PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
O FOLAR DA PÁSCOA
O Folar da Páscoa, como o nome indica, era confeccionado por altura da Páscoa, geralmente na Sexta-Feira Santa, à tarde, dia em que se também cozia o pão de milho. Assim aproveitava-se o forno quente para, depois do pão, cozer os saborosíssimos folares. Não havia família que os não cozesse e mais do que um. Em muitas casas, como na minha, era sempre cozido um para cada pessoa, sendo que, no caso das crianças, o tamanho variava, pois o folar era tanto mais pequeno quanto menor era o seu destinatário. Depois era o prazer e a alegria de o comer no dia de Páscoa. O entusiasmo era tanto que dizia-se, a brincar, que quando, durante a missa, o pároco dissesse, “aleluia, aleluia” a resposta do sacristão devia ser “folar prá rua”.
Tradicionalmente, na Fajã Grande o folar da Páscoa era feito da seguinte forma, juntando os ingredientes escolhidos: farinha, açúcar, fermento guardado de uma cozedura de pão anterior, banha de porco nas casas mais pobres ou manteiga, limão, canela em pau, noz-moscada leite, ovos e toros de linguiça.
Começava-se por preparar o fermento, desfazendo-o em água morna e misturando um pouco de farinha e o pau de canela, que se retira depois, até levedar bem, geralmente até a tigela onde se fazia transbordar. Depois eram misturados os ovos inteiros com o açúcar, a que se juntava o leite a ferver, mas mexendo sempre para misturar bem e não cozer os ovos. Junta-se, de seguida, a farinha, com o fermento com a banha ou manteiga, um pouco de sal e a noz-moscada raspada. Mistura-se tudo e amassa-se muito bem como se fosse massa sovada e deixa-se levedar, cobrindo com cobertores. Depois tendem-se bolas como se fossem pães, colocando-se-lhes em cima, pedaços de linguiça que se cobrem com pedaços de massa, devidamente esticada. Vão a cozer no forno, depois do pão, pois não precisam de muito calor. Ao sair do forno s
são pincelados com gema de ovo.
Uma delícia, os folares de outros tempos!
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COMPASSO
Esta tarde de domingo de Páscoa, a minha rua, de nome José Bragança Tavares, aqui no lugar da Fonte Sacra, assim como todas as outras ruas e artérias da jovem cidade de Paredes, engalanou-se, de alto a baixo e de um extremo ao outro, para receber com pompa e circunstância o “Compasso” da Páscoa e os harmoniosos acordos musicais da Filarmónica que o acompanhava. Dando cumprimento a uma secular tradição religiosa, algumas cruzes, devidamente ornamentadas e acompanhadas pelo singelo badalar de campainhas, transportadas por acólitos vestidos de branco e homens trajando opas vermelhas, durante largos minutos, percorreram os passeios, ultrapassaram os portões e entraram pelas casas anunciando a Boa Nova da Páscoa, enquanto a filarmónica expelia acordes harmoniosos num singelo e nada habitual peregrinar por esta via. Das varandas e janelas o povo aclamava com palmas e manifestava gestos de alegria, de paz e de felicidade, anestesiando, por momentos, o tumulto e o burburinho quotidianos e frenéticos desta diariamente movimentada artéria que liga a Circular Rodoviária Interna de Paredes a Mouriz.
As cruzes eram cinco, com sete elementos cada: dois tocadores de campainha, o portador da cruz, o representante do pároco, o portador da caldeirinha, o recolector dos envelopes com as prebendas e um mestre-de-cerimónias. Por sua vez a filarmónica, que tive a oportunidade de observar, minuciosamente, do alto, como se duma vista aérea se tratasse, com 57 elementos: 52 tocadores, dois controladores de tráfico, dois porta estandartes e o maestro.
Como a fronteira entre as paróquias de São Salvador de Castelões e de Mouriz está pouco claramente definida, gera-se alguma confusão, relativamente, à responsabilidade da visita Pascal. Pior ainda. Como não há via que as separe, compassos e filarmónica, ao transitar de Perrace para a José Bragança Tavares, foram forçados a um difícil corta-mato, tudo, no entanto, se desenrolando com muita alegria e divertimento.
Nos ares rebentam bombas e foguetes, mas estas cada vez menos, que a crise também se faz sentir nestas andanças.
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PERFEITO
MENU 37 – “PERFEITO”
ENTRADA
Folhados recheados com creme de queijo fresco com sabor a salmão, ornados com tirinhas de pimentos verdes, vermelhos e laranja, barrados com creme de queijo com sabor a ervas aromáticas, com rebordos de doce de pimento vermelho.
PRATO
Rolo de peito de peru recheado com carne, legumes e salsichas de soja, assado no forno com batata, acamado sobre grelos de nabiça, com batata assada e arroz ornado com compota de amora.
SOBREMESA
Mousse de morango, suspiros melados, bolo mil folhas e gelatina de morango.
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Preparação da Entrada: - Cortar a massa folhada em quadrados, recheá-los com o creme de queijo, virando as quatro pontas. Colocá-los no forno até alourarem. Dispô-los no prato e sobre eles tiras de pimentos de várias cores, barradas com o creme de queijo. Ornar com a compota de pimento vermelho.
Preparação do Prato – Cortar, bater e temperar o bife dando-lhe uma forma quadrangular. Refogar cebola em azeite, juntar alho, pimento e outros temperos. Juntar as pontinhas do bife e a salsicha de soja. Reduzir a puré. Rechear o bife, e enrolá-lo e atar com cordão. Assar com batatas em molho de azeite, água, um pouco de cerveja ou vinho do Porto. Colocar no forno em travessa. Cozer os grelos e preparar o arroz. Cortar o rolo em fatias e empratar.
Preparação da Sobremesa – Processo tradicional. No caso da mousse de morango, bater as claras, esmagar o morango, juntar tudo com o açúcar.
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TRADIÇÕES PASCAIS
Na Páscoa de 1975 foi-me proporcionada a oportunidade de, pela primeira vez, visitar e conhecer as terras transmontanas. Coincidindo com os três dias do tríduo pascal e fixando-me numa típica aldeia transmontana, junto às margens do Coa, foi-me possível também observar e conhecer algumas dos costumes e tradições relacionadas com a Semana Santa, naquela interessante região portuguesa.
Na realidade, em Trás-os-Montes, as múltiplas e diversas tradições da Semana Santa apresentam-se preenchidas com rituais que, simultaneamente, parecem ter misturados rituais cristãos e pagãos, alguns dos quais representam, um claro regresso a ambientes medievais. Às vias-sacras, endoenças, autos da paixão e procissões dos “sete passos”, juntam-se as queimas do judas, os enterros do bacalhau, as corridas dos rapazes aos sinos, entre outras.
A tradição gastronómica, por sua vez, na região transmontana incide, principalmente, sobre a confecção dos folares da Páscoa, feitos com massa um pouco adocicada e recheados com carnes salgadas e enchidos que, naturalmente e por imposições religiosas, ao longo de semanas, estiveram em standby, isto é, às escondidas e arredadas das mesas dos camponeses. Há ainda o cabrito assado, o borrego e a caldeirada de cabrito. As amêndoas e os ovos de chocolate também não faltam
Por sua vez as variadas e diversas celebrações de rituais da Paixão de Cristo traduzem e reflectem cenários de luto, de reflexão dolorida, expressos dos tons roxos e negros das celebrações e nos cânticos tristes e dolentes. Algumas aldeias ainda conservam as 14 cruzes, ou cruzeiros, que representam as 14 estações que a via-sacra cumpre simbolizando o calvário de Cristo a caminho da crucificação.
A tradição dos “sete passos” mantém-se em Freixo de Espada à Cinta como caso único no país. Embora seja mais intensa na Sexta-Feira Santa, trata-se de um ritual de raízes medievais que tem lugar em todas as sete sextas-feiras quaresmais. Num cenário bem ao jeito de um filme de terror, em plena escuridão, dois homens encapuçados de negro, ao soarem as badaladas da meia-noite, lançam ruidosamente sobre as lajes de granito do átrio da igreja correntes de ferro que prendem nas pernas e arrastam pelas calçadas das ruas produzindo barulhos estridentes e assustadores. O ritual prossegue com a saída de uma “velhinha” vergada sob um negro manto e capuz, transportando numa mão uma lamparina de azeite e na outra um cajado em que se apoia, bem como uma bota de vinho com a qual vai dando de beber aos populares que se ajoelham à sua passagem e devotamente o solicitem, pois a vinho é o símbolo do sangue de Cristo derramado. O cenário é ainda acompanhado por grupos de cantadores que junto aos cruzeiros entoam melodias angustiosas, próprias de ambientes lúgubres medievais. (Cf Alexandre Parafita: Antropologia da Comunicação, Lisboa, Âncora Editora, 2012) in Diário de Trás-os-Montes).
“Por sua vez, mais comuns em Trás-os-Montes, os autos da paixão, enquanto representações de teatro popular, que narram os últimos dias de Cristo, desde a traição até à morte e deposição na cruz, envolvem cerca de quarenta figuras humanas recrutadas no seio do povo, muitas delas pessoas idosas e iletradas, pelo que conservam na memória, durante décadas e décadas, os dizeres das personagens que encarnam. Alguns dos seus papéis eram, outrora, desempenhados com tal emoção e realismo, que, no ato de agredir ou chicotear, as vítimas chegavam a sair em braços e ensanguentadas de verdade das respectivas cenas, havendo ainda casos em que os atores ganhavam, pela vida fora, as alcunhas dos papéis que representavam, como por exemplo, Cristo, Judas, Caifaz, Pilatos, Fariseu ou Diabo”./Cf Ibidem)
Na maioria das localidades transmontanas, nestes dias, a vida das populações muda radicalmente. Em muitas aldeias, ao meio dia de Quinta-feira Santa, toca o sino ela última vez e as pessoas param por completo os seus trabalhos rurais, hábitos que, na década de cinquenta, também se verificavam na Fajã Grande, das Flores Com excepção dos mínimos afazeres domésticos, ninguém trabalhava até ao sábado à mesma hora. Contavam-se, inclusivamente, algumas estórias de insucesso nos trabalhos realizados nestes dias. Em algumas aldeias, um homem que corre todo o povoado tocando uma matraca, como se fazia nas Flores, onde a matraca era utilizada em substituição dos sinos, para alertar as pessoas para a solenidade do dia e chamá-las para as cerimónias religiosas celebradas na igreja. Também se deve jejuar e abster de carne e de outros pequenos prazeres, nestes dias. Contaram-me, inclusivamente, que, nestes dias as pessoas mais idosas nem se penteavam. Também não se devia cozer pão porque diziam que aparece sangue na massa ou nas broas, costume este que também havia nas Flores.
“No Sábado de Aleluia, à meia-noite, havia outrora a tradição de os rapazes correrem a tocar os sinos das igrejas, que quebravam o silêncio quaresmal. Até então, os toques dos sinos eram proibidos, sendo substituídos por pungentes matracas de madeira e arame, que emitiam sons ritmados, com as quais um mensageiro percorria as ruas apelando ao recolhimento, à reflexão e à oração. A retomada do toque dos sinos à meia-noite de sábado era disputada pelos rapazes, na crença de que o primeiro que tocasse o sino seria recompensado na descoberta dos ninhos das melhores aves, especialmente a perdiz, o que, noutros tempos, era algo muito cobiçado.(Cf Ibidem)
“Em Montalegre, mantém-se viva a Queima de Judas, no Sábado de Aleluia. A Câmara Municipal organiza um concurso para melhor mobilizar a população. Mas esta tradição é igualmente ativa noutros pontos do país: Palmela, Azeitão, Vila Nova de Cerveira, Matosinhos, Santa Comba Dão, Tondela, Viana do Castelo, Vila do Conde, Maia, Travassô, Milheirós de Poiares, Ponte do Lima, entre outros. Nela se representa o julgamento de Judas Iscariotes, por ter traído Cristo por trinta dinheiros. O povo, armado de tochas, aguilhadas e outros meios, aguarda os momentos da acusação e defesa, a leitura da sentença e, por fim, participa no castigo fatal investindo sobre um sinistro boneco que se incendeia ou explode. Este castigo simboliza a expiação dos pecados do mundo e o fogo tem um carácter simbólico de purificação. As queimas do Judas, assim como o Enterro do Bacalhau, representam impulsos eufóricos de catarse e libertação perante os constrangimentos quaresmais. Em Vila Real, a tradição do “Enterro do Bacalhau” é um ritual que responde a outros “enterros”, de sentido inverso, outrora frequentes na região transmontana (enterro do galo na quarta feira de cinzas, enterro do Entrudo…). A tradição do enterro do bacalhau é hoje especialmente praticada na localidade de Constantim, nos subúrbios de Vila Real. Noutros tempos, era toda a cidade a vibrar com o ritual. Um bacalhau enorme feito de cartão seguia escoltado por militares e era julgado perante carrascos, juízes e advogados, tendo, como testemunhas de defesa, os marçanos das mercearias e, de acusação, os empregados dos talhos. O castigo a incidir sobre o bacalhau simboliza a libertação dos constrangimentos da Quaresma, que não permitia o consumo de carne. A partir do Sábado da Aleluia, dia da celebração, já o povo deixa de estar limitado ao consumo de peixe e festeja assim o regresso da carne.” (Cf Ibidem)
Nos meios rurais transmontanos e m quase todo o norte do país, no Domingo de Páscoa mantém-se a tradição do Compasso, traduzida num cortejo presidido pelo pároco ou por um leigo seu representante, que visita as casas dos fiéis dando a cruz a beijar e aspergindo com água benta os compartimentos. Neste dia as famílias juntam-se nas casas umas das outras, para receber o Compasso, convivendo, provando os folares e outros petiscos e almoçando o tradicional cabrito assado no forno.
NB – Alguns destes dados foram retirados de Alexandre Parafita, acima citada: Antropologia da Comunicação, Lisboa, Âncora Editora, 2012) in Diário de Trás-os-Montes
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A PÁSCOA
Na Fajã Grande e creio também que nas restantes freguesias das Flores, as grandes festividades religiosas anuais, com excepção do Pentecostes, vulgarmente conhecido por “Festa do Espírito Santo”, não eram celebradas com a grandiosidade e com a imponência que o eram na maioria de outras regiões do país, nomeadamente no Continente.
A Páscoa, assim como o Natal, celebravam-se com um misto de penúria, simplicidade e normalidade. A magnificência e a sumptuosidade guardavam-se para as festas locais.
Assim o dia de Páscoa não se diferenciava muitos dos restantes domingos do ano. A única tradição era a do folar, cozido na véspera. Tinha a forma de um pão de milho mas era feito de massa “sovada”, também chamada de “pão doce”, igual à que era cozida quer pelo Espírito Santo, quer pela festa de Santo Amaro, neste caso sob a forma de ofertas diversas e diversificadas. O que caracterizava o folar da Páscoa, no entanto, era que na parte mais alta e interior do mesmo fosse colocado, em vez dum ovo, um toro de linguiça, que lhe dava um sabor característico, aliando a doçura do açúcar ao salgado e à gordura dos temperos da carne de porco. A tradição medieval na Quaresma interditava ao povo de comer carne. O folar da Páscoa com o pedacinho da linguiça era como que um símbolo festivo do final da abstinência quaresmal.
Todos se “pelavam” por uma fatiazinha do folar retirada da sua parte superior, mesmo ali ao redor do pedacinho da linguiça. Normalmente era cozido um folar para cada um dos membros da família, sendo maior ou menor, consoante a idade e tamanho daquele a que se destinava.
Quanto à parte religiosa, numa altura em que a religião marcava acentuadamente a vida e os costumes, apenas a missa, em que, segundo se dizia, a cada palavra se seguia um “alleluia”. Na realidade as orações litúrgicas do dia começavam com um intróito em que o celebrante dizia “ Ressurrexit non est in nobis, alleluia, alleluia.” e terminava com “Ite missa est, alleluia, alleluia” ao que o povo, com um misto de jocosidade e alegra, fora da igreja, respondia em vernáculo: “Folar para a rua, alleluia, alleluia.”