada do milheiro com a bainha, o que, sobretudo para os menos experientes é difícil e então de noite. Não me admiro até se um pé ou outro de milho não ficou por desfolhar… Mas eu tive bons desfolhadores e sei que fizeram o serviço bem feito. Alguns nem precisavam dos fios de espadana, conseguiam amarrar as pavias de folhas com uma outra folha.
A rama depois de seca e enxuta vai ser acarretada e guardada na minha casa velha, pois bem vou precisar dela para a alimentar o gado no Inverno, sobretudo nos dias de mau tempo durante os quais eu não puder ir buscar comida fresca às minhas terras.”
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APAGARAM-SE TODAS AS LUZES
Apagaram-se todas as luzes…
as do céu
e as da terra!
E agora?
A festa acabou,
a noite arrefeceu,
a mesa desfez-se.
Há crianças sem balões,
jovens sem alvoroços,
homens sem delineações,
velhos sem júbilo
Os sinos já não tocam,
os sorrisos não alegram
e a música não contagia.
o pão envolveu-se na cinza,
o vinho no engaço
e a fome na nudez.
As palavras são enganos,
os desejos utopias
e os encontros mitos.
E agora?
Que se apagaram todas as luzes
e a festa acabou?
Valerá a pena
gritar,
berrar,
chorar,
combater
protestar
gemer,
barafustar
insurgir-se
agastar-se
amotinar-se?
Talvez,
um dia,
todas as luzes voltem a acender-se…
mas… uma a uma…
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UM OVNI NA TERCEIRA
No final da década de sessenta do século passado, mais concretamente no Inverno de1968, o guarda Serafim Sebastião, encontrava-se de vigia às instalações militares "Azores Air Station", no lugar do Cabrito, Cinco Picos, na ilha da Terceira. Como o trabalho não era muito, Serafim entretinha-se, tranquilamente, a ouvir, na rádio, o relato de futebol entre o Setúbal e o Sporting, quando, de repente, deixou de ouvir o transístor. Serafim tentou sintonizar, de novo o pequeno aparelho, mas foram vãos os seus esforços: "não ouvia nem aquela nem nenhuma outra estação de rádio”, pelo que desligou o aparelho. Eram nove horas da noite.
De repente, Serafim, que se encontrava ali sozinho, sentiu um "zumbido" estranho. Saiu para fora do paiol e viu, do lado esquerdo do posto onde se encontrava, um objecto estranho a aproximar-se. Regressou ao interior das instalações e, via telefone, comunicou, aos seus superiores, o que acabava de presenciar. Pediram-lhe que confirmasse a informação e ele voltou a sair, informando, novamente, que uma “grandessíssima claridade entrou pela janela dentro; claridade, essa, que era muito forte, de uma luz clara e, então, pedi que viessem quanto antes para cima”. Desligou o telefone, voltou a sair e pode, então, ver que aquela estranha claridade e o objecto donde emanava estavam parados sobre o posto de munições à face do paiol. Observando melhor, verificou que a claridade saía de um objecto oval, de aspecto metálico, com uma torre de vidro, a que estavam encostados dois seres. Pode confirmar também que não se tratava nem de um avião, ou balão ou helicóptero, mas sim de um objecto não identificado, fora do qual viu dois outros seres, que apesar de parecerem comunicar um com o outro, Serafim não os ouvia nem lhe via os rostos. Aproximou-se mais e viu que aquela espécie de homens tinham uma viseira de vidro a cobrir-lhes os rostos. Acendeu um o foco e apontou-o na direcção deles que ripostaram, de imediato, projectando sobre Serafim um foco de luz tão forte que este não podia olhar, caindo de imediato no chão, sem se lembrar do que aconteceu a seguir.
Serafim Sebastião foi encontrado inanimado no local. Conduzido hospital regional de Angra, ali foi observado. Encontrava-se em estado de choque de origem psicossomática; não falava, e ouvia muito mal. Às três da madrugada começou a balbuciar algumas palavras; às dez da manhã foi-lhe dada alta no Hospital Regional de Angra, seguindo para o aeroporto das Lajes, escoltado pela Polícia a fim de ser submetido a um inquérito oficial, efectuado pelas entidades aeronáuticas de Portugal e dos Estados Unidos, que não tardaram em informar a população, que se alarmara com a divulgação da notícia, que o que Serafim Sebastião tinha visto era apenas: um "balão-sonda”, que ao encontrar um campo eléctrico de alta tensão teria provocado determinado fenómeno que teria assombrado o guarda. Esqueceram-se, porém, as autoridades, de informar, que, naquele local, não passavam cabos de alta tensão, mas sim cabos telefónicos e que os serviços de radiossonda tinham lançado um único balão nesse dia, mas às 22 horas e que a subida fora perfeitamente controlada, a fim de transmitir a temperatura, ventos e humidade em altitude, tendo-se desintegrado a 126.000 pés, 1 hora e 50 minutos após o lançamento, nunca tendo perdido altitude, ou desviado anormalmente a sua trajectória, pelo que nunca poderia ter sido observado por Serafim Sebastião do local onde se encontrava.
Apesar da convicção das suas declarações, de ase ter deslocado aos Estados Unidos para depor, até hoje nunca se soube que objecto luminoso Serafim Sebastião observou, se falou verdade e, caso ter visto um objecto estranho, se realmente se tratava de um OVNI – Objecto Voador Não Identificado. Ficou célebre a sua frase, com o intuito de convencer do que vira, a sua declaração à Rádio Clube de Angra:
- “Eu vi visivelmente visto…”
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O SALGUEIRO DA RUA DIREITA
O mais típico e o mais emblemático de todos os salgueiros que existiam, por aqui e por acolá, sobretudo nas margens das ribeiras e das grotas, juntamente com álamos e vimes, na Fajã Grande, nos anos cinquenta, era um que se podia observar na rua Direita, no interior da entrada do pátio da casa de José de Joãozinho.
Tratava-se de uma árvore aparentemente secular, com uma copa farta, robusta e muito verdejante, com uma parte dos ramos a se estenderem e prolongarem pela rua e uma outra para cima dum muro que ali existia, ao lado, a separar o pátio da casa do João Fragueiro da rua Direita. Essa generosidade do velho e causticado salgueiro, de partilhar uma boa parte da sua copa com a rua Direita e com o muro, tornava-o ainda mais mítico e mais emblemático e fazia com que a zona do muro bafejada pela sua sombra, uma vez que todo ele se destinava a bancada de descanso, se tornasse bastante cobiçada, muito desejada e frequentemente procurada por quantos pretendiam ali sentar-se, para descansar e para conversar. É que para além de poderem desfrutar duma bela e agradável sombra, usufruíam de toda a mística e simbolismo que aquela árvore misteriosamente encerrava.
Na realidade, desde os tempos mais remotos que as mais diversas civilizações e culturas atribuíram ao salgueiro, um potencial mágico e simbólico muito importante. Na China, por exemplo, o salgueiro era símbolo da imortalidade e decoravam-se as portas das casas com folhas de salgueiro, durante o solstício de Verão. Para que alcançassem a imortalidade os chineses cobriam os caixões dos seus mortos com folhas de salgueiro e ainda hoje, nas cerimónias fúnebres, o ataúde vai acompanhado de um ramo de salgueiro com bandeirinhas penduradas. Os próprios imperadores chineses ofereciam, aos seus cortesãos ramos de salgueiro para evitar os miasmas envenenados ou as pestilências, porque atribuíam ao salgueiro o poder de curar as chagas. Na mitologia romana, o salgueiro era uma árvore consagrada à deusa Juno e tinha a propriedade de deter qualquer hemorragia e evitar o aborto. Os índios consideravam o salgueiro uma árvore sagrada e na Grécia era símbolo de esterilidade, porquanto as mulheres gregas, para engravidarem mais facilmente, colocavam ramos de salgueiro em cima da cama antes de terem relações sexuais. Por sua vez a Bíblia revela-nos que o salgueiro, apresentado sobretudo no livro dos Salmos, tinha grande importância nos rituais e festas dos judeus, De acordo com a lei bíblica (Lev. 23:40), cada judeu tinha que juntar quatro espécies de árvores, amarrá-las juntas e abençoá-las. O salgueiro era uma delas. De acordo com a lei oral do judaísmo, o salgueiro não tem nem cheiro nem gosto e simboliza as pessoas ignorantes e pecadoras do povo de Israel. Na mitologia europeia o salgueiro está ligado às bruxas e, ainda hoje, na Europa existem muitas lendas onde se conta que as bruxas têm preferência para se ocultarem sob a forma de formosas raparigas nos ramos dos salgueiros. Além disso, também na Europa o salgueiro está relacionado com o luto, com a morte e com a melancolia. No norte da Europa e também nalgumas localidades dos Açores, no Domingo de Ramos usam-se ramos de salgueiro em vez de palmas e de ramos de oliveira. Na Inglaterra colocar um ramo de salgueiro no chapéu significa amor não correspondido. Naquele país também se atribui ao salgueiro grande valor medicinal, pois a casca do seu tronco pode ser usada para produção da aspirina; é aliás do nome latino do salgueiro, “Salix”, que deriva o nome do ácido acetilsalicílico, utilizado na produção daquele medicamento. Já na antiguidade Hipócrates, o pai da Medicina, utilizava as folhas de salgueiro para curar as dores de cabeça e a febre. Muitos outros povos fizeram o mesmo ao longo dos séculos. O salgueiro também é considerado como símbolo da pureza, talvez por ser um tipo de árvore que, absorvendo muita água da terra, permite aos solos respirarem melhor e muitos povos utilizaram o salgueiro para recuperar águas poluídas, devido à sua capacidade para absorver e transformar poluentes em matéria orgânica.
Naturalmente que os pacatos cidadãos da Fajã Grande e nossos antepassados, quando se sentavam à sombra do salgueiro do pátio de José de Joãozinho, na rua Direita, decerto que não tinham conhecimento, nem sonhavam com todo o potencial mágico e a gigantesca força mítica daquele salgueiro, talvez e apenas o procurassem para suspender na agradável sombra que pendia dos seus ramos, o peso das suas canseiras e trabalhos, para, sentados debaixo da sua frondosa copa, recordar sonhos e aliviar mágoas de outrora, como o fizeram os escravos hebreus, retratados na ópera Nabucodonosor de Giuseppe Verdi, quando, junto às margens do rio Eufrates, descansando dos seus trabalhos de escravos, recordando a sua pátria, tão bela e perdida e as suas cidades na dor sepultadas, cantavam: “Harpa de ouro dos fatídicos vates! Porque estás suspensa dos salgueiros? Reacende no peito a memória, recorda os tempos de outrora”
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FRANCISCO CARREIRO DA COSTA
Francisco Carreiro da Costa nasceu na vila da Lagoa, ilha de S. Miguel, a 6 de Março de 1913, tendo falecido em Ponta Delgada, em 1981. Estudou na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa onde concluiu a licenciatura em Ciências Histórico-Filosóficas, após o que regressou aos Açores para desenvolver intensa actividade político-administrativa, científica e educativa.
Presidiu à direcção da Acção Católica de Ponta Delgada e pertenceu à Comissão de Distrito da União Nacional, foi vogal da Comissão Administrativa da Junta Geral do Distrito Autónomo de Ponta Delgada, Presidente da Câmara Municipal da Lagoa e Procurador eleito da Comissão Administrativa da Junta Geral do Distrito Autónomo de Ponta Delgada. Mas foi à etnologia dos Açores que se dedicou apaixonadamente. Os vários cargos que ocupou permitiram que realizasse uma obra exaustiva de descoberta, recolha e coordenação dos valores da tradição regional que elaborou com método e pertinácia e que divulgou largamente. Foi também co-director e editor do semanário A Ilha e director do Correio dos Açores. Era Comendador da Ordem do Infante D. Henrique.
Obras principais: Os Açores e o problema cerealífero português do século XV, Terminologia agrícola micaelense, Esboço histórico dos Açores e Etnologia dos Açores.
Dados retirados do CCA – Cultura Açores
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O PADRE CAMÕES
José António Camões nasceu na freguesia das Fajãs, na ilha das Flores em 13 de Dezembro de 1777, tendo falecido em Ponta Delgada, na mesma ilha, em 18 de Janeiro de 1827. Para além de sacerdote foi examinador eclesiástico, professor régio, poeta e historiógrafo, sendo autor de várias obras de cariz satírico, muitas delas em verso: O Testamento de D. Burro, Pai dos Asnos, Os Sete Pecados Mortais e Relatório das Cousas mais Notáveis que Havião nas Flores e no Corvo.
Filho de pai incógnito e de mãe de ascendência corvina, foi enjeitado, isto é exposto e abandonado à caridade pública, sendo registado simplesmente com o nome de José. Passou parte da sua difícil infância no Corvo, chegando a passar fome. Aquando de uma visita de frei Manuel de São Domingos ao Corvo, seu pai putativo, fez-se encontradiço com ele, tendo-o acompanhado, como estudante, para o convento de São Boaventura, em Santa Cruz das Flores, onde estudou. Mais tarde, abandonou o convento e foi servir para casa de lavradores na Fajãzinha. Em 1797, regressou a Santa Cruz, já como professor particular de latim em Santa Cruz. Algum tempo depois, partiu para Angra, para estudar, albergando-se no convento de S. Francisco daquela cidade. Sendo enjeitado, como não tinha nome de família, adoptou o sobrenome “Camões”, passando a chamar-se José António de Camões. A escolha do nome foi certamente inspirada pela sua admiração pelo poeta. Dispensado do “defectum natálium”, foi ordenado sacerdote a 20 de Outubro de 1804, tendo sido nomeado professor régio de gramática latina na ilha das Flores. Assim fixou-se, novamente, em Santa Cruz, ensinando e exercendo o sacerdócio, tendo grande sucesso no ensino do latim, atraindo às Flores estudantes do Corvo e do Faial. Contudo, em 1807 é nomeado vigário de Ponta Delgada das Flores, onde passa a residir, mantendo, no entanto, a docência como professor particular.
O brilhantismo de José António Camões e o seu domínio da escrita, numa ilha onde a maioria do clero era quase iletrada, criaram condições para uma rápida ascensão na carreira eclesiástica. Tal ascensão, no entanto, não foi bem aceite na ilha, em particular pelo clero, face ao grave defeito de nascimento que representava a sua condição de enjeitado. Por isso e pela contestação de que era vítima e face à inveja do clero, escreveu, em 1812 ou 1813, uma sátira, em prosa e verso, intitulada os Sete Pecados Mortais, onde desanca forte e feio no clero das Flores e do Corvo, que o haviam rejeitado como ouvidor eclesiástico d'estas duas ilhas.
Em data anterior, escreveu também o Testamento de D. Burro, Pai dos Asnos, um escrito de carácter aparentemente autobiográfico, onde ajusta contas com os que o discriminaram e maltrataram quando criança e jovem "enjeitado". Aparentemente descrevendo eventos da sua infância e juventude, enxovalha alguns dos nomes mais sonantes da sociedade florense, de então, com particular relevo para o clero. Os seus escritos são enviados ao cabido de Angra, uma vez que a sede da diocese estava vacante já que o bispo, D. José Pegado de Azevedo, falecera a 19 de Junho de 1812. O cabido diocesano angrense exonera-o do cargo de ouvidor e suspende-o da vigariaria de Ponta Delgada. Chamado a Angra, foi pronunciado e acusado de injuriar a Mesa Capitular, sendo, contudo, absolvido, depois de ter passado por um humilhante julgamento.
Apesar da absolvição, a mandado do cabido, teve de responder perante os qualificadores do Santo Ofício, por se afirmar que nos seus escritos havia matéria de censura contra a disciplina e dogma da Igreja. A acusação foi julgada também improcedente, mas, no entanto, o cabido recusou-se a permitir a sua reintegração nos cargos de que fora suspenso.
Depois de muitas infrutíferas tentativas a fim de obter a reintegração na vigariaria de Ponta Delgada, abandonado por quase todos e odiado pela classe dominante das Flores, acaba por solicitar ao Capitão General a sua nomeação como professor régio da cadeira de gramática latina de Santa Cruz das Flores. Em 1815 regressa ao ensino da gramática latina em Santa Cruz, permanecendo nessa função, apesar da oposição do cabido de Angra, da Câmara de Santa Cruz e das forças vivas da ilha, até pelo menos 1822, cinco anos antes do seu falecimento.
Caído em desgraça, sem amigos e com escassos alunos, vivendo da esmola da missa e de algum sermão que escrevia para os colegas, atravessou grandes dificuldades, nos últimos cinco anos de vida, chegando, novamente, a passar fome. Faleceu em Ponta Delgada das Flores, com apenas 49 anos de idade, a 18 de Janeiro de 1827.
As suas obras apenas foram impressas postumamente: o Testamento de D. Burro, Pai dos Asnos, em 1865, em Boston, e os Pecados Mortais em 1883, em Lisboa. Alguns sonetos apareceram no Jorgense e noutra imprensa, mas anos mais tarde
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PONTEIRAS E CAMPAINHAS
Na década de cinquenta, as vacas tinham um papel fundamental na economia fajãgrandense, dado que era exclusivamente da sua venda e, sobretudo, do leite que forneciam, que a maioria dos lavradores da Fajã Grande conseguia sobreviver e obter o dinheiro necessário para enfrentar as pequenas despesas que, dia a dia, era obrigado a fazer.
Essa a razão por que as vacas, na Fajã Grande, eram extremamente bem tratadas. Boa comida, resguardo nos palheiros, evitando que ficassem expostas quer ao rigor dos temporais quer ao calor excessivo dos dias de Verão e muitas outras atenções e cuidados.
No entanto e para além destes desvelos, muitos criadores de vacas ainda se preocupavam com a sua apresentação e com a sua beleza. Ter uma vaca bonita era uma espécie de objectivo fundamental, um desiderato a que ninguém se esquivava. Essa a razão por que quase todas as vacas na Fajã Grande usavam ponteiras e campainhas. Havia mesmo quem muito se preocupasse com a qualidade de um e outro destes apetrechos.
As ponteiras eram uma espécie de grossos anéis de metal amarelo, com rosca na parte interior e um bojo no exterior, que eram aparafusadas nas pontas dos chifres. Meter uma ponteira era fácil. Arredondava-se com uma navalha a ponta do dito cujo, enroscava-se com uma tarraxa a ponteira, cortando-se, finalmente a ponta excedente do chifre, para que ficasse remines com a ponteira. Para além de ornamento, as ponteiras também serviam para prender a atraca, quando os animais estavam encangados, e para não se feriram uns aos outros com as pontas agudas dos chifres.
As campainhas, por sua vez, eram objecto de grande atenção e de cuidados excessivos. Não eram chocalhos ou guizos, mas sim campainhas de metal amarelo, com sons extraordinariamente belos, harmoniosos, sonantes e muito agradáveis ao ouvido humano. As campainhas normalmente formavam pares, sendo uma com um som grave e outra com um som alto, formando um acorde perfeito. Havia campainhas de sino e de meia laranja. As primeiras eram poucas e chamavam-se assim porque o seu formato era igual ao dos sinos. As melhores e mais belas campainhas de sino da Fajã eram as do Gil e as de meu avô materno, umas e outras tinham sido trazidas da América. Mas a maioria das campainhas, porém, tinham a forma de meia laranja, eram compradas nas Lajes, havendo-as de tamanhos e de sons diferentes. Havia-as também em alumínio, mas com um som muito esquisito, usadas no gado alfeiro e muito raras. Os sons das campainhas eram tão específicos e diferentes uns dos outros de tal modo que se identificava o dono das vacas apenas pelos sons das campainhas. Regra geral a campainha com o som mais alto era colocada no animal mais lesto e que puxava a canga pelo lado direito e a de som mais grave no animal que trabalhava pela esquerda, mais lento e vais vagaroso.
As campainhas eram presas ao pescoço das vacas com uma fita de couro, uma espécie de cinto, chamado “estrape”. Relativamente perto da fivela, fazia-se um orifício no “estrape”, onde era introduzida a saliência superior da campainha, com um buraquinho, prendendo-a com um pedacinho de arame dobrado. A fivela, por razões mais estéticas do que funcionais, devia ficar, no pescoço do animal, sempre do lado de fora, relativamente ao que ele trabalhava, isto é, o animal que trabalhava à direita devia ter a fivela do seu lado direito e o outro do lado esquerdo.
Os animais, com alguma frequência, ou porque o “estrape” rebentasse, ou o arame se desprendesse, perdiam as campainhas. Outras vezes, simplesmente, caía-lhes o badalo. Essa a razão por que quando iam para as relvas do mato elas lhes eram retiradas, sendo, geralmente, substituídas por grandes e barulhentos chocalhos, que permitiam identificar o paradeiro de cada rês, sobretudo em dias de nevoeiro.
Confesso que sempre tive um fascínio por estas campainhas. Assim como eu, muitas outras crianças, nas suas brincadeiras, construíam-nas utilizando as tampas de laranjadas, depois de furadas e de lhes amarrar um fiozinho com um pequeno prego a servir de badalo. Hoje pergunto-me: onde estarão todas essas dezenas, diria mesmo centenas de campainhas de vaca existentes na Fajã Grande na década de cinquenta? Decerto que encheriam a sala de um museu, a que muito bem se poderia chamar “O museu das campainhas de vaca”.
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SANTO ANTÓNIO
Velhinha, alquebrada, a arrastar-se pelos caminhos, com as abas das paredes a servirem-lhe de abrigo e as canas abandonadas no caminho utilizadas como bordão, caminhava por aqui e por além, na demanda do sustento de cada dia. Sustento dela e do marido, inerte, preso a uma cama de dor, de sofrimento e de falta de tudo. Ela velhinha, alquebrada e arrastar-se pelos caminhos, a fazer de mulher e de homem da casa. Ele doente, dorido, preso a uma cama, como se apenas servisse para coisa nenhuma.
Era ela que cavava, sachava, plantava e semeava uma pequena courela junto à porta da cozinha e que, apesar de tudo, ia dando couves fresquinhas, batatas suculentas, cebolas repolhudas e outras miudezas que lhe iam garantindo o parco sustento quotidiano. Era ela que acarretava à cabeça pequenos molhos de lenha da Cabaceira, que a cortava e picava. Mas era ela também que ao regressar dos campos, arquejante e fatigada, arrumava a casa, fazia o lume e cozinhava. Era ela que ia buscar a água à fonte, que lavava, varria, arrumava e limpava a casa, enquanto o seu homem, já quase cego e impedido de andar, de sair de casa, de se levantar, de fazer o que quer que fosse, a não ser cramar, gemer e chamar por ela.
Um dia ela partiu para a Cabaceira, à lenha. Em casa nem um garrancho e o café no bule havia terminado. Chovia, trovejava, ventava que metia medo. À Volta do Delgado já estava toda encharcada dos pés à cabeça, pese embora se encostasse à aba de uma ou outra parede e se protegesse com um saco de serapilheira, enfiado na cabeça, a fazer de capuz. Ao redor não se via alma viva. Com um tempo daqueles ninguém arriscava sair de casa. Na ladeira do Delgado, uma ressaca enorme de vento pegou-lhe como se fosse uma pena de ave e atirou-a ao chão. Dorida, angustiada, encharcada, muito custo levantou-se. A terra da Cabaceira ainda era longe, mas o caminho, a partir dali mais protegido de ventos e chuvas pelas altas paredes dos terrenos circundantes. Finalmente chegou ao Descansadouro de Santo António e parou junto à imagem do Santo, pousada ali, num pequeno nicho, sobre o enorme portão de uma horta. Fixou a imagem que lhe pareceu estar solidarizada com seu sofrimento. Afinal Ele, Santo António também estava ali, como ela, não apenas naquela tarde mas todos os dias e todas as noites, à chuva, ao vento, ao frio, às tempestades, carregando o Menino ao colo. Ele, ela e o Menino encharcados de água, de solidão, de sofrimento e de cansaço.
De repente, sem que nada o previsse, fez-se um Sol resplandecente e enternecedor e a natureza como que se ergueu a aconchegar, proteger e apoiar o Menino, o Santo e a velhinha. E ela, rejubilando de alegria, sentiu a roupa a secar-lhe no corpo, as forças a redobrarem-lhe e o ânimo a renascer, mais pujante, mais altivo e mais regenerador. Como se tivesse asas, voou até à Cabaceira e dali até a casa, com um grande molhito de lenha, seca, que havia dar para muitos dias. A lenha estava enxuta, seca, pronta a acender o lume e a fazer o café para o marido que jazia na sua velha enxerga de musgo e pragana, acariciado pelos raios de Sol que lhe entravam pela janela e lhe cobriam o rosto com um manto de tranquilidade de que há muito não usufruía.
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A MINHA GALINHA PINTADA
Poema oral, umas vezes cantado, outras declamado, na Fajã Grande, sobretudo aos serões ou emfestas, na década de cinquenta e anteriores:
“A minha galinha pintada
Põe três ovos por dia,
Se ela pusesse quatro
Que dinheiro não faria.
Já me deram pela cabeça
Uma vaquinha moiresca.
Já me deram pela crista
Uma vaquinha mourisca.
Já me deram pela moela
Uma vaquinha moirela.
Já me deram pelas penas
Duas vaquinhas morenas.
Já me deram pelo rabo
um cavalo enfreiado.
Já me deram pelas tripas
Duas feixadas de tripas.
Já me deram pelas asas
Uma aldeia com dez casas.
Já me deram pela língua
A cidade de Coimbra.
Já me deram pelas pernas
Umas meias amarelas.
Já me deram pelo corpo
Toda a cidade do Porto.
Galinha que vale assim tanto
Das penas até ao osso
Não vai parar ao convento...
Vou eu comê-la ao almoço.”
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CANTAR “OS ANOS BONS”
Na década de cinquenta, todos anos, alguns grupos de crianças percorriam todas as ruas da Fajã Grande, no primeiro dia do ano, com o objectivo de cantar “Os Anos Bons”, junto das portas de quase todas as casas, excepção das que estavam de luto ou tinham algum enfermo em estado grave. Estes grupos organizavam-se alguns dias antes e tinham como principal critério de formação, a idade. Os mais velhos formavam grupos entre si e os mais novos procediam da mesma maneira. Em todos os grupos havia um chefe ou líder que tinham como funções principais formar, preparar e liderar o grupo e ainda a de receber o dinheiro e no fim o dividir equitativamente por todos os membros. No dia de Ano Novo lá iam pelas portas das casas, tocando gaita, ferrinhos e cantando, a fim de que a dona da casa desse uma moedita, um copinho de licor ou um punhadito de figos passados.
Sempre integrei o grupo dos mais novos que alguns anos depois se desfez, sobretudo porque a maior parte abandonou a ilha com destino à América e ao Canadá. Recordo-me que o líder do meu grupo era o José Nunes, que morava na Fontinha, perto da casa da minha avó e tocava muito bem gaita. Era na loja dele que ensaiávamos e era lá também que terminado o périplo pela freguesia nos juntávamos para contar e dividir o dinheiro, sempre com grande rigor e sem trafulhices ou batota, Faziam parte do grupo para além do José Nunes e de mim, o Heitor, o José do Urbano, o José Tobias, o Antonino Lourenço e o José Gabriel.
Chegados juntos da casa cantávamos a primeira quadra desejando aos donos Bom Anos:
Anos Bons e tão Bons Anos,
Deus vos dê de melhorados,
Tudo isto passou Cristo
Perdoai nossos pecados.
Ó senhora dona da casa
Raminho da salsa crua
Lá aos pés da sua cama
Nasce o Sol e põe-se a Lua
Se a porta se abria logo, sinal de que nos haviam de dar alguma coisa, cantava-se esta quadra:
A senhora Mariquinhas
Assentada na cadeira
Parece um botão de rosa
Apanhado na roseira.
Se a porta demorava em abrir-se ou nem sequer se abria, sabendo nós que a dona estava em casa, cantavam-se estas:
Ò Senhora Mariquinhas
Meu raminho de tremoço
Venha-nos abrir a porta
Se não canto até ao’almoço.
Ò Senhora Mariquinhas
Coração de pedra dura,
Venha-nos abrir aporta
Estou co’a mão na fechadura.
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BODIÃO EM JANEIRO
“Um bodião em Janeiro vale mais do que um carneiro.”
Trata-se dum interessante mas invulgar adágio, utilizado na Fajã Grande, não para desvalorizar a carne do carneiro, mas para valorizar o bodião e para afirmar a espécie de sorte que é ter peixe à mesa, em pleno Inverno, quando o mar está permanente bravo, impedindo que nessa altura haja apenas uma fraca e escassa probabilidade de se comer peixe. Sendo assim, nos meses de Inverno, nomeadamente em Janeiro, o mais creditado com os rigores da invernia, conseguir qualquer espécie de pescado, mesmo que seja de menor qualidade, como é o caso do bodião, será sempre mais apreciado à mesa do que a carne de carneiro, disponível em qualquer altura do ano. O adágio, no entanto, deve entender-se, como é óbvio, também e sobretudo num sentido figurado.
Porquê o bodião, pode perguntar-se. Primeiro porque o bodião é uma espécie de peixe muito vulgar nos Açores e ainda mais nas enseadas e baixios rochosos da ilha das Flores. Trata-se de uma espécie sedentária, da ordem dos “Perciformes” e da família dos “Labridae”, realmente muito comum nas águas açorianas e que tem o seu habitat, preferencialmente, nas zonas resguardadas, de rochas revestidas com ervas e algas marinhas, que são a base da sua alimentação. Muito activos durante o dia, se as águas estiverem limpas é fácil observá-los, embora por vezes se confundam com as vejas, sobretudo com os machos, com os quais tem cores e formato semelhantes. O seu aspecto realmente é muito parecido com o das vejas e apresentam olhos salientes, boca pequena em relação ao seu tamanho, mas com os beiços muito revirados e salientes. O corpo é revestido de pequenas e finas escamas, com barbatanas pouco desenvolvidas. As suas cores mais vulgares são o castanho e o verde, podendo variar entre cores únicas, manchas de cores variadas, as cores do arco-íris e outras típicas dos peixes tropicais. A sua pesca tradicional e de cana, não é fácil, sendo que na Fajã Grande, pelo menos, nunca era específica. Ninguém ia pescar aos bodiões, eles eram capturados geralmente quando se pescava às vejas, aos rateiros, ou até aos sargos ou às salemas.
Por todas estas razões adquire mais sentido o adágio fajãgrandense acima referido. Na realidade conseguir um bodião em Janeiro, seria muito raro e difícil, daí a sua sobrevalorização sobre um outro petisco que apesar de raro era bem mais fácil de obter-se – a carne de carneiro. Por sua vez e por assimilação, no sentido figurado, querer-se-ia significar com a utilização deste adágio de que obter uma coisa rara e difícil de conseguir, mesmo sendo de menor qualidade é preferível a algo que, embora sendo melhor, se tem com frequência e em abundancia.
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A LUTA NO OUTEIRO ENTRE O ANO VELHO E O ANO NOVO.
Na Fajã Grande havia uma lenda muito antiga, segundo a qual, todos os anos, a meio da noite entre os dias 31 de Dezembro e 1 de Janeiro, no Outeiro, junto à cruz, o Ano Velho e o Ano Novo consumavam uma árdua e demorada luta, com o objectivo de decidirem quem ficaria a mandar no próximo ano: se o Ano Velho se o Ano Novo. E nós pobres e inocentes criancinhas lá ficávamos deitados nas nossas camas de palha e casca de milho, uns agarrados aos outros, aflitíssimos, cheios de medo, muito bem cobertos e caladinhos, com os olhitos muito arregalados por fora dos cobertores, com os ouvidos à escuta, a tentar descortinar algum ruído ou barulho indicador da luta e a torcer para que fosse o Ano Novo a vencer. Por fim e a muito custo, sem ouvir rigorosamente nada, lá adormecíamos…
E não é que tínhamos uma sorte danada!
É que no dia seguinte de manhã, ao indagar junto dos adultos que nos eram mais próximos, quem teria sido o vencedor, havia sempre uma fonte fidedigna que nos dizia que tinha ganho o Ano Novo. Afinal aquele que nós tanto queríamos que ganhasse e por quem havíamos porfiado.
Que sortudos que nós éramos nesses tempos! Mas também, verdadeiramente, inocentes.
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PAZ PARA A SÍRIA - EM 74 LÍNGUAS
Dit sal 2014 bring vrede na Sirië.
Gjithashtu se 2014 do të sjellë paqe në Siri.
Das 2014 Frieden nach Syrien zu bringen.
أن 2014 سوف يجلب السلام لسوريا
Դա 2014 կբերի խաղաղություն Սիրիա
2014 Suriyaya sülh gətirəcək
Duten 2014 bakea ekarriko du Siriara.
অর্থাৎ 2014 সিরিয়া শান্তি আনতে হবে.
Гэта 2014 прынясе свет у Сірыі.
To 2014 će donijeti mir u Siriju.
Това 2014 г. ще донесе мир на Сирия
ಆ 2014 ಸಿರಿಯಾ ಶಾಂತಿ ತರುವ
Aquest 2014 portarà la pau a Síria
Nga dad-on sa 2014 sa kalinaw ngadto sa Siria.
Že 2014 přinese mír do Sýrie.
那2014年将带来和平叙利亚
那2014年將帶來和平敘利亞
즉, 2014 년 시리아에 평화를 가져올 것이다.
Sa 2014 ap pote lapè nan peyi Siri.
To 2014 će donijeti mir u Siriji.
At 2014 vil bringe fred til Syrien
Že 2014 prinesie mier do Sýrie.
Da 2014 bo prinesel mir v Sirijo.
Ese 2014 traerá la paz a Siria
Ke 2014 alportos pacon al Sirio.
Et 2014 toob rahu Süüriasse
2014 Iyon ay magdadala ng kapayapaan sa Syria.
Että 2014 tuo rauhaa Syyriaan.
Que 2014 apportera la paix à la Syrie
Que 2014 traia paz á Siria
A fydd yn 2014 yn dod â heddwch i Syria.
რომ 2014 წელს მშვიდობის სირიაში.
Ότι το 2014 θα φέρει την ειρήνη στη Συρία.
તે 2014 સીરિયા માટે શાંતિ લાવશે
Wannan zai kawo zaman lafiya 2014 zuwa Siriya.
कि 2014 सीरिया में शांति लाएगा
Hais tias 2014 yuav kev kaj siab lug Syria.
Dat 2014 zal vrede brengen naar Syrië.
Az 2014 békét Szíriába.
Na 2014 ga-eweta udo na Syria.
Itu 2014 akan membawa perdamaian ke Suriah.
That 2014 will bring peace to Syria.
Beidh an 2014 síocháin a thabhairt chuig tSiria.
Að 2014 mun koma á friði í Sýrlandi
Che il 2014 porterà la pace in Siria.
その2014年には、シリアに平和をもたらすでしょう
ថាឆ្នាំ 2014 នឹងនាំមកនូវសន្តិភាពទៅប្រទេសស៊ី
ວ່າປີ 2014 ຈະເຮັດໃຫ້ສັນຕິພາບກັບຊີເຣຍ.
Ut pacem in Syriam MMXIV
Ka 2014 dos mieru Sīrijā.
Kad 2014 atneš taiką į Siriją.
Дека 2014 година ќе донесе мир во Сирија.
Yang 2014 akan membawa keamanan ke Syria.
Li 2014 se ġġib il-paċi Sirja.
E 2014, ka kawea mai te rongo ki a Hiria.
त्या 2014 सीरिया शांती आणील.
Энэ нь 2014 оны Сири амар амгаланг авчрах болно.
त्यो 2014 सिरिया शान्ति ल्याउनेछ।
At 2014 vil bringe fred til Syria
Que 2014 traga paz à Síria.
Że 2014 przyniesie pokój do Syrii
, ਜੋ ਕਿ 2014 ਸੀਰੀਆ ਨੂੰ ਅਮਨ ਲਿਆਉਣ ਕਰੇਗਾ.
Că 2014 va aduce pace în Siria
2014 атакующий защитник Сирии
Куе 2014 пуцање гарда Сирије.
2014 toogashada ayay waardiyayaashu ee Suuriya.
2014 risasi walinzi wa Syria.
2014 skytte vakt i Syrien.
சிரியா2014 படப்பிடிப்பு பாதுகாப்பு.
Suriye 2014 çekim guard.
2014 атакуючий захисник Сирії.
شام کے 2014 شوٹنگ گارڈ.
2014 bảo vệ chụp của Syria
2014 ukudubula labaqaphi waseSiriya.
(Alguma destas línguas Deus há-de entender e senhor Bashsar al-Assad também)