PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
UM PRÉMIO
No Seminário Menor de Ponta Delgada, durante as horas de estudo, sobretudo às quintas e domingos de manhã, dias em que não havia aulas, era costume, que um ou outro dos prefeitos, reunisse os alunos à volta da sua secretária a fim de lhes ler alguns livros de biografias, histórias e aventuras, sobretudo de missionários, relatando-se a sua vida em África. Num desses livros contava-se a história da luta, do esforço e dos trabalhos de um missionário para formar uma comunidade cristã entre os nativos. Ao fim de algum tempo, tendo já aderido ao cristianismo um grande número de fiéis, conseguiu, juntamente com eles, construir uma pequena igreja, edificada com material semelhante ao das tabancas dos nativos. Quando a obra já estava pronta, vieram os inimigos da fé e, incendiando-a, destruíram-na a por completo.
Terminada a leitura, o prefeito ordenou que todos e cada um de nós, devia fazer um desenho sobre o livro que ouvíramos ler e que o melhor trabalho seria premiado. Como era desajeitado em Desenho, pouco me entusiasmei com a tarefa proposta e a ela aderi sem grande esforço e com pouca motivação. No entanto lá peguei na folha, no lápis, nos guaches, nos godés e nos pincéis e comecei o desenho. Às tantas aquilo, como já esperava, começou tudo a correr-me mal e ainda por cima derramei uma parte da mistura de tintas de um godé sobre a folha. Aborrecido e sem vontade de recomeçar tudo de novo, optei por atirar as sobras das tintas, com alguma rebeldia, para cima da folha, resultando da mistura uma espécie de fogueira. Depois escrevi por baixo, como título: “O Incêndio da Capelinha”.
Os desenhos, anónimos, foram expostos ao longo da parede do corredor que servia de sala de recreio e, posteriormente, avaliados pelo professor de Desenho, o senhor padre Baptista. Para espanto meu e estupefacção de todos, o meu desenho ficou classificado em primeiro lugar e eu fui o vencedor do prémio – um livro sobre a vida de Pierre Currie e sua mulher Madame Currie. Quem não me perdoou foi o Eugénio Melo que, habituado a desenhar barcos com o seu pai, em Santo Amaro do Pico, era, incontestavelmente, o melhor aluno de Desenho e, consequentemente, o verdadeiro candidato a vencer o galardão.
A notícia foi muito divulgada e chegou às Flores e à Fajã Grande, através do jornal “Euntes”, tendo o senhor padre Pimentel, pároco da freguesia, me enviado um postal de felicitações. Claro que, com tudo isto, fiquei todo vaidoso, mas verdade é que o prémio em nada contribuiu para aperfeiçoar o meu desempenho na disciplina de Desenho.
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IDA AO MOINHO EM SÃO CAETANO
A agricultura, juntamente com a pecuária, foram, desde longa data, os pilares fundamentais da economia de São Caetano. Antigamente, nesta freguesia, a actividade agrícola, como nas demais freguesias dos Açores, consistia, fundamentalmente, no cultivo do milho. A importância deste cereal na economia da freguesia foi tal que, por vezes, ate terá sido, muito provavelmente, utilizado como moeda de troca ou como meio de pagamento de serviços.
Desta forte implementação do cultivo do milho e da necessidade de o transformar em farinha, surgiu, na freguesia, a construção dos moinhos. Dada a raridade de cursos de água com caudal permanente, recorreu-se, naturalmente, à força eólica, surgindo assim os moinhos de vento que passaram a assumir um papel fundamental na definição da paisagem local e na memória cultural dos habitantes desta freguesia. Estes moinhos recorriam ao uso de hélices como elemento de captação e conversão da força do vento, transformando-a em energia capaz de movimentar os mecanismos necessários e adequados à moagem do milho.
Ir ao moinho, outrora, era fundamental na freguesia de São Caetano e fazia parte do quotidiano dos seus habitantes. A atestá-lo está a quantidade de moinhos que nela existiam e de alguns dos quais ainda restam alguns vestígios.
Estes moinhos, para aproveitar melhor a força do vento eram construídos nos lugares mais altos, os quais, embora sendo de rara beleza, tinham o inconveniente não só de serem um pouco distantes das habitações, mas, sobretudo, o de o seu acesso ser feito por veredas e canadas íngremes e sinuosas. Ao moleiro competia apenas moer o milho, pagando-se ele próprio do seu trabalho através de uma pequena quantidade de farinha que retirava de cada uma das moendas. Geralmente eram as mulheres que iam ao moinho, transportando o milho, em sacas de pano, vindas da América e carregadas à cabeça. Outras vezes, eram os homens que levavam as sacas num burrinho. Uns e outros esperavam que o milho fosse moído de imediato, ou então, regressavam a casa e aos seus trabalhos, voltando ao moinho no dia seguinte.
A freguesia de São Caetano foi a que melhor explorou a troca de mercadorias, sobretudo devido ao facto da emigração para o estrangeiro, ter sido feita através deste lugar, dado que oferecia condições ideais para navegação. Muitos dos seus habitantes ao emigrarem, obtinham melhores condições económica e ao regressarem à sua terra ou mesmo antes de o fazerem, compravam terrenos destinados ao cultivo do milho, no sítio do arrodeio e, sobretudo, no Faial. Nesta ilha recorriam aos rendeiros para trabalharem os campos e cultivar milho, pagando a renda com parte do mesmo. Este facto fez com que aumentasse substancialmente o recurso ao moinho.