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OS SINOS

Domingo, 09.03.14

O sino é um objecto ou instrumento sonoro, usado por muitas religiões, como forma de assinalar os momentos mais solenes das mesmas. Os sinos das igrejas são de metal com têmpera própria, o que lhes confere um som específico, Tem a forma de uma taça invertida e, geralmente são tocados internamente, por meio de um badalo. Os sinos têm uma linguagem própria e um significado marcante. Nos meios rurais os sinos das igrejas, tinham e continuam a ter um significado muito grande para as populações. Mas mesmo nas grandes urbes, apesar do progresso e do desenvolvimento industrial, os sinos nunca perderam o seu valor e simbolismo. Em tempos antigos, eles eram, em muitas localidades, o único veículo de comunicação, mandando mensagens para a população, não apenas s carácter religioso, mas também anúncios de morte ou alarme de incêndios e outras calamidades. Os dobres e repiques dos sinos continuam, ainda hoje, informando horários de missas, enterros, homenagens a santos, festas religiosas, etc.. Esta notável forma de comunicação foi muito importante em épocas antigas, quando a população não contava ainda com a instantaneidade das notícias de rádios, TVs e Internet. Mas o toque de um sino liberta vibrações com efeitos poderosos de acordo com seu som, que é definido pelo seu tamanho, pela sua espessura e pelo material de que é feito e da têmpera que lhe é dada.

O sino é, pois, uma verdadeira maravilha de arte, que encanta pela simplicidade, fascina pela sua harmonia, pela beleza de suas proporções e riqueza dos seus.

A igreja da Fajã Grande tinha apenas dois sinos. O grande, suspenso na janela da torre sineira da fachada do templo, voltada a nascente e o pequeno na janela voltada a sul, ou seja do lado da Courelas. Os sinos tinham um papel importantíssimo na vida e costumes da população e, pese embora a igreja não tivesse relógio, nem, consequentemente, os sinos batessem as horas, a maioria da população orientava e organizava a sua vida por eles. Durante a semana tocavam, para além do anúncio da missa, três vezes por dia. As trindades, de manhã e à noite e o meio-dia, às doze horas. Assim, como o sino se ouvia em quase toda a freguesia, logo que batia o meio-dia, era um chamamento a fim de que todos voltassem a casa para o jantar. À noite, acontecia o mesmo, a quando das trindades. O seu toque, dado ao lusco-fusco, avisava que se aproximava o anoitecer. Por isso se utilizava com muita frequência este proverbio “Trindades batias, meninas recolhidas.”

Mas era sobretudo aos domingos que os sinos mais tocavam, fazendo-o de forma mais solene, uma vez que, quer o ângelus, quer o chamamento para a missa eram acompanhados de repique, assim como o momento da elevação da hóstia e do cálice. No caso do anúncio da missa dominical ou de outra celebração litúrgica, o sino grande dobrava uma hora antes e dava três pancadas um quarto de hora antes, toque este conhecido por picadas. Na altura em que o sacerdote saía da sacristia com destino ao altar, o sino grande, sempre ele, dava uma pancada. Durante a Quaresma estavam proibidos os repiques, excepto no dia dezanove de Março, por ser dia da festa do padroeiro São José.

Nos dias de festa, porém, os sinos excediam-se nos seus batimentos, enchendo a freguesia com os seus harmoniosos toques, repiques e dobres. As trindades nesses dias eram dobradas, isto é, as pancadas das avés marias eram dadas pelos dois sinos, em simultâneo e o batimento final, em vez das habituais duas pancadas da semana, eram substituídas por três repiques, sucessivos.

Sempre que falecia alguém os sonos dobravam a finados, três laudes ou seja dobravam três vezes tratando-se de um homem e duas no caso das mulheres. Em ambos os caos os sinos ainda dobravam uma hora antes do funeral e enquanto o féretro era conduzido da igreja para o cemitério, depois da encomendação. No dia de defuntos os sinos também dobravam a finados, várias vezes, durante o dia.

Durante as procissões em que eram conduzidas imagens os sinos repicavam e nas procissões das rogações ou de penitência dobravam. Depois da missa de quinta feira Santa, durante a qual se realizava a cerimónia do Lava-pés, até ao domingo de Páscoa os ninos estavam proibidos de dar qualquer toque, incluindo as trindades, sendo, neste caso, substituído pela matraca.

Por alturas dos festejos do Espírito Santo os sinos tocavam repiques com muita frequência, sobretudo nos cortejos em que era levada a coroa, durante a ida ao Porto matar o gado, durante a distribuição da carne pela população e nos cortejos das coroas para a igreja.

Em bora raros, terá existido um ou outro incêndio na Fajã, os quais foram anunciados pelos sinos, que também assinalavam com repiques a chegada à freguesia de alguns vips, como o Bispo da Diocese e o Presidente da República, o que, no entanto, acontecia muito raramente.

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publicado por picodavigia2 às 18:31

AMORES - CHAMARRITA DO PICO

Domingo, 09.03.14

A vaga brava no rolo

Faze-o andar na ciranda;

Quem tem o seu amor longe,

Muitas cartinhas lhe manda.

 

Ai meu Deus, eu morro, morro,

Eu morro não sei por quem

Morro por ti,cara linda

Não morro por mais ninguém.

 

Amor é sonho que tem

Muito breve despertar;

Pra sonhar tão pouco tempo,

O melhor é não amar.

 

Amores ao pé da porta,

É que gostava de ter;

Inda que não lhes falasse,

Bem gostaria de os ver.

 

Amores novos falai-me,

Que os velhos já m’esqueceram;

Faço de conta que foram

Folhas de papel que arderam.

 

Amar e saber amar,

Qualquer amante faz isso,

Mas amar como eu te amo

Cá no mundo há pouco disso.

 

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publicado por picodavigia2 às 18:29

VIRGEM

Sábado, 08.03.14

Imaculadamente virgem, Aurora saiu de casa dos pais, com destino à igreja. No altar, esperava-a o padre Silvestre, o Chico do Ferreiro e uma enorme angústia.

Chegara a hora de se aviar a moçoila. Era a mais velha e a casa do Rebimbas rebentava pelas costuras: na loja, entre cestos de batatas e sacos de inhames, três barras para os rapazes e a sala a abarrotar com as pequenas. De resto, apenas um minúsculo e esconso quarto de cama, destinado ao casal e a cozinha, esta sim, apesar de vetusta e desordenada, muito ampla e, exageradamente, espaçosa. Filhos e filhas, a roçar a dúzia, atarracavam-se em disputas e em desejos incontidos, atropelavam-se nos dias invernosas e, à noite, sobretudo na hora de lavar os pés, ameaçavam-se em murmúrios desgovernados e em ameaças hostis. Um sufoco!

Primogénita, agora com vinte e dois anos, Aurora era a candidata natural ao primeiro desbasto e, além disso, desde há muito que o Chico do Ferreiro lhe catrapiscava o olho. Ela nada. Aquela pasmaceira, indiferente e fria, habituada ao trabalho, educada entre rezas e jaculatórias, alheia aos mais simples prazeres da vida. Mas isso pouco importava. Virgem de corpo e ingénua de alma, nem às da sua idade compartilhara sentimentos ou, sobre elas, despejava desvelos ou paparicava curiosidades. Na sua supérflua ignorância e imaculada vivência, entendia que casar era um destino normal e comum, mas sem significado e importância. Era como ir lavar um cesto de roupa à Ribeira. Casar era, apenas, partilhar a casa com um homem, cozinhar, lavar, arrumar, ter filhos e ajudar nos campos. Mas, pior do que isso. Para ela, casar era um martírio, um sacrifício, uma ignomínia a roçar a indignidade, porquanto à noite, embora com o corpo bem tapado com um desafogado “naitigão”, era obrigada a partilhar a cama com um homem que lhe era totalmente estranho e que, de um momento para o outro se transformava em marido.

Simples a cerimónia, pobre a boda. Os tempos eram de miséria e a vida cerceada por limitações. E à noitinha, depois de desertarem os convidados, lá partiu Aurora, com o Chico, a caminho da Via d’Água onde lhe haviam montado um pequeno, pobre e humilde casebre.

Aurora acendeu o lume, aqueceu água numa chaleira a abarrotar de tisna, lavaram-se à vez, na cozinha, numa selha de madeira, e deitaram-se, na mesma cama, porque não havia mais nenhuma. O Chico, ainda tentou uma, duas e três vezes, procurar-lhe o corpo arquejante, envergonhado e temeroso, acariciando-lhe as mãos e os braços nus. De seguida, galvanizado pela suavidade daquela pele, acicatado pela doçura daquele corpo, incendiado por desejos lascivos, tentou afagar-lhe os seios. Aurora, porém, de imediato se esquivou, lívida, petrificante e apavorada, expelindo uma decidida e inequívoca rejeição. Nem por sombras havia de deixar-se ser tocada por um homem. O Chico insistiu. Mas as respostas vinham sempre tão abruptas, tão inveteradas, transformando-se em recusas decididas, radicais e absolutas. E a noite a transformar-se numa aflição para ela e um agastamento para ele. Com o intuito de lhe afastar as tentações, Aurora pegou no terço que a mãe lhe dera como prenda de casamento e começou a dedilhá-lo com meticulosa fogosidade e acentuado fervor. O Chico, embora convulsivo e revoltado, aquietou-se. Não queria molestá-la, nem muito menos fazê-la sofrer, embora sonhasse, desde há muito, com aquela noite, terna, maviosa, envolvente e sublime, durante a qual se entregaria, total e plenamente, à mulher que escolhera como companheira. Durante o namoro, conciso e intervalado, nunca lhe arrancara sequer um abraço, nem, muito menos, um beijo. Herdara as esquisitices da mãe, sempre a ameaçar, sempre a perseguir, sempre a meter medo com tolices e despautérios que haviam provocado aquela cegueira com que ela, mesmo agora, depois de casada, o afastava de carinhos e enlevos. Os fantasmas e as palermices que lhe haviam arrolhado na cabeça é que a impediam de se entregar na sublimidade e na doçura daquela noite. Se quisesse podia força-la, obrigá-la... Talvez ela, ao sentir-se forçada, cedesse e acabasse por descobrir o prazer da entrega e da paixão e, assim, apagasse as cicatrizes dos medos, das interdições, das ameaças, dos castigos, do inferno. Voltou-se num impulso instintivo, quase animalesco, açulado por uma natureza abrupta e cósmica, mas pura e ingénua. Ela, acicatada pelo sono, já abdicara do terço e deslizava, agora, sobre o travesseiro, cuidando que ele se aquietara do seu ousado atrevimento. Mas não. Ele, apenas, por momentos, descera ao abismo do silêncio escuro. Mantinha-se vigilante, resistente, disposto a lançar-se numa investida, que protagonizasse todo o seu vigor. Era tão grande a ânsia de desfazer aquele afastamento, anular aquela recusa, ultrapassar aquela oposição. A luz de petróleo há muito que se apagara e o quarto permanecia numa escuridão mórbida e silenciosa. O Chico encostou, parcialmente, o seu corpo ao dela que permanecia apática, indiferente, despegada de desejos e prazeres. Fortes pulsões pediam-lhe uma concentração forte dos sentidos e uma rapidez de movimentos que ela, antecipadamente, não percebesse, voltando, assim, a rejeitá-lo. Ardendo em desejos, o Chico esvoaçava aspirações, perante um corpo aparentemente inerte e despido de vontade, perdido na escuridão do quarto. Uma instintiva pujança diluiu-lhe o corpo, consubstanciando-se numa posse rápida, eficiente e certeira, numa comunhão não partilhada pela amante gélida, fria, estática, incapaz de identificar uma nesga que fosse do píncaro do prazer. E num ápice o Chico explodiu…

Aurora levantou-se, confusa, estonteante e indignada. Acabava de pecar, gravemente, entrelaçando-se nas mais hediondas forças do mal, entregando-se a Satanás. Por isso, nenhuma razão tinha para continuar ali, nem fora para isso que viera. Não havia de colocar-se, todos os dias, ao lado daquele homem, com lágrimas, dor, sofrimento e desalento. Nunca mais havia de consentir que voltassem a pecar.

O Chico, agastado de sublimidade, acariciado num cansaço doce e extasiante, aquietara-se da agitação subsequente ao enlevo, adormecendo. Aurora levantou-se, juntou as suas parcas roupas e, enrolando-as num xaile, fez uma trouxa.

Madrugada, ainda noite escura, a mãe, após toda uma noite alvoraçada, ouviu um leve arranhar de mãos na porta da cozinha. Veio à janela e, em voz baixa, indagou:

- Quem está aí?

De fora uma voz trémula e assustada, respondeu:

- Sou eu, a Aurora.

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publicado por picodavigia2 às 17:56

PASSEIOS À DOCA E O ACIDENTE DO ARNEL

Sábado, 08.03.14

De todos os nossos passeios realizados aos domingos e quintas de tarde, alguns dos que mais gostávamos eram os que tinham como destino a doca. É que para além de observarmos a grandiosidade da cidade voltada para o mar, com os altos prédios da avenida a espelharem-se nas águas calmas e límpidas do Atlântico, tínhamos a oportunidade de ver e observar de perto o Clube Naval, a abarrotar de caiaques e toda a espécie, de pequenas embarcações de recreio e de barcos de pesca. Mas o que mais nos fascinava era o enorme dorso negro daquele pontão a prolongar-se pelo mar fora, sempre pejado de todo o tipo de embarcações, desde os iates de recreio que demandavam os Açores, com bandeiras de variadíssimos países, aos enormes e abrutalhados cargueiros, aos gigantescos paquetes e cruzeiros, muitos deles também estrangeiros, carregados de turistas já de idade avançada, de calções e camisolas exóticas, que visitavam a ilha do Arcanjo, fascinados pela sua beleza e pelo seu agradável clima e ainda as duas patrulhas de guerra ali habitualmente ancoradas e até, de vez em quando, um ou outro submarino. Também alguns dias podíamos observar, com saudade e nostalgia os navios que demandavam ou regressavam das ilhas, com destaque para o Carvalho Araújo e para o Cedros, embora este escalonasse, na altura, apenas as ilhas do grupo central.

Meses antes havíamos sido atordoados com o trágico acidente, em Santa Maria, do navio que fazia parceria com o Cedros, nas carreiras entre as ilhas e que com ele também alternava as viagens a Lisboa, o Arnel. A notícia do desastre caiu em Ponta Delgada como uma bomba e espalhou-se rápida e célere, sendo de imediato enviados para aquela ilha os reforços e os apoios disponíveis que, infelizmente, quer porque fossem parcos quer porque tardassem em chegar, não impediram que morressem muitos passageiros. Auxiliaram e valeram-nos, felizmente, os americanos, que, com os seus helicópteros sediados na Base das Lajes, resgataram uma boa parte dos passageiros O Arnel tinha características, tamanho e capacidade semelhantes ao Cedros e estava preparado para transportar cerca de 150 passageiros, disponibilizando de 25 tripulantes. Na viagem fatídica, o navio transportava mais de cento e vinte pessoas, muitos das quais tinham embarcado, horas antes, na Vila do Porto, mas eram naturais de São Miguel. O navio ter-se-á aproximado demasiado da costa a norte da ilha, sendo esse descuido fatal. Alta madrugada encalhava nos escolhos da ponta do Anjo, abrindo um rombo fatídico, junto à casa das máquinas, o qual lhe paralisou, de imediato, o motor e o deixou totalmente às escuras, uma vez que a corrente eléctrica de bordo, dependia, exclusivamente do motor. Em plena noite, sem luz alguma, com o mar a invadir o navio, gerou-se o pânico e a confusão entre os passageiros, o que provocou o caos e o descalabro quase total. Dizia-se que a pedido dos passageiros o Capitão José Rodrigues Bernardes, velho e experimentado marinheiro, autorizara a descida de uma baleeira, onde entraram algumas pessoas para irem a terra e pedir socorros. No entanto a baleira terá virado, chegando a terra apenas três tripulantes. Infelizmente, quando conseguiram pedir socorro, já muito tempo decorrera, sendo impossível, evitar de todo a tragédia.

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publicado por picodavigia2 às 17:54

PÁSSAROS NA PISTA

Sábado, 08.03.14

Num destes dias, numa viagem entre o Porto e o Pico, como acontece habitualmente, fiz escala em Ponta Delgada, a fim de, em seguida, rumar à ilha montanha. São inexistentes os voos directos do Porto para o Pico. Os de Lisboa raros. Além disso, o voo seguinte, de ligação entre São Miguel e o Pico, obrigava a uma frugal escala na Terceira.

A viagem decorreu dentro duma invejável normalidade, com um tempo excelente, sem turbulências ou outros acidentes provocadores de intranquilidade, de perturbação ou de pânico. Aproximamo-nos da Terceira com toda a naturalidade, dando o piloto o início à aterragem com uma invejável e perfeita normalidade, tendo já o trem de aterragem sido devidamente aberto. Sobrevoávamos a Praia da Vitória, com as casas muito pertinhas. O Bombardier Q400 aproximava-se, inevitavelmente, da pista. Dentro de poucos segundos estaríamos, verdadeiramente, no chão

De repente e sem que nada o previsse o Q 400 começou a subir, a subir, sobrevoando a ilha na direcção do interior, rodando de seguida e fazendo-se ao mar, desenhando um enorme círculo, como se pretendesse voltar a São Miguel e mantendo-se lá bem no alto, em voo planado, para espanto de todos e medo de alguns. Trem de aterragem recolhido e toca a voar por ali, com os passageiros a entreolharem-se, alguns arregalando os olhos povoados de apreensão, de susto e, nalguns casos, como o meu, de medo.

Não demorou muito e o sinal sonoro. Falava o comandante, explicando o que se passava: Havia pássaros na pista e não tinha aterrado por motivos de segurança.

Naturalmente os pássaros fugiram. De imediato iniciamos nova aterragem, consubstanciada numa rígida e impressionante calma.

Acresce dizer-se que a segurança é sempre absoluta e está sempre em primeiro lugar nos voos das transportadoras aéreas.

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publicado por picodavigia2 às 12:47

URBANO DE MENDONÇA DIAS

Sábado, 08.03.14

Urbano de Mendonça Dias nasceu em Vila Franca do Campo, a 27 de Junho de 1878 e faleceu, na mesma cidade, em 4 de Fevereiro de1951. Fez a instrução primária em Vila Franca do Campo, prosseguindo os estudos liceais no Colégio Fisher, em Ponta Delgada. No ano de 1903 licenciou-se em Direito na Universidade de Coimbra. Ainda como estudante, juntamente com o Padre Ernesto Ferreira, fundou em 1902 a revista A Phenix. De regresso a S. Miguel, com o mesmo amigo, liderou o jornal A Vila e colaborou também no O Autonómico. Começou a sua vida profissional como ajudante privativo do conservador da Comarca e abriu banca de advogado. Com um Humanismo social ligado à terra que procurava corresponder às enormes carências e miséria que grassavam entre as gentes das ilhas, fundou, em 1904, juntamente com César Rodrigues e Cortes Rodrigues O Externato de Vila Franca do Campo e que foi fundamental para a educação e desenvolvimento da Vila em todo o século XX. Assumiu alguns cargos políticos como Procurador à Junta Geral do Distrito de Ponta Delgada, Administrador do Concelho de Vila Franca do Campo, Governador Civil do Distrito de Ponta Delgada e Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Vila Franca. Monárquico e de cunho nitidamente municipalista integrou-se no segundo movimento autonómico dos Açores. A sua actividade literária estendeu-se a obras de ficção e de teatro, mas é na história que o seu trabalho e o amor às ilhas mais se revelam, em várias monografias que revelam grande atenção e cuidado no tratamento das fontes, sendo fundamentais para a história local e regional.

As suas principais obras são: A Vila, Loucos de Amor, Peço a Palavra, Alvores da Mocidade, O meu primeiro Amor, História dos Açores, História da Instrução nos Açores, O Solar da Castanheira, Literatos dos Açores, História do Vale das Furnas, A Assistência Pública no Distrito de Ponta Delgada, A Senhora Doutora, Instituições vinculares: os morgados das ilhas, O meu Amor, Mr. Jó, As Ilhas do Atlântico – a que chamam adjacentes, Madre Teresa d’Anunciada: a freira do S. S. Cristo dos Milagres, A Vida de Nossos Avós, O Tio Francisco, História das Igrejas e Conventos e Ermidas Micaelenses.

 

Dados retirados do CCA – Cultura Açores

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publicado por picodavigia2 às 12:44

A LENDA DA CIDADE DE ANGRA

Sexta-feira, 07.03.14

Conta uma lenda muito antiga que, certo dia, o Príncipe dos Mares se apaixonou por uma linda princesa. Mas o príncipe vivia triste, desafortunado e infeliz porquanto a sua amada não correspondia à sua grande paixão pois já tinha, no seu coração, um outro príncipe que muito amava.

Então, o Príncipe dos Mares, levado por um enorme ciúme, pensou desistir dos desejos de conquistar a princesa que amava, a fim de acabar com a tristeza e infelicidade em que vivia diariamente. Para isso, chamou ao seu reino uma fada, ordenando-lhe que deveria mudar o rumo dos acontecimentos, isto é, fazer com que a princesa o amasse e o tornasse feliz. A fada tentou, durante algum tempo, exercer a sua influência, porém, nada conseguiu e foi expulsa, com rudeza, pelo desesperado e infeliz príncipe.

Um dia, a princesa e o tal príncipe que ela, realmente, amava, trocaram o primeiro beijo. O sussurro dos dois apaixonados, porém, foi tão forte, tão alto e tão violento que se repercutiu por todos os reinos vizinhos e foi também ouvido pelo Príncipe dos Mares que dormitava, envolto em infortúnio, no seu leito de basalto e areia, e pela fada. Esta, mais lesta do que o vento, atravessou os céus em direcção ao reino do mar, cuidando que assim poderia ajudar o príncipe a vingar-se da princesa que amava e que lhe tinha roubado a felicidade.

Chegou a fada junto do Príncipe dos Mares que se debatia em grandes ondas de ódio e disse-lhe, em voz doce e convincente:

- Príncipe do Mares, chegou a hora da vossa vingança. Aqui estou para fazer o que mandardes.

Ele, cego de ciúme e de raiva, não se apercebeu do despeito que animava a fada e ordenou em tom de ódio:

- Correi, fada, fulminai o príncipe que roubou minha amada. Mas castigai-o só a ele… A ela, não podeis fazer mal algum

A fada concordou e convidou-o a assistir à vingança. Tomou-o pela mão e caminharam os dois em direcção à praia, onde a princesa, com os seus cabelos dourados pelo sol poente, se encontrava, docemente inclinada sobre o príncipe enamorado.

Com a rapidez de um raio, a fada deixou a mão do Príncipe dos Mares e avançou, com um sorriso infernal e fulminante, sobre o par enamorado. O feitiço foi perfeito. De imediato, o príncipe transformou-se num grande monte, coberto de arvoredo, levantando-se com altivez, em frente ao mar. A princesa, ainda reclinada, tornou-se na mais bela cidade do atlântico.

Foi assim que apareceu o "Monte Brasil" e a encantadora cidade de "Angra do Heroísmo", ainda embalada e amada, noite e dia pelo soluçar angustiado do Atlântico, o Príncipe dos Mares, enquanto, ao lado, o Monte Brasil, permanece adormecido para sempre.

 

Fonte: WIKIPÉDIA  - LIVRE

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publicado por picodavigia2 às 17:00

UM SUSTO

Sexta-feira, 07.03.14

Ainda nem um mês havia passado, ainda nem me adaptara a nada ou a coisa nenhuma, ainda continuava a chorar pelos corredores e cantos, ainda não tinha feito nada de bom ou de mal e recebi um recado inesperado, abrupto, extremamente apreensivo e desastradamente assustador. Avisou-me um dos prefeitos que deveria comparecer, imediatamente, no quarto do Senhor Reitor. Estarrecei por completo e assustei-me deveras. Sabia que só éramos chamados ao quarto do Senhor Reitor por sermos acusados de factos muito graves ou disparates muito grandes. Como nada havia feito ou dito de grave, cuidei que fosse por estar constantemente a choramingar e a manifestar vontade de voltar para as Flores. Assim, esforcei-me por evitar todo e qualquer indício de lágrimas, por dissimular todo o mal-estar que me ia na alma e por apagar tudo o que fosse vestígios de desgosto ou de tristeza e dirigi-me à reitoria. Entrei no corredor e, muito tímido, bati levemente à porta. De dentro ouvi uma voz forte e clara dizer: “Abra”. Tentando disfarçar o terrível embaraço que pesava sobre mim e o temor inexaurível que carregava sobre os ombros, meti a mão ao pica-porta, levantei-o, abri a porta e entrei.

Era um quarto amplo, mas muito simples e humilde, mais se assemelhando a uma cela de monge medieval do que ao quarto de um reitor. Voltado para o pátio interior do claustro, através de duas enormes janelas, o quarto tinha uma mobília modesta e um ar moderado. Ao fundo uma barra muito semelhante às dos seminaristas, encimada por um cruxifixo, com uma colcha branca e ao lado um lava mãos de ferro com bacia e jarro de esmalte. Flanqueando a parede que ladeava o corredor alguns armários e estantes, uma imagem de Nossa Senhora e ao lado uma secretária com uma cadeira de braços onde o Senhor Padre Jacinto estava sentado, com uma carta numa das mãos e na outra uma faca de cortar papéis, com a qual batia levemente sobre o tampo da secretária. Cumprimentei-o beijando-lhe a mão de acordo com as instruções da Dona Maria. De seguida, sem sequer ordenar que me sentasse, disse-me de rompante, mostrando-me a carta:

- Recebi esta carta da América, da tua tia. Não te a vou ler. Ela está muito preocupada contigo e pede-me que tratemos bem de ti, que não deixemos que te falte nada. Mas isso é o que nós fazemos aqui a todos os seminaristas, não era preciso que ele o pedisse. Junto com a carta, mandou-me um cheque de sessenta e cinco dólares, para pagar todas as tuas despesas. Ela pede-me para ser eu a guardá-lo. Ora isto trocado dará quase dois contos. Deve chegar para pagar a primeira mensalidade, os livros, os cadernos e outras coisas que precises. Creio que deve chegar para pagar as tuas despesas, pelo menos, até ao Natal. Escreve-lhe a contar tudo isto.

Dito isto e sem que me desse oportunidade de eu lhe dizer nada, (na verdade eu até nada tinha para lhe dizer) estendeu-me a mão direita virada com as costas para cima, para que eu a osculasse novamente e disse-me que podia sair. Afastei-me da secretária com um obrigado, abri a porta e saí aliviado, não tanto por ter o dinheiro disponível para as minhas despesas mas sobretudo porque afinal não apanhara nenhum raspanete, pois nada tinha feito de grave.

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publicado por picodavigia2 às 16:57

ROCHA DO MAR

Sexta-feira, 07.03.14

(POEMA DE VITORINO NEMÉSIO)

Já uma vila dos Açores

Loze ligeira no horizonte.

Será num alto das Flores,

No Pico ou logo de fronte,

Espraiadinha num cume

Ou encolhida em Calheta?

O ser nossa é que resume

Seus amores de pedra preta.

Para vila da Lagoa

Falta-lhe a cidade ao pé,

A distância de Lisboa

Já não me lembro qual é.

Para Vila Franca ser

Falta-lhe o ilhéu à ilharga,

É airosa pra se ver,

Mais comprida do que larga.

Povoação não me parece,

Nos padieiros não condiz,

Aos camiões estremece,

Mas não aguenta juíz.

Pra Ribeira Grande falta-lhe

O José Tavares no quintal,

Rija cantaria salta-lhe

Dos cunhais, branca de cal,

Mas não é Ribeira Grande:

Essa merecia foral!

No dia em que haja quem mande

Será cidade mural.

Nordeste - só enganada

Na vista da Ilha Terceira,

Longe de Ponta Delgada,

Sua sede verdadeira.

Nem Vila do Porto altiva,

A mais velha da fiada,

Em suas ruas cativa

Como princesa encantada.

De cimento a remendaram,

Coroaram-na de aviões,

Mas eternos lhe ficaram

Os bojos dos seus tàlhões.

Se é a Praia da Vitória

Não lhe reconheço a saia:

Enchem-lhe a areia de escória,

Ninguém diz que é a mesma Praia.

Talvez seja Santa Cruz

Da Graciosa, ou a sua Praia,

Com o Carapacho e a Luz

Cheirando a lenha de faia.

De S. Jorge a alva Calheta

Ou a clara vila das Velas,

E o alto, alvadio Topo

Com um monte de pedra preta

Dando realce  janelas.

As Lajes ou o Cais do Pico,

A escoteira Madalena

Vilas são de vinho rico,

Qual delas a mais morena.

Santa Cruz das Flores seria

Essa vila açoriana

Ou as Lajes de cantaria

Do bom Pimentel soberana.

Finalmente, só o Rosário,

Que do Corvo vila é,

Pequena como um armário

Ou um chinelinho de pé.

Mas não é nenhuma delas,

Nem Água de Pau, que o foi,

S. Sebastião, ou Capelas,

Da Terceira arca de boi

Como a nossa Vila Nova,

Que nem chegou a ser vila,

Tão branca na sua cova,

Tão airosa, tão tranquila.

Ah, já sei! É delas, fundo,

Que o muro alvo se perfila

Contra os corsários do mundo

Que invejam a nossa vila,

Nosso povo, na folia

De uma rocha de mar bravo,

Que o Guião da autonomia

Só por morte torna escravo.

 

Vitorino Nemésio

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publicado por picodavigia2 às 16:55

BICHAS DA QUARESMA

Quinta-feira, 06.03.14

Quando me fixei no norte do país, mais concretamente no Douro Litoral, muito pouco sabia dos costumes, das tradições, dos hábitos, da maneira de ser e até de falar do povo da região duriense. Mas tive sorte, porque abraçando o ensino e, na altura, inspirando-me no Diário de Sebastião Gama, fiz sentir aos meus alunos, logo no início do primeiro ano lectivo em que leccionei, que estávamos ali, não apenas para ser eu a ensiná-los, mas também para aprender com eles tantas coisas que eles sabiam e que eu desconhecia, sobretudo acerca da terra onde viviam e onde eu era um estranho.

Todos aceitaram de bom grado a proposta, cumpriram-na com zelo, gosto e competência e, algum tempo depois, podia orgulhar-me de muito já conhecer sobre a terra que agora assumira como minha.

Entre os variadíssimos temas sobre os quais foram dissertando, um ainda hoje recordo com persistência e que me veio, ontem, à memória, quando transitava, pela minha rua, com uma boa parte dos passeios ladeados por um vasto e amplo pinhal, e verifiquei que o chão estava repleto de lagartas de pinheiro.

Pois foram os meus alunos, há muitos anos, que tudo me ensinaram sobre elas, quando em certa aula, por esta altura do ano, me falaram das “Bichas da Quaresma”, nome pelo qual são designadas pelo povo desta região, as ditas lagartas.

- São umas bichas muito feias, setôr. Meu avô diz que elas atacam os pinheiros, enfraquecem-nos e até os podem destruir. – Afirmava um. Perante a minha assumida ignorância, logo outro acrescentava:

- E também fazem mal às pessoas. Devemos ter muito cuidado e não lhes tocar porque nos irritam a pele, os olhos e o aparelho respiratório.

- Até os cães, se as farejarem ficam com o focinho muito vermelho e inchado.

Logo um, lá do fundo da sala acrescentava, perante o meu espanto:

- É verdade, setôr. Meu tio tinha um cão que andava a farejar as “Bichas da Quaresma”. Meu tio deixou-o continuar e ele abocanhou uma e começou logo a ganir que parecia doido. No dia a seguir tinha a boca toda seca, nem conseguia comer. Foi preciso meu tio ir com ele ao veterinário. O cão esteve quase a morrer.

- Ó setôr, – levantava o braço, uma menina, logo ali à minha frente – elas até fazem ninhos nos pinheiros. A minha avó avisou-me para nunca tocar num ninho de um pinheiro porque eles não são de passarinho, são das “Bichas da Quaresma”. Minha avó também me disse que elas saem do ninho logo de manhãzinha para se alimentarem durante a noite e ficam presas por um fio de seda, através do qual conseguem regressar ao ninho. Também é perigoso tocar no fio.

Finalmente um dos mais expeditos e sabedores, desafiava-me com ar solene;

- E o sector sabe porque é que elas descem dos pinheiros e andam pelo chão, em fila, parecendo um combóio? – Como manifestasse a minha ignorância, ele perseguiu: - É para se enterrarem e depois se transformarem em casulos e a seguir em borboletas para voltarem a por os ovos nos pinheiros e nascerem mais bichas. É nesta altura que elas andam pelo chão e são mais perigosas.

- Então elas têm metamorfoses, como o bicho da sede. – Acrescentei. Depois concluindo: - Sim senhores, bela lição, muito aprendi. Só não percebi ainda por que é que lhes chamam “Bichas da Quaresma”?

E logo eles em coro:

- Porque é nesta altura, na Quaresma que elas descem dos pinheiros e andam pelo chão e é nesta altura que elas são muito mais perigosas.

Fiquei esclarecido e, sobretudo, prevenido. Por isso mesmo, passados tantos anos, ao ver hoje o chão pejado daqueles asquerosos e temíveis vermes, fugi delas como o diabo da cruz.

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publicado por picodavigia2 às 16:42

À MESA

Quinta-feira, 06.03.14

A mesma sala,

Quiçá a mesma mesa.

 

Talvez os pratos sejam outros,

Outros serão, de certeza, os talheres,

Assim como ass toalhas

E, quiçá, os bancos…

 

E os comensais?

 

Ah! Esses também são os mesmos.

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publicado por picodavigia2 às 16:38

QUERMESSE

Quinta-feira, 06.03.14

Era pela festa da Senhora da Saúde. Todos os anos. Num dos domingos que antecediam o dia da festa, lá ia a criançada da catequese, os da quarta, pelas casas da freguesia, desde o Cimo da Assomada até ao fundo da Via d´Água, pela Fontinha, pela Rua Direita, pela Tronqueira e Rua Nova. Rara a casa que escapava à fúria pedidora da ganapada. No fim, acumulava-se, na sacristia de baixo, um amontoado de prémios, bugigangas diversas de pouca utilidade mas, regra geral, bastante vistosos e apelativos. Compravam-se mais umas miudezas baratas, a concertar o amontoado e seleccionavam-se os prémios para a roleta. Os melhores, claro.

Uns dias antes da festa impunha-se que imperasse a organização de todo aquele acervo, metódica, selectiva e emocional. No reboliço da azáfama, ele mais afoito e experiente nestas lides, mas mais desleixado e maleável, ela mais sensível e delicada, mais cuidadosa e sensata na escolha, na selecção e no arranjo. Tudo desenvencilhado em diálogos de circunstância, emoções contidas, desejos refreados, a arfar uma inusitada mas recíproca cumplicidade. A obstrução era rainha, numa ternura desmedida, num envolvimento desejado, a esquecer um passado proscrito, amordaçado. Centenas de quadradinhos de papel eram cuidadosamente enrolados, uns após os outros, simetricamente, num insigne e deslumbrante cuidado. O epicentro do desvelo rasgava-se frenético como se fosse uma onda a vir e voltar, tímida, temerosa, talvez mesmo ofegante. Reservavam-se uns quantos quadradinhos brancos para os premiados, onde se haviam de registar os números atribuídos aos prémios. Depois a lista, cuidadosamente abstrusa, a obrigar e exigir uma repetição, com as bugigangas devidamente registadas e numeradas, onde a cada objecto correspondia um número. Discutia-se a ordenação, a prioridade e a selecção com aparente indignação e disfarçado distanciamento. Despejavam-se, em uníssono mas de forma encoberta, desejos conciliadores, alvoroçava-se, às escondidas, a unanimidade, convertendo-a numa espécie de ternura sufocante, num simulado desembocar de contrição. Colocados os números nos bilhetes que haviam sido reservados, havia que os enrolar, firmes, destemidos, mesmo que a noite já se impusesse como destruidora de fascinações.

Depois vinham os prémios tardios, dos que não estavam em casa e dos que, na altura da derrama, de nada dispunham. Precioso retardamento! Eram precisos mais bilhetes brancos, mais nomes na lista, mais números, mais tudo. Para remediar o que quer que fosse, para acrescentar o que chegava atrasado, havia sempre mais um dia, depois outro e ainda outro - dias consagrados, perenes, profundos, límpidos e serenos. O reparar dos erros renovava a inconstância, o repor das falhas reconstruía a aparência e o acrescentar de conteúdos obstruía o sentimento. Atirava-se ao ar o amontoado gigantesco de desejos e repeliam-se os brados estridentes dos enigmas. Agora, era a excelência, sublime e dominadora, que, substituindo a obstrução inicial, se tornava rainha.   

O quiosque era um hexágono de madeira, chavasco, tosco e pouco estético. Os seis lados do hexágono eram construídos com ripas de madeira cruzadas, um deles com ádito, sendo presos nos vértices a seis barrotes. Estes, unidos na base e presos no cimo, amontoavam-se e agregavam-se, lá no alto, como se fosse uma pirâmide, também ela hexagonal, a afunilarem-se no cocuruto, terminando sob a forma de um pequeno capitel arredondado, com uma bandeira a encimá-lo. Sobre cada um dos vários conjuntos das ripas cruzadas, uma pequena tábua a simular uma espécie de balcão de tasca antiga e seis janelas, sempre abertas, a arejarem o interior, como se isso fosse necessário.

O quiosque era colocado no adro, à entrada para a sacristia, por baixo da torre sineira, e emergia altivo, cativante e motivador. No interior, uma mesa com algumas prateleiras sobrepostas, expositivas dos prémios, imbricados de forma apelativa e convincente, a provocar enlevo e, sobretudo, atracção. Homens, mulheres, crianças todos se aproximavam. Umas vezes acotovelando-se, outras emancipando-se em remanso, iam comprando, desenrolando, desembrulhando. Se não havia o tão desejado numerozinho que correspondia a um prémio, era o desânimo instituído, emaranhado com um outro comentário malicioso, atrevido, displicente. Quando havia prémio era um regalo aliado a um momento de suspense personificado num estender de braços por cima das ripas. A demora da procura, gratificante e envolvente, açulava a expectativa. Se reinava a calma as caixas recheadas dos bilhetes aquietavam-se e era a lista o pretexto para um olhar conjunto, simultâneo, unificado. Um simular de procura ou um suposto engano eram o alor amantético e o travo adocicado de novos e profundos sentimentos, um desenrolar de subterfúgios acorrentados, perdidos, impossíveis de edificar.

Lá fora algumas crianças com cachinhas de papelão a vender bilhetes, o boneco de madeira a revirar-se às boladas, o repique dos sinos, o estalar de um ou outro foguete e a música a tocar, encobrindo um gracejo chocarreiro, um enleio gratificante, um segredo adivinhado, um olhar sublime, um embate inusitado mas sentido e clarificado na doçura de um sorriso.

E quando a noite, madrasta e perversa, desfazia a magia telúrica e profunda da quermesse, caía sobre o quiosque hexagonal, chavasco e tosco um amargo acervo de melancolia.

Mas o que tornava mais bela e gratificante a festa da Senhora da Saúde era a quermesse.

 

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publicado por picodavigia2 às 16:15

A LENDA DA BAIXA DAS SETE MARIAS

Quarta-feira, 05.03.14

Antigamente, na ilha das Flores era costume serem as mulheres a ir às lapas, indo, geralmente, em grupo a fim de que em caso de perigo ou de alguma queda se pudessem proteger umas às outras. O conduto, naqueles tempos rareava e as lapas eram uma boa alternativa para ao jantar acompanhar o pão, as batatas ou os inhames. Se apanhavam muitas guisavam-nas como molho Afonso, ou com pão de milho esmiolado. Se apanhavam poucas faziam tortas de ovos, juntando-lhe salso e ramos de cebola picados

Na Fajã Grande, talvez para alertar as mulheres que iam às lapas para os perigos do mar, contava-se que, antigamente, num certo dia, sete raparigas das Lajes, todas de nome Maria, muito comum na ilha, combinaram ir às lapas para uma baixa que costumava ter muitas lapas e que ficava por fora do Mosteiro.

O mar estava manso e não havia muito perigo. Aguardaram que a maré descesse e começaram a apanhar lapas. Mas quando estava cheia, a maré cobria aquela baixa e, por isso, ela tinha muitos limos e sargaço escorregadio. De vez em quando, vinha uma vaguinha maior que, respingando na baixa a água domar salpicava as roupas das mulheres. Se não tivessem cuidado ficariam todas molhadas. Por isso, muito alegres e divertidas com aquele vai e vem do mar, iam correndo para cima e para baixo e saltando  em cima da baixa.

Mas, de repente, sem elas se aperceberem, veio uma vaga maior. Ao fugir uma das mulheres escorregou sobre os limos e caiu à água, mas não sabia nadar. Vendo-a aflita, as companheiras, que também não sabiam nadar, nervosas e assarapantadas começaram a atirar-se ao mar uns atrás das outras para a salvar. Mas o mar, de repente, tinha começado a puxar muito e a ficar mais “brado” e as sete Marias, umas atrás das outras foram desaparecendo, envoltas pelo remoinho de água, sem que se pudessem salvar, morrendo todas ali.

As famílias, os vizinhos choraram uma desgraça tão grande. Nunca tal semelhante havia acontecido nas Lajes. Dizem que durante muitos anos as mulheres nunca mais se atreveram a ir às lapas àquele lugar onde as sete morreram afogadas e, por isso, passaram a chamar-lhe aquela pedra malfadada a Baixa das Sete Marias, nome pelo qual, ainda hoje, o povo da ilha das Flores conhecem aquela baixa do Mosteiro.

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publicado por picodavigia2 às 19:49

SAUDADE - CHAMARRITA DO PICO

Quarta-feira, 05.03.14

Quadras da Chamarrita do Pico, cantadas nas Folgas. Tema – Saudade:

 

A palavra saudade

A tristeza a inventou;

Quem não sentiu a saudade,

É certo que nunca amou.

 

A saudade é com certeza

O final de quem amou,

Pois apenas fica a cinza,

Quando o fogo se apagou.

 

A saudade é um luto,

Uma dor, uma paixão,

É um constante martírio

Que trago no coração.

 

A saudade é um mal,

Que nem suspirar permite;

É um tormento de ausência,

É uma dor sem limite.

 

A saudade é uma flor,

Todo o ano reverdece;

Pobre de quem tem amores,

Muitos tormentos, padece.

 

A saudade foi criada,

P´ra castigo dos mortais,

Quem traz saudades consigo,

Só dá suspiros e ais.

 

Cantigas da Chamarrita do Pico – U. S. da Madalena

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publicado por picodavigia2 às 19:46

ALFREDO MESQUITA

Quarta-feira, 05.03.14

O jornalista e escritor Alfredo de Mesquita. Pimentel nasceu em Angra do Heroísmo, em 1871, tendo falecido em Paris, em 1931. Ao concluir o liceu em Angra do Heroísmo, diplomou-se no Instituto Industrial e Comercial de Lisboa. Foi secretário da Escola Naval e da Biblioteca da Marinha, onde escreveu os primeiros livros. Como jornalista, foi redactor de vários periódicos lisboetas: Democracia Portuguesa, Revista Ilustrada, Portugal, Correio Nacional, Jornal do Comércio, Diário de Notícias e da revista Ocidente. Como escritor revelou o seu espírito humorístico e crítico bastante profundo. Escreveu biografias, ensaios literários, contos, teatro e literatura de viagens. A partir de 1911, iniciou a carreira diplomática como cônsul de segunda classe, em Durban, Orense, Melbourne, Constantinopla, Roma, Nova York e Hamburgo. Foi membro da maçonaria, na Loja Tolerância, em Lisboa. Era detentor de condecorações da Ordem de Cristo e da Legião de Honra. Carlos Enes

Obras principais: Júlio César Machado, Portugal Moribundo, Companheiros de bordo, Cartas da Hollanda, Memórias de um fura-vidas, A Améric e João Chagas

 

Dados retirados do CCA – Cultura Açores

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publicado por picodavigia2 às 19:45

BALEIA, BALEIA

Terça-feira, 04.03.14

A casa da vigia construída bem lá no alto do Pico sobranceiro ao Areal, era um pequeno quadrado de cimento branco, com uma fresta voltada para o mar e uma pequena porta de madeira para terra, sobre a extensa e abruta ravina que era o Pico, que se estendia até ao Canto do Areal. Lá dentro, com binóculos em riste, o Manuel Manquinho e o António Machado, com potentes binóculos, debruçavam-se, dia após dia, sobre a borda da fresta, com a tampa levantada, a espreitar, a observar minuciosamente, a vigiar o mar de lés-a-lés, em busca das baleias, que de vez em quando, haviam de assomar à tona, lá, bem longe, quase no fundo do horizonte. De lá, do alto, onde até o Sol nascia mais cedo e donde quase parecia tocar-se o céu, vislumbrava-se um bom pedaço do mar, numa grande amplitude, quase infinito, desde os Bredos até ao Risco, com o Corvo a esconder-se, por trás dos Fanais. Cá em baixo, entre ribeiras e veredas, os homens trabalhavam os campos, lavravam, semeavam, sachavam, ceifavam em pesadas e esgotantes tarefas, enquanto as mulheres ou os ajudavam ou permaneciam em casa, a lavar a roupa, a casa, a tratar dos filhos, a serrar e fender lenha e a cozinhar. Muitos desses homens aguardavam, atentamente, que, lá no alto, no cimo do Pico, fosse atirado um foguete ou uma bomba, a anunciar o aparecimento de baleia, Quando tal acontecia, aqueles que eram baleeiros suspendiam, imediatamente, os trabalhos e iniciavam uma louca, espavorida e atropelada correria na direcção do Porto Velho, onde os botes, escarrapachados no cimo do varadouro, à espera de serem arreados e a Santa Teresinha, já na água, os esperavam. Muitas mulheres também corriam, mas para casa, a fim de preparar uma cesta com bolo, pão, conduto de porco ou queijo, o que estivesse mais à mão, a aquecer café e depois, seguem também elas, umas a arrastar galochas, outras descalças, mas sempre muito lestas, para o Porto Velho. Algumas, as que demoraram mais, quando chegam já os botes estão no Boqueirão. Então aflitas, aos tropeções descem pelo Caneiro e atiram as cestas com a comida e as sacas com roupa, para dentro das embarcações. Só por milagre, mulheres e mantimentos não caem ao mar. Crianças, escapulindo da escola, também correm para ver e aprender. Um dia serão eles a embrenhar-se naquela faina, Por sua vez, os velhos, embora devagar, também lá chegam, para observar, para aconselhar e recordar. Um ou outro velho, mais trôpego e pouco desenvolto, chegou mais tarde e ficou cá em cima, junto da eira, com uma mão a segurar a bengala e a outra sobreposta ao olhar, na tentativa de ver melhor o que já não consegue ver. Os botes partem e as mulheres, languescidas e melancólicas, regressam às casas e aos campos a fim de terminar as tarefas que ficaram por completar.

A remos, à vela ou rebocados pela Santa Teresinha, sempre ela a última a partir para recuperar algum baleeiro que não chegou a tempo ou uma cesta de comida que chegou atrasada, os botes caminham na direcção do mar alto, até se perderem de vista. Na encosta do Pico da Vigia, um enorme lençol branco indica-lhes a direcção. A fim de algum tempo, os botes aproximam-se dos cetáceos e a Santa Teresinha abandona-os, não vá o ruído do seu motor espantar a caça, O esforço dos homens, agora, movendo os botes a remos, no mar alto, é redobrado. É que por vezes as baleias, rapidamente, mudam de rumo e o vigia, tão distante, já não os pode informar, alterando a posição do pano. Mas há sinais previamente combinados. O circular dos botes é um pedir de informações que, geralmente já não chegam. O vigia, sempre atento, volta a ver as baleias e altera a posição do pano. Os botes, sobre as ordens do oficial, retomam rumo certo e avançam, loucamente, ávidos da conquista, mas consciente dos perigos que correm.

Finalmente avistam as baleias, lá bem longe, e continuam a corrida. É imperioso aproximar-se delas, sem ruído. O oficial ordena ao trancador que se prepare. Este, hábil e experiente, coloca-se de pé, sem se agarrar ao que quer que seja, à proa, de arpão em riste, à espera das ordens do oficial que agora conduz ele próprio o bote, apenas com o sábio movimentar do remo esparrel. Há um silencio total, absoluto, enigmático e misterioso, entrecortado, apenas e levemente, pelo bater ritmado do esparrel na água. Finalmente a ordem do oficial. O animal reapareceu à tona da água. O posicionamento é bom. Perante o “atirar” convicto do oficial o trancador, gingando-se para trás, impinge toda a força ao corpo e atira o arpão, certeiro ao enorme corpo do cetáceo. Este, apanhado de soslaio, instintivamente, dá um grande abanão à cauda, formando ao redor uma enorme ondulação que coloca o bote em alvoroço, ao mesmo tempo que, num movimento brusco e inesperado, mergulha nas profundezas do oceano, presa pela enorme corda que amarrava o arpão. A corda, armazenada numa selha, vai-se desenrolando, numa velocidade estonteante, ao mesmo tempo que se escoa pela borda do bote. Um dos homens, por ordem do oficial, prepara o facão e coloca-se em alerta, junto à selha. Assim que corda estiver a chegar ao fim, só resta uma alternativa: cortá-la imediatamente. E era uma vez uma baleia… Mas a corda ainda continua a correr, muito bem enrolada dentro da selha, perante a espectativa dos marinheiros, Felizmente que a baleia volta à tona para respirar e a corda deixa de correr. A Santa Teresinha está por perto e, por ordem do oficial, aproxima-se e dá-lhe uma, duas, três e mais lancetadas, até que sangre e desfaleça. Antes porém ainda mergulha mais uma vez, reaparece e mergulha, mergulha e reaparece até se esvair, por completo, em sangue. O mar ao redor, tornou-se numa enorme mancha vermelha. Terminou a luta, com sucesso. Agora o reboque do animal para Santa Cruz, tarefa de que a Santa Teresinha se encarrega, enquanto os botes, depois dum breve repouso para abrir as cestas da comida. Muitos homens não têm apetite e algumas cestas regressam a casa quase cheias.

A remos, no escuro da noite, os botes regressam ao Porto Velho…

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publicado por picodavigia2 às 21:12

A LENDA DE SAC-NICTÊ

Segunda-feira, 03.03.14

Ela era uma princesa bela como a lua das noites tranquilas, graciosa como as flores da primavera, doce como o canto das cotovias, formosa como a luz do Sol, suave como a brisa matinal e fresca como as gotas de orvalho. Ela era uma flor que enchia os campos de alegria perfumada e transportava, nos seus braços, as mais belas canções de amor.

Chamava-se Sac-Nicté e nascera numa enorme cidade, situada numa alta montanha, num país onde a paz unia, como irmãs gémeas, todas cidades do reino, onde não havia exércitos, porque os reis de todos os reinos vizinhos haviam feito um pacto de paz, a fim de viverem como irmãos. Na mesma cidade vivia o valoroso príncipe Canec.

Certo dia a princesa Sac-Nicté viu o príncipe Canec sentar-se no trono e o seu coração estremeceu de alegria e contentamento. Quando acordou, na madrugada seguinte, a princesa Sac-Nicté percebeu que a sua vida e a vida do príncipe Canec, a partir daquele dia, caminhariam juntas, como se fossem dois rios a correrem, em simultâneo, para o mar.

No dia em que se tornou rei o príncipe Canec foi ao templo, apresentar-se perante o seu deus. Quando entrou no templo, as suas pernas de caçador tremiam e os seus braços de guerreiro estavam caídos, porque encontrara, ali, entre o povo que o aclamava, a princesa Sac-Nicté.

A grande praça do templo estava cheia de gente que havia chegado de todo o reino para ver o príncipe Canec. E todos os que estavam próximos viram o doce e suave sorriso da princesa e o olhar nervoso e comprometido do príncipe, a apertar o peito com as mãos frias.

Ali estavam também os reis e os príncipes de muitas outras cidades. Todos os olhavam e viam, mas não compreendiam que, a partir daquele momento, as vidas do novo rei e da princesa haviam começado a caminharem juntas, cumprindo a vontade dos deuses.

Mas, alguns anos antes, a princesa Sac-Nicté havia sido prometida em casamento, por seu pai, ao poderoso Ulil, príncipe herdeiro de um reino vizinho. Por isso, no dia em que o príncipe Canec se tornou rei, estava prestes a realizar-se o casamento do príncipe Ulil com a princesa Sac-Nicté.

Vieram mensageiros do rei Ulil junto do jovem rei Canec e disseram-lhe:

- O nosso rei Ulil convida Vossa Alteza, seu amigo e aliado, para as festas do
seu casamento com a princesa Sac-Nicté.

Canec, com os olhos avermelhados de choro e sofrimento, retorquiu-lhes:

- Dizei ao vosso senhor que estarei presente.

Depois vieram outros mensageiros dizer ao rei Canec:

- O nosso rei Ulil pede ao grande rei Canec que lhe dê o prazer de se sentar à sua mesa durante a festa do seu casamento com a princesa Sac-Nicté.

E o rei Canec, com a fronte cheia de suor e lágrimas, replicou:

- Dizei ao vosso rei que me verá nesse dia, sentado à sua mesa.

E quando o rei Canec, durante a noite, estava só e pensativo, a olhar as estrelas cujo brilho se reflectia na água e a conversar com elas, apareceu-lhe um misterioso anão que lhe disse, em segredo:

- A princesa Sac-Nicté está à vossa espera entre as folhas verdes das árvores que povoam o jardim da cidade. Vais deixar que outro a tome por esposa? – E, dizendo isto, desapareceu.

No dia do casamento a princesa Sac-Nicté foi conduzida por seu pai, juntamente com todos os grandes senhores do reino, em cortejo solene, caminhando por ruas enfeitadas de pétalas e cânticos. O príncipe Ulil, ao sair, para receber a princesa, estranhamente, encontrou-a chorando.

Toda a cidade estava adornada de cintas, de plumas de faisão, de plantas, de balões coloridos e de arcos pintados de cores brilhantes. E todos dançavam e estavam alegres, porque ninguém sabia o que estava para acontecer.

Já os festejos iam no terceiro dia e a Lua estava cheia, grande e redonda como o Sol, mas a princesa continuava triste e dos seus olhos corriam grossas lágrimas.

De todos os reinos, próximos e distantes, haviam chegado reis, príncipes e nobres e todos tinham trazido presentes e oferendas para os noivos. Alguns vieram com veados brancos, de cornos e cascos de ouro, outros vieram com grandes conchas de tartaruga cheias de plumas de quetzal radiante. Chegaram guerreiros com azeites odoríferos e colares de ouro e esmeraldas, vieram músicos com pássaros ensinados para cantar com música celestial. De todas as partes chegaram embaixadores com ricos presentes… Apenas o jovem rei Canec não apareceu nem enviara nenhum presente. Esperaram-no até o terceiro dia, porém, nem nesse dia chegou ou enviou mensagem alguma. Por isso todos estavam admirados e cheios de estranheza e inquietude, porque não sabiam o que se passava. Apenas o coração da princesa sabia e, por isso, chorava…

Finalmente, chegou a noite do terceiro dia das festas. Preparou-se o altar do esponsório mas o rei Canec ainda não chegara, por isso já todos cuidavam que ele não viria, contrariando a promessa feita aos mensageiros do rei Ulil.

A princesa Sac-Nicté estava vestida de cores puras e adornada de flores, diante do altar, ao lado do homem que a teria por esposa. A princesa Sac-Nicté, no entanto, esperava em silêncio e sonhava com os caminhos pelos quais haveria de caminhar na procura do rei Canec que ela colocara, desde há muito, no seu coração. Esperava-o e ansiava pela sua chegada, enquanto Canec, o triste rei, o jovem e forte caçador, procurava, desesperado o caminho que havia de seguir para cumprir a vontade do deus altíssimo e encontrar a sua amada Sac-Nicté.

Finalmente chegou o rei Canec, trazendo consigo os seus mais fortes guerreiros e subiu ao altar, onde ardia o incenso, onde cantavam os sacerdotes e dançavam as virgens. Trajava um vestido de guerra, com o emblema do seu reino cravado sobre o peito. Calmo e tranquilo, o rei entrou no templo, como o vento agitado e arrebatou a princesa em seus braços, perante o espanto de todos. Ninguém pôde impedi-lo e, quando o tentaram fazer, já o rei Canec e a sua amada princesa Sac-Nicté não estavam ali. O príncipe Ulil ficou só, ante os sacerdotes e junto ao altar, encerrando assim as festas do seu casamento, que não chegou a realizar-se. Mas de pronto roncaram os caracóis e soaram os címbalos e a ira do príncipe Ulil fez-se ouvir pelos montes e vales do seu reino, a convocar os seus guerreiros para a guerra.

O rei Canec, porém, juntamente com a princesa já se haviam afastado, seguindo por caminhos ocultos e desconhecidos. Mas sabendo da ira de Ulil, o rei Canec também reuniu os seus guerreiros e preparou-se para a luta.

Seguiu-se uma sangrenta batalha. Ulil pretendia que a vingança caísse sobre Canec, sobre o seu reino e o seu povo. Pelos caminhos havia a poeira das marchas e no ar gritos de revolta. Ressoavam os sonoros címbalos e trovejava o caracol de guerra. Casas e templos foram arrasados e muitas cidades destruídas. O povo sofreu e chorou durante a noite, mas no dia seguinte, logo ao romper da aurora, todos se correram em fila, para salvar as estátuas dos deuses e a vida do seu rei e da princesa. Então o rei Canec escondendo-se nos carreiros abertos no meio das montanhas, caminhava envolto em um manto branco, sem coroa de plumas na sua fronte. A seu lado, ia a princesa Sac-Nicté, assinalando, com a mão branca e fina, o caminho. Finalmente, chegaram a um lugar tranquilo, seguro e verdejante, junto a uma lagoa, distante de todas as cidades, e ali fixaram o seu reinado, construindo um palácio humilde e simples, cheio de sonhos, na cidade da paz, da virtude, da tranquilidade, da glória e da alegria. Uma cidade onde, em todas as Primaveras nasciam flores brancas e as árvores enchiam o ar de suspiros perfumados.

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publicado por picodavigia2 às 08:42

JOSEFINA CANTO E CASTRO

Segunda-feira, 03.03.14

Josefina Amarante do Canto e Castro nasceu na Califórnia, a 19 de Julho de 1907. Filha de pai jorgense regressou nova para a ilha Terceira onde casou com o poeta Francisco do Canto e Castro. Viveu na Horta, emigrou em 1947 para os Estados Unidos, regressando aos Açores divorciada e usando o nome de Josefina Amarante. Fixou residência no Pico, colaborando nos jornais açorianos e mantendo nos anos 80 uma rubrica de crítica social e política n’O Telégrafo, intitulada “Da minha janela”. Poetisa de forma cuidada, circunstancial, tem a maior parte da obra dispersa em jornais e revistas, tendo apenas publicado um livro Naquele tempo... Poemas bíblicos.

 

Dados retirados do CCA – Cultura Açores

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OLHARES CRENTES

Segunda-feira, 03.03.14

O tempo pode

Apagar a fragrância angélica da infância,

E ofuscar a inebriante lenidade da juventude,

 

Mas nunca desfaz

A eterna persistência

Dos olhares crentes.

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DIA D'INTRUDE

Segunda-feira, 03.03.14

Na década de cinquenta, a terça-feira de Carnaval, na Fajã Grande chamada popularmente por “Dia d’Intrude” assim como o domingo que a antecedia e que era designado por “Dmingue Gorde” eram dias consagrados ao divertimento e à folia e, estranhamente, festejados e celebrados mais entusiasticamente do que, por exemplo, o Natal ou Páscoa, as maiores festas cristãs do calendário litúrgico e religioso, ambas plenas de costumes, de tradições e de festejos, noutras regiões do país. Não havia casa, incluindo as mais pobres, que não tivesse o cardápio melhorado naqueles dias, do qual constava, infalivelmente, galo ou galinha guisado, acompanhado com inhames e filhoses. A maioria dos homens, sobretudo os mais jovens, divertiam-se à brava, mascarando-se, fantasiando-se e disfarçando-se de formas estranhas, por vezes esquisitas e até assustadoras e com os mais extravagantes trajes, numa completa transformação, não apenas do seu aspecto físico mas também da sua personalidade e da sua maneira de ser, chegando mesmo a alterar as suas formas físicas e o próprio sexo. Incompreensivelmente, às mulheres era absolutamente “proibido” participar activamente em todos os folguedos destes dias e muito menos mascar-se ou fantasiar-se, sendo-lhes permitido, apenas, assistir como espectadoras passivas a todas as brincadeiras, pirraças, assaltos alegres às casas de uns e outros, assim como às danças de entrudo que, apesar de autênticas manifestações da cultura popular, também estavam interditas ao sexo feminino, talvez por influência de crenças e convicções religiosas. Estranhamente eram alguns homens que se fantasiavam de mulher para formarem pares e dançarem uns com os outros, nas chamadas “danças de Carnaval”.

Mas estes dias, na Fajã Grande, eram realmente dias de grande festança e alegria. Em primeiro lugar ocupavam lugar de destaque, as célebres e tradicionais danças de Entrudo, não apenas as que se organizavam na freguesia, mas até algumas vindas de outras freguesias, geralmente, da Fajãzinha. Ensaiadas e preparadas muitas semanas antes, no que dizia respeito à letra e música de cada uma, ao fabrico e arranjo de roupas e adereços e aos ensaios das cantigas e da própria dança. Entre as brincadeiras, a da água era a rainha. Nesse dia toda e qualquer pessoa, incluindo as mulheres, podiam atirar água para cima de outrem que ninguém levava a mal. Só que depois vinha a “vingança” por parte daquele ou daquela que inicialmente havia sido molhado E então aconteciam autênticas batalhas de água, com o objectivo de ver quem atirava mais água para cima de um “adversário”, servindo para tal tudo o que fosse vasilhame manejável. Muitas vezes, à água misturava-se farinha e, eventualmente, outros ingredientes menos aconselháveis.

Finalmente, em cada casa o almoço era, substancialmente, melhorado. No domingo gordo havia filoses, doiradas, salpicadas com açúcar e canela, saborosas, deliciosas, quase celestiais de se comer e chorar por mais. Antes porém, o galo, morto de véspera, guardado em vinha-d’alhos, de um dia para o outro. Depois de rosado e guisado, era colocado à mesa a fumegar, juntamente com uma travessa de inhames, a encher a casa de odores perfumados e os comensais de apetites devoradores. Na terça-feira tudo se repetia, acrescentando-se ao galo ou substituindo-o por torresmos e linguiça e uma morcela ou outra que para tal se havia guardado, da altura da matança.

Na realidade, sendo o Entrudo ou Carnaval uma festa de lazer e divertimento, mas cujo significado e vivências se associam à cultura de cada povo, a Fajã Grande também o celebrava à sua maneira e de acordo com as suas potencialidades, não devendo, no entanto, ser estranha a estes festejos alguma influência oriunda de outras localidades, naturalmente trazida pelos primeiros povoadores, nomeadamente no que dizia respeito às danças e sobretudo à tradição de nestas circular um velho ou uma velha. É que em muitas localidades do norte de Portugal celebra-se, nestes dias, o “Culto do Velho ou da Velha” que simboliza uma espécie de despedida do Inverno e o acolhimento da Primavera, que está prestes a chegar. Tudo isto, talvez, vestígios de cultos pagãos muito antigos. Na Fajã Grande também se designava o Carnaval por “Velho Entrudo”.

Os festejos de Carnaval, na Fajã Grande, no entanto, também tinham um outro significado importante, na medida em que, como que representavam uma espécie de subconsciente colectivo, dado que era uma festa de liberdade, onde tudo era permitido fazer-se, e onde normas, preceitos e costumes se esqueciam para permanecer durante três dias o quase "vale tudo", libertando-se, assim, o sofrimento, a dor e a vida dorida daquele um povo.

Por mim confesso que, em criança, era tanto o medo que eu tinha dos mascarados e dos velhos das danças que não saía de casa naqueles dias. Como era geralmente no “Dia d’Intrude” que meu pai fazia o canteiro da batata-doce, na terra da porta, junto ao monte do estrume do gado, eu pelava-me para ficar com ele e o ajudar nesse dia, encontrando assim um excelente pretexto para me evadir dos festejos carnavalescos e sobretudo de ser agarrado pelos “velhos” mascarados das danças que se atiravam aos “pimpolhos como cães a bofes”.

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publicado por picodavigia2 às 00:18

PERDÃO

Domingo, 02.03.14

O fraco nunca consegue perdoar. O perdão é um atributo do forte."

Mahatma Gandhi

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publicado por picodavigia2 às 22:14

PRIMEIROS DIAS

Domingo, 02.03.14

Os meus primeiros dias no Seminário de Santo Cristo, em Ponta Delgada, quando pela primeira vez demandei aquela instituição de ensino, foram para mim de grande dor, angústia e sofrimento. Vivia bastante isolado, perdia-me nos corredores do enorme esconso casarão que era o antigo convento dos Jesuítas, por vezes retirava-me para os cantos mais recônditos, a fim de que não me vissem chorar. Muitas vezes porém, por mais esforço que fizesse, não conseguia ocultar as lágrimas. Foi o que aconteceu, quando, num dia de manhã, no refeitório, ao ver toda aquela claridade a entrar pela enormes janelas, os pratos muito limpos e asseados, os talheres a brilhar como se fossem de prata, o café quentinho, a fumegar e muito adocicado e o pão de trigo fresquinho e muito apetitoso, lembrei-me de meu pai, de meus irmãos, sentados à mesa esborralhada da minha velha e esconsa cozinha, cheia de fumo e de tisna, a beberem café sem açúcar e a comerem uma fatia de pão de milho ou de bolo com um pedaço de queijo ou, quiçá, sem nada, antes de zarparem para os campos a ceifar fetos, a cortar lenha ou a sachar milho, não pude conter o choro. Desatei em soluços intercalados com lágrimas e perdi o apetite. Por mais que tentasse, não conseguia engolir uma dentada que fosse. Um dos prefeitos veio ter comigo, interrogando-me sobre a razão das minhas lágrimas. Receoso e tímido, com vergonha de confessar a verdade, respondi que era por causa da manteiga. Eu chorava porque não gostava da manteiga de São Miguel. E fui alvo de chacota geral, quando o prefeito, em voz alta e em tom de gozo, exclamou:

- Olhem, o menino! Não gosta da manteiga de São Miguel! Vamos ter que mandar vir manteiga das Flores!

Levantávamo-nos bastante cedo, mas isso não me incomodava. Estava habituado a fazê-lo na Fajã Grande para ir buscar as vacas. E quando elas estavam nos Lavadouros, levantava-me bem mais cedo do que no Seminário. O que me amedrontava de sobremaneira e me atormentava, permanentemente, era o ter que atravessar aqueles corredores subterrâneos, aqueles recantos tenebrosos até chegar à igreja, o andar para aqui e para acolá, ao toque da sineta, passar o dia inteiro dentro de casa, sem ver os pássaros, as ovelhas e as galinhas, sem saborear o perfume das ervas dos campos, não sentir o barulho do vento, não ouvir tilintar as campainhas das vacas, não me molhar com a chuva e, sobretudo, não ver o mar. Tudo ali era estranho, descomunal e muito diferente da vida que eu tinha na Fajã Grande, antes de embarcar no Carvalho, naquela tarde fatídica em que meu pai me veio trazer ao porto das Lajes. 

No entanto haviam começado as aulas e isso alegrava-me bastante. Gostava muito de estudar, de ler, de aprender e adorava a maioria das disciplinas, nomeadamente Matemática, Ciências, Português, Religião e Francês. Apenas a Musica, o Desenho e, sobretudo, o Latim me desagradavam. Haviam-me dito sempre que eu não “tinha ouvido” para a Música, nem “jeito” para Desenho. Quanto ao Latim ainda digeri, relativamente bem, o “rosa - rosae” e o “dominus - domini”, mas quando chegou ao “bónus – bona - bonum”, em que a declinação do adjectivo se devia fazer com os três géneros, embatuquei quase por completo. Além disso o professor de Latim era muito rigoroso e impunha um clima de temor, de medo e de pouco à vontade nas aulas. Por isso mesmo e enquanto nas outras disciplinas tinha boas notas, nestas, geralmente, não passava do dez, do onze ou doze, pese embora nunca tenha tido negativas.

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publicado por picodavigia2 às 17:11

O CAVALO

Domingo, 02.03.14

Numa determinada terra, havia um homem que tinha um cavalo que lhe era muito útil, pois com ele lavrava os campos, puxava uma carroça para acarretar os produtos agrícolas, movia uma atafona para moer os cereais e até transportava o homem e a sua família. O cavalo era-lhe, pois, de grande préstimo e enorme valor.

Mas, o pior é que o cavalo comia e comia muito e, ao comer, gastava e diminuía os lucros do seu dono. Pelo que o homem decidiu ir diminuindo a ração do animal, progressivamente, uns dias mais, noutros menos, na esperança de que o animal não emagrecesse muito e, assim, continuasse a ser rentável para o dono. O cavalo, embora emagrecendo e definhando aos poucos, lá se foi aguentando, enquanto o dono resplandecia de felicidade, por ver o seu pecúlio crescer, ainda que o cavalo pudesse, em alguns dias, ostentar, à mistura com uma certa má vontade, algum cansaço ou fraqueza.

Um dia, consternado, o homem disse à mulher:

- Olha, o nosso cavalo que agora até tinha deixado de comer, morreu.

Verdadeiramente insensato, este homem.

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publicado por picodavigia2 às 10:34

MARÇO MARÇAGÃO

Domingo, 02.03.14

“Março marçagão, de manhã nariz de cão e à tarde sol de verão.”

 

Muito conhecido provérbio mas com um sentido muito real e profundo na Fajã Grande, onde durante quase todo o ano, mas com bastante maior incidência no mês de Março, o tempo era senhor, durante o mesmo dia, de uma enorme instabilidade. Assim no mês de Março, na Fajã Grande, se o tempo estivesse mau de manhã era necessário estar atento e, sobretudo, disponível para os trabalhos do campo, porque de tarde, normalmente viria bom tempo e as condições atmosféricas permitiria o regresso aos campos. O trabalho agrícola exigia tanto que se deviam aproveitar todos os momentos de bom tempo.

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publicado por picodavigia2 às 07:53

HERA E OS FESTIVAIS DE MASTRONÁLIA

Domingo, 02.03.14

Hera, filha de Cronos e Réia, era a deusa da serenidade no casamento, da frescura dos pastos e da perseverança das vacas. Era irmã e esposa de Zeus, o poderoso senhor absoluto e deus dos deuses, sendo, habitualmente, retratada como doce, majestosa e solene, coroada como uma rainha, com uma coroa de ouro. Hera, também, ostentava na sua mão uma romã, símbolo da fertilidade, do sangue, da frieza e da morte.

Sendo responsável e defensora da fidelidade conjugal, Hera tinha, por vezes e sobretudo quando ofendida na sua dignidade, um temperamento ciumento e agressivo contra qualquer relação extra conjugal e, além disso, odiava e perseguia as amantes de Zeus e os filhos de tais relacionamentos. O único filho de Zeus que ela não odiava, antes gostava, era Hermes e sua mãe Maia, pois ficara surpreendida com a inteligência e beleza que o jovem revelava,

A deusa Hera tinha, edificados em sua honra, sete templos, em toda a Grécia. Nas suas representações aos humanos, mostrava, apenas, os seus olhos e usava uma pena de pavão, a sua ave predilecta, para marcar os locais que estavam sob a sua protecção.

Hera era muito vaidosa e sempre quis ser mais bonita que Afrodite, a sua maior e principal inimiga. Irmã e esposa de Zeus, a mais excelsa das deusas do Olimpo, foi descrita e retratada na Ilíada como orgulhosa, obstinada, ciumenta e rixosa. Com Zeus teve todos os seus filhos: Hebe, Hefesto, Ares, Éris e Ilitia. Odiava sobretudo Héracles, o qual procurou, por diversas vezes, matar e, na guerra de Tróia, por ódio aos troianos, devido ao julgamento de Páris, ajudou e apoiou os gregos.

Hera, para além de deusa, era rainha do Olimpo, conhecida também como protectora e defensora da vida e da mulher. Reinava no Olimpo ao lado de Zeus, seu marido, por quem chegou a ser muito humilhada, sobretudo pelas suas traições e atitudes, nomeadamente, quando ele, sozinho, gerou Atena, mostrando, assim, que não precisava de Hera nem para conceber um filho. Triste e desolada, Hera procurava consolo e amparo junto de Hiógenes, que a amava apaixonadamente. Ela, porém, nunca correspondeu a tão grande paixão, tentando sempre ignorá-la.

Um dos graves episódios de ciúmes de Hera foi o que aconteceu com a deusa Calisto que por ser muita bela lhe conquistou o marido. Hera para os separar transformou Calisto numa ursa que, assim, passou a viver numa floresta, muito isolada de todos e muito assustada com medo de ser morta pelos caçadores. Até que um dia, a ursa ao reconhecer o seu filho Arcas, correu para abraçá-lo, mas Arcas não a reconheceu e preparou o arco para lhe atirar. Hera, porém, prevendo o que iria acontecer lançou um feitiço e enviou os dois para os céus, transformando-os em constelações, nascendo assim a Ursa Maior e a Ursa Menor. Mas mesmo assim, Hera ainda tinha muita raiva de sua rival e, por isso, pediu a Tétis e a Oceano, divindades do mar, que nunca deixassem as duas ursas descansar nas suas águas. Essa a razão por que aquelas duas constelações ficam sempre em círculos e nunca desaparecem no céu, nem descem para trás das águas como as outras constelações e as suas estrelas.

Outro episódio de ciúme de Hera foi quando encontrou Zeus com outra amante. Era a deusa Io, mas Hera ao perceber que ela se aproximava de Zeus, transformou-a numa vaca. Hera pediu a Zeus que lhe desse a vaca como presente, o que Zeus não lhe pode negar, fazendo-lhe a vontade. Então ela entregou a vaca aos cuidados de Argos, um monstro de muitos olhos, que ao dormir nunca os fechava todos e, assim, a vaca estava sempre vigiada. Mas Zeus ao ver o sofrimento da amante pediu a Hermes que matasse Argos. Então Hermes tocou uma música, fazendo com que Argos adormecesse por completo, fechando, assim, todos os olhos, após o que lhe arrancou a cabeça.

Então Hera muito triste pelo sucedido, pegou nos olhos de Argos e colocou-os na cauda de sua ave predilecta, o pavão, onde ainda hoje permanecem. A deusa continuou perseguindo Io, mas Zeus prometeu que não a teria mais com a amante. Hera aceitou a promessa e devolveu a aparência humana a Io.

Hera era homenageada, com pompa, nos celebérrimos festivais da Matronália, realizados no dia 1 de Março de cada ano. Tratava-se de grandes e solenes festejos dedicados às mulheres em geral, que, nesse dia, recebiam presentes e orações de seus maridos. Nos templos da deusa, celebravam-se rituais sagrados onde as mulheres deviam usar os cabelos soltos e não podiam usar cintos ou nenhum nó nas roupas. Os seus fiéis e devotos mortais ofereciam-lhe um vaso com um ramalhete de flores, que deviam estar amarradas com uma fita amarela.

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publicado por picodavigia2 às 00:51

SILOGISMO

Sábado, 01.03.14

Na Filosofia Clássica ou Escolástica, define-se silogismo como um raciocínio dedutivo composto por duas proposições ou premissas, das quais nasce ou se conclui uma terceira: a conclusão. As proposições, por sua vez, são compostas por termos. As premissas do silogismo dispõem-se de modos e formas diferentes, dando origem ao chamado modo do silogismo. A posição de sujeito ou predicado que o chamado termo médio ocupa no argumento origina a figura do silogismo, a qual, obviamente, nem sempre é a mesma. Assim, considera a Filosofia Escolástica que existem quatro espécies de proposições, designadas pelas 4 primeiras vogais: A, E, I, O. Ao estruturar o silogismo, é possível combinar estas proposições de 64 formas diferentes. Destas combinações, no entanto, apenas 19 são válidas, sendo que as demais violam uma ou mais regras do silogismo. Estas 19 combinações distribuem-se nas quatro figuras do silogismo.

A primeira figura o termo médio ocupa a posição de sujeito na premissa maior e predicado na premissa menor. Assim se dissermos: Todos os homens são mortais Todos os portugueses são homens. Logo se conclui que: Todos os portugueses são mortais.

Nessa figura, os modos legítimos são: BAR-BA-RA (AAA); CE-LA-RENT (EAE); DA-RI-I (AII); FE-RI-O (EIO), nomes atribuídos pelo filósofo medieval, do século XII, Pedro Abelardo.

Na segunda figura, o termo médio ocupa a posição de predicado em ambas as premissas. Todo círculo é redondo. Nenhum triângulo é redondo. Logo nenhum triângulo é círculo. Nesta figura, os modos legítimos são: CES-A-RE (EAE); CAM-ES-TRES (AEE); FES-TI-NO (EIO); BAR-OC-O (AOO).

Na terceira figura, o termo médio ocupa a posição de sujeito nas duas premissas. Assim: Nenhum mamífero é pássaro. Algum mamífero é animal que voa. Algum animal que voa não é pássaro. Nessa figura, os modos legítimos são: DA-RAP-TI (AAI); FE-LAP-TON (EAO); DIS-AM-IS (IAI); BOC-AR-DO (OAO); DA-TIS-I (AII); FE-RIS-ON (EIO)

Na quarta figura, o termo médio ocupa a posição de predicado na premissa maior e de sujeito na premissa menor. Carlos é homem. Todo homem é mortal. Algum mortal é Carlos. Nesta figura, os modos legítimos são: BAM-A-LIP (AAI); CA-LEM-ES (AEE); DIM-A-TIS (IAI); FES-AP-O (EAO); FRES-IS-ON (EIO)

Todos os modos imperfeitos do silogismo, isto é, a segunda, terceira e quarta figuras, devem ser transformados em modos perfeitos da primeira figura, pois não respeitam a hierarquia dos termos.

Para que um silogismo seja válido, sua estrutura deve respeitar regras. Tais regras, em número de oito, permitem verificar a correção ou incorreção do silogismo. As quatro primeiras regras são relativas aos termos e as quatro últimas são relativas às premissas. São elas, em latim:

1.Terminus esto triplex: maior mediusque minorque.

2.Latius hos quam praemissae conclusio non vult

3. Nequaquam médium capiat conclusio oportet.

4. Aut semel aut iterum medius generaliter est.

5. Utraque si praemissae negat, nihil inde sequetur.

6. Ambae afirmantes nequeunt generare negantem.

7. Nil sequitur geminis ex particularibus unquam.

8. Peiorem sequitur semper conclusio partem.

 

A tradução poderá ser a seguinte

 

 1.Todo silogismo contém somente 3 termos: maior, médio e menor;

 2.Os termos da conclusão não podem ter extensão maior que os termos das premissas;

 3.O termo médio não pode entrar na conclusão;

 4.O termo médio deve ser universal ao menos uma vez;

 5.De duas premissas negativas, nada se conclui;

 6.De duas premissas afirmativas não pode haver conclusão negativa;

 7.A conclusão segue sempre a premissa mais fraca;

 8.De duas premissas particulares, nada se conclui.

 

Estas regras reduzem-se às três regras que Aristóteles definiu. O que se entende por “parte mais fraca” são as seguintes situações: entre uma premissa universal e uma particular, a “parte mais fraca” é a particular; entre uma premissa afirmativa e outra negativa, a “parte mais fraca” é a negativa.

Silogismos derivados são estruturas argumentativas que não seguem a forma rigorosa do silogismo típico mas que, mesmo assim são formas válidas.

 

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publicado por picodavigia2 às 19:49

A FEITICEIRA DO CORVO

Sábado, 01.03.14

Era uma vez um homem que regressava, sozinho, do mato, depois de um longo e cansativo dia de trabalho, já quase noite escura. Vinha cansado e carregando, às costas, um pesado molho de lenha. Vinha de longe, do Queiroal e atravessara veredas ingremes e sinuosas, saltando grotões e atravessando valados, até chegar ao Cimo da Rocha. Pensou descansar ali um pouco, mas cuidando que já era muito tarde, resolveu não parar, iniciando a descida. Degrau após degrau, volta atrás de volta, lá foi descendo com muita dificuldade. É que para além do cansaço e do peso que carregava, o caminho era muito íngreme e sinuoso. O escuro da noite ainda lhe dificultava mais a descida. Ao chegar à Furna do Peito, o cansaço já era tal que cuidava não poder continuar a descida e chegar a casa, por isso sentou-se à entrada da furna para descansar. Para entreter o tempo começou a falquejar um pau com a navalha. Era a única forma de se distrair e passar o tempo.

Estava ele entretido no falquejo, quando vinda não se sabe de onde apareceu uma galinha que, saltando por cima dele, entrou na furna e começou a andar de um lado para o outro e a ciscar na terra, esgravatando tudo ao redor do homem, que começou a ficar incomodado com a poeira que se levantado e muito admirado por ver uma galinha naqueles descampados. Passava por ali quase todos os dias, entrava frequentemente na furna e nunca vira uma galinha naquele local. Ela, porém, continuava a esgravatar o chão e a cacarejar sem parar e com insistência. Apesar de o homem a enxotar, ela não saía do pé dele. Já farto, de a ver e de a ouvir, tentou afasta-la, espetando-lhe a navalha.

De repente e para espanto do homem, ao ser picada, a galinha transformou-se imediatamente numa mulher nova e bonita mulher, que se apresentou na sua frente, completamente nua. Apanhado de surpresa, o homem ficou muitíssimo espantado e sem saber o que fazer. Quando recuperou a calma, o homem despiu o casaco que tinha vestido e colocou-o por cima da mulher, como forma de lhe tapar a nudez. A mulher, então, agradeceu-lhe e disse-lhe que era uma feiticeira e que precisava que ele a levasse com urgência até à sua ilha, o Corvo.

O agricultor tentou esquivar-se, dizendo-lhe que a não podia levar, pois tinha a família em casa, à sua espera e que além disso não tinha barco nem era homem do mar. Mas a feiticeira tanto insistiu e tanto lhe suplicou que o homem, compadecido, acedeu. Do mar e do barco havia ela de tratar. Ela pediu, então, que ele lhe pegasse ao colo e desse um passo para trás, mas sem olhar para nenhum lado. Apesar de estar cheio de medo e muito apreensivo, o homem queria ver-se livre da mulher e, por isso, fez o que ela lhe pediu.

Mal deu o passo para trás, olhando à sua volta, percebeu que já estava no Corvo. Aterrorizado e sem saber o que fazer, apenas perguntou:

- E agora? Como volto para as Flores?

Agradecida com o que lhe tinha feito e por a ter salvado, a feiticeira foi buscar um bocado de pano da loja de sua casa e disse que ele o segurasse e desse, novamente, um passo para trás, mas com os olhos fechados. Ele assim fez. Logo se encontrou nas Flores, junto à furna do Peito, onde se sentara para descansar. Era como se esta viagem de ir e vir ao Corvo tivesse acontecido num tempo que não correspondia ao tempo real, fosse uma espécie de sonho.

Assim que recuperou do acontecido, pôs-se logo a caminho de casa, esquecendo-se de deitar fora o pano que a feiticeira lhe tinha dado. Quando chegou a casa, a mulher começou a perguntar onde ele tinha buscar aquele pano com cheiro de mulher e quem lho tinha oferecido. Com medo de falar da feiticeira, o homem não quis contar o que tinha acontecido à mulher. Isto levou a grandes desconfianças e ciúmes por parte dela, que começou a dizer que ele tinha uma amante, levando ao divórcio algum tempo depois.

Esta estória correu pela freguesia e, para que nada de semelhante, voltasse a acontecer foi colocada uma cruz de madeira no interior da Furna do Peito, para afastar as feiticeiras e proteger do perigo os que ali se sentavam a descansar, nas suas idas e vindas para o mato.

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publicado por picodavigia2 às 17:15

MASCARADO DE BALOFO

Sábado, 01.03.14

O Guias adorava panquecas, sobretudo recheadas e comia-as, com muita frequência, deliciando-se e enternecendo-se. Como engordasse de dia para dia, a mãe senhora austera e de rígidos costumes, decidiu cortar-lhas do cardápio. Única e exclusivamente por um capricho maternal, o Guias nunca mais provaria sequer uma panqueca. E o Guias ficando sem as suas adoráveis e saborosíssimas panquecas, muitas delas recheadas com um pastoso creme de Maizena, às escondidas da mãe, virou-se aos dónutes. Era dónutes à noite, eram dónutes de manhã, ao almoço e ao lanche, dónutes a cada hora do dia, dónutes recheados, dónutes recobertos de chocolate e açúcar, dónutes simples, mas também eles muito saborosos e, consequentemente, muito apetecíveis. Comeu tantos dónutes, o Guias, que se transformou num belo e deslumbrante balofo. Tentava fazer uma contagem de todos os dónutes que comia por dia, mas era-lhe impossível. A mãe, admirada, por o Guias não reclamar das suas panquecas, começou a desconfiar. Mas nunca descobriu ou não quis descobrir o fio à meada. Assim quantos mais dónutes o Guias comia, mais dónutes desejava comer.

E quando a mãe, algum tempo depois, se apercebeu de que algo de anormal se passava, porque o Guias se transformara, se tornara volumoso, inchado e muito empolado de tantos dónutes comer e lhe perguntou por que estava assim, como fosse por altura do Carnaval, o Guias, simplesmente, explicou:

- Mascarei-me de balofo.

A mãe acreditou e o Guias continuou a comer muitos e saborosos dónutes, às escondidas da sua progenitora. 

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publicado por picodavigia2 às 11:43

GALINHA DE ENTRUDO

Sábado, 01.03.14

Na Fajã Grande, na década de cinquenta e anteriores, pelo Carnaval, era hábito na maioria das casas, mesmo nas mais pobres, matar uma galinha, escolhendo-se, entre todas, aquela que estivesse mais gorda e que, na altura, preferencialmente, não pusesse ovos. Destinava-se ao almoço da terça-feira de Carnaval, também designada por terça-feira Gorda ou do Entrudo. A maioria das vezes a galinha era simplesmente guisada, mas em muitas casas era guisada com recheio, noutras recheada e assada no forno, neste caso, depois de o ter utilizado para cozer o pão ou o bolo.

Rezam as crónicas que, para a galinha guisada, a receita era fácil. Morta e depenada a dita cuja, usavam-se os pés, as pontas das asas, o coração, o fígado, o sangue e, se os tivesse, os ovos que estavam à espera de serem postos, para fazer uma canja. A galinha era, então, partida em pedaços, temperada e rosada em banha de porco. Finalmente era guisada em tacho ou caldeirão de ferro, com muito tempero e com molho muito aromático que seria despejado sobre os inhames, a servirem de acompanhamento.

No caso da galinha com recheio, a receita era um bocadinho diferente e mais difícil de efectuar. Não havia canja, pois os miúdos da galinha, os ovos e o sangue eram usados para fazer o recheio.

A galinha era, da mesma forma, cortada em pedaços os quais eram colocados em vinha d’alhos para os temperar, durante algumas horas, de modo semelhante ao que se fazia para guisar. Depois de algum tempo em vinha-d’alhos, a fim de criar gosto, fritavam-se os bocados da galinha, em lume brando (de preferência dentro da panela em que havia de ser cozinhada no final), até ficarem louros. Na gordura que sobrasse, refogava-se a cebola até ganhar transparência. Fazia-se o refogado, juntavam-se os pedaços da galinha e, de seguida, a marinada que sobrara do tempero e a água julgada necessária para cozer a galinha.

Para o recheio, cortavam-se os miúdos aos bocadinhos, embebia-se pão em leite quente e amassava-se. À parte, picavam-se a cebola e os dentes de alho que se refogavam em banha, sem deixar alourar muito. Misturavam-se os miúdos picados e deixava-se apurar. Acrescentava-se o pão amassado no leite, ovos cozidos picados e os temperos julgados necessários, sem esquecer muita salsa bem picada. Deixava-se apurar mais um pouco. Depois de pronto, retirava-se do lume, deixava-se arrefecer um pouco e acrescentavam-se ovos crus, para ligar. Envolvia-se o recheio num pano branco, não muito tapado, cosia-se o pano com agulha e linha e colocava-se este preparado no tacho, sobre a galinha, depois de o molho ter diminuído um pouco, para que não entrasse em contacto com o recheio. Tapava-se o caldeirão e deixava-se cozer. Servia-se o recheio cortado às fatias e os pedaços de galinha, acompanhado de inhames ou batata-doce.

Quem eventualmente tivesse acendido o forno nesse dia, aproveitava o calor do forno para assar a galinha mas, neste caso, não a partia. Limpava-se e lavava-se muito bem o interior da galinha e coloca e colocava-se o recheio lá dentro, cosendo-se a pele com um fio, para que o mesmo não saísse com o calor.

Esta galinha com recheio ou simplesmente guisada, também costumava ser um prato típico do Domingo de Páscoa e da noite de Natal, por vezes, acompanhada de massa sovada. No Carnaval, era muito boa acompanhada com filhós frescas.

 

 

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publicado por picodavigia2 às 10:30

PESO DO TRABALHO

Sábado, 01.03.14

“ Leve é o trabalho quando repartido por todos.”

 Homero

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publicado por picodavigia2 às 09:30


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