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NA GLÓRIA

Segunda-feira, 31.03.14

“Quem se vira na glória.”

 

Embora, mais propriamente, seja um dito do que um adágio, esta expressão era muito utilizada na Fajã Grande, na década de cinquenta. O seu uso manifestava um sentimento de desânimo, aborrecimento ou vontade de renúncia a qualquer empreendimento que se pretendesse realizar e se tivesse dificuldade em conseguir ou qualquer objectivo que se quisesse atingir e não se obtivesse. Assim e num momento de desânimo ou perante um objectivo fracassado surge o desejo da felicidade eterna, uma vez que a palavra glória aqui significa a glória celeste, ou seja, o céu. Por isso este dito também era utilizado numa outra versão:  “Quem se visse no céu.”

Estranha é a utilização da forma verbal, porquanto deveria ser usado o imperfeito do conjuntivo, como acontece na segunda versão, o que no entanto, não poderá significar mais do que uma deturpação da mesma.  

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publicado por picodavigia2 às 18:18

ÁLVARO E EDUARDA

Segunda-feira, 31.03.14

Álvaro e Eduarda partilham, desde há alguns anos, um pequeno apartamento na rua Braancamp Freira, em Lisboa. São licenciados em Economia, possuem e dirigem, actualmente, um escritório de contabilidade, na Brandoa, onde ambos trabalham.

Conheceram-se na Faculdade de Economia de Lisboa, onde se formaram e foram colegas de curso. Obtidas as respectivas licenciaturas, candidataram-se a estágios em empresas de contabilidade. Quando Álvaro terminou o estágio, foi-lhe proposto continuar a trabalhar na mesma empresa, enquanto Eduarda, após alguns meses de grande ansiedade e expectativa, conseguiu, simplesmente, um contrato a prazo, numa empresa de “transitários”, em Algés. Ambas as empresas, porém, anos mais tarde, embora em tempos diferentes, haviam de falir, enviando os dois para o desemprego. Primeiro foi a Eduarda. Uns tempos depois ele, o Álvaro.

Na altura em que Eduarda foi despedida, assumindo já uma relação conjugal íntima e profunda, consideraram que o desemprego dela em nada lhes havia de ser prejudicial. Antes entenderam que lhes trazia algum benefício, porquanto poderiam aproveitar aquela espécie de interregno laboral, em que, embora contra a sua vontade, Eduarda se imiscuíra, para terem o filho que há tanto desejavam. E o menino veio, trazendo, aos pais, uma enorme alegria e uma felicidade inexaurível. Cresceu a criança e, por opção dos progenitores, passado algum tempo, começou a frequentar um infantário, enquanto a mãe, infrutiferamente, começava à procura de novo emprego, na sua área. Não só não o conseguiu como viu o emprego do marido, de um momento para outro, também se eclipsar, deixando os dois sem trabalho e, consequentemente, sem dinheiro para criar o filho e sobreviverem. Bem tentaram procurar o que quer que fosse. Mas nada. Os tempos não corriam de feição e os caminhos da esperança tapavam-se em cada momento e em cada porta a que batiam. Cada currículo que enviavam para uma ou outra empresa considerada, financeiramente, mais estável, ou era devolvido ou nem tinha resposta.

Vindos de longe, Álvaro e Eduarda haviam demandado Lisboa com os mesmos objectivos: não apenas o de se formarem mas também o de se fixarem, definitivamente, e trabalharem na capital, abandonando a pacatez e, sobretudo, a desertificação, das pequenas e distantes localidades, aparentemente, muito semelhantes, onde haviam nascido. Ele nos Açores, na Fajã da Ribeira da Areia, em São Jorge. Embora uma das maiores e mais populosas fajãs da ilha, começava cada vez mais a ser votada ao abandono, não só por causa do grande terramoto, acontecido precisamente no ano em que ele nascera, mas também porque o envelhecimento da população crescia de forma galopante. Ela de São Pedro-Velho, uma das mais pequenas e isoladas freguesias do concelho de Mirandela, lá para os lados da Torre de Dona Chama, bem no interior transmontano, também ele cada vez mais desertificado e abandonado.

Chegados a Lisboa, frequentando a mesma Faculdade e integrados na mesma turma, depressa se conheceram e se depararam com uma amizade reciproca, colaborante, íntima e verdadeira que, aos poucos, foi aumentando, desenvolvendo e transformando em paixão. Para além dos estudos, das disciplinas comuns, dos objectivos traçados, unia-os a singularidade das suas terras de origem, a pobreza das suas famílias e a convicção de que o seu futuro passaria, necessariamente, por se fixarem na capital, onde poderiam dar aso ao desenvolvimento dos saberes, da experiência e das capacidades que, dia a dia, iam adquirindo e acumulando. Ambos, há muito, já antes de se conhecerem, haviam decidido fixar-se por Lisboa. Por isso, libertos de preconceitos patéticos, a decisão de viverem em comum, foi inevitável. Agora porem caía-lhes em cima, em catadupa, a ameaçar-lhes o futuro, a destruir-lhe os sonhos, o execrável e ignominioso fantasma do desemprego. O subsídio dela há muito que caducara. Agora viviam do dele e de uma pequena economia feita em tempos idos.

Mas Álvaro e Eduardo conjugavam a garra açoriana com a pujança transmontana. Entre desânimos e sonhos, arquitectaram que poderiam emergir do imbróglio que os rodeava. Cuidando que de braços cruzados não haviam de ficar, por não lhes adiantar nada e que o regresso a São Jorge ou a Trás-os-Montes estava posto de parte, Álvaro decidiu-se por solicitar o subsídio de desemprego a que tinha direito, na totalidade. Da empresa ainda recebeu uma pequena indeminização. Tudo somado e acrescentado a umas pequenas poupanças, dava muito bem para montarem, eles próprios, um pequeno e simples escritório de contabilidade. Faltava-lhes, apenas, o espaço que, na Brancamp Freire, era impossível adquirir. Apontaram outros locais, mais distantes mas bem servidos de transportes públicos. Foram dar com uma sala, ali para os lados da Brandoa. Por feliz coincidência, debatia-se o proprietário com problemas de contabilidade. Acordo feito: a nova empresa de contabilidade “Alvorarda”, agora constituída, responsabilizava-se por toda a contabilidade dos negócios imobiliários do Senhor Costa e este, em contrapartida cedia-lhe uma das lojas que, por ali, tinha disponíveis, num dos seus prédios e que não conseguia vender ou alugar. A acrescentar o restaurante, a dois passos d’ali, onde Álvaro e Eduarda almoçavam todos os dias, também se debatia entre contas incorrectas e impostos desordenados. Uma conversa mais íntima e um novo acordo: a “Alvorarda” havia de lhe “endireitar” as contas, simplesmente pelo custo das refeições.

Com o aluguer da sala e as refeições pagas através da prestação de serviços, as despesas da “Alvorarda” tornavam-se bem menores. Os clientes começaram a surgir. A competência, o trabalho digno, o esforço e a simpatia dos economistas Álvaro e Eduardo depressa se espalharam pelas redondezas e a empresa foi crescendo e, actualmente, é uma das mais reconhecidas na zona.

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publicado por picodavigia2 às 12:27

A RAPOSA E A CARRIÇA

Segunda-feira, 31.03.14

A carriça é uma ave pequena, muito activa e de cor castanha na parte superior, com uma listra clara no dorso e com as asas, também, listradas. Tem uma cauda pequena e arrebitada. É facilmente reconhecível pelo seu pequeno porte. Tem por hábito entrar em cavidades e fendas de rochedos para pernoitar ou para caçar larvas, aranhas e bagas. Trata-se duma ave polígama, sendo que é o macho que constrói diversos ninhos para as suas várias parceiras. O ninho é uma estrutura arredondada, construído com pequenos ramos, musgo, erva e raízes, sendo, depois, forrado com os próprios pêlos e penas. Estão geralmente situados entre as raízes de uma árvore ou num tronco oco. O macho, por vezes, constrói falsos ninhos, a fim de enganar potenciais predadores. A fêmea põe 6 a 8 ovos que incuba por 14 a 16 dias. Os filhotes são alimentados, apenas, pela fêmea e iniciam-se no voo aos 16 ou 17 dias de idade

Ora certo dia, uma raposa encontrou uma destas carriças, com ninho no tronco de um velho carvalho. A raposa andava com muita fome e, por isso, ia todos os dias, junto ao carvalho e dizia:

- Ó comadre carriça, deite-me um dos seus filhinhos cá para baixo, para eu matar a fome, senão eu levanto o rabo e corto o carvalho.

A carriça com medo deitava-lhe um filhote. Três dias lá foi a raposa junto do carvalho e três vezes a carriça lhe atirou um filhinho que a raposa comia, sofregamente. Se a carriça se recusava, logo a raposa ameaçava que lhe levantava o rabo e lhe cortava o carvalho. Ao quarto dia a raposa lá foi outra vez e disse:

- Ó comadre, deita-me cá um carricinho, senão eu levanto o rabo e corto o carvalho.

A carriça deitou-lhe novamente um filhote, mas ficou a pensar como é que havia de se livrar da raposa, a fim de que lhe não comesse todos os filhotes. Por coincidência, na mesma tarde, foi lá visitá-la o mocho que lhe perguntou:

- Ó comadre carriça, onde estão os teus filhinhos?

- Deitei-os à comadre raposa, que vem aí e diz que levanta o rabo e corta este carvalho onde tenho o meu ninho.

Responde-lhe o mocho:

- Ah! Que parva! Não volte a fazer isso. Quando ela voltar digalhe que rabo de raposa não corta carvalho e que só a força de homem e o gume do machado é capaz de o cortar. No dia seguinte a raposa voltou lá e disse, novamente:

- Ó comadre carriça, deita-me mais um carricinho cá para baixo, senão levanto o rabo e corto o carvalho. A carriça já tinha aprendido a lição com o mocho e disse-lhe:

- Rabo de raposa não corta carvalho, só a força do homem ou o gume do machado.

A raposa lá se foi embora com o rabo entre as pernas e desta maneira a carriça livrou-se da raposa manhosa.

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publicado por picodavigia2 às 00:07





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