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O PICO OU A VERDADEIRA ILHA DE BRUMA

Quarta-feira, 19.02.14

Mesmo que já tenhamos aportado inúmeras vezes à maior ilha do grupo central açoriano, quando, novamente, o fazemos não nos limitamos, apenas, a sentir os pés no terreiro, onde os nossos avós bailaram o pezinho ou a chamarrita. Na realidade e sempre que de novo e mais uma vez se arriba ao Pico, para além dos ecos de um passado egrégio e progénie, emergimos num universo a abarrotar de um sem fim de sensações envolventes e dinâmicas, que nos enlevam em encanto e nos sublimam em deslumbramento. Calcorreiam-se atalhos e veredas atapetados de musgo, balizados por bardos de incenso e faia, caminhos ornados de madressilva e poejo, uns e outros construídos nas encostas pedregosas da ilha, muitos deles, quiçá, nos primórdios do seu povoamento. Depois, envolvidos por um silêncio perturbador, penetramos entre o verde das pequenas florestas, a abarrotar de faias, sanguinhos, paus brancos, folhados e uva do mato. Do chão térreo, anos a fio domesticado por alviões manejados sabiamente pelos nossos avós, emerge um perfume a enxofre e a lava e do mar, onde ainda são visíveis as rilheiras dos botes baleeiros e das traineiras, aflora um sabor a uma maresia destemida e deslumbrante. Por entre as brumas e os nevoeiros matinais, ergue-se um cântico de dolência adormecida. É no Pico, talvez por ser a mais jovem ilha açoriana, que sentimos, mais do que em nenhuma outra, correr-nos, nas veias, um basalto negro, ainda vivo, uma seiva, um suco, um mosto, disfarçado de espuma, umas vezes sublime e delicioso, outras angustiante e perturbador, mas sempre dulcificado e apetecível, personificado naquele torrão pétreo onde o florido das orquídeas e das azáleas se mistura com o desabrochar dos primeiros rebentos das figueiras e das vides. É também este basalto negro, como que ensanguentado, que nos trás à memória a labuta de um povo de pastores e baleiros que escreveu a sua história com cajados e remos, gravando-a, para sempre, nas pedras basálticas das encostas e nos rochedos dos baixios e escolhos da beira-mar. É este gigante adormecido, de magma e enxofre que nos traz à lembrança, cada vez que olhamos os socalcos e andurriais da montanha que o personifica, os fantasmas das sombras enigmáticas da lava dos vulcões e os ecos roufenhos do rugido de abalos e terramotos. É esta tremenda e invulgar força telúrica, adormecida no seu seio e armazenada no seu interior, é esta estranha e paradigmática sensação de se ter a alma presa a um alvoroço extrusivo, profundo e místico, que nos deslumbra e faz sonhar, ao mesmo tempo que nos emaranha nos meandros de uma natureza pura e virgem, donde brotam vinhedos fecundos e de sabor adocicado, ladeados por muros singelos de lava carcomida, encostas recheadas de um bruto esplendor, maroiços a abarrotar de pedregulhos saltitantes, paisagens transparentes de uma pureza diáfana, veredas marcadas com o marulhar contínuo das albarcas e dos pés descalços, campos fecundos, ornados de uma vegetação atrevida, metamorfoseada num verde luxuriante que ora povoa os pastos repletos de manadas, ora cobre as encostas de arvoredos e arbustos ou reveste as pequenas courelas de legumes e cereais.

O Pico é assim, como uma princesa revestida de bruma, que as gaivotas beijam e enternecem com mimos e carinho. Sempre que o revistamos de lés-a-lés, encontramos a dolência embevecida das ondas, o eco oscilante das marés ou, até, a braveza incontrolável do oceano e encantamo-nos, deliciosamente, com a inebriante doçura das lagoas e deslumbramo-nos, em excelência, com a ternura sorridente das hortênsias. E como se isso não bastasse, ainda nos fica, no peito, o estigma da ardência das caldeiras e das fumarolas dos vulcões. Por tudo isso é que o Pico é a primeira entre as verdadeiras ilhas de bruma, porque revestida com o negro do basalto, com o verde da esperança e envolta com o azul do mar e o branco baço dos nevoeiros.

Razão tinha o poeta Manuel Alegre, quando, demandando o Pico, procurava uma ilha de bruma, “… uma ilha sobre o vento e a espuma/Agora tenho-a à minha frente/ilha de bruma./Buscava um lugar santo um canto um cântico/um triângulo mágico uma palavra um fim./E vejo um grande pico sobre o atlântico/e uma ilha a nascer dentro de mim”.

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publicado por picodavigia2 às 16:50

PÃO ADUBADO

Quarta-feira, 19.02.14

Na Fajã Grande, antigamente, chamava-se “Pão Adubado” à tradicional Massa Sovada, comum a todas as ilhas açorianas e intimamente liga às festas d Apenas o nome variava. De resto, no que à sua confecção dizia respeito, tudo era muito semelhante ao que se fazia nas outras ilhas.

Assim os ingredientes necessários eram, para além da farinha de trigo, fermento e água, o açúcar, a manteiga, a raspa de limão, um pouco de vinho abafado, noz-moscada, sal, leite e ovos. Estes, juntamente, com o leite e o açúcar constituíam o tal adubo que tornava este pão tão especial, saboroso e diferente quer do pão de trigo, cozido apenas pelas festas, quer do de milho dos dias habituais.

Para preparar este verdeiro luxo que, nas casas mais pobres, apenas se usava pela festa do Espírito Santo, nos casamentos e para fazer os bonecos de Santo Amaro, batiam-se os ovos com o açúcar muito bem batidos, misturava-se o fermento que era feito de véspera, a casca dos limões raspada, a noz-moscada, também raspada, o vinho abafado, o sal, a manteiga amolecida, o leite e, por fim, a farinha. Amassa-se tudo muito bem amassado, de modo a dar uma espécie de sova na massa com as costas da mão e deixava-se a levedar, tapando o alguidar com um cobertor grosso. Depois tendia-se o pão, formando bolas redondas, que se douravam com gema de ovo. Finalmente, iam a cozer no forno bem aquecido com lenha e bem varrido com o varredouro de ramos verdes.

Por alturas da Páscoa também se cozia um pão semelhante a este, chamado folar e que levava no cimo um ovo ou um toro de linguiça. Pelo Carnaval era também com esta massa que se faziam as filhós.

Pão Adubado, assim chamávamos manjar celeste que tão raramente saboreávamos.

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publicado por picodavigia2 às 11:56





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