PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
METAMORFOSE IMPERFEITA
Sala de estudos!
Refeita, reestruturada,
substancialmente, metamorfoseada.
Mas ali estão ainda,
Inapagáveis no tempo,
- metamorfose imperfeita -
os lugares,
os traços,
os riscos,
os ninhos,
onde
plantámos
e cultivámos
sonhos infindáveis.
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QUE FAZEIS AÍ, SOLDADO
Poema oral, recitado e cantado, antigamente, na Fajã Grande e recolhido por Pedro da Silveira, em 1944. Foi-lhe recitado por José Inácio da Ponta, tendo-o publicado na Revista Lusitana, Nova Série,em 1966:
«Que fazeis aí, soldado, ao rigor da estação?»
«’stou metendo sentinela, aindas que nã seja um cão.»
A camisa era tão grossa, serviria de colchão.
«Ei-lo aqui o triste pago que dão a este batalhão.»
As calças eram tão largas, faziam sombra no chão.
«Ei-lo aqui o triste pago que dão a este batalhão.»
As meias eram tão ralas, boas de pescar camarão.
«Ei-lo aqui o triste pago que dão a este batalhão.»
Os sapatos eram tão grandes, palmo e meio de tacão.
«Ei-lo aqui o triste pago que dão a este batalhão.»
A comida era tão pouca, em vez de carne feijão.
«Ei-lo aqui o triste pago que dão a este batalhão.»
«Amigo se queres, vamos ao palácio reclamar.
Se o rei não te der razão, cá stou eu p’ra agrumentar.»
O rei nim uma num duas, como se fosse de pau.
A rainha antão dizia: «Deves de ser grande marau.»
«Eu não sou nenhum marau, nim pretendo a Angola;
Só quero o meu livramento, não peço nenhuma esmola.»
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MANUEL MACHADO
Manuel Machado Lajes, ilha Terceira, em 7 de Julho de1932. Fixou-se em Lisboa onde viveu até 1963 e nesse ano emigrou para França vivendo até 1971 em Paris onde trabalhou e completou os estudos em Psicologia. Participou na vida cultural da emigração portuguesa em Paris e Londres estando representado em antologias dessa época. Casou com uma senhora norueguesa fixando-se a partir de 1974 em Oslo como funcionário da Biblioteca da Universidade. Colaborou, em 1983, no estudo colectivo da UNESCO e publicou um ensaio intitulado «Living in Two Cultures».
É um escritor da escola surrealista com vasta obra publicada distinguindo-se no conto, na novela, na crónica, na prosa poética e o memoralismo. É colaborador da revista Atlântida, do Instituto Açoriano de Cultura e do suplemento literário «Quarto Crescente», do jornal angrense Diário Insular, coordenado por Álamo Oliveira. Tem publicado em português e norueguês. Desde os anos oitenta que visita regularmente os Açores. Foi condecorado pelo Presidente da República com o grau de oficial da Ordem de Mérito e recebeu a medalha de valor cultural da Câmara Municipal da Praia da Vitória.
Obras principais em língua portuguesa: Enquanto os coveiros dormem, Virtudes, reis moscas e outras hortaliças e Quebra-cabeças e nozes.
Dados retirados do CCA – Cultura Açores
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O SOLDADO QUE FOI PARA O CÉU
(CONTO TRADICIONAL)
Era uma vez um soldado que adoeceu quando estava no quartel. O Comandante mandou-o para casa a fim de se curar, com a condição de que, quando ficasse bom, regressasse ao quartel.
O soldado assim fez e, pelo caminho, ao passar por uma ponte encontrou um velhinho muito pobre e fraco, que nem forças tinha para atravessar a ponte. O soldado nunca tinha feito bem a ninguém, mas naquele instante teve pena do velhinho e decidiu ajudá-lo. Para isso carregou-o às costas e atravessou a ponte. Logo que chegou ao outro lado, pôs o velho no chão, e ia despedir-se dele, quando este lhe disse:
− Amigo, obrigado por me ter ajudado. Agora peça-me alguma coisa, a fim de que eu lhe possa agradecer a ajuda que me deu.
− Ora essa – disse o soldado - o que lhe hei-de eu pedir?
− Peça tudo o que quiser. – Respondeu o velho
O soldado pediu-lhe então o seguinte: - Sempre que disser: "Salta aqui para a minha mochilinha!" nenhuma coisa deixe de obedecer às minhas ordens. E que onde quer que eu me assente ninguém me possa mandar levantar.
O velho disse-lhe que estava concedido o que desejava e desapareceu.
O soldado partiu para casa, muito contente, até se curar. Quando ficou bom decidiu não regressar ao quartel e nunca mais trabalhar. Assim viveu durante algum tempo sem fazer nada, sem lhe faltar coisa nenhuma. Se queria pão, carne, vinho, dinheiro, bastava dizer: "Salta aqui para a minha mochilinha", e tinha logo tudo o que queria.
Um dia o soldado adoeceu novamente e estava quase a morrer. O Diabo aproximou-se dele para lhe levar a alma, mas o soldado logo que o viu, gritou: "Salta aqui já para a minha mochilinha!". O Diabo saltou logo para dentro da mochila a qual o soldado mandou, de imediato, levar a casa do ferreiro para que lhe malhasse em cima até desfazer o Diabo por completo. Poucos dias depois o soldado morreu, e como tinha passado sempre na má vida, sem trabalhar e sem ajudar mais ninguém, foi parar à porta do Inferno. O Diabo assim que o viu, com medo de ser batido outra vez, mandou fechar todas as portas e janelas do Inferno, a fim de que o soldado ali não entrasse.
Foi o que o soldado quis, porque assim foi logo a correr bater à porta do Céu. São Pedro assim que o viu, disse-lhe:
− Vens enganado! Não entras cá. Não te lembras a vida de preguiçoso que levavas enquanto vivias?
Responde-lhe o soldado:
− Ó Senhor São Pedro, o Diabo não me quis no Inferno. Eu agora para onde hei-de ir?
− Arranja-te lá como puderes. – Respondeu São Pedro, fechando a porta.
Mas como São Pedro demorasse a fechá-la, o soldado aproveitou para pegar no seu barrete e atirá-lo lá para dentro, dizendo:
− Ó Senhor São Pedro, deixe-me ir apanhar o meu barrete.
O soldado viu meia porta do Céu aberta, e pega no barrete e atira-o lá para dentro, e disse:
− Ó Senhor São Pedro, deixe-me ir apanhar o barrete.
São Pedro deixou e o soldado, então, aproveitou para se sentar, por um momento na cadeira de São Pedro que, bem o queria mandar sair mas não conseguia. Foi, então, queixar-se a Nosso Senhor, que lhe disse:
− Deixa-o entrar Pedro, não tens outro remédio, porque assim lhe estava prometido, desde o dia em que ele fez uma boa acção, ajudando o velhinho a atravessar a ponte.
E assi, o soldado, por ter praticado apenas uma boa obra, ficou para sempre no Céu.