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A MORTE

Quinta-feira, 10.04.14

(POEMA DE VINICIUS DE MORAIS)

A morte vem de longe

Do fundo dos céus

Vem para os meus olhos

Virá para os teus

Desce das estrelas

Das brancas estrelas

As loucas estrelas

Trânsfugas de Deus

Chega impressentida

Nunca inesperada

Ela que é na vida

A grande esperada!

A desesperada

Do amor fratricida

Dos homens, ai! dos homens

Que matam a morte

Por medo da vida.

 

Vinicius de Morais

 

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publicado por picodavigia2 às 17:58

A VIA SACRA

Quinta-feira, 10.04.14

Uma das celebrações religiosas frequentes na Fajã, durante a Quaresma, era a Via Sacra, realizada, habitualmente, às terças e sextas-feiras, na igreja paroquial. Revestido de sobrepeliz e estola rocha, o pároco, acompanhado do sacristão que transportava, nas mãos, uma enorme cruz de madeira – a cruz da via sacra – percorria as catorze estações, representadas por outros tantos quadros, dependurados nas paredes do templo e que mostravam os principais momentos da paixão e morte de Jesus. Enquanto o povo permanecia nos seus lugares, ora de joelhos, ora em pé, o pároco e o sacristão movimentavam-se, ordenadamente, de um para outro quadro, diante dos quais, o prebendado lia pequenos textos, que incluíam frases e citações bíblicas relativas às imagens representadas no respectivo quadro. Enquanto se deslocava de uma para outra estação, pároco e fiéis rezavam conjuntamente a seguinte oração:

 

Recebei estes meus passos,

Ó meu amável Jesus,

E permiti que Vos ajude

A levar a Vossa Cruz

 

Que eu por ela consiga

Dos meus pecados perdão,

A Vossa Graça do Senhor

E a Eterna Salvação

 

E que depois deste desterro

Eu vos vá ver, ó Jesus,

No Feliz Reino da Glória,

Cercado da Eterna Luz.

 

A Via Sacra, na Fajã era realizada à tardinha, enquanto a missa, de semana, era celebrada de manhã.

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publicado por picodavigia2 às 16:04

MARIA

Quinta-feira, 10.04.14

Maria nasceu a 13 de Agosto de 1940. Precisamente dois anos antes do famigerado naufrágio do Corvo que ceifaria a visa a dezasseis pessoas naturais e residentes na Fajã Grande. Nasceu na Assomada. Cresceu depressa, sendo habituada, desde tenra idade. a ajudar a mãe nas pesadas e árduas tarefas domésticas e a cuidar dos irmãos mais novos. Maria, apesar de criança já trabalhava arduamente e só descansava quando ia à escola onde, com uma inteligência prodigiosa, aprendia tanto ou mais do que as outras meninas. Sabia com mestria as lições de cor, lia com fluência e elegância e em Matemática realizava com rigor as contas das quatro operações, sabia a tabuada de cor e resolvia problemas com perspicácia e dinamismo. Fora da escola trabalhava, ajudava, arrumava, lavava, esfregava. Maria de mãozinhas roxas de frio, acarretava baldes de água da fonte e esfregava com escova e sabão o chão de madeira carcomida e remendada da sua casa. Maria de pés descalços levava à cabeça cestos cheios de roupa suja, lavava-a na ribeira e estendia-a ao Sol do estio. Maria, de olhos adormecidos, porque a noite era curta, levantava-se de madrugada, acendia o lume e varria, limpava e clareava a casa abrindo-lhes portas e janelas à luz clarificante das madrugadas primaveris. Maria partia nas madrugadas frias, na companhia dos irmãos, com destino às longínquas pastagens dos Lavadouros para ir buscar o gado. Maria, menina dos pés descalços, corria os campos ao sabor dos ventos e das tempestades. Maria menina, sentia cansaço, fadiga dor, sofrimento, angústia e achava o mundo injusto.

Maria tornou-se mulher quando era menina e nem sequer teve tempo para ser criança e para brincar.

Maria ficou órfã cedo, muito cedo, cedo demais. E Maria ainda mais mulher se tornou, quando afinal continuava menina porque mais conta tomou dos irmãos, mais lavou, esfregou, cozinhou, varreu, limpou, sacudiu, espanejou, areou, arrumou e até rachou lenha, decidindo, por si própria, que a partir de agora, mesmo continuando a ser menina, seria a senhora e a dona da casa. Maria não se limitava a desempenhar todas as tarefas apenas a dentro de portas mas também ajudava nos campos, no semear e acarretar do milho e das batatas, no plantar das couves e das cebolas, no apanhar do trevo e no acarretar da lenha. Maria carregava cestos de batatas e de milho, sãos de inhames e molhos de lenha. Maria caía, rebolava pelo chão, sangrava, fazia topadas nos dedos, teve sarampo, tosse, bexigas, defluxo e “godelhões”. Maria meteu estrepes nos pés, fez golpes nos dedos e até caiu e partiu três dentes.

Maria fez tudo o que uma mãe fazia. Maria até fez mais porque fez de senhora, de dona de casa, de filha, de irmã, de amiga e até de pedagoga, porque se esqueceu de que ainda era criança. E ao seu redor já mais alguém lhe lembrou que afinal ela também era criança.

Maria cresceu e tornou-se uma bela mulher. Rodearam-na pretensos namorados, falsos idólatras, brutos bajuladores. Maria amava, mas amava só um. Taparam-lhe o caminho, barraram-lhe os desejos, queimaram-lhe os sonhos. Mas Maria lutou por ideais, por desejos e por sonhos. Lutou e venceu. Um dia partiu, numa madrugada de brumas. Levou consigo o carinho e o amor por quantos a sempre se dedicara. Emigrou para um país, longínquo, distante e estranho. Teve filhos e foi avó extremosa e dedicada.

Agora, finalmente e depois de um longo sofrimento, partiu, para sempre. Mas deixou uma réstia enorme de luz em quantos com ela privaram, como atestam os testemunhos da neta Kyleigh e da cunhada Sharon:

“Today I lost one of the most important people in my life and the strongest woman I know. I thought I had more time with you and I felt like you'd be here with me forever. I know that you're in a peaceful place now, and I will always remember you as my beautiful, strong grandma. I love you.” Kyleigh

“She was a very special woman that we will all miss. I'll always remember how excited she was to become a grandmother! The smile on her face in this photo says it all. Love to all of you.” Sharon

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publicado por picodavigia2 às 14:12





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