PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
UM MAR DE ISOLAMENTO
A freguesia da Fajã Grande ocupava, juntamente com a Fajãzinha, um ampla fajã delineada a Oeste pelo mar e a Norte, a Leste e a Sul por uma altíssima rocha que a separava do resto da ilha, isolando-a das restantes freguesias e das duas vilas – Santa Cruz e Lajes. O isolamento era tal que até as deslocações à freguesia mais próxima, a Fajãzinha, sobretudo no Inverno, tornavam-se bastante difíceis e por vezes impossíveis. Era necessário atravessar Ribeira Grande, muito larga, sem ponte e com um caudal fortíssimo. As margens ligavam-se por uma fila de enormes calhaus, mais ou menos alinhados, alguns ali colocados pela natureza outros pelos homens, relativamente próximos uns dos outros. Chamavam-se “passadeiras”. Quem se aventurasse a atravessar a ribeira, teria que o fazer saltando de calhau em calhau, o que, por vezes e para os menos afoitos, provocava escorregadelas que, para além do susto, encharcavam uma boa parte da roupa. Os animais atravessavam-na a pé ou a nado. A ribeira, no entanto, não dificultava apenas as deslocações à Fajãzinha. Era por ali também que se ia às vilas ou às outras freguesias. Apenas para Ponta Delgada se virava a Norte, subindo a rocha da Ponta, percorrendo um sem número de atalhos e veredas, muitas vezes saltando tapumes e atravessando relvas para encurtar caminho. Para os Cedros a as viagens eram ainda mais difíceis mas muito raras.
Todas estas deslocações para além de muito difíceis eram também demoradíssimas. As ligações por mar não existiam.
O isolamento era total, absoluto e permanente.
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LUIZA DE MESQUITA
Luíza de Mesquita nasceu na Horta, em 1926 e faleceu no Rio de Janeiro, em 2002. Concluídos os estudos secundários no Liceu da Horta, frequentou a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, iniciando o curso de Filologia Românica, que completou Paris. Foi funcionária da embaixada norte-americana na capital portuguesa durante oito anos, em 1972 transitou para o Brasil, onde exerceu, no Rio de Janeiro e naqueles serviços diplomáticos, o cargo de assistente cultural.
O seu primeiro livro de poesia, Ondas de Maré Cheia, teve o melhor acolhimento junto da crítica brasileira. Seguiram-se Mar incerto, Areias Movediças, Tempo de Mar, Tempo de Amar, Caminhos de Mar, Bateau de papier, Cantigas de Mar e Bem-Querer, Mar de Sempre Açores e Ciclone.
São três os pilares fundamentais da poesia: o mar, o amor e a saudade. Em versos sensuais e apaixonados, que fluem em ritmo encantatório, a poetisa de Luiza de Mesquita celebra o mar – o mar das ilhas - ligado à infância enquanto paraíso irremediavelmente perdido e o seu mar interior – símbolo de um desejo pressentido e de um amor em busca da sua plenitude. Dai a navegação dos corpos que, em viagem erótica, procuram a felicidade perdida. Eis uma poesia marítima, telúrica, vigorosa e uterina. De uma sinceridade total e de uma espontaneidade absoluta.
Dados retirados do CCA – Cultura Açores
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A VIDA
A vida duma pessoa não é o que lhe acontece, mas aquilo que recorda e a maneira como o recorda.
Gabriel Garcia Marquez
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RITINHA
Ela chega todas as manhãs, às vezes, antes do nascer do Sol! Traz consigo o brilho inebriante do astro-rei, o sorriso das estrelas adormecidas, o sabor da aurora debutante, a ternura das madrugadas florescentes. É uma dádiva celeste, um dom sublime, um encanto maravilhoso.
Assinala-a um meigo sorriso, envolve-a um abafado desejo, asperge uma terna vontade de ficar, de estar, de saltar para o meu colo e agarrar-se a mim com ambos os bracitos, como se tivesse medo de eu me evaporar.
Depois despede-se dos que partem: uns para a escola, outros para o trabalho, todos para a vida. Há, ali, escondido naquele olhar meigo e brilhante um misto indeciso, uma vontade partilhada, um não saber se ir ou se ficar. Fica! Não tanto por opção mas mais por imperativo de quem lhe cerceia o destino.
Depois sobe… O elevador parece que a distrai e desperta mais… Se os outros carregam no botão que lhe impinge o subir e o abrir da porta, por que não há-de ela carregar. Novamente os imperativos dos adultos a cercear desejos inocentes, vontades espontâneas.
Espera-a a caminha e o leitinho quente/morno, que a temperatura, naturalmente, tem que ser bem doseada, assim como o conteúdo. No meu colo suga, com suavidade e apetite, o biberon. Canto e embalo. A ternura atinge o epicentro: Junto ao berço, pequenino, Sonha mãe carinhosa, Sonho belo e divino… O encanto metamorfoseia-se em desvelo. É a sublimidade suprema.
Depois, deposito-a no bercito, ao lado da Quitinha, a que há muito se agarrara e ao peluche… Pouco depois, adormece…
Agora dorme, que regá-lo! Deixá-la dormir. Apetece-me reler o poema de António Nobre O Sono do João, e transcrever alguns excertos do mesmo:
O João dorme... (Ó Maria,
Dize àquela cotovia
Que fale mais devagar:
Não vá o João, acordar...)
Tem só um palmo de altura
E nem meio de largura:
Para o amigo orangotango
...
O João dorme... Que regalo!
Deixai-o dormir, deixai-o!
Calai-vos, águas do moinho!
Ó mar, fala mais baixinho...
E tu, Mãe! e tu, Maria!
Pede àquela cotovia
Que fale mais devagar:
Não vá o João, acordar...
Ó Mãe, canta-lhe a canção,
Os versos do teu irmão:
Na Vida que a Dor povoa,
Há só uma coisa boa,
Que é dormir, dormir, dormir...
E tu vê-lo-ás crescendo
A teu lado (estou-o vendo
João! Que rapaz tão lindo!)
Mas sempre, sempre dormindo...
Mas para isso, ó Maria!
Dize àquela cotovia
Que fale mais devagar:
Não vá o João, acordar...
António Nobre, in 'Só'
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MENINA COM PAPAGAIO
(PEDRO DA SILVEIRA)
Ainda na sua mão
que lhe dirá o barbante
de como se vê o mundo
com os olhos do vento?