PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
VISTA SOBRE A FAJÃ GRANDE
Do cimo do Pico da Vigia desfrutava-se, outrora de uma vista aprazível, deslumbrante e encantadora sobre a Fajã. Talvez mesmo uma das mais belas vistas de toda a ilha das Flores.
Logo à direita de quem sobe, divisava-se, ao longe o Oceano, ora manso e azulado, ora revolto e esbranquiçado de espuma, ornamentado pelo Monchique e pela Baixa Rasa, como que envolvendo e abraçando sem disfarce e sem vergonha, em semicírculo, a extensa fajã, delimitada a Norte pelo alto do Portal e a Sul pela Rocha dos Bredos. Depois, mais perto, a mancha negra, basáltica e rendilhada do baixio, com os seus caneiros e enseadas, onde se destacavam o Redondo, a Retorta, o Caneiro das Furnas, a Baia de Água e o Poceirão com o Calhau da Barra a fiscalizar passagem para o Atlântico. Mais além, espraiava-se a enorme Baía, debruada pelo Rolo, um amontoado inaudito de pedras polidas e arredondadas, estendendo-se ao longo da Ribeira das Casas e das Covas, desde o Pesqueiro de Terra ao Ilhéu do Cão, metamorfoseando-se de novo em baixio, lá ao fundo, junto à rocha da Ponta. Já mais perto, a igreja rodeada pelas casas ordenadas em arruamentos simétricos, umas brancas outras cinzentas, com os seus telhados avermelhados, aglomerando-se e misturando-se com cerrados, belgas e courelas onde florescia milho, batatas e couves. Mais perto ainda, já como que a prolongar-se pela encosta acima, pequenas pastagens e algumas terras de mato galvanizadas de um verde onde se misturavam incensos, faias, canas, fetos e cana-roca. Finalmente, mas muito distante, a Norte, já para além da ribeira do Cão, a Ponta, onde as casas se postavam em fila, muito bem arruadas na direcção da ermida da Senhora do Carmo, encravada nos contrafortes da rocha. Contrastando com o Oceano e do lado oposto, um semicírculo pétreo e altivo, formado pelas rochas da Ponta, das Covas, das Águas, dos Paus Brancos, dos Lavadouros e do Curralinho, povoadas de ribeiras e de cascatas onde a água se desprendia em fluxos ritmados e refulgentes sob o verde dos socalcos e andurriais e o negro das fragas, ravinas e penhascos.
Do outro lado e a Sul, a segunda parte do semícirculo. Muito ao longe as Rochas da Figueira e dos Bredos a protegerem a Fajãzinha, onde as casas, tão distantes e tão pequeninas, se assemelhavam a minúsculos salpicos esbranquiçados, como que confundidos com a enorme mancha verde das terras de mato, dos campos e das pastagens. Depois a Cuada com a velhinha Casa do Espírito Santo e pouco mais de meia dúzia de casas perdidas entre hortas e pomares, consubstanciando-se, mais adiante, na Eira-da-Quada, com o Oceano extenso, resplendoroso e sempre predisposto a receber o volumoso caudal da Ribeira Grande. Finalmente a rocha da Alagoinha povoado de um número quase infinito de grotas e cascatas, muitas delas dia e noite a escorrer, fazendo transbordar o Poço da Pata, sem encoberto pelo arvoredo do Vale Fundo, do Pocestinho e da Cabaceira.
No cimo daquele pico existia uma pequena casota branca, destinada a vigia de baleia, com uma enorme fresta no mural voltado para o Oceano, que permanecia sempre aberta sobre o mar para que o Vigia ali sentado horas a fio, avistasse as baleias e, de imediato, lançando um foguete lá do alto, avisasse os baleeiros cá em baixo, entretidos nas suas courelas em pequenas fainas agrícolas, de tão gratificante descoberta. Daí a razão do seu epíteto – Pico da Vigia.
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OBRIGADO
A todos os que, ontem, tiveram a amabilidade de me enviar felicitações, quer através do meu email quer via FB, aqui deixo o meu sincero agradecimento.
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DESCANSA EM PAZ
Ontem, após a sua morte no passado dia 8 deste mês, foi depositada, num dos cemitérios de Arcara, no Norte da Califórnia, uma minúscula urna, com as cinzas, daquela que em vida se chamou Maria de Jesus Fagundes, onde ficarão guardadas para sempre.
Simples, pobre e humilde, mas digna e nobre na vida, Maria, minha irmã/mãe, também o foi na morte. Ela própria havia decidido em vida que, após a sua morte, nem velório, nem cortejo fúnebre, nem exéquias, optando ainda pela cremação do seu cadáver. Assim e, após a morte, num hospital da mesma cidade, onde sempre residiu, desde de que emigrou para os estados Unidos, em 1966, depois de os familiares e amigos dela se “despedirem”, no próprio hospital, o seu cadáver foi conduzido, apenas, pela carrinha funerária, até ao local da incineração.
Maria de Jesus Fagundes nasceu, na Fajã Grande das Flores, a 13 de Agosto de 1940. Teve uma infância curta, difícil e muito penosa, sendo habituada, desde de tenra idade, a ajudar a mãe nas pesadas e árduas tarefas domésticas e a cuidar dos irmãos mais novos. Após a morte inesperada da mãe, com apenas 12 anos, Maria foi obrigada a tornar-se mulher, passando a ser mãe, verdadeira e real, dos restantes cinco irmãos, um dos quais fui eu. Por isso e por tudo o que ela me deu como irmã/mãe, hoje aqui lhe presto a minha homenagem e manifesto a minha gigantesca gratidão, com um grande e sentido abraço ao Lucindo, o seu companheiro de vida e aos filhos, Zuraida, Carlos e Herlander.
Rest in peace, forever, Maria!
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ABSOLUTA NORMALIDADE
As férias passaram velozes e cedo se impôs o regresso ao Seminário de Ponta Delgada. A viagem entre as Flores e São Miguel, agora já com experiência acumulada do ano anterior, decorreu muito bem, até porque a partir do Faial tive a companhia do Manuel Faria e dos meus colegas das outras ilhas. Na viagem, para as Flores, em Junho, também tivera muita sorte, pois a partir de Angra, viajara junto com a minha vizinha Lucinda, a mãe de meu padrinho, que muito me apoiou e auxiliou.
Ao reentrar no Seminário, também, já conhecíamos a casa, por conseguinte já nada nos indignava, surpreendia ou sequer atemorizava. Agora que éramos os mais velhos, com experiência acumulada, como que nos sentíamos donos e senhores do velho casarão, revelando alguma disfarçada superioridade sobre os alunos que o demandavam pela primeira vez. Ocupámos as camaratas do segundo ano, escolhemos as melhores camas, optámos pelos lugares mais atractivos e até decidimos que as carteiras maiores seriam nossas.
No entanto, a chegada dos alunos de São Miguel veio alterar tudo isto. Os prefeitos entenderam que seriam eles a decidir sobre as nossas opções e, como o segundo ano não cabia todo nas camaratas que lhe eram reservadas, optaram por mandar os mais pequenos para a camarata do primeiro ano. Para tristeza minha, eu fui um deles, embora me tenha sido permitido colocar a minha cama logo à entrada da porta. No entanto, custou muito, separar-me dos meus colegas e abdicar do lugar inicialmente escolhido.
Procedimento idêntico teve um dos prefeitos, relativamente às carteiras. Retiraram aos mais pequenos as carteiras grandes, para as entregar aos mais velhos, maiores e, talvez, com mais aproveitamento escolar, mas não mais aplicados do que nós. Estes procedimentos discriminatórios provocaram alguma revolta nos mais pequenos, entre os quais se incluíam, para além de mim, o Jorge Nascimento, o Manuel Faria, o Lima Oliveira, o Humberto Clementino e o José Augusto.
O ano lectivo, no entanto decorreu como muita naturalidade e sem os sobressaltos, os temores e as contrariedades dos primeiros tempos, do ano anterior. Abandonei a infância e transformei-me, de repente, num homenzinho. O meu corpo transformou-se, radicalmente, e comecei a perceber que, afinal, o mundo era composto por ideias, por costumes, por atitudes e, também, por seres humanos diferentes: homens e mulheres. Numa palavra: tonei-me um homenzinho.
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PREVENÇÃO PEDAGÓGICA
"Educai as crianças, para que não seja necessário punir os adultos."
Pitágoras