PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
JOSÉ BENSAÚDE
José Bensaúde nasceu em Ponta Delgada, a 4 de Março de 1835, tendo falecido em1922, tendo pertencido à primeira geração de judeus naturais dos Açores.
Cuida.se que foi a falência comercial de pai que o impediu de seguir uma carreira totalmente dedicada às letras, como teria sonhado. Autor de algumas poesias e regular colaborador na imprensa local, José Bensaúde manteve, até ao fim da sua vida, um peculiar interesse pela cultura e literatura. De resto, ao longo dos anos, a sólida amizade com Antero de Quental, a obsessão com a reunião de informações sobre a produção e a transformação de tabaco e o cuidado posto na educação de seus filhos são reveladores do seu incessante interesse pelas letras e pelo desenvolvimento científico e tecnológico do seu tempo.
Com 23 anos de idade, em 1858, José Bensaúde foi convidado para organizar uma das mais importantes fortunas fundiárias da ilha de S. Miguel – a casa do Morgado Caetano de Andrade Albuquerque, enteado de António Borges da Câmara Medeiros. Até 1870, José Bensaúde desempenhou com competência e dedicação estas funções. A fama que granjeou como administrador tornou-o respeitado no universo dos negócios da ilha, sendo depois convidado pelo Visconde da Praia, irmão de António Borges, também grande proprietário fundiário da ilha, para organizar a contabilidade de sua casa. Organizou ainda as contabilidades agrícolas de Ernesto do Canto e de Jacinto Fernando Gil, visconde do Porto Formoso. Anos mais tarde, a título de amizade, administrou os bens de Maria Carlota da Câmara Borges, viúva de António Borges e administrou, também, as propriedades do Conde da Ribeira Grande - o maior senhor fundiário da ilha.
A fama de gestor competente e escrupuloso valeu-lhe a nomeação para desempenhar o cargo de secretário da Junta Administrativa das Obras do Porto Artificial de Ponta Delgada, onde permaneceu entre 1861 até 1872 – desde a data da fundação à da dissolução. A José Bensaúde cabia a gestão dos dinheiros e a encomenda dos materiais para a construção do porto.
José Bensaúde também se interessou pela cultura do chá, tendo construído uma pequena fábrica de secagem, preparação e manipulação das folhas de chá. Também a plantação de matas de criptomérias esteve entre os seus investimentos, pois a lenha era um inestimável combustível para o forno de cal, para a secagem do chá e para a preparação do tabaco. As matas também forneciam a indispensável madeira para construir as caixas para o transporte, outrora da laranja, e, agora, do ananás.
Paralelamente aos projectos agro-industriais, José Bensaúde ainda teve interesses na navegação. Tinha acções na Empresa Insulana de Navegação e na Empresa Nacional de Navegação. Também negociava aprestos marítimos, fornecia carvão aos vapores e era sub-director de uma companhia espanhola de seguros mútuos. José Bensaúde também possuía inúmeras acções. Detinha uma carteira de títulos de empresas micaelenses, no valor de quase cem contos de réis. À semelhança dos demais empresários de sucesso da ilha de S. Miguel, também adquiriu acções da Companhia de Seguros Açoreana, Banco Micaelense e Fábrica de Santa Clara. Trabalhador infatigável, José Bensaúde morreu milionário aos 87 anos. Deixou uma importante fortuna construída por si.
Como escritor destacou-se com as obras Genealogia Hebraica. Portugal e Gibraltar, séculos XVII a XX, A Vida de José Bensaúde, José Bensaúde: self made man e Os Judeus Sefarditas entre Portugal, Espanha e Marrocos.
Dados retirados do CCA – Cultura Açores
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O DESCANSADOURO DA RIBEIRA
Interessante embora prescindível, o descansadouro da Ribeira. Interessante porquanto ladeado pela Ribeira, prescindível pois ficava a dois passos de um seu congénere gigante - o descansadouro do Alagoeiro - com o quase inédito e inexaurível dom de ser dos poucos da Fajã Grande que possui água potável. Afinal e bem vistas as coisas, a Ribeira também possuía água e muita. Mas a água da Ribeira, apesar do seu forte e permanente caudal, da sua pureza cristalina e do seu doce ciliciar-se por entre pedregulhos e moitas de agriões, não era bebível, servia apenas para criar enguias, para lavar roupa e tripas, para os animais beberem e, mais cá para baixo, quase junto ao mar, para mover os moinhos.
Paralelo à própria Ribeira, este descansadouro, que dela recebia o nome, tinha como principal razão da sua existência ou enigmática edificação, o arame, ou seja, aquele enorme fio de aço esticadíssimo, que unia o cimo da Rocha com o chão, mas a uma boa distância da base, a fim de que, tornando-se inclinado, molhos de lenha, de fetos, de bracéu e de erva deslizassem por ali abaixo até se açaparem, uns sobre os outros, num enorme largo que existia cá em baixo, junto à junção da Ribeira com os caminhos da Figueira e da Escada-Mar e que tinha espetadas umas enormes e grossas estacas, onde estava preso o portentoso e inclinado arame. Com o tempo, porém, o descansadouro da Ribeira foi crescendo e alterando o seu estatuto de se reduzir ou limitar a ser apenas uma espécie de serviço de apoio ao dito cujo. O descansadouro da Ribeira também tinha como plano B, servir aos homens que vinham, quer das Águas, quer da Figueira, quer do próprio lugar da Ribeira, carregando, às costas; molhos pesadíssimos de erva, encharcada de água e de limos ou cestos de inhames, muito acaculados e com uma outra folha verde que remanescia como prova do seu crescimento e excêntrico tamanho. E como se isso não bastasse para que aquele local de descanso e de paragem de homens crescesse e ombreasse com o seu congénere do Alagoeiro e quejandos, era o facto de ali em frente ser o local predestinado para as mulheres lavarem a roupa. Muitas mulheres também ocupavam os seus degraus, transformados em assentos, lado a lado com os homens enquanto outras, apesar de objectoras assumidas a tão pouca ortodoxa convivência, não se coibiam de dar dois dedos de conversa aos que a elas se dirigiam, louvando, elogiando, mimoseando e, sobretudo, mirando algum nesga de perna que a saia puxada para cima deixasse vislumbrar, enquanto ajoelhadas a beira do açude, inclinadas sobre os toscos lavadouros de pedra, balanceavam o corpo, em movimentos convulsivos.
Todo este dinamismo e esta excentricidade concediam a este descansadouro um misticismo inebriante, transformando-o num recanto de enlevo, por vezes de namoro.
Os molhos eram colocados sobre as paredes, no rodo em que o próprio caminho vindo do Alagoeiro, entrava, abruptamente, pela ribeira dentro, na margem direita. Entre este e a Canada das Águas a própria ribeira transformava-se em via de circulação para os animais, enquanto os humanos caminhavam sobre uns rebordos laterais, construídos para o efeito. Alta a parede protegia do vento norte e facilitava o estatuto dos voyeurs que ali se sentavam, uma vez que os assentos de pedra ali colocados desembocavam sobre a própria ribeira, onde ficava o açude preferido das lavadeiras.
Nos dias em que se apanhava bracéu ou ceifava feitos nas relvas do Mato, o Descansadouro da Ribeira vivia um reboliço desusado. Eram dezenas e dezenas de molhos atirados pelo arame e, cá em baixo, no largo que lhe servia de plataforma de suporte, dezenas de homens, mulheres e crianças, os mais lestos a retirá-los e os outros a acarretá-los, às costas para o caminho, onde aguardavam que os carros de bois e os corções os trouxessem para casa.
Nos restantes dias, o Descansadouro da Ribeira, vivia uma tranquilidade tranquila, normal e desconcertante, apenas intercalada por momentos de vivências mais intensas, como o lavar das tripas, os dias de oitono, com o gado amarrado à estaca nas forrageiras das terras circundantes ou em dias de fio quando, sobretudo, as mulheres e as crianças, ali se sentavam, antes de subir aquele alcantil pétreo e abruto, que era a Rocha que, no entanto, o abrigava do vento, quando este soprava de leste.
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INOCÊNCIA
Dormíamos
Sobre rios de inocência,
Porque o Sol,
Em cada madrugada,
Nunca se esquecia de apagar o resfôlego dos temporais.
Por isso cantávamos…
E rezávamos…