PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
MONSENHOR CAETANO TOMÁS
Francisco Caetano Tomás, cónego da Sé de Angra e Monsenhor, nasceu na freguesia do Lajedo, concelho das Lajes, ilha das Flores, Açores, a 12 de Setembro de 1924. Para além de professor no Seminário de Angra e do Liceu da mesma cidade, destacou-se, também, no campo do aconselhamento psico-social no âmbito da acção pastoral católica. Embora seja por vezes referido como "psicólogo", não detém curso superior em Psicologia nem está inscrito na Ordem dos Psicólogos Portugueses, formou-se sim em Filosofia e Teologia pela Universidade Gregoriana de Roma.
Monsenhor Caetano Tomás, como é mais conhecido, completou os seus estudos iniciais no Seminário Episcopal de Angra, na ilha Terceira, tendo de seguida estudado em Roma, de 1947 a 1954, na Pontifícia Universidade Gregoriana, onde se licenciou em Teologia e Filosofia. Fez também alguns cursos de Matemática, Física e Métodos Científicos na Universidade de Roma.
Regressou aos Açores em 1954, fixando-se em Angra do Heroísmo, onde iniciou a sua carreira de docente no Seminário Episcopal de Angra. Foi também docente, de Psicologia, na Escola do Magistério Primário de Angra do Heroísmo e na Escola Superior de Enfermagem daquela cidade,
Para além da sua actividade docente, destacou-se na introdução do aconselhamento psico-social, especialmente em matérias matrimoniais e de família, no âmbito da acção pastoral da Igreja Católica Romana, no âmbito da qual foi nomeado cónego da Sé Catedral de Angra e distinguido com o título eclesiástico de monsenhor.
Nesse mesmo campo, sempre no contexto das suas funções eclesiais, participou em múltiplos programas sobre Psicologia na rádio e na televisão, e realizou acções de formação nessas matérias para docentes dos ensinos básico e secundário e para o público em geral.
Desde 1980 que é o principal orientador dos "Cursos de Preparação para o Matrimónio", obrigatórios para os nubentes que pretendam casar no rito católico na Diocese de Angra, É actualmente director do jornal ergoterápico O Irresponsável, da Casa de Saúde de São Rafael, em Angra do Heroísmo.
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IN ALBIS
Chama-se In Albis ao domingo imediato ao da Páscoa, porque, nos primórdios da cristandade, era nele que os neófitos, ou seja os cristãos baptizados durante a vigília pascal, depunham a túnica branca do baptismo que haviam recebido, naquela noite santa. No entanto, este domingo também tem outras designações, sendo conhecido por Quasi modo por serem estas as primeiras palavras do antigo intróito da missa, deste dia. Esta designação está intimamente relacionada com uma das personagens do romance de Victor Hugo, Nossa Senhora de Paris. Trata-se duma personagem que recebeu este nome, por ter sido abandonada à nascença e encontrado neste dia, junto da catedral parisiense. Quasimodo, no entanto, nasceu com notáveis deformações físicas, descritas por Victor Hugo como "uma enorme verruga que cobre seu olho esquerdo" e "uma grande corcunda". Foi recebido e adoptado pelo arcediago da catedral, que o baptizou. Desconhecendo-lhe nome, atribuindo-lhe aquele nome, por ter sido encontrado naquele domingo, designando-o, depois de adulto, para ser sineiro da Catedral. Devido ao alto som dos sinos de Notre Dame, Quasimodo acabou por ficar surdo. Apesar da sua aparência monstruosa, Quasimodo apaixonou-se pela cigana Esmeralda, salvando-a de ser assassinada.
Na Fajã Grande, onde este episódio da literatura mundial, obviamente, era desconhecido, e em muitos outras localidades, este domingo, que ocorre, precisamente, oito dias depois da Páscoa, correspondendo ao domingo seguinte ao domingo de Páscoa, agora, também denominado Dia da Misericórdia de Deus, sendo a oitava da Páscoa era designado como domingo da Pascoela, por simbolizar o prolongamento do próprio domingo de Páscoa, numa atitude festiva da Igreja e dos fiéis, podendo dizer-se que representa uma espécie de diminutivo da palavra Páscoa, ou Páscoa Menor e era neste domingo que se iniciavam as celebrações e as festas em louvor do Divino Espírito Santo, pois a partir deste dia todas as coroas dos vários impérios da freguesia se deslocavam, em cortejo, acompanhadas dos foliões e das bandeiras, para a igreja paroquial, onde ficavam presentes durante a missa de domingo. Por isso estes domingos eram designados pelos domingos em que o Senhor Espírito Santo ia à Missa. Nos pátios das casas onde existiam crianças eram colocadas bandeiras do Espírito Santo, vermelhas e brancas, com o desenho da coroa ou da pomba no centro.
Segundo a tradição popular, nalgumas localidades, era durante a celebração da missa, no domingo de Pascoela – quando esta se realiza às três horas da tarde em ponto – que, entre a elevação da hóstia e do cálice, «ao pedir-se uma graça, ela seria concedia».
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O DIA SEGUINTE
O dia seguinte ao da tremenda catástrofe amanheceu sombrio, escuro com um tempo ameaçador. O vento soprava de Noroeste, o mar revoltara-se e embravecera subitamente e, sobre o Faial pairavam umas nuvens cinzentas, sinistras, prenunciadoras de aguaceiros. Era evidente que, mais tarde ou mais cedo, havia de chover.
A ameaça de chuva, no entanto, consubstanciava uma ambivalência, aparentemente, intrigante. Por um lado se chovesse seria benéfico, pois a chuva enviada por Deus como que serviria para limpar, para lavar e até para arrefecer todo aquele manto de lava, aquele pantanal de fogo que no dia anterior correra em catadupa por ali abaixo, que ainda fumegava, deixando um pestilento cheiro a enxofre e a carne queimada e deixara marcas atrozes, aterradoras e indeléveis, por aqui e por além, no solo. Por outro lado, porém, a chuva não era bem-vinda, antes pelo contrário, até era indesejada, pois seria uma autêntica desgraça, uma verdadeira tragédia. É que para além de trazer o frio consigo, a chuva não seria condescendente com ninguém, a todos molharia. Na realidade os abrigos eram poucos e a maioria das casas havia sido destruída por completo. Quase todas as habitações, sobretudo as mais débeis e pobres, haviam ruído e até a própria capela de Santa Luzia também sofrera prejuízos enormes, arrasantes, destruidores e irreparáveis, pondo em causa todo o seu interior, nomeadamente, a imagem da padroeira, as alfaias litúrgicas, os altares e até o sacrário onde se guardava o Santíssimo Sacramento. Apenas a coroa do Divino Espírito Santo que Frei José das Cinco Chagas havia retirado do altar e colocado sobre uma mesinha, fora da porta do templo, escapara àquela tremenda e avassaladora catástrofe.
Por volta do meio-dia a previsão confirmou-se. As nuvens escuras e carregadas de água que haviam amanhecido sobre o Faial, durante a manhã, tinham-se deslocado, muito lentamente, na direcção do Pico. Parecia que haviam parado ali mesmo, por cima de Santa Luzia, para dentro em breve se abrirem, despejando águas diluvianas por ali abaixo. Com as casas destruídas, a lava a devastar tudo e, agora, com a chuva a alagar o pouco que sobrara, não havia sítio onde o povo se abrigasse e protegesse, nem migalha com que se saciasse a fome. Sobretudo as crianças e os mais idosos sofriam em demasia.
A meio da tarde, no entanto, começaram a chegar carros de bois, carroças puxadas por cavalos e mulas carregadas de géneros alimentares, de roupas e agasalhos diversos, vindos de Santo António, do Cais do Pico e, sobretudo, de São Roque. O povo destas localidades, apesar de também atingidas por fortes tremores de terra, e as próprias autoridades municipais, sob as ordens do tenente Alçada de Melo, representante do capitão do donatário, sediado na vila das Lajes, haviam recolhido e angariado alimentos, roupas, cobertores, remédios, desinfectantes, chás e mezinhas. Vinham ali trazê-los distribuindo-os pelos doentes, pelos velhos, pelas crianças e sobretudo pelos mais necessitados. Juntamente, também um grupo de fradinhos, sediados num convento, construído uns anos antes e localizado no povoado do Cais do Pico e que pertenciam à Ordem dos Frades Menores, para ali se dirigira a prestar auxílios, a trazer conforto, a fortalecer os ânimos. Na madrugada do dia seguinte chegaram do Faial alguns barcos também carregados de géneros alimentares e de barracas feitas de pano de serapilheira e de peles de animais, destinadas a abrigar os que haviam ficado sem habitação.
José Pereira de Azevedo, a mulher e o filho passaram a primeira noite ao relento. Enrolados em grossos cobertores e em sacos de serapilheira, alguns cheios de lã, de palha, de erva ou de feno. Os pais, com o calor dos seus corpos, foram protegendo o pequeno António do vento, do frio, da chuva e dos rigores matinais.
A meio da manhã e depois de convencer Madalena de São João a permanecer ali, junto às paredes da pequena ermida, José Pereira de Azevedo decidiu ir dar uma volta, no sentido de verificar como haviam ficado os seus parcos haveres: duas pequenas terras de trigo, outras tantas de vinha e, lá mais no alto, uma de incensos e faias. O medo e o terror dominavam-no como se fosse um pássaro ferido, sem comida e sem ninho. Sabia que a lava se havia escoado para os lados das Bandeiras com mais intensidade e aí fizera os mais graves prejuízos. E os seus receios tornaram-se reais. Todas as suas propriedades haviam sido totalmente destruídas pela lava incandescente que no dia anterior a montanha expelira.