PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
ÚLTIMO LUME
Dos gravetos que restam
Faz um último lume
No silêncio das coisas
Confirmando o destino.
Resendes Ventura / Manuel Medeiros, in A Noite Enlouqueceu o Silêncio.
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AS FILHÓS DO ENTRUDO
Na Fajã Grande não havia Entrudo sem mascarados, sem danças e, sobretudo, sem filhós. Fazer filhós era um hábito antiquíssimo e, por isso mesmo, na altura da folia carnavalesca, não havia casa que as não confeccionasse, com mais ou menos ovos, com muito ou pouco açúcar, com mais farinha de milho do que de trigo, de acordo com as posses de cada um.
Os ingredientes eram relativamente fáceis de adquirir, pois eram quase todos caseiros, com excepção da farinha, do açúcar e da canela que eram comprados nas lojas. Para um bom alguidar de filhós bastava um quilo de farinha de trigo e outro de açúcar, uma porção de banha de porco, ovos, casca de limão, água, um pouco de fermento e canela, em pau e em pó.
Para as confeccionar começava-se por juntar ao fermento, devidamente preparado na véspera, a farinha, o açúcar, os ovos, a casca ou raspa de limão e o pau de canela, misturando-se tudo com a água até se formar uma pasta homogénea ou seja com os ingredientes todos muito bem ligados. Com o lenço da cabeça colocado de “calafate”, para não caírem cabelos, amassava-se a mistura muito bem amassada, até ficar muito fofinha, devendo de seguida repousar durante algum tempo até levantar até encher o alguidar. Depois de amassar e antes de se cobrir com grossos cobertores, a mulher que amassava devia benzer, traçando com o lado exterior da mão direita uma cruz sobre a massa e rezando a seguinte jaculatória: “Sam Juan ta fermente e Santantonho ta crescente.” Quando pronta ou seja quando a massa subisse ou “viessse”, colocava-se o alguidar sobre o lar e levava-se ao lume uma sertã com bastante banha de porco. Com as mãos cortavam-se pedacinhos da massa que se esticavam bem esticadinhos (até podiam rebentar a meio) e eram postos a fritar, devendo ser virados e retirados quando bem alourados. Escorrida a gordura as filhós eram polvilhadas com açúcar misturado com canela em pó, mas muitas vezes e para poupar açúcar comiam-se tal qual como vinham do lume. E mesmo assim eram muito boas. Deliciosas!
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AÇORIANIDADE
No sentido de procurar uma definição clara e concisa do conceito de “açorianiedade”, encontrei a seguinte, numa tese de doutoramento da Universidade dos Açores, da autoria de José Manuel Dias Batista, sendo o tema da Contributos para uma noção de açorianidade literária.
“A açorianidade é o reconhecimento duma identidade cultural que se formou a partir das condições geográficas, meteorológicas, geológicas e históricas do arquipélago dos Açores. A açorianidade literária é a forma como os escritores açorianos representam a vivência insular nas suas obras, criando uma literatura regional com caraterísticas próprias, mas pertencente à literatura portuguesa.”
José Manuel Dias Batista, in Contributos para uma noção de açorianidade literária-
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JOSÉ MARTINS GARCIA
José Martins Garcia nasceu na freguesia da Criação Velha, na ilha do Pico, em 17 de Fevereiro de 1941 e faleceu na Lagoa, ilha de S. Miguel, em 3 de Novembro de 2002. Para além de escritor foi professor universitário em Lisboa e nos Açores. Tanto a sua carreira de professor e de crítico literário, como a de escritor, o tornaram digno de referência na sua geração. Bom aluno desde a escola primária, já nessa fase dizia querer ser escritor e mostrava propensão para as letras. Fez estudos secundários na Horta e em Lisboa. As suas vivências, ainda como adolescente, na capital, influenciaram a sua obra literária. Licenciou-se em Filologia Românica pela Faculdade de Letras de Lisboa em 1969, tendo sido aluno de Vitorino Nemésio, Jacinto Prado Coelho, Lindley Cintra, Maria de Lurdes Belchior e de David Mourão-Ferreira. Nemésio e Pessoa foram as suas preocupações críticas, objecto de trabalhos académicos e «modelos» estéticos de forte referência. Além de aluno, José Martins Garcia conviveu com Nemésio em viagens de navio entre Lisboa e os Açores, o que lhe proporcionou aceder a algumas confidências literárias do autor de Mau Tempo no Canal. José Martins Garcia foi leitor de Português em Paris, assistente de Linguística Geral na Faculdade de Letras de Lisboa, Professor-visitante na Brown University e professor na Universidade dos Açores onde se doutorou com uma tese intitulada «Coração Despedaçado» (Subsídios para um estudo da afectividade na obra poética de Fernando Pessoa). Era, de resto, um projecto que já trazia adiantado dos Estados Unidos: um trabalho que, segundo David Mourão-Ferreira, o coloca «na primeiríssima fila dos grandes especialistas da obra de Fernando Pessoa» Professor na Universidade dos Açores, José Martins Garcia leccionou, primeiramente, Linguística, depois direccionou-se para a Literatura, vindo a ocupar a cátedra de Teoria da Literatura até se aposentar. O seu lado de docente e de crítico é faceta muito importante da sua personalidade, na qual se cruzam o criador, o crítico, o professor. «só eu sou o sem deus a contas só comigo»
A obra ficcional de José Martins Garcia é mais conhecida e abundante. Alguns seus contemporâneos contam que terá ensaiado ficção ainda aluno da Universidade e terá mostrado a amigos. O livro não agradou e, num ataque de fúria, tê-lo-á destruído, na lareira da casa onde habitava no Conde Redondo. Martins Garcia era um temperamental a quem a experiência da guerra na Guiné ainda abalou mais os nervos. Martins Garcia ficou fortemente marcado pela experiência das privações, pela violência, pelas incertezas do quotidiano da guerrilha.
Na obra de ficção de Martins Garcia nota-se ironia, sarcasmo e amargura. Não só são evidentes algumas notas disfémicas na reconstituição de alguns ambientes de Lisboa, quer dos anos de estudante, quer mesmo do 25 de Abril, como a recordação de uns Açores de infância e adolescência, iluminada, depois, pelas leituras de história e pela própria reflexão. Ficamos então com uma imagem de ilhas ignotas, caracterizadas por pobreza real e pobreza cultural, por uma religiosidade primária e quase grotesca, por uma aridez do clima e das pessoas. Talvez pensando em especial no Pico da sua infância, lhe ficou esse mundo árido, amargo, injusto, que se esconde porém por detrás de uma paisagem muito bela. A Fome, por exemplo, é uma amarga narração de vivências do estudante das ilhas «perdido» no continente, mas é também um mundo fantástico e simbólico, no qual embrecha uma narrativa histórica do padre António Cordeiro. Há realismo amargo na viagem «paradigmática» dos navios da Insulana (as privações e horrores do enjoo em segunda ou terceira classes de um paquete velho, o destino incerto do estudante, os anos difíceis da capital no fim do regime salazarista. Mais do que a habitual violência verbal, a Fome aponta para uma fome simbólica : isolamento, emigração, terramotos.
A obra de José Martins Garcia, como se vê na dedicatória de A Fome, é quase toda ela uma «descida aos infernos», um acto de preenchimento de uma solidão profunda: «Procuro-me como um fantasma que regressa ao lar (...). [...]. Procuro-me na fome imorredoura.» (A Fome). A vida em Monte Brabo é uma pasmaceira, uma rotina; a montanha do Pico uma espécie de presença tutelar, mas também quase um fantasma – como vê no Conto «Depois do fim do mundo».
São evidentes na obra de José Martins Garcia um sentimento de amarga solidão, de ironia e de sarcasmo veiculados numa linguagem contundente ou mesmo disfémica, com uma repulsa pelo falso moralismo, uma tendência caricatural contra os «bons propósitos» da sociedade, ou até mesmo acerca das contradições da Revolução Mas toda essa irreverência e essa «violência» verbal se fazem num uso impecável da Língua Portuguesa, que se afina no seu ensaísmo e nos seus trabalhos de natureza académica. A obra de José Martins Garcia é já objecto de teses académicas em Universidades Portuguesas e estrangeiras (nomeadamente no Brasil e nos E.U.A.). António Machado Pires
A sua obra apresenta uma diversidade de intervenções, que vão desde o ensaísmo, à poesia, passando pelo romance, pelo conto e pela crítica jornalística.
No jornalismo português destacou-se, antes e depois do 25 de Abril, no República, Jornal Novo, A Luta, A Capital, o Diário de Notícias, O Diabo e a Vida Mundial. No ensaio e crítica: Linguagem e Criação, Cultura , Política e Informação, Vitorino Nemésio .A Obra e o Homem, David Mourão-Ferreira. A Obra e o Homem, Temas Nemesianos, Fernando Pessoa – “Coração Despedaçado”, Para uma Literatura Açoriana, David Mourão-Ferreira – Narrador, Vitorino Nemésio – à luz do Verbo e Exercício da Crítica(1995). No teatro: Tragédia Exacta e Domiciano. No conto: Katafaraum é uma Nação, Alecrim, Alecrim aos Molhos, Querubins e Revolucionários, Receitas para Fritar a Humanidade, Morrer Devagar, Contos Infernais e Katafaraum Ressurecto. No romance: Lugar de Massacre, A Fome, O Medo, A Imitação da Morte, Contrabando Original e Memória da Terra. Na poesia: Feldegato Cantabile, Invocação a um Poeta e Outros Poemas, Temporal e No Crescer dos Dias.
Dados retirados do CCA – Cultura Açores
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RUA ESCURA
Rua Escura. Rua da noite preta, com sabor a alecrim peçonhento, onde resfolgam sombras apavorantes, aninhadas sob os débeis estertores dos salgueiros ressequidos. Rua de carrascos, de facínoras, de déspotas, calafetada com o restolho de maçãs apodrecidas e caiada com dejectos de lodo languescido. Rua pútrida, onde os cães mijam em repuxo e onde eflui um atribulado cheiro a cio de ratazanas. Rua sem luz, sem claridade, onde as portas das casas, forradas com as farripas das pedreiras abandonadas, apenas, ostenta crisântemos desfolhados, em putrefacção. Rua de um abismo sórdido, carregado de putrescências e fezes. Rua derrelicta, indesejada, perversa, infectada, a abarrotar de fezes putrefactas. Rua abantesma, rua chavascal, rua churra, rua abstrusa, rua execrável. Rua aleijada, torta desfeita, ensanguentada pelas lágrimas dos choupos perdidos entre os sufocos das manhãs desertas, sem sol e sem o cântico das cotovias. Rua pobre, miserável, infame parceira duma humanidade também ela desfeita, intranquila, a balouçar entre as golfadas sufocantes das baleias moribundas. Rua embalada em sacudidelas da escuridão, da desventura, no restolho de alecrim podre e malcheiroso, onde os gritos dos pardais são ganâncias de desespero estéril, de raiva e de morte. Rua, invertida, voltada, rebolada, revirada de cima para baixo e de baixo para cima. Rua do individualismo, da maldade, da ganância, dos abismos nascidos e cultivados em odres de barro putrefacto. Rua modelo de morte, de terror e de traição onde foi injectada a avidez, a cobiça, a castração do destino. Rua dos passos cerceados por mordaças atrozes, indignas, mascadas e atiçadas em fogueiras de enxofre pútrido. Rua de maldades pérfidas, desejos pútridos e vontades anuladas. Rua atrofiadora de desejos, castradora de aspirações, defensora da destruição total e absoluta.
Rua Escura como a noite podre.
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REAL
MENU 29 – “REAL”
ENTRADA
Canapés simples de favas e carne de porco,
PRATO
Rolo de filete de pescada, recheado com salmão, legumes e ervas aromáticas.
Puré de talos de brócolos e maçã. Rodelinhas de cenoura barradas com creme de queijo fresco, com sabor a salmão
SOBREMESA
Pêssego de calda e Gelatina do mesmo.
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Preparação da Entrada: Aproveitar sobras de um guisado de favas com carne de porco, dispor, num prato, quadradinhos de tostas e cobri-las, alternadamente, um com favas outro com carne. NB – As favas devem ser substituídas por figellots.
Preparação do Prato – Preparar o filete de modo a que se possa enrolar e temperá-lo juntamente com o salmão. Cozê-los com os legumes e esmagar. Estrugir um pouco de cebola e alho em azeita, juntar o esmagado, temperar e reduzir a pasta. Estender o filete, barrá-lo com a pasta e enrolá-lo em película aderente, formando um rolo atado nas pontas. Cozer ao vapor, juntamente com os talos e a maçã e reduzir a puré, juntando creme de queijo fresco. Cozer as rodelas de cenoura e barrá-las com creme de queijo. Desembrulhar o rolo e alourá-lo em azeite perfumado a alho e ervas. Empratar
Preparação da Sobremesa - Confecção tradicional.