PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
METAMORFOSE
Nobre
e dignificante
é o amor
que nasce do destino,
e se transforma
num poema.
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SARAPATEL
Sarapatel é uma designação comum de diversas iguarias preparadas com vísceras de porco, cabrito, borrego ou até de bovino, como acontecia na Fajã Grande. Nascido no Alto Alentejo, o sarapatel alastrou-se por todo o país e até foi adoptado por outros países, especialmente no Brasil.
Na Fajã Grande o único sarapatel cozinhado era feito com sangue de bovinos, por altrura do Espírito Santo ou quando se matava alguma rês. Por vezes, para enriquecer o sarapatel, para além do sangue coalhado com que era feito, juntava-se-lhe pequenos pedaços de toucinho ou outra carne, o que era muito raro. Uma das características desta iguaria é seu teor de gordura, bastante acentuado, sobretudo por causa da presença de pedaços de toucinho. O prato era de realização muito fácil. Uma vez posto a cozer o sangue, num caldeirão de ferro,, acrescenta-se hortelã e uma ou duas grandes pimentas-de-cheiro, inteiras. Serve-se o prato acompanhado com batata-doce ou inhame. Era servido à ceia dos mordomos, na sexta-feira de matar gado para o Senhor Espírito Santo.
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INTRIGANTE
MENU 35 – “INTRIGANTE”
ENTRADA
Canapés de pão amolecido em caldo de sopa ou de carne com mortadela, queijo fresco, folhas de alface, tiras de pimento. Rodelas de pepino grelhadas e barradas com creme de queijo fresco.
PRATO
Lombo de pescada cozido com cenoura, batata repolho e flagelotes, temperado com azeite e vinagre balsâmico.
SOBREMESA
Maçã cozida e gelatina de morango.
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Preparação da Entrada: - cortar o pão em pequenas fatias e demolhá-las. Colocar-lhe os produtos seleccionados.
Preparação do Prato – Cozer a pescada, a batata e os legumes em água temperada com 1 colher de sobremesa de azeite e ervas aromáticas. Juntar os flagelotes e empratar. Regar com o azeite e o vinagre balsâmico.
Preparação da Sobremesa – Processo tradicional.
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REGRESSO ÀS FLORES
O final do ano lectivo trouxe um pequeno problema aos professores do Seminário. É que a data pré-estabelecida e marcada para termo das actividades lectivas e para o consequente encerramento do Seminário, durante os três meses de férias de Verão, não coincidia com a passagem do Carvalho Araújo por São Miguel, vindo de Lisboa, no seu roteiro mensal pelas ilhas, incluindo as Flores e o Corvo. Para os alunos residentes nas ilhas do grupo central, tudo estava facilitado. Seguiriam, na data prevista, numa das viagens intercalares que o Cedros, habitualmente, realizava, mas que tinha o seu termo no Faial. Mas para as Flores, onde apenas o Carvalho demandava a ilha de mês a mês, o caso fiava mais fino. Assim os professores depararam-se com duas alternativas: ou eu, depois de acabados os exames, ficava sozinho no Seminário mais quinze dias, exigindo ali a presença, pelo menos, de um professor e do cozinheiro, ou tinha que partir para as Flores no Carvalho, quinze dias mais cedo do que a data prevista para encerramento do Seminário. Embora sem me consultar, mas para gáudio meu, os professores decidiram-se pela segunda hipótese. Eu seguiria para as Flores no próximo Carvalho, abandonando o Seminário quinze dias antes dos outros alunos. Mas um senão pesava contra esta decisão: eu tinha que fazer todos os exames escritos e orais em catadupa, isto é, tinha que os realizar todos numa semana, uns atrás dos outros, sozinho e antes dos restantes alunos os fazerem. Assim, em menos de uma semana, sem os habituais e exigíveis espaços entre uns e outros, para descansar e sobretudo para os preparar, os professores submeteram-me a exames em todas as disciplinas que os exigiam: provas escritas e orais em Português, Latim, Francês, Matemática e Ciências e ainda uma prova oral de Música e uma prática de Desenho Geométrico. Mas talvez porque compreendessem a situação de “sufoco” em que, sem serem culpados, me haviam encafuado, os professores fizeram exames mais acessíveis e mais fáceis, até porque conheciam o meu aproveitamento escolar ao longo do ano. Assim tirei, na maioria das disciplinas, umas notitas muito boas. Excepção para o famigerado Latim, para a Música e para o Desenho, disciplinas de que gostava menos e nas quais andei pelos dozes. Nas outras lá bem mais para cima, embora longe do topo da escala.
De seguida fiz a malinha e ala para as Flores, todo contente e feliz. Os meus colegas é que não acharam muita graça a isto. Eu com os exames todos feitos, aprovado em todas as disciplinas e a caminho de férias e eles com mais duas semanas de trabalho árduo, de estudos excessivos, a preparar, em horas e horas seguidas de estudo, com recreios reduzidos e sem passeios, com zelo, empenho e meticulosidade os exames das disciplinas que ainda lhes faltava fazer.
Creio que, pelo menos no dia do meu embarque, muitos seminaristas, roídos de inveja, desejaram ser das Flores.
As primeiras férias que passei nas Flores, foram de enlevo, encanto e fascinação. Embora sem a presença de meu pai que continuava internado na Casa de Saúde de São Rafael, encontrava-me na companhia de meus irmãos, agora responsáveis por todas as actividades, trabalhos agrícolas e governo da casa. Assim embora substituindo o sacristão na missa diária, passava os dias com eles a trabalhar nos campos, a levar as vacas às pastagens, a ceifar feitos, a acarretar molhos lenha e cestos de batatas, a tratar das galinhas e sobretudo, cuidar da minha ovelha, enfim, realizando todas as actividades e trabalhos como antes de sair das Flores. Além disso, meus irmãos, alegando que eu estava “descansado”, iam tentando atirar-me para o lombo molhos mais pesados e os cestos mais cheios, ripostando:
- Tens que trabalhar agora, para compensar a boa vidinha que levaste durante o Inverno.
De manhã à noite, partilhava, trabalhos, refeições e canseiras com os meus irmãos Como a casa era exígua e só havia três barras, até a cama dividia com um deles.
No entanto, levava algumas recomendações do Seminário sobre aquilo que deveria fazer nas férias, algumas delas contidas no célebre livrinho “O Bom Seminarista em Férias – Manual de Meditações” da autoria do padre Justino Buorgonovo. Entre essas recomendações, para além da meditação (esta só nos primeiros dias), da missa e do terço diário – este em casa da minha avó que o rezava em família todas as noites - havia uma outra tarefa que deveria fazer, mas que me arreliava bastante. Era a visita ao pároco, pelo menos, dia sim, dia não.
Na hora marcada, la vestia uma roupinha melhor e dirigia-me ao presbitério. O Senhor Padre Pimentel é que geralmente não estava em casa e, se estivesse, tinha sempre que fazer ou saía de imediato, acabando eu por ficar a fazer a visita à sua irmã, a Dona Maria, que me ia fazendo algumas perguntas sobre a vida no Seminário, os professores, os estudos, a oração e a disciplina, a que eu respondia, sem grande entusiasmo ou interesse, geralmente com um “sim ou “não”. Por vezes dava-me conselhos e fazia-me recomendações tão exigentes ou mais do que as que eram feitas no próprio Seminário. Enfim, uma verdadeira maçada, uma hora enfadonha, desinteressante, que, para inquietação minha, demorava muito a passar.
De resto, o tempo que tinha livre passava-o na companhia dos meus amigos de infância, muitos dos quais ainda viviam na freguesia, a fazer os mesmos jogos e brincadeiras que fazíamos antes de eu ir para o Seminário.
Apesar de me imiscuir, de alma e coração, em tudo, sem manias ou petulâncias e de ajudar meus irmãos nas tarefas do campo ou até de acarretar os baldes de água para casa e de partilhar a vida deles e de conviver com os meus amigos como sempre o fizera, certo dia em que ia para a missa calçado e vestidinho com o fato e gravata e bem arranjadinho, ao lado de meus irmãos que andavam descalço, o velho Pureza, cruzando-se comigo na rua, atirou-me de soslaio, em tom de crítica mordaz e ironia moldada: “Um! Os pauzinhos do mato, uns nascem para serem adorados e outros para serem queimados.”