PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
VELHICE AGRADÁVEL
“O segredo de uma velhice agradável consiste apenas na assinatura de um honroso pacto com a solidão.”
Gabriel García Marquez
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LUA TROVEJADA
“Lua nova trovejada, trinta dias é molhada.”
Interessante adágio, utilizado como aviso dos agricultores, não apenas na Fajã Grande, mas também em muitas outras localidades. Na Fajã Grande no entanto, era muito frequente.
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AS BATATAS QUE NÃO NASCERAM (DIÁRIO DE TI’ANTONHO)
Meu avô contava que quando era criança, ora aos anos que isto foi, havia aqui na Fajã Grande um homem que não acreditava em Deus, não cumpria as leis da igreja e não respeitava os dias santos. O homem, pelos vistos, não era de cá da nossa freguesia, pois tinha sido abandonado aqui na ilha, por um barco que por aqui passara. Meu avô dizia que, antigamente, muitos barcos deixavam os condenados aqui na ilha das Flores, em vez de os mandar matar.
Ora aconteceu que numa Quinta-feira Santa, depois do meio-dia, o homem quis ir semear batatas. Na Quinta-feira Santa era pecado trabalhar depois do meio-dia. Passaram por ele uns homens que, vendo que ele ia trabalhar naquela tarde santa, lhe disseram:
- Então, hoje é Quinta-feira Santa e tu vais trabalhar?
- Hoje é que me calha. Já tenho a terra lavrada à espera da sementeira… - Respondeu o homem e acrescentou: - Além disso, tanto se me dá que seja Quinta-feira Santa ou não…
Os outros, com bons modos, disseram-lhe:
- Então não podes esperar para sábado, que é dia em que já não é pecado trabalhar?
O homem riu-se deles e retorquiu:
- Sábado eu tenho outros muitos outros trabalhos para fazer. Hoje é que me convém semear as suas batatas. Além disso eu não acredito nessas patranhas. - Zombou o homem e, rindo dos outros que naquela tarde, em sinal de respeito pela morte de Nosso senhor, não trabalhavam, foi semear as batatas.
E na freguesia toda a gente criticou a atitude daquele homem ímpio, incrédulo e não temente a Deus.
Passaram-se dias e semanas e as batatas do homem não nasciam. As pessoas passavam por ali admiradas. Contava meu avô que aquelas batatas nunca nasceram porque foram semeadas num dia em que não de via trabalhar por ser um dia santo. E as pessoas acharam que isso foi por castigo de o homem ir trabalhar na tarde de Quinta-feira Santa.
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QUINTA-FEIRA SANTA
Quinta-feira Santa é a quinta-feira imediatamente anterior à Sexta-feira da Paixão, da Semana Santa, ou seja ao dia em que, liturgicamente, se recorda a Paixão e Morte de Jesus Cristo. Este dia marca o inicio do Tríduo Pascal na celebração que relembra a ultima ceia de Jesus Cristo com os doze Apóstolos.
Os ofícios da Semana Santa chegam à sua máxima relevância litúrgica na Quinta-Feira, quando começa com a recordação da Última Ceia e culminante na Vigília Pascal que celebra, na noite do Sábado de Aleluia e a ressurreição de Jesus Cristo, no Domingo.
Na "Missa dos Santos Óleos" ou Missa do Crisma, celebrada apenas pelos bispos diocesanos na igreja catedral da sua diocese, a Igreja celebra a instituição do Sacramento da Ordem e a bênção dos santos óleos usados nos sacramentos do Baptismo, do Crisma e da Unção dos Enfermos, e os sacerdotes, participantes, renovam as suas promessas. De entre os rituais do dia, adquire especial relevância simbólica o "lava-pés", realizado pelo sacerdote em memória do gesto de Cristo para com os seus apóstolos antes da Última Ceia. Ma realidade e de acordo com os relatos dos Evangelh os, Jesus lavou os pés dos discípulos como um ato de humildade e serviço, criando assim um exemplo de que devemos amar e servir um ao outro em humildade. Na Quinta-Feira Cristo ceou com seus apóstolos, seguindo a tradição judaica, já que segundo esta deveria cear-se um cordeiro puro; com o seu sangue, deveria ser marcada a porta em sinal de purificação; caso contrário, o anjo exterminador entraria na casa e mataria o primogénito dessa família, segundo o relatado no livro do Êxodo. Nesse livro, pode ler-se que não houve uma única família de egípcios na qual não tenha morrido o primogénito, pelo que o faraó permitiu que os judeus abandonassem do Egipto, e eles, de imediato, partiram na demanda da terra prometida e da sua liberdade; o faraó rapidamente se arrependeu de tê-los deixado sair, e mandou o seu exército em perseguição, mas Deus não permitiu e, depois de os judeus terem passado o Mar Vermelho, fechou o canal que tinha criado, afogando os egípcios. Para os católicos, o cordeiro pascoal de então passou a ser o próprio Cristo, entregue em sacrifício pelos pecados da humanidade e dado como alimento por meio da hóstia.
Num calendário em que varia cada ano para buscar a coincidência da Semana Santa com a primeira lua cheia posterior ao equinócio de outono, celebra-se, este ano, hoje, 17 de Abri a Quinta-feira Santa.
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A SEMANA SANTA NA FAJÃ GRANDE NA DÉCADA DE CINQUENTA
Em todas as freguesias e localidades açorianas, na década de cinquenta, a Semana Santa era considerada uma semana diferente, um tempo de grande e profunda religiosidade, verificando-se, durante a mesma, importantes e significativas alterações, não apenas na forma de celebrar a fé cristã mas também na vida e nos costumes do quotidiano das populações, inclusive na própria alimentação.
Na Fajã Grande, ilha das Flores, as celebrações litúrgicas desta semana, iniciavam-se no Domingo de Ramos, com a bênção dos ramos realizada na Casa de Espírito Santo de Cima. O pároco transportava uma palma assim como uma ou outra pessoa que possuísse palmeira nos seus campos, o que era raro. A generalidade das pessoas, no entanto, transportava pequenos ramos de salgueiro, de alecrim ou de cedro. Acreditava-se que os ramos deviam ser guardados, a fim de serem queimados na Quarta-Feira de Cinzas, do ano seguinte. Terminada a bênção seguia-se uma procissão com destino à igreja, numa atmosfera mística e de oração que envolvia toda a freguesia. Na igreja era celebrada a missa, nesse domingo muito demorada, uma vez que ao evangelho era feita, em latim, língua então utilizada em todas as celebrações litúrgicas, a leitura da paixão de Jesus Cristo, segundo São Mateus. Nessa altura, os paramentos utilizados, assim como o frontal do altar-mor e o véu de cobertura do sacrário eram de cor roxa. Desde o domingo anterior, chamado, na altura, Domingo da Paixão, todas as imagens de santos existentes na igreja eram cobertas com panos roxos ou pretos ou, no caso das mais pequenas, guardadas na sacristia e as flores eram retiradas dos altares, assim como as sanefas e as cortinas das janelas. A partir desse domingo os sinos não repicavam, apenas dobravam ou davam badaladas espaçadas umas das outras. Na segunda, terça e quarta-feira, realizava-se a Via Sacra. A partir da quarta-feira da Semana Santa, o sino, deixava de tocar, sendo as trindades, o toque do meio-dia e outros anunciados pela matraca, um instrumento construído em madeira, formado por três tábuas pregadas umas nas outras e com um suporte manual na parte superior, como se de uma pequena caixa se tratasse. Na parte exterior das tábuas estavam cravadas várias argolas de ferro que se soltavam batendo em conjunto e de forma violenta e agressiva na madeira, logo que a dita cuja fosse abanada com alguma força e agilidade, produzindo assim um som barulhento, matracado, estranho e esquisito.
Na quinta-feira à noite, a igreja voltava a ser enfeitada e os altares eram revestidos de branco, sendo celebrada a missa da Ceia do Senhor, durante a qual tinha lugar a cerimónia do lava-pés, para a qual eram convidados doze homens, dos mais influentes e importantes na freguesia. No coro tentava-se adivinhar qual deles seria o Judas… E os candidatos eram vários… Terminada a missa eram retiradas as toalhas do altar e exposto o Santíssimo que assim ficava durante toda a noite, até à madrugada seguinte, velado, em turnos de uma hora.
Na sexta-feira a comemoração da morte de Jesus, era celebrada às três da tarde, através das chamadas “endoenças” mas realizadas na igreja Matriz da freguesia vizinha, a Fajãzinha, às quais, no entanto, assistiam muitas pessoas da Fajã, que para aquela freguesia se deslocavam com tal intuito. As cerimónias das “endoenças”, na Fajãzinha, eram muito concorridas, a elas vinha muita gente de outras freguesias e exigiam, para além de três padres, alfaias litúrgicas adequadas e paramentos pretos e roxos, incluindo dalmáticas que a igreja da Fajã não possuía. À noite, porém, realizava-se na Fajã a procissão do Senhor Morto. No altar da Senhora do Rosário havia um grande cruxifixo, com um Cristo amovível. Era retirado da cruz e colocado num andor em forma de esquife e seguia na procissão juntamente com a cruz da qual se pendurava um pano e com a imagem da Senhora da Soledade, a única existente na Fajã que vestia roupas e que, por isso, estava interdita de estar na igreja durante o ano. Homens com opas, transportando lanternas, a cruz e o pálio de baixo do qual seguia o pároco levando o Santo Lenho. O povo incorporava-se atrás e apenas o batucar da matraca se alternava com o silêncio da noite.
No sábado, às oito horas, era celebrada a missa da Vigília Pascal, mas muito simplificada, como se de uma missa normal se tratasse, apenas com a bênção do lume e do círio pascal, os sinos voltavam a tocar, os santos eram descobertos e a igreja enfeitadas. No domingo apenas a missa, onde a palavra “aleluia” se ouvia com muita frequência
Durante a semana Santa devia-se jejuar e não comer carne, sacrifícios nada difíceis pois isso fazia parte do quotidiano. Na Sexta-feira Santa ao almoço, devia comer-se sopa de funcho. Nesse dia o funcho era mais doce, pois Nossa Senhora também o comera, quando, carregando sofrimento e dor, subia o caminho do Calvário. No sábado coziam-se os folares recheados com ovos e linguiça para se comerem no domingo e nos dias seguintes.
Durante a semana santa não se devia namorar, cantar, dançar, assobiar ou gozar outros pequenos prazeres por serem sinais de alegria e gozo uma vez que Nosso Senhor passara toda a semana sofrendo.