PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
ACRÓSTICO
Caminha sobre tapetes de ternura, por entre alamedas de sonho,
Aromatiza as madrugadas com o perfume das flores e com o canto dos pássaros,
Transforma a sinuosidade das vielas que conduzem à esperança. E,
Antes que a noite chegue ou o luar se desvaneça,
Recolhe todos os raios de Sol dispersos no entardecer,
Impedindo que a escuridão chegue depressa e se apague o brilho das estrelas. Então,
Nunca mais haverá crianças sem amor, jovens sem felicidade,
Adultos sem paz, velhinhos sem alegria e resplandecerá para sempre o diadema da paz.
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MOINHOS DE TREMOÇO
O tremoço não é propriamente uma planta mas sim a semente de uma planta, designada por tremoceiro, embora, geralmente, se use a palavra tremoço para significar também a planta que o produz. A cultura do tremoceiro era muito frequente na Fajã Grande na década de cinquenta, sendo o tremoço utilizado com duas funções. Por um lado era utilizado como alternativa às forrageiras, servindo, nesse caso, de alimento apenas ao gado alfeiro. Para as vacas leiteiras a planta do tremoço era um fraco e mau alimento, por quanto fortalecia-as pouco e, sobretudo, porque provocava um sabor muito amargo e desagradável no leite. A outra razão porque se apostava, neste caso em larga escala, no cultivo do tremoço, era para utilizá-lo como adubo, em vez do estrume, sobretudo por ser mais prático, pois não era necessário acarretá-lo para as terras, como acontecia com o esterco ou o sargaço, uma vez que adubava a própria terra que o produzia. Cortado aos pedaços ainda em verde, o tremoço era estraçalhado e depois colocado e acalcado no fundo dos regos, ao lado de sementes e plantações. Acreditava-se que, devido ao azoto que possuía, o caule e sobretudo as folhas do tremoceiro tinham a vantagem de purificar os terrenos, enriquecendo-os para as culturas seguintes, nomeadamente da batata branca e da doce. Neste caso o tremoceiro era cultivado, unicamente para sideração e enterrava-se, geralmente, em regos feitos com o arado ou, excepcionalmente e em campos minúsculos, em covas feitas com a enxada, quando as plantas já estavam suficientemente crescidas. O objectivo era adubar e enriquecer o solo com substâncias orgânicas. Apesar de rico em proteínas, o tremoço muito raramente era empregado como forragem, devido ao seu sabor amargo.
O tremoceiro era plantado no Outono e, geralmente, a chuva encarregava-se de regá-lo, pois exige bastante água, sendo necessário recorrer à rega manual quando a planta secasse, embora na Fajã Grande nunca tal fosse necessário, uma vez que entre Outubro e Março, altura em que o tremoço florescia, as chuvas não rareavam. A colheita do tremoço era feita, geralmente, em Março. Costumava dizer-se que “.Cada cavadela, cada tremoço”, o que demonstra a facilidade do cultivo do tremoço e a sua importância em épocas anteriores.
Na Fajã Grande não era costume, como acontece em muitos locais do país, utilizar a semente do tremoceiro como alimento, nem muito menos como “petisco”. Assim, guardava-se, apenas, uma pequena parte do tremoço para amadurecer e dar fruto, sendo este destinado à semente.
Era nesta altura que se faziam os célebres moinhos de tremoço. Para a construção dos moinhos, todo o material era retirado do tremoceiro, excepto um alfinete de cabeça ou uma comprida e fina tacha, de que nos devíamos munir previamente. Depois era apenas construir o moinho. Para tal procurava-se uma das vagens maiores. Encontrada a mais conveniente e adequada, era necessário abri-la com muito cuidado, sobretudo para não a quebrar. Escolhiam-se dois grãos robustos e achatados, os quais eram perfurados ao meio com o alfinete de cabeça ou prego fino. Quem não os tinha pedia um emprestado, furava com ele o seu material e utilizava um pedacinho de madeira, o mais rija possível. Do mesmo modo se furava uma das cascas, mas o furo deveria ser dado rigorosamente no centro da mesma. Procurava-se, de seguida um caule do tremoceiro, do qual se retiravam todas as folhas e vagens, cortando-se-lhe a raiz. Junto à cabeça do alfinete enfiava-se um grão de tremoço, de seguida a folha e depois o outro grão, deixando uma pequena folga entre os grãos e a folha. Por fim, espetava-se o alfinete no caule do tremoço. Estava o moinho pronto, bastando para que girasse, colocá-lo contra ao vento.
Por altura da apanha do tremoço, as paredes e os recantos das terras onde ele se cultivara, se houvesse crianças, estavam crivadas de pequenos moinhos a girar com uma velocidade impressionante. Outras vezes eram as ruas repletas de crianças a correr empunhando os respectivos moinhos.
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MALDADE
“O mundo não está ameaçado pelas más pessoas, mas sim por aqueles que permitem a maldade.”
(Albert Einstein)
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MARCELINO DE LIMA
Marcelino de Almeida Lima nasceu na cidade da Horta, em 12 de Março de 1868 e faleceu em Lisboa, em 22 de Janeiro de 1961. Foi jornalista, romancista, historiógrafo e autor duma vasta bibliografia sobre a ilha do Faial. Ainda jovem, dirigiu com Júlio Lacerda, o semanário literário O Bibliophilo. Foi redactor principal do semanário literário e desportivo Revista Faialense e redigiu, com Florêncio Terra e Rodrigo Guerra O Fayalense. Foi um dos fundadores, da Sociedade Luz e Caridade e do Grémio Litterario Fayalense).
Genealogista de mérito, publicou um estudo genealógico sobre diversas famílias faialenses, incluindo notas históricas e redigiu os Anais do município da Horta, a sua obra de maior vulto, publicada em 1943.
Foi o último da plêiade de intelectuais que pontificaram na cidade da Horta, no fim do século XIX, como Florêncio Terra, Rodrigo Guerra, Zerbone, Garcia Monteiro, Manuel Joaquim Dias, Osório Goulart e Manuel Greaves.
As suas obras principais são: (1903), Indústrias caseiras in Álbum Açoriano, Francisco d’Utra de Quadros, Famílias faialenses: subsídios para a história da ilha do Faial, A loucura do ideal: miguelistas e liberais na ilha do Faial, Uma freira que pecou, A Discípula, Faial e Pico – ilhas gémeas, Anais do Município da Horta, A ilha do Faia, Judeus na ilha do Faial, Vocabulário regional das Ilhas do Faial e Pico e Almas cativas.
Dados retirados do CCA – Cultura Açores
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INTRIGAS
Iluminata aguardava, ansiosa, novas de seu amo. Deu-lhas Gemildo:
- Vosso estimado esposo, o meu amo e alcaide deste castelo não regressará, tão cedo a Trancoso. A moirama voltou a atacar e não desarma. Muitas das praças que havíamos conquistado, para além de Coimbra e Leiria, foram tomadas pelos mouros. D. Afonso Henriques, está para Zamora e não pode deslocar-se para o sul. Pretende reunir-se com o rei de Leão, para que este o reconheça definitivamente como rei e Portugal como reino independente Estará para breve a assinatura de um tratado para que tal determinação perdure pelos séculos dos séculos. El-rei e nosso senhor entregou a defesa da fronteira ao vosso esposo, o valoroso D. Paio de Farroncóbias, que por essa razão não pode regressar a Trancoso para vos ver e abraçar. Mandou-me a mim, com uma companhia de besteiros para vos trazer novas. Pelo caminho, porém fomos atacados pela moirama e um dos nossos homens ficou ferido. Mas por vontade de Deus Nosso senhor e intercessão de um dos seus servos, Joahannes Beltrasanas, a cujo enterro assistimos, foi curado.
Iluminata ao ouvir o nome de Beltrasanas tremeu. Interrogando o lugar-tenente se, não estaria em sua companhia um jovem discípulo do servo de Deus, de nome Banaboião, do qual queria saber novas.
Gemildo respondeu que fora Banaboião que aconselhara o guerreiro e o acompanhara ao túmulo do santinho, enchendo-lhe o peito de fé. Como Iluminata persistisse em saber mais notícias e o interrogasse contínua e persistentemente sobre Banaboião e manifestasse mais interesse em saber mais novas acerca dele do que do seu esposo D. Paio de Farroncóbias, Gemildo percebeu que um sentimento estranho trespassava o coração de Iluminata. Cuidando ele que estando Iluminata tanto tempo longe e afastada de seu esposo se teria aventurado em andanças amorosas que de contrário não indagaria tão pertinazmente sobre um estranho, decidiu ele aventurar-se amorosamente com a esposa de seu amo, senhora de Cangas e Freixomil, atirando-se a ela como Santiago aos mouros.
Iluminata ripostou radicalmente as exigências de Gemildo e repudiou-o gravosamente jurando por sua honra logo ali enviar emissários que informassem D. Paio dos vis intentos de seu servo, para que fosse ele dar-lhe a merecida paga. O tredo Gemildo não se deu por vencido e perante damas, lacaios e criados do castelo, denunciou Iluminata, movendo contra ela a mais insidiosa calúnia, acusando-a de ter sido infiel para com o seu valoroso e nobre esposo o ilustre fronteiro, D. Paio de Farroncóbias, que combatia em terras das Beiras, com um tal Banaboião. De imediato mandou emissários a D. Paio a informá-lo de tão grande indignidade e tão vil afrontamento.
D. Paio de Farroncóbias recebeu a notícia do adultério da esposa com enorme dor, raiva e ódio. Apenas ouvindo o acusador, jurou vingar-se. Ao vil tredo que havia beliscado a sua honra, lavrou trágica sentença:
- Banaboião, filho de Pero Fogaça e de Aldonça, em casa de quem pernoitei no regresso de Ourique, será chicoteado 47 vezes, publicamente e enforcado, para que todos saibam quanta ofensa constituiu tal afronta e conheçam o que acontece aos traidores que ofendam a honra e a dignidade de D. Paio de Farroncóbias, que combateu ao lado de El-rei D. Afonso Henriques, alcaide de Trancoso, fronteiro de El-rei, portador de vinte gilvazes e balsão.
Por sua vez, para a impúdica, adúltera e ingrata esposa, Iluminata, D. Paio decretou:
- Será imediatamente enviada para uma gafaria, na ilha dos leprosos, tendo apenas o direito levar consigo um baú com a roupa necessária e um punhal para se defender, caso seja atacada opor algum leproso.
Pouco depois o honrado e nobre fronteiro seguiu, por ordens de Afonso Henriques, para o Alentejo à conquista de Beja.
Fonte – Aquilino Ribeiro, São Bonaboião Anacoreta e Mártir.