PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
O MARTÍRIO DO GLORIOSO BONABOIÃO
Passaram-se alguns anos. D. Paio de Farroncóbias foi avisado de que deveria voltar para norte. D. Afonso Henriques havia sido gravemente ferido em Badajoz. Ao tentar conquistar uma praça fulcral na linha do Guadiana, caiu numa armadilha, sendo ferido e preso pelo rei de Leão. Era necessário estabelecer conversações com o inimigo para obter a libertação do rei. De tal tarefa foi encarregado D. Paio de Farroncóbias, que para tal se deslocou à Galiza. Celebradas as condições de resgate, D. Paio no regresso pernoitou em Cangas, onde Iluminata tinha um grandioso palácio, tendo lhe sido apresentado um canudo de sabugueiro, que tinha sido encontrado na praia e que se destinava ao nobre alcaide de Trancoso. D. Paio, apreensivo, abriu-o. No interior havia um pergaminho, que continha, de um lado excertos da crónica de Johannes Beltrasanas e do outro escrito em letrinhas góticas, uma mensagem de Iluminata, onde ela proclamava a sua inocência e se queixava da injustiça que o seu esposo havia cometido para com ela, jurando pela sua honra que estava inocente, que Gemildo é que a tentara e que com todas as suas forças se opusera aos seus intentos maldosos, por fidelidade a seu marido e senhor. Fora por não ceder, que Gemildo, por vingança, a caluniara. Como prova da sua inocência estava ali, depois de tantos e tantos anos, sem ter sido contagiada pela lepra, milagre operado por Deus, comprovativo da sua inocência. Por fim, solicitava a D. Paio que dali a tirasse.
Ao receber tal notícia o coração de D. Paio de Farroncóbias encheu-se de remorsos e arrependimento, de ternura e de saudade. De imediato, mandou preparar um escaler o mais luxuoso que encontrou em Cangas e arredores e demandou a ilha dos leprosos, com intenção óbvia de recolher a que fora a sua amada esposa, Iluminata. Perdoaram-se reciprocamente, caíram nos braços um do outro, perante o olhar estupefacto e triste de Banaboião, que desistira de matar D. Paio, como havia combinado com Iluminata. D. Paio de Farroncóbias e Iluminata regressaram a Cangas. Iluminata partiu para Trancoso, enquanto D. Paio de Farroncóbias, agora que el-rei D. Afonso Henriques havia sido liberado das prisões do rei de Leão, pese embora, devido à fractura que contraíra na peleja, ficasse incapaz de combater por algum tempo, regressou, rapidamente, para o Alentejo, pois chegara-lhe notícia de que os sarracenos infiéis haviam, de novo tomado Beja e outras praças importantes.
Mas os mouros, porém, tendo conhecimento da inoperância bélica de D. Afonso Henriques não atacaram apenas o Alentejo e a fronteira sul. Avançaram por todo o reino e já demandavam o norte, destruindo tudo e matando todos por onde passavam, espalhando o pânico e o terror por todas as aldeias, vilas e cidades. Na maioria das povoações, despojadas de guerreiros que se haviam deslocado para sul, era impossível a defesa. Mortes, saques destruição total, eram uma constante. É que, assim como D. Paio de Farroncóbias, muitos outros guerreiros, encontravam-se mobilizados na defesa do Alentejo, estando, portanto, impedidos de voltar para o norte, defendendo as suas povoações, os seus lares e os seus familiares. A desolação era total.
D. Afonso Henriques, no entanto, persistia em ordenar que se recuperassem as principais praças alentejanas, tarefa quase de todo impossível dado o crescendo bélico dos árabes. Os fronteiros, em vão, bem tentavam cumprir as ordens de el-rei. Seguiram-se tentativas e tentativas todas elas frustradas, de recuperar aquelas praças. O número de portugueses que morriam às mãos da moirama, era cada vez maior. D. Paio de Farroncóbias decidiu, então empreender, novas tentativas sobre Lisboa, Évora, Beja e Alcácer-do-Sal. Esta última, porém, ser-lhe-ia fatal. O valoroso guerreiro D. Paio de Farroncóbias sucumbiu em combate, quando já tinha entrado dentro de Alcácer-do-Sal.
Com a morte do mais temível guerreiro português, os mouros ainda avançaram mais para norte. Aldeias e aldeias foram tomadas. Al-bucadiam, emir de Badajoz, avançou com um poderoso exército de mais de cinco mil homens, entre gente de pé e a cavalo e ultrapassou Coimbra, o rio Águeda, Viseu e acabou por entrar na própria cidade de Trancoso!
Dias antes, Iluminata tivera conhecimento de que um santinho de Deus, de nome Banaboião, homem de grandes virtudes e dons sobrenaturais chegara à cidade e se instalara numa estrebaria dos arrabaldes, em grande pobreza e mortificação. Cobrindo o próprio rosto, para que lhe não vissem as feridas que já lhe dilaceravam todo o corpo. Iluminata dirigiu-se para o refúgio onde se encontrava o santo anacoreta. Depois de se amarem Iluminata bem lhe explicou os perigos que corria, se permanecesse ali. Nem acabou de falar. E eis senão quando dois mouros, de espada em riste, entrando de rompante, decapitam os dois...
Passaram-se alguns anos. Em Roma, Sua Santidade o Papa Liberino III, revestido de paramentos vermelhos, de báculo na mão e tiara na cabeça, proclamando o poder que lhe fora concedido por Deus, anunciava a toda a cristandade e decretava solenemente e para sempre o bem-aventurado Banaboião como santo de Deus, pela sua vida de virtude e santidade e pelo seu glorioso martírio e inscrevia o seu nome no dístico do sagrado cânon, autorizando que, a partir desse dia, os fiéis lhe prestassem veneração.
Nos dias seguintes, em todas as igrejas, de Trancoso a Viseu, os sinos repicaram festivamente, enquanto D. Gonçalo Guterres, agora bispo de Lamego, na catedral daquela cidade, entoava a Ladainha de todos os santos, cantando a determinada altura:
- Sancte Banaboionis, anachoreta et martir.
- Ora pro nobis – respondia o povo em grande alarido.
Fonte – Aquilino Ribeiro, São Bonaboião Anacoreta e Mártir.
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SOB A PROTECÇÃO DE SANTA RITA
Sentada à janela com o lenço a tapar-lhe parcialmente o rosto como se fosse um bioco, a avó do Júlio, entretinha-se a passar, maquinalmente, por entre os dedos da mão direita as contas do terço, como se as acariciasse com ternura e carinho, ao mesmo tempo que em voz trémula bichanava um Padre-Nosso, seguido das dez Avé Marias.
Júlio aproximou-se de rompante e a avó, como que despertando de um sono profundo, abalroada por um enorme sobressalto e, colocando a mão esquerda sob a tez, numa tentativa infrutífera de clarificar a visão, olhava e voltava a olhar para a rua, sem ver nada ou coisa nenhuma.
- Adeus, avó. Até logo. Vou a Ponta Delgada, de barco! – Gritava o petiz, em voz esganiçada, a prolongar-se como em eco e como que a certificar-se de que a avó o havia de ouvir.
- Eu me benzo do não-sei-que-diga. Credo em cruz! O que estás a dizer, pequeno? Vais para onde?
- Avó, vou p’ra Ponta Delgada. Ouviu bem, avó? Pon-ta Del-ga-da! – E voltava a soletrar, até se convencer de que a avó o havia entendido.
Esta, recolhendo o terço no regaço e concentrando toda a sua atenção no garoto, balbuciou, tremulamente:
- Tu, ou não estás bom do juízo ou estás a fazer pouco de mim. Não se enganam pessoas de idade. Ainda por cima, sou a tua avó… É preciso não ter pingo de vergonha…
Júlio insistia em frustradas tentativas de a convencer:
- Avó, acredite, é verdade, eu vou mesmo a Ponta Delgada. Eu não sou nenhum intrujão. Olhe já estou calçado e tudo. Estou preparado para viajar.
- E vais a Ponta Delgada com quem e fazer o quê? – Perguntou a avó cada vez mais intrigada e incrédula.
- Vou com meu pai. Para lá vamos de barco e para trás vimos a pé. Meu pai vai fazer uma visita ao seu amigo, o senhor Nóia.
Cada vez mais admirada com tão inesperada notícia, a avó benzia-se, vezes sem conta:
– Eu me benzo do Coiso Mau – dizia ela. - Teu pai está doido. Caminhar assim sem mais nem menos, a estas horas, para Ponta Delgada… E vão voltar ainda hoje?…
Nessa altura apareceu à janela a tia Joana, sempre em casa, a varrer, a limpar, a cozinhar, mas também sempre a ouvir e a coscuvilhar tudo e a meter-se onde não devia. Com voz intrigante e ar cínico, indagava, curiosa:
– Quem é que vai a Ponta Delgada? Quem é, quem é?
O miúdo, com mais vontade de largar para o Cais do que estar ali a dar explicações, ainda foi esclarecendo:
- Sou eu, tia Joana. Sou eu e mais meu pai, tia Joana?
Logo uma condenação radical e incomplacente:
- Teu pai não tem uma pinga de vergonha! Ainda não há um ano que tua mãe morreu e ele já caminha para todos os lados. Não para em ramo verde! Nunca está em casa. É uma vergonha! Já toda a gente fala na freguesia.
Júlio nem lhe respondeu. Rodopiando sobre si próprio, largou em debandada, deixando no ar um anátema condenatório
– Canalha! Metam-se na sua vida. Mas se falam é porque minha tia ouve.
Na certeza de que Júlio já não a ouvia, Joana voltou-se para a mãe:
- E o pior, mãe, é que ele caminha para aqui e para acolá e manda os dois pobres piauzinhos mais velhos para as terras, sozinhos. Qualquer dia ainda acontece alguma desgraça. Onde é que se viu duas crianças daquela idade andarem a trabalhar sozinhos por essas terras de foices e machados, a ceifar feitos e cortar lenha!? Pobres piauzinhos! Ainda se vão cortar! É preciso não ter vergonha! E caminha aquela alma de Deus, com uma criança pequena, a estas horas, para Ponta Delgada!? Vão voltar para casa de noite, a umas lindas horas! Lá isso vão… Olhe mãe: ou eu me engano muito ou ainda se vão é perder naqueles matos.
A avó, levantando-se, muito a custo, lá se foi encaminhando para junto da mesa da sala, sobre a qual existia um oratório com a imagem de Santa Rita. Acendeu-lhe uma luzinha, bichanou umas orações e, muito segura e convicta, retorquiu para a filha:
- Deixa estar que Santa Rita há-de fazer o milagre de os guiar. Já lhe acendi a luzinha. Ela também os há-de iluminar, ser a luz para eles. E desceu as escadas do saguão que dava para a loja, a fim de se deitar.
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ERA UMA VEZ UM PAÍS
(UM POEMA DE JOSÉ CARLOS ARY DOS SANTOS)
Era uma vez um país
onde entre o mar e a guerra
vivia o mais feliz
dos povos à beira-terra.
Onde entre vinhas sobredos,
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
um povo se debruçava
como um vime de tristeza
sobre um rio onde mirava
a sua própria pobreza.
Era uma vez um país
onde o pão era contado
onde quem tinha a raíz
tinha o fruto arrecadado
onde quem tinha o dinheiro
tinha o operário algemado
onde suava o ceifeiro
que dormia com o gado
onde tossia o mineiro
em Aljustrel ajustado
onde morria primeiro
quem nascia desgraçado.
Era uma vez um país
de tal maneira explorado
pelos consórcios fabris
pelo mando acumulado
pelas ideias nazis
pelo dinheiro estragado
pelo dobrar da cerviz
pelo trabalho amarrado
que até hoje já se diz
que nos tempos dos passado
se chamava esse país
Portugal suicidado.
Ali nas vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
vivia um povo tão pobre
que partia para a guerra
para encher quem estava podre
de comer a sua terra.
Um povo que era levado
para Angola nos porões
um povo que era tratado
como a arma dos patrões
um povo que era obrigado
a matar por suas mãos
sem saber que um bom soldado
nunca fere os seus irmãos.
Ora passou-se porém
que dentro de um povo escravo
alguém que lhe queria bem
um dia plantou um cravo.
Era a semente da esperança
feita de força e vontade
era ainda uma criança
mas já era a liberdade.
Era já uma promessa
era a força da razão
do coração à cabeça
da cabeça ao coração
Quem o fez era soldado
homem novo capitão
mas tabém tinha a seu lado
muitos homens na prisão.
Esses que tinham lutado
a defender um irmão
esses que tinham passado
o horror da solidão
esses que tinham jurado
sobre uma côdea de pão
ver o povo libertado
do terror da opressão.
Não tinham armas é certo
mas tinham toda a razão
quando um homem morre perto
tem de haver distanciação
uma pistola guardada
nas dobras da sua opção
uma bala disparada
contra a sua própria mão
e uma força perseguida
que na escolha do mais forte
faz com a que a força da vida
seja maior do que a morte.
Quem o fez era soldado
homem novo capitão
mas também tinha a seu lado
muitos homens na prisão.
Posta a semente do cravo
começou a floração
do capitão ao soldado
do soldado ao capitão.
Foi então que o povo armado
percebeu qual a razão
porque o povo despojado
lhe punha as armas na mão.
Pois também ele humilhado
em sua própria grandeza
era soldado forçado
contra a pátria portuguesa.
Era preso e exilado
e no seu próprio país
muitas vezes estrangulado
pelos generais senis.
Capitão que não comanda
não pode ficar calado
é o povo que lhe manda
ser capitão revoltado
é o povo que lhe diz
que não ceda e não hesite
- pode nascer um país
do ventre duma chaimite.
Porque a força bem empregue
contra a posição contrária
nunca oprime nem persegue
- é a força revolucionária!
Foi
então que Abril abriu
as portas da claridade
e a nossa gente invadiu
a sua própria cidade.
Disse a primeira palavra
na madrugada serena
um poeta que cantava
o povo é quem mais ordena.
E então por vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
desceram homens sem medo
marujos soldados "páras"
que não queriam o degredo
de um povo que se separa.
E chegaram à cidade
onde os monstros se acoitavam
era a hora da verdade
para as hienas que mandavam
a hora da claridade
para os sóis que despontavam
e a hora da vontade
para os homens que lutavam.
Em idas vindas esperas
encontros esquinas e praças
não se pouparam as feras
arrancaram-se as mordaças
e o povo saiu à rua
com sete pedras na mão
e uma pedra de lua
no lugar do coração.
Dizia soldado amigo
meu camarada e irmão
este povo está contigo
nascemos do mesmo chão
trazemos a mesma chama
temos a mesma razão
dormimos na mesma cama
comendo do mesmo pão.
Camarada e meu amigo
soldadinho ou capitão
este povo está contigo
a malta dá-te razão.
Foi esta força sem tiros
de antes quebrar que torcer
esta ausência de suspiros
esta fúria de viver
este mar de vozes livres
sempre a crescer a crescer
que das espingardas fez livros
para aprendermos a ler
que dos canhões fez enxadas
para lavrarmos a terra
e das balas disparadas
apenas o fim da guerra.
Foi esta força viril
de antes quebrar que torcer
que em vinte e cinco de Abril
fez Portugal renascer (…)
J. C. Ary dos Santos
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O JOGO DO LENÇO
Umdos jogos colectivos mais praticados pela criançada, na Fajã Grande, nos anos cinquenta, era o “Jogo do Lenço”. No entanto, uma vez que exigia um bom número de participantes - cerca de uma dúzia – este jogo era realizado, geralmente, nas festas, sobretudo por altura das do Espírito Santo, neste caso, não apenas no dia da festa, mas também durante a semana que a antecedia, antes e depois do cantar das “Alvoradas” e da “Folia”, e até nos domingos que mediavam entre a Páscoa e o Pentecostes, enquanto se aguardava o acompanhamento da coroa do Espírito Santo que durante todos esses domingos era levada, em cortejo, solene, para a igreja paroquial, na hora da missa. No entanto, sempre que houvesse disponível um espaço amplo e, sobretudo, se a garotada disponível perfizesse o número de jogadores exigível, o jogo do lenço imperava.
Para além do espaço, o único material necessário era, apenas, um simples lenço da mão, que, preferencialmente, estivesse limpo, ao qual era dado um nó, para que este assentasse no chão, no lugar pretendido, quando fosse atirado pelo jogador que o transportava. Todos os jogadores, excepto um, formavam uma grande roda, dando as mãos uns aos outros, com o rosto, obrigatoriamente, voltado para o interior do círculo. O jogador que ficava de fora, que não fazia parte da roda, pegava no lenço e correndo por fora da roda, circulava ao redor mesma, numa marcha acelerada. Quando bem quisesse e entendesse, deixava cair o lenço atrás de um dos jogadores, por ele escolhido, e que fazia parte da roda. Havia, no entanto que ter em conta uma importante estratégia, a fim de que o objectivo do jogo fosse mais eficientemente atingido: convinha que o lenço fosse deixado cair atrás daquele jogador que lhe parecesse estar mais distraído. É que assim, eventualmente, conseguiria alongar o tempo entre o cair do lenço e o conhecimento desse facto por parte do jogador em causa. Os outros não o podiam avisar de que o lenço estava caído atrás dele. Quando este jogador, atrás de quem era deixado o lenço, se apercebia de tal facto, então largava as mãos dos vizinhos, abandonava a roda e corria atrás do jogador que lhe deixara o lenço, até o apanhar. Se o conseguisse, entregava-lhe o lenço, sendo o jogador apanhado obrigado a continuar a sua tarefa, enquanto o outro, triunfante, regressava ao seu lugar na roda. Caso contrário, isto é se o jogador demorasse na apanha do lenço ou não corresse o suficiente para atingir o objectivo do jogo – agarrar o que lhe deitara o lenço, - este jogador iria ocupar o seu lugar na roda, enquanto ele, o derrotado, ficava como que condenado a um suplício ou castigo, isto é, teria que ser ele, agora, a circular ao redor da roda, a deixar cair o lenço atrás de quem quisesse e corresse até não ser apanhado por um terceiro, quarto ou outro jogador, atrás de quem ia deixando cair o lenço.
Ufanavam-se de vitória, aqueles jogadores que ao terminar o jogo, não tinha sido “obrigados” a circular ao redor da roda, com o lenço, pois sempre que o lenço lhe tivesse sido colocado atrás, apanhavam todos os que ali os haviam deixado.
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O PAJEM INVEJOSO
(CONTO POPULAR)
Conta-se que certa vez, estavam El-rei de Portugal, D. Dinis e sua mulher, a Rainha Santa Isabel, a estanciar numa aldeia, para os lados de Leiria, onde o rei havia mandado plantar um pinhal, o que faziam sempre que era possível.
Certa manhã, foi o Rei galopar, pelos campos, levando consigo um pajem que tinha inveja de um outro pajem que era muito valoroso e mui estimado por El-rei. Num abrandamento da corrida, para descanso dos animais, o moço fidalgo invejoso disse ao rei, que o outro pajem estava apaixonado pela Rainha.
O Rei Lavrador mostrou acreditar na palavra do seu acompanhante e vendo, ali perto do lugar onde estavam, um forno de cozer cal, a arder com enormes labaredas, imediatamente combinou com o forneiro de que, dentro de poucos dias, um pajem o iria procurar e lhe diria que ia para cumprir as ordens do seu Rei e Senhor. Mais lhe disse El-rei que, logo que dissesse tais palavras, lhe pegasse e o metesse no forno, pois que assim convinha ao seu serviço.
Passados uns dias, ao regressar à corte, o Rei, como planejara, mandou o pajem, vítima inocente da intriga do outro pajem invejoso, ir ter com o forneiro, da aldeia onde havia estanciado.
Este pajem, porém, que além, de destemido e considerado, era um homem justo e temente a Deus, ao passar por uma capelinha onde se celebrava missa entrou e cumpriu os preceitos de bom religioso, assistindo à missa e comungando. E ali se demorou um bom pedaço, em oração.
O pajem invejoso, ansiando por saber se as ordens do Rei já estavam a ser cumpridas tão fielmente como haviam sido dadas, não teve mão na sua maldade e meteu a galope em direcção ao forno indicado pelo rei, para saber se o pajem, supostamente traidor, já tinha chegado e se as ordens de Sua Real Majestade, estavam cumpridas.
Palavras não eram ditas e o forneiro e os seus ajudantes agarraram no pajem invejoso e meteram-no forno.
E assim, devido à sábia perspicácia de El-rei, morreu queimado um invejoso e intriguista, salvando-se o bondoso e honesto pajem de Sua Majestade.