PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
MOMENTO MÁGICO
Amanheceu! Um bando de gaivotas
Em bailados de cio. Doces lamentos…
Esvaídos em magma, eivados de tisna,
Que as marés branqueiam. Há suco verde,
Limos encharcados, no cais deserto.
Que importa se da terra, se do mar?
Porque as ondas não param de sorrir,
De os embalar em seu manto d’espuma.
Há um rio de silêncio. Alguns barcos
Ainda dormem. A faina é incerta!
De onde sopra o vento? Não se sabe…
Mas quando o Sol, no seu trono, rasga o véu,
O mar é um espelho renascido
E o cais um reboliço de esperança.
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ATALHOS E RETALHOS
Ontem foi dia de Páscoa. Decidi alterar o rumo da minha caminhada diária, pelas ruas circundantes da jovem urbe paredense. Optei pelo campo, atravessando os campos e vinhedos de Mouriz às fronteiras de Vila Cova de Carros. Contrariamente às previsões metereólogas, amanhã surgiu esplendorosa, iluminada por um sol, delirantemente, contagiante e enternecedor, convidativo e, generosamente, acolhedor.
Optei, nos espaços em que isso foi possível, caminhar por atalhos solitários, isolados, térreos e de piso irregular mas ladeados de campos verdejantes, de vinhedos promissores, regatos generosos e florestas assombradas. Dos campos pejados de forrageiras, erva, batatas, favas e cebolinho emanava um perfume adocicado, fresco e taumaturgo. Sabia a maré cheia de verdura e de encanto. Os vinhedos eram berçários florescentes dos cachos bebés, a definirem-se ainda em formas enigmáticas. Os regatos simulavam um murmúrio alegre, distinto e nobre, entrecortado apenas pelo canto cicioso dos pássaros e o esvoaçar atrevido das borboletas. Um açude calmo e prateado a silenciar o murmúrio sulcado pelas águas espumosas das quebradas.
Neste idílio primaveril, verde, sorridente, cativante, velhos solares, com portões brasonados, encimados por cruzes e botaréus, a ruírem e a desmoronarem-se, sozinhos, amordaçados, escuros e tímidos. Num abandono total e oblíquo, à espera do fim. Retalhos desfeitos de um passado enigmático
Sob a sombra ternurenta de uma árvore, enquanto ao longe ribombavam os foguetes do compasso, um homem, indiferente ao eminente desmoronar-se dos solares, lia o jornal.
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CAMPEÕES NACIONAIS
Top de Clubes Campeões Nacionais de Portugal:
- Sport Lisboa e Benfica 33 títulos
- Futebol Clube do Porto, 27 »
- Sporting Clube de Portugal, 18 »
- Club Futebol Os Belenenses 01 »
- Boavista Futebol Clube, 01 »
Lista de Campeões Nacionais por anos:
1934/35 F. C. Porto
1935/36 Benfica
1936/37 Benfica
1937/38 Benfica
1938/39 F. C. Porto
1939/40 F. C. Porto
1940/41 Sporting
1941/42 Benfica
1942/43 Benfica
1943/44 Sporting
1944/45 Benfica
1945/46 Belenenses
1946/47 Sporting
1947/48 Sporting
1948/49 Sporting
1949/50 Benfica
1950/51 Sporting
1951/52 Sporting
1952/53 Sporting
1953/54 Sporting
1954/55 Benfica
1955/56 F. C. Porto
1956/57 Benfica
1957/58 Sporting
1958/59 F. C. Porto
1959/60 Benfica
1960/61 Benfica
1961/62 Sporting
1962/63 Benfica
1963/64 Benfica
1964/65 Benfica
1965/66 Sporting
1966/67 Benfica
1967/68 Benfica
1968/69 Benfica
1969/70 Sporting
1970/71 Benfica
1971/72 Benfica
1972/73 Benfica
1973/74 Sporting
1974/75 Benfica
1975/76 Benfica
1976/77 Benfica
1977/78 F. C. Porto
1978/79 F. C. Porto
1979/80 Sporting
1980/81 Benfica
1981/82 Sporting
1982/83 Benfica
1983/84 Benfica
1984/85 F. C. Porto
1985/86 F. C. Porto
1986/87 Benfica
1987/88 F. C. Porto
1988/89 Benfica
1989/90 F. C. Porto
1990/91 Benfica
1991/92 F. C. Porto
1992/93 F. C. Porto
1993/94 Benfica
1994/95 F. C. Porto
1995/96 F. C. Porto
1996/97 F. C. Porto
1997/98 F. C. Porto
1998/99 F. C. Porto
1999/00 Sporting
2000/01 Boavista
2001/02 Sporting
2002/03 F.C. Porto
2003/04 F.C. Porto
2004/05 Benfica
2005/06 F.C. Porto
2006/07 F.C. Porto
2007/08 F.C. Porto
2008/09 F.C. Porto
2009/10 Benfica
2010/11 F.C. Porto
2011/12 F.C. Porto
2012/13 F.C. Porto
2013/14 Benfica
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ANIVERSÁRIO
(UM POEMA DE FERNANDO PESSOA)
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.
Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui - ai, meu Deus! O que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho...)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!
O que eu sou hoje é como a humidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas
lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!
Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas - doces, frutas o resto na sombra debaixo do alçado —,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...
Fernando Pessoa
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ORIGINAL E CÓPIA
"Todos nós nascemos originais e morremos cópias"
Carl J. Jung
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A VELHA DO CORVO
Em tempos que já lá vão, na Fajã Grande e creio que em toda a ilha das Flores, para justificar a chegada dos recém-nascidos e com o objectivo de prolongar até à idade adulta a inocência das criancinhas, ocultando-lhes todo o processo reprodutivo e ginecológico inerentes à maternidade, dizia-se que os meninos vinham do Corvo, trazidos por uma Velha, numa cestinha muito enfeitadinha. Ao chegar à freguesia, vindo não se sabia como, mas de forma miraculosa, a Velha do Corvo colocava a cestinha na soleira da porta da casa, por ela escolhida, conforme muito bem queria e entendia. Batia à porta, a alertar os donos para a encomendinha e zarpava novamente em direcção à ilha vizinha, em alta velocidade, sem que ninguém lhe pusesse a vista em cima. Uma atrevida, esta velha!
Ora faz hoje precisamente sessenta e oito anos que a dita Velha resolveu mais uma vez empreender uma viagem mágica do Corvo às Flores, trazendo consigo, na sua cestinha, desta feita, um menino. E de que se havia de lembrar a dita Velha? Não sei se por capricho ou por esquisitice, o diabo da Velha decidiu-se por levá-lo à Fajã Grande, depositando-o ali para os lados da Assomada, precisamente numa casa, à esquerda de quem descia aquela rua, logo a seguir ao Poço onde as vacas bebiam água, poisando-o, suave e carinhosamente, fora da porta da sala. A Velha abalou sem que ninguém a visse, mas o menino lá ficou… Embora já tendo três filhotes, os donos da casa, ao que parece, não se importaram e até terão ficado muito felizes e contentes com a visita da Velha e criaram o rebento, que ela ali depositara, com muito amor e carinho.
Diz, quem o viu na altura, que era um menino muito bonito, alvo da neve e tinha olhos azuis e cabelos castanhos, tal e qual a um menino que vinha descrito no livro de leitura da 1ª classe, donde a Velha, ao que parece, terá tirado cópia do pequerrucho e que, por mera coincidência, também, se chamava “Carlitos”.
Obrigado, Velha!...
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O FOLAR DA PÁSCOA
O Folar da Páscoa, como o nome indica, era confeccionado por altura da Páscoa, geralmente na Sexta-Feira Santa, à tarde, dia em que se também cozia o pão de milho. Assim aproveitava-se o forno quente para, depois do pão, cozer os saborosíssimos folares. Não havia família que os não cozesse e mais do que um. Em muitas casas, como na minha, era sempre cozido um para cada pessoa, sendo que, no caso das crianças, o tamanho variava, pois o folar era tanto mais pequeno quanto menor era o seu destinatário. Depois era o prazer e a alegria de o comer no dia de Páscoa. O entusiasmo era tanto que dizia-se, a brincar, que quando, durante a missa, o pároco dissesse, “aleluia, aleluia” a resposta do sacristão devia ser “folar prá rua”.
Tradicionalmente, na Fajã Grande o folar da Páscoa era feito da seguinte forma, juntando os ingredientes escolhidos: farinha, açúcar, fermento guardado de uma cozedura de pão anterior, banha de porco nas casas mais pobres ou manteiga, limão, canela em pau, noz-moscada leite, ovos e toros de linguiça.
Começava-se por preparar o fermento, desfazendo-o em água morna e misturando um pouco de farinha e o pau de canela, que se retira depois, até levedar bem, geralmente até a tigela onde se fazia transbordar. Depois eram misturados os ovos inteiros com o açúcar, a que se juntava o leite a ferver, mas mexendo sempre para misturar bem e não cozer os ovos. Junta-se, de seguida, a farinha, com o fermento com a banha ou manteiga, um pouco de sal e a noz-moscada raspada. Mistura-se tudo e amassa-se muito bem como se fosse massa sovada e deixa-se levedar, cobrindo com cobertores. Depois tendem-se bolas como se fossem pães, colocando-se-lhes em cima, pedaços de linguiça que se cobrem com pedaços de massa, devidamente esticada. Vão a cozer no forno, depois do pão, pois não precisam de muito calor. Ao sair do forno s
são pincelados com gema de ovo.
Uma delícia, os folares de outros tempos!
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COMPASSO
Esta tarde de domingo de Páscoa, a minha rua, de nome José Bragança Tavares, aqui no lugar da Fonte Sacra, assim como todas as outras ruas e artérias da jovem cidade de Paredes, engalanou-se, de alto a baixo e de um extremo ao outro, para receber com pompa e circunstância o “Compasso” da Páscoa e os harmoniosos acordos musicais da Filarmónica que o acompanhava. Dando cumprimento a uma secular tradição religiosa, algumas cruzes, devidamente ornamentadas e acompanhadas pelo singelo badalar de campainhas, transportadas por acólitos vestidos de branco e homens trajando opas vermelhas, durante largos minutos, percorreram os passeios, ultrapassaram os portões e entraram pelas casas anunciando a Boa Nova da Páscoa, enquanto a filarmónica expelia acordes harmoniosos num singelo e nada habitual peregrinar por esta via. Das varandas e janelas o povo aclamava com palmas e manifestava gestos de alegria, de paz e de felicidade, anestesiando, por momentos, o tumulto e o burburinho quotidianos e frenéticos desta diariamente movimentada artéria que liga a Circular Rodoviária Interna de Paredes a Mouriz.
As cruzes eram cinco, com sete elementos cada: dois tocadores de campainha, o portador da cruz, o representante do pároco, o portador da caldeirinha, o recolector dos envelopes com as prebendas e um mestre-de-cerimónias. Por sua vez a filarmónica, que tive a oportunidade de observar, minuciosamente, do alto, como se duma vista aérea se tratasse, com 57 elementos: 52 tocadores, dois controladores de tráfico, dois porta estandartes e o maestro.
Como a fronteira entre as paróquias de São Salvador de Castelões e de Mouriz está pouco claramente definida, gera-se alguma confusão, relativamente, à responsabilidade da visita Pascal. Pior ainda. Como não há via que as separe, compassos e filarmónica, ao transitar de Perrace para a José Bragança Tavares, foram forçados a um difícil corta-mato, tudo, no entanto, se desenrolando com muita alegria e divertimento.
Nos ares rebentam bombas e foguetes, mas estas cada vez menos, que a crise também se faz sentir nestas andanças.
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PERFEITO
MENU 37 – “PERFEITO”
ENTRADA
Folhados recheados com creme de queijo fresco com sabor a salmão, ornados com tirinhas de pimentos verdes, vermelhos e laranja, barrados com creme de queijo com sabor a ervas aromáticas, com rebordos de doce de pimento vermelho.
PRATO
Rolo de peito de peru recheado com carne, legumes e salsichas de soja, assado no forno com batata, acamado sobre grelos de nabiça, com batata assada e arroz ornado com compota de amora.
SOBREMESA
Mousse de morango, suspiros melados, bolo mil folhas e gelatina de morango.
******
Preparação da Entrada: - Cortar a massa folhada em quadrados, recheá-los com o creme de queijo, virando as quatro pontas. Colocá-los no forno até alourarem. Dispô-los no prato e sobre eles tiras de pimentos de várias cores, barradas com o creme de queijo. Ornar com a compota de pimento vermelho.
Preparação do Prato – Cortar, bater e temperar o bife dando-lhe uma forma quadrangular. Refogar cebola em azeite, juntar alho, pimento e outros temperos. Juntar as pontinhas do bife e a salsicha de soja. Reduzir a puré. Rechear o bife, e enrolá-lo e atar com cordão. Assar com batatas em molho de azeite, água, um pouco de cerveja ou vinho do Porto. Colocar no forno em travessa. Cozer os grelos e preparar o arroz. Cortar o rolo em fatias e empratar.
Preparação da Sobremesa – Processo tradicional. No caso da mousse de morango, bater as claras, esmagar o morango, juntar tudo com o açúcar.
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TRADIÇÕES PASCAIS
Na Páscoa de 1975 foi-me proporcionada a oportunidade de, pela primeira vez, visitar e conhecer as terras transmontanas. Coincidindo com os três dias do tríduo pascal e fixando-me numa típica aldeia transmontana, junto às margens do Coa, foi-me possível também observar e conhecer algumas dos costumes e tradições relacionadas com a Semana Santa, naquela interessante região portuguesa.
Na realidade, em Trás-os-Montes, as múltiplas e diversas tradições da Semana Santa apresentam-se preenchidas com rituais que, simultaneamente, parecem ter misturados rituais cristãos e pagãos, alguns dos quais representam, um claro regresso a ambientes medievais. Às vias-sacras, endoenças, autos da paixão e procissões dos “sete passos”, juntam-se as queimas do judas, os enterros do bacalhau, as corridas dos rapazes aos sinos, entre outras.
A tradição gastronómica, por sua vez, na região transmontana incide, principalmente, sobre a confecção dos folares da Páscoa, feitos com massa um pouco adocicada e recheados com carnes salgadas e enchidos que, naturalmente e por imposições religiosas, ao longo de semanas, estiveram em standby, isto é, às escondidas e arredadas das mesas dos camponeses. Há ainda o cabrito assado, o borrego e a caldeirada de cabrito. As amêndoas e os ovos de chocolate também não faltam
Por sua vez as variadas e diversas celebrações de rituais da Paixão de Cristo traduzem e reflectem cenários de luto, de reflexão dolorida, expressos dos tons roxos e negros das celebrações e nos cânticos tristes e dolentes. Algumas aldeias ainda conservam as 14 cruzes, ou cruzeiros, que representam as 14 estações que a via-sacra cumpre simbolizando o calvário de Cristo a caminho da crucificação.
A tradição dos “sete passos” mantém-se em Freixo de Espada à Cinta como caso único no país. Embora seja mais intensa na Sexta-Feira Santa, trata-se de um ritual de raízes medievais que tem lugar em todas as sete sextas-feiras quaresmais. Num cenário bem ao jeito de um filme de terror, em plena escuridão, dois homens encapuçados de negro, ao soarem as badaladas da meia-noite, lançam ruidosamente sobre as lajes de granito do átrio da igreja correntes de ferro que prendem nas pernas e arrastam pelas calçadas das ruas produzindo barulhos estridentes e assustadores. O ritual prossegue com a saída de uma “velhinha” vergada sob um negro manto e capuz, transportando numa mão uma lamparina de azeite e na outra um cajado em que se apoia, bem como uma bota de vinho com a qual vai dando de beber aos populares que se ajoelham à sua passagem e devotamente o solicitem, pois a vinho é o símbolo do sangue de Cristo derramado. O cenário é ainda acompanhado por grupos de cantadores que junto aos cruzeiros entoam melodias angustiosas, próprias de ambientes lúgubres medievais. (Cf Alexandre Parafita: Antropologia da Comunicação, Lisboa, Âncora Editora, 2012) in Diário de Trás-os-Montes).
“Por sua vez, mais comuns em Trás-os-Montes, os autos da paixão, enquanto representações de teatro popular, que narram os últimos dias de Cristo, desde a traição até à morte e deposição na cruz, envolvem cerca de quarenta figuras humanas recrutadas no seio do povo, muitas delas pessoas idosas e iletradas, pelo que conservam na memória, durante décadas e décadas, os dizeres das personagens que encarnam. Alguns dos seus papéis eram, outrora, desempenhados com tal emoção e realismo, que, no ato de agredir ou chicotear, as vítimas chegavam a sair em braços e ensanguentadas de verdade das respectivas cenas, havendo ainda casos em que os atores ganhavam, pela vida fora, as alcunhas dos papéis que representavam, como por exemplo, Cristo, Judas, Caifaz, Pilatos, Fariseu ou Diabo”./Cf Ibidem)
Na maioria das localidades transmontanas, nestes dias, a vida das populações muda radicalmente. Em muitas aldeias, ao meio dia de Quinta-feira Santa, toca o sino ela última vez e as pessoas param por completo os seus trabalhos rurais, hábitos que, na década de cinquenta, também se verificavam na Fajã Grande, das Flores Com excepção dos mínimos afazeres domésticos, ninguém trabalhava até ao sábado à mesma hora. Contavam-se, inclusivamente, algumas estórias de insucesso nos trabalhos realizados nestes dias. Em algumas aldeias, um homem que corre todo o povoado tocando uma matraca, como se fazia nas Flores, onde a matraca era utilizada em substituição dos sinos, para alertar as pessoas para a solenidade do dia e chamá-las para as cerimónias religiosas celebradas na igreja. Também se deve jejuar e abster de carne e de outros pequenos prazeres, nestes dias. Contaram-me, inclusivamente, que, nestes dias as pessoas mais idosas nem se penteavam. Também não se devia cozer pão porque diziam que aparece sangue na massa ou nas broas, costume este que também havia nas Flores.
“No Sábado de Aleluia, à meia-noite, havia outrora a tradição de os rapazes correrem a tocar os sinos das igrejas, que quebravam o silêncio quaresmal. Até então, os toques dos sinos eram proibidos, sendo substituídos por pungentes matracas de madeira e arame, que emitiam sons ritmados, com as quais um mensageiro percorria as ruas apelando ao recolhimento, à reflexão e à oração. A retomada do toque dos sinos à meia-noite de sábado era disputada pelos rapazes, na crença de que o primeiro que tocasse o sino seria recompensado na descoberta dos ninhos das melhores aves, especialmente a perdiz, o que, noutros tempos, era algo muito cobiçado.(Cf Ibidem)
“Em Montalegre, mantém-se viva a Queima de Judas, no Sábado de Aleluia. A Câmara Municipal organiza um concurso para melhor mobilizar a população. Mas esta tradição é igualmente ativa noutros pontos do país: Palmela, Azeitão, Vila Nova de Cerveira, Matosinhos, Santa Comba Dão, Tondela, Viana do Castelo, Vila do Conde, Maia, Travassô, Milheirós de Poiares, Ponte do Lima, entre outros. Nela se representa o julgamento de Judas Iscariotes, por ter traído Cristo por trinta dinheiros. O povo, armado de tochas, aguilhadas e outros meios, aguarda os momentos da acusação e defesa, a leitura da sentença e, por fim, participa no castigo fatal investindo sobre um sinistro boneco que se incendeia ou explode. Este castigo simboliza a expiação dos pecados do mundo e o fogo tem um carácter simbólico de purificação. As queimas do Judas, assim como o Enterro do Bacalhau, representam impulsos eufóricos de catarse e libertação perante os constrangimentos quaresmais. Em Vila Real, a tradição do “Enterro do Bacalhau” é um ritual que responde a outros “enterros”, de sentido inverso, outrora frequentes na região transmontana (enterro do galo na quarta feira de cinzas, enterro do Entrudo…). A tradição do enterro do bacalhau é hoje especialmente praticada na localidade de Constantim, nos subúrbios de Vila Real. Noutros tempos, era toda a cidade a vibrar com o ritual. Um bacalhau enorme feito de cartão seguia escoltado por militares e era julgado perante carrascos, juízes e advogados, tendo, como testemunhas de defesa, os marçanos das mercearias e, de acusação, os empregados dos talhos. O castigo a incidir sobre o bacalhau simboliza a libertação dos constrangimentos da Quaresma, que não permitia o consumo de carne. A partir do Sábado da Aleluia, dia da celebração, já o povo deixa de estar limitado ao consumo de peixe e festeja assim o regresso da carne.” (Cf Ibidem)
Nos meios rurais transmontanos e m quase todo o norte do país, no Domingo de Páscoa mantém-se a tradição do Compasso, traduzida num cortejo presidido pelo pároco ou por um leigo seu representante, que visita as casas dos fiéis dando a cruz a beijar e aspergindo com água benta os compartimentos. Neste dia as famílias juntam-se nas casas umas das outras, para receber o Compasso, convivendo, provando os folares e outros petiscos e almoçando o tradicional cabrito assado no forno.
NB – Alguns destes dados foram retirados de Alexandre Parafita, acima citada: Antropologia da Comunicação, Lisboa, Âncora Editora, 2012) in Diário de Trás-os-Montes
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A PÁSCOA
Na Fajã Grande e creio também que nas restantes freguesias das Flores, as grandes festividades religiosas anuais, com excepção do Pentecostes, vulgarmente conhecido por “Festa do Espírito Santo”, não eram celebradas com a grandiosidade e com a imponência que o eram na maioria de outras regiões do país, nomeadamente no Continente.
A Páscoa, assim como o Natal, celebravam-se com um misto de penúria, simplicidade e normalidade. A magnificência e a sumptuosidade guardavam-se para as festas locais.
Assim o dia de Páscoa não se diferenciava muitos dos restantes domingos do ano. A única tradição era a do folar, cozido na véspera. Tinha a forma de um pão de milho mas era feito de massa “sovada”, também chamada de “pão doce”, igual à que era cozida quer pelo Espírito Santo, quer pela festa de Santo Amaro, neste caso sob a forma de ofertas diversas e diversificadas. O que caracterizava o folar da Páscoa, no entanto, era que na parte mais alta e interior do mesmo fosse colocado, em vez dum ovo, um toro de linguiça, que lhe dava um sabor característico, aliando a doçura do açúcar ao salgado e à gordura dos temperos da carne de porco. A tradição medieval na Quaresma interditava ao povo de comer carne. O folar da Páscoa com o pedacinho da linguiça era como que um símbolo festivo do final da abstinência quaresmal.
Todos se “pelavam” por uma fatiazinha do folar retirada da sua parte superior, mesmo ali ao redor do pedacinho da linguiça. Normalmente era cozido um folar para cada um dos membros da família, sendo maior ou menor, consoante a idade e tamanho daquele a que se destinava.
Quanto à parte religiosa, numa altura em que a religião marcava acentuadamente a vida e os costumes, apenas a missa, em que, segundo se dizia, a cada palavra se seguia um “alleluia”. Na realidade as orações litúrgicas do dia começavam com um intróito em que o celebrante dizia “ Ressurrexit non est in nobis, alleluia, alleluia.” e terminava com “Ite missa est, alleluia, alleluia” ao que o povo, com um misto de jocosidade e alegra, fora da igreja, respondia em vernáculo: “Folar para a rua, alleluia, alleluia.”
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CANÇÃO DE EMBALAR
Eu nasci junto do mar!
O meu berço era uma poça
Meu primeiro colar,
Era feito de conchinhas….
Embalaram-me as marés
E brinquei com os peixinhos,
Ouvi cantar as sereias
Vi o furor das procelas.
Minha casa era uma furna,
Entre os baixios esconsos.
De dia corava ao Sol
À noite entrava-lhe a Lua.
Agora, longe do mar,
Sem peixes nem conchinhas,
Sinto que ainda me embala
O vai e vem das marés.
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A LENDA DO FOLAR DA PÁSCOA
Conta-se que, há muitos, muitos anos, numa aldeia de Portugal, vivia uma jovem chamada Mariana que desejava casar cedo. Tanto rezou, tanto implorou, tanto prometeu e tanto pediu a Santa Catarina que a sua vontade se realizou e logo lhe surgiram dois pretendentes: um fidalgo rico e um lavrador pobre, ambos jovens e belos. A jovem voltou a pedir ajuda a Santa Catarina para que a ajudasse a fazer a escolha certa. Enquanto rezava e meditava, bateu-lhe à porta Amaro, o lavrador pobre, a pedir-lhe uma resposta e marcando-lhe como data limite para a escolha da jovem, o Domingo de Ramos. Algum tempo depois apareceu o fidalgo a pedir-lhe também uma decisão. Mariana não sabia o que fazer.
No entanto, chegou o Domingo de Ramos mas Mariana ainda nada tinha decidido. Nesse mesmo dia, uma vizinha, muito aflita, foi avisá-la de que o fidalgo e o lavrador se tinham encontrado quando iam a caminho da sua casa e que, naquele momento, travavam, entre si, uma luta de morte. Quem vencesse havia de ficar com ela, como esposa. Muito assustada, Mariana correu até ao lugar onde os dois pretendentes se defrontavam. Implorou de novo a protecção de Santa Catarina e foi então que, por sua intercessão, decidiu escolher Amaro, o lavrador pobre, para seu marido.
Na véspera do Domingo de Páscoa, no entanto, Mariana andava atormentada, porque lhe tinham dito que o fidalgo apareceria no dia do casamento para matar Amaro. Mariana rezou, novamente, a Santa Catarina e foi pôr um ramo de flores no seu altar. Quando chegou a casa, verificou que, em cima da mesa, estava um grande bolo recheado com ovos e rodeado de um ramo de flores, precisamente o mesmo ramo que, momentos antes, havia colocado no altar de Santa Catarina. Correu para casa de Amaro, mas encontrou-o no caminho e este contou-lhe que também tinha recebido um bolo semelhante, em sua casa. Pensando ter sido ideia do fidalgo, dirigiram-se a sua casa para lhe agradecer, mas este também tinha recebido o mesmo tipo de bolo. Mariana ficou convencida de que tudo tinha sido um milagre de Santa Catarina, para que cessassem ódios e invejas e todos vivessem em paz e amizade.
A notícia espalhou-se e, a partir de então, começou a cozer-se um bolo semelhante, por altura da Páscoa, que passou a chamar-se folar, nome originado do latim “florare”, tornando-se numa tradição que se cumpre, todos os anos, para celebrar a amizade, a paz e a reconciliação. É por isso também que, durante as festividades cristãs da Páscoa, os afilhados costumam oferecer, no Domingo de Ramos, um ramo de flores aos padrinhos, a fim de que estes, no dia de Páscoa, lhes ofereçam o folar, que com os tempos passou a ser uma prenda de qualquer espécie, mantendo-se, no entanto, a tradição de cozer o folar por altura da Páscoa
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OS OVOS DA PÁSCOA
Numa pequena aldeia, muito isolada, lá bem no alto de uma montanha, numa casa pequena e humilde, morava, sozinha, uma velhinha muito pobre. Tão pobre que apenas tinha de seu uma galinha e um coelho, que criava com muito carinho e que alimentava com ervas que apanhava nos campos, pois mais nada tinha para lhes dar. A galinha tinha o seu linheiro debaixo dos degraus de pedra da escada que dava para o pátio, em frente à cozinha. Era aí que punha os seus ovos. O coelho andava solto, ali por perto, numa pequena cerca que havia junto da casa. À noite, o coelho e a galinha vinham deitar-se junto da cama da velha, dormindo os três, ali, juntos. A galinha, sempre que punha um ovo, começava a cacarejar e a velhinha, assim que a ouvia, corria, apressada, a fim de recolher os ovos que eram o seu principal sustento.
A velhinha gostava muito da galinha e do coelho. A galinha tinha a crista vermelha, as patas amarelas e as penas coloridas de azul, vermelho e alaranjado. O coelho, por sua vez, tinha um ar de espertalhão, as suas orelhas eram grandes e o seu pelo branco e bem fofinho. Apesar de pobre, a velhinha vivia muito feliz com os seus dois amigos,
Certo dia, a velhinha ouviu a galinha a cacarejar tão alto e com tanta força, que correu, de imediato, para junto dela, muito admirada, pois não era costume ela cacarejar tão esganiçada. Até o coelho se admirou e ficou com as orelhas em pé.
A velhinha, muito apressada, desceu os degraus da escada, baixou-se e viu, no linheiro, um ovo muito grande e muito diferente dos habituais, pois a sua casca era toda colorida. O ovo era tão bonito e a velhinha não se cansou de admirá-lo. De seguida, pegou-lhe com muito cuidado e levou-o para a cozinha, ficando sem saber o que fazer com ele. Não o devia comer, porque ele era muito bonito, mas também não o podia deixar como enfeite, pois tinha fome e, além disso, o ovo podia cair e quebrar-se.
O coelho que estava ao seu lado, ao ver a indecisão da velhinha, disse-lhe:
- Porque não o dás de presente a uma criança da aldeia? Aproxima-se o dia de Páscoa e qualquer criança que o receba de oferta, decerto, vai ficar muito feliz.
A velha aceitou de bom grado a ideia do coelho, no entanto, ainda um pouco confusa, perguntou-lhe:
- Mas a que criança o devo dar? Existem várias crianças aqui, na aldeia. – Pensou, consigo a velhinha. Depois, pensando um pouco melhor, exclamou:
- Já sei o que vou fazer. Vou juntar muitos ovos da galinha e vou pintá-los para que fiquem iguais a este. Depois vou dá-los às crianças e todas ficarão felizes.
Saltitando de alegria, o coelho disse, muito entusiasmado:
- Eu também te vou ajudar a pintar os ovos!
Assim dito, assim feito. Nos dias seguintes a galinha continuou a por ovos que a velhinha foi recolhendo e guardando numa cesta de vime, ao mesmo tempo que os ia pintando com a ajuda do coelho. Ficaram todos muito bonitos: vermelhos, verdes, azuis, amarelos, roxos, alguns listrados de várias cores, outros com bolinhas e, um ou outro, até com flores. No domingo de Páscoa, a velhinha colocou-os numa cesta e foi distribui-los por todas as crianças da aldeia.
Cuida-se que foi por isso que nasceu a ideia de oferecer ovos coloridos pela Páscoa.
Texto inspirado num conto lituano.
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AS CASAS COBERTAS DE PALHA (DIÁRIO DE TI’ANTONHO)
Muita gente hoje nunca ouviu contar isto, nem muito menos se lembra de ouvir falar de semelhante coisa. É que, antigamente, aqui na Fajã as casas eram quase todas, sobretudo as das pessoas mais pobres, cobertas com palha. Havia pouca telha e mesmo que houvesse alguma, ela tinha que ser comprada e a maioria das pessoas não tinha dinheiro. Contava meu avô que quando era criança, aqui na Fajã Grande, que nem sequer freguesia era, mas sim um lugar pertencente à Fajãzinha, nessa altura chamada Fajãs, a pobreza era muita. O povo passava muita miséria, vivia só do que produzia e não vendia nada, pelo que não tinha dinheiro para comprar telhas, pelo que cobria as casas com palha de trigo, pois nesses tempos não se cultivava milho como agora, mas sim trigo, que dava bem mais trabalho e canseiras. Além disso as casas eram muito pobres, muitas tinham apenas uma ou duas divisões, uma porta sem vidros e o chão era de terra batida, como se diz ou de solo. Por fora eram de pedra como os palheiros de agora. Muitos desses palheiros de hoje, há uns anos atrás, eram casas. O avô daquele rapaz que é padre, o José Luís, que é muito mais novo do que eu, vivia na casa que hoje é o palheiro do Raulino Fragueiro e foi aí que o rapaz nasceu. Alguns anos depois é que o filho, o Antonho fez aquela casa no Alagoeiro e o outro filho, o Manuel, que tem os dois moinhos da Ribeira das casas, construi a sua ali perto. Mas ambos foram para a América, a fim de ganhar dinheiro para as construir. Muitos outros fizeram omesmo. Até eu o fiz, também.
Na construção das casas as pessoas utilizavam apenas os recursos naturais que possuíam, alguns muito abundantes como a pedra para as paredes e a madeira, esta menos abundante, para as portas e divisões interiores. Por isso as paredes de habitações eram robustas, pois muitas ainda hoje aí estão, construídas em alvenaria de pedra seca, eram dobradas e com quase meio metro de espessura.
As pedras eram acarretadas de perto e arestadas com o malho de ferro, ficando com a face exterior direita, um pouco à bruta como ainda se pode ver. Apenas as pedras de cantaria, as ombreiras e as vergas eram bem trabalhadas e picadas, primeiro com o picão e depois com a picareta.
Meu avô também contava que vieram, noutros tempos, muitos pedreiros de São Miguel, sobretudo de Vila Franca do Campo, ajudar a fazer as paredes das casas e que nos tectos de palha de trigo esta era fixa numa armação de madeira, a que era muito bem amarrada e em boas quantidades, para que não entrasse água da chuva e o vento a não levasse.
Naquele tempo, para se poder segurar bem a palha e proteger a casa dos temporais a estrutura do tecto era formada por varais, espaçados e assentes nos frechais. Nos varais pregavam-se ripas de tamujo ou de outra madeira, ou até canas, às quais se amarrava a palha com vimes.
Tempos de muita miséria e pobreza!
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O MILAGRE
Fez-se um silêncio enorme, enigmático, perplexo, inexplicável e quase incompreensível, que durou alguns minutos. Apenas se ouvia o roncar tremendo dos trovões a misturarem-se com o ciciar deslizante da lava efervescente e os latidos dos cães, também eles em enigmática aflição. O povo, interiorizando as palavras de Frei José das Cinco Chagas, como se quisesse fixá-las para sempre na memória de todos, gravá-las em letras incorruptíveis no coração de cada um, rezava, implorava, meditava e suplicava a protecção do Divino Espírito Santo, aguardando que as suas fervorosas e humildes preces chegassem junto ao trono do Altíssimo. Os momentos eram silenciosos, longos, doridos e amargos. O tempo, tingido de angústia e sofrimento, demorava e, como que se transformava-se numa eternidade
Muito a custo se passaram algumas dolorosas e angustiantes horas, após as quais, para espanto de todos, aqueles terríveis e fortíssimos tremores começaram a diminuir de intensidade e a ouvirem-se como se fossem apenas um eco. Ao mesmo tempo aquele rio de lava incandescente e destruidor, que descera ininterruptamente pelas encostas da montanha, como que parecia, agora, menos intenso e, aos poucos, o imensurável manto de lava que se havia derramado sobre toda aquela zona, entre Santa Luzia e Bandeiras, parecia ir adquirindo uma cor mais amarelada, mais escura e mais estranha.
Ao meio dia já nem o eco daqueles tenebrosos e aterradores trovões secos se ouvia, a torrente de lava parecia ter-se escoado por completo e o chão desde há muito que não tremia. Um Sol sereno, quente e acariciador desceu sobre a parte sul da ilha, envolvendo-a com um manto doirado. O vento começara a soprar mansamente de Oeste e o mar tornara-se tranquilo e mais azulado. Um misto de perplexidade e alegria como que começava a inundar os ânimos de quantos até então se encontravam exaustos e prostrados no pequeno átrio da ermida. Um a um, os habitantes de Santa Luzia, que até então haviam permanecido deitados, ajoelhados, prostrados, enrolados em cobertores e em sacos de serapilheira, iam-se levantando, na expectativa de que aquele, afinal, ainda não seria o último dos dias de suas vidas. O espectro do medo, do terror e da morte ia-se desanuviando, estranha e lentamente, como um amanhecer de verão que, aos poucos, se ia clarificando. O povo tímido mas expectante, começava a acreditar num milagre. O Senhor Espírito Santo viera em seu auxílio. Salvara-o.
Frei José das Cinco Chagas havia colocado a coroa do Divino Espírito Santo, sobre uma pequena mesa à entrada do templo. O velho ermitão permanecera toda a manhã, de joelhos, debruçado sobre a mesa e com a cabeça reclinada sobre os braços, em profunda e convicta oração.
De longe começavam a chegar ao largo fronteiriço à igreja homens e mulheres, vindos do Lajido, dos Arcos, do Meio Mundo, da Miragaia, do Cachorro e até das Bandeiras, que se juntavam à multidão, aglomerada no largo, em frente à ermida, contando e narrando factos extraordinários. No Cachorro, todo a zona envolvente à ermidinha da Senhora dos Milagres, construída há pouco mais de trinta anos, fora poupada pela lava. A enorme e caudalosa torrente destruidora, ao chegar junto da ermida, por intercessão de Nossa Senhora, Mãe de Deus, afastara-se dela, deixando-a intacta assim como todas as casas ao seu redor. Mais acima havia um boi a pastar num campo, que também poupado à fúria avassaladora da torrente. Ao redor tudo tinha sido destruído. Aquele boi estava a ser criado para ser oferecido ao Senhor Espírito Santo. Lá para os lados do Meio Mundo um outro campo cujo trigo havia de ter o mesmo destino, também não fora atingido pela lava incandescente. Estas e outras narrações passavam de boca em boca e iam chegando aos ouvidos de todos, ao mesmo tempo que os ia animando, revitalizando, enchendo de força e coragem e sobretudo e de um estranho sentimento de fé e confiança - algo de sobrenatural pairava sobre todos, uma força estranha e divina protegia-os. O Senhor Espirito Santo, em cuja força e poder haviam confiado, salvara-os.
E quando ao fim da tarde, o povo reunido começava a partir dali, na possível demanda dos seus lares, na quase certeza de que tudo passara, cada um dos que ali haviam permanecido o dia inteiro, ia sentindo dentro de si e acreditando convictamente que só um milagre, um grande milagre da força e do poder do Divino Espírito Santo os havia salvo. Por isso mesmo, todos sentiam dentro de si aquela força incrível - o vínculo que os unia na promessa que conjuntamente haviam feito e que todos haviam de cumprir e transmitir aos seus filhos e aos seus netos para que a cumprissem para sempre e jamais esquecessem aquela promessa que ajoelhados diante da coroa que Frei José erguera e com que os abençoara, haviam feito ao Divino Espírito Santo.
E transitando em grupos, pelas ruas, às escuras, com destino a lugar nenhum, entoavam cânticos de louvor ao Divino Espírito Santo:
“Ó Senhor Espírito Santo
Nós rogamos com clamores
Mandai que nesta terra
Não haja mais tremores.
Glória ao Pai, nosso criador,
E ao Filho que por nós s’imolou,
Glória ao Espírito Santo Divino
Que com a Sua força nos salvou.
Os pecados são a culpa
Da terra tanto tremer
Eu vos prometo, Senhor
Nunca mais vos ofender.”
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LIMPEZAS PRÓ COMPASSO
Hoje, como habitualmente, realizei mais um percurso pedestre ao redor da Cidade de Paredes, com um itinerário de cerca de 5 Km. Iniciei-como habitualmente, no edifício Fonte Sacra, percorrendo grande parte da CRIP, regressando ao sítio de onde partira.
Nas ruas, passeios, pátios, portas, janelas, casas, tascos, um burburinho medonho. Não havia rua, passeio, pátio, porta, janela, casa, tasco, entrada de prédio que resistisse à fúria avassaladora das vassouras, manqueiras, detergentes e baldes de água. Uma limpeza geral da cidade em geral e de cada casa em particular. Só a partir de determinada altura me lembrei que, afinal, tudo isto tem uma explicação muito simples e tem uma razão muito plausível. Trata-se da preparação para a eminente visita pascal, vulgo compasso, que na boa tradição nortenha deve ser preparado com uma certa antecedência, através de uma boa barrela, efectuando-se, assim, uma limpeza mais profunda e exigente às ruas, aos passeios e às casas, por vezes até caiando ou pintando muros e sempre arranjando e enfeitando os jardins.
Na realidade, as pessoas são todas muito cuidadosas com a limpeza das ruas, das casas e com o arranjo das mesmas. Antigamente já era assim, nos meios rurais e nas aldeias: os homens cuidavam da parte exterior da casa ficando a parte interior ao cuidado das mulheres. Os homens arrumavam o pátio, tiravam as ervas, limpavam a rua, dando um ar festivo a tudo, enquanto as mulheres esfregavam o soalho com sabão e escova e preparavam a sala, enfeitando-a muito bem, colocando-lhe uma a toalha de lino bordada.
Há, inclusivamente, quem ainda hoje considere que um dos grandes benefícios do compasso, para além do aspecto religioso e de agregação das famílias, seja o da higiene!
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NUNO ÁLVARES MENDONÇA
Nuno Álvares Mendonça nasceu na Beira, Velas, ilha de S. Jorge, em 12 de Abril de 1923. Fortemente influenciado pelo pai, Rui de Mendonça, começou por se dedicar à pesca desportiva. Aos 14 anos de idade tirou a cédula marítima e, dois anos mais tarde, dedicava-se já à caça da baleia uma armação baleeira pertencente à família.
Concluiu o Curso Industrial e Comercial na antiga Escola Madeira Pinto, em Angra do Heroísmo. Cumprido o serviço militar em Évora e Vendas Novas, regressou à ilha de S. Jorge, onde exerceu, durante largos anos, intensa actividade laboral e industrial. Amante da liberdade, apoiou, na sua terra natal, as candidaturas de Humberto Delgado e Norton de Matos.
Nos anos 70 fixou-se com a família na ilha Terceira e, uma década mais tarde, na ilha de S. Miguel. Até à reforma dedicou-se à pesca atuneira, tendo sido proprietário do único navio atuneiro português com sistema de pesca de cerco e havendo com ele pescado nos mares dos Açores, Cabo Verde e Golfo da Guiné.
É autor de uma obra de referência no âmbito da etnografia marítima açoriana: Memórias de um Baleeiro. Trata-se de um documento vivo de factos vividos e sentidos pelo seu autor durante o tempo em que foi baleeiro e onde é descrito, de forma rigorosa, os processos, as técnicas, as operações e as nomenclaturas referentes à faina baleeira, a par da evocação de gentes do mar e da terra de grande riqueza humana.
Escreveu ainda Histórias de Aventuras, Contrabandos e Marinheiro em Terra, obras que referem interessantes percursos de vida vivida e de vida sonhada. Assumidamente auto-biográficas, são histórias de aventuras, memórias e peripécias que se lêem com infinito prazer.
Dados retirados do CCA – Cultura Açores
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DESLUMBRANTE
MENU 36 – “DESLUMBRANTE”
ENTRADA
Rodelas de pepino grelhadas em seco e barradas com creme de queijo fresco com salmão. Tiras de pimentos grelhadas e barradas com doce também de pimento. Rodela de queijo fresco, coberta com nozes e barrada com mel.
PRATO
Lombinhos de pescada grelhados, acamados sobre alface e cebola, barradas com azeite e vinagre balsâmico. Arroz de legumes e grelos
SOBREMESA
Uvas e gelatina de morango.
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Preparação da Entrada: - Cortar, finamente, as rodelas de pepino e as tiras de pimento verde, vermelho e amarelos e grelhá-las em fritadeira antiaderente, sem gordura. Barrar as rodelas com creme de queijo fresco e as tiras com doce de pimento, Cortar uma rodela grande ou várias pequeninas de queijo fresco, cobri-lo com miolo de nozes e barrar com um pouco de mel. Empratar
Preparação do Prato – Grelhar os lombinhos de pescada no forno ou no micro-ondas, coloca-los sobre uma camada de alface e tirinhas de cebola, barradas com azeite e vinagre balsâmico. Servir com o arroz.
Preparação da Sobremesa – Processo tradicional.
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MORAL SÓLIDA
A Fajã Grande, na década de cinquenta, sobretudo devido à sua situação geográfica, era uma sociedade bastante isolada, com alguns hábitos e costumes muito rudimentares mas com uma moral digna, nobre e recta.
A maioria da população podia, verdadeiramente, ufanar-se de possuir uma conduta moral nobre e digna e, no seu dia-a-dia, no seu trabalho, nos poucos convívios e descansos de que dispunha, nas festas e divertimentos em que participava, enfim, sempre e em toda a parte, era detentora de costumes simples e bons. Uma digna herança do passado! Praticamente não se conheciam ladrões, pelo que os roubos eram raros e pouco generalizados, até porque sendo uma pequena freguesia rural, muito distante e até, praticamente, isolada de corruptores, não sofria quaisquer influências malignas ou malfazejas. Geralmente ninguém guardava para si o que não era seu e até os achados eram, religiosamente, anunciados pelo pároco à hora da missa, ou no caso dos mais pequenos e menos valiosos, colocados sobre a pia da água benta, à entrada da igreja, a fim de que o dono os recolhesse.
As pessoas adultas andavam sozinhas pelos caminhos e pelos matos, as crianças brincavam nas ruas, as portas das casas estava sempre abertas e quaisquer bens deixados aqui ou além, sem problema. Apenas se contavam, mas com o fim de assustar os mais tímidos, “estórias” de fantasmas, de feiticeiras e de almas do outro mundo.
A educação moral dos filhos também era um ponto de honra. Estes deviam ser educados, respeitadores, trabalhadores e obedientes, evitando brigas e palavras e gestos obscenos.
Havia por vezes, entre as pessoas, algum sentimento de vingança e de intrigas, muitas vezes dentro da própria família, mas a maioria delas acabavam por pacificar-se mais tarde. Os fajãgrandense. No geral, eram francos muitas vezes, ainda que duma rude, muito corteses, sabendo retribuir o bem que lhes era feito.
A Fajã Grande, na década de cinquenta, era, na verdade, uma freguesia pacata, onde dominava a excelência dos costumes e de uma moral sólida. As excepções eram poucas e, obviamente, não ofuscavam a regra geral.
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OS PRIMEIROS FILÓSOFOS
Os primeiros filósofos gregos são conhecidos como Pré-Socráticos. A sua reflexão centra-se, sobretudo, numa preocupação em encontrar uma explicação racional para o Universo e entender os fenómenos da natureza, até então, abordados e explicados por explicações míticas e mitológicas. Com estes primitivos pensadores, pela primeira vez, procurou-se explicar tudo através da razão.
Entre estes primeiros filósofos, destacam-se: Tales de Mileto, Anaximandro de Mileto, Heráclito de Éfeso e Pitágoras de Siracusa. Nas reflexões de todos há uma ideia comum: a de que existia na natureza uma substância fundamental, de carácter eterno e imutável, que devia ser considerada como a origem de todas as coisas e a partir da qual todas as modificações observáveis do Universo se processavam.
Na realidade, o que intrigava os sábios de Mileto, cidade considerada como o berço da Filosofia, era o facto de, pelo menos, até onde afirmavam os sentidos, ocorrerem constantes transformações no Universo. A combustão, a solidificação e evaporação da água, o nascimento de inúmeras espécies de vegetais que brotam na terra eram os principais remas da sua reflexão.
Admite-se que a Filosofia tenha surgido com Tales de Mileto e com os seus discípulos, Anaximandro e Anaxímenes. O próprio Aristóteles, anos mais tarde, considerou Tales como o "fundador da filosofia natural". Algumas das conclusões do seu pensamento ficaram registadas: "A Terra flutua na água" e "A água é a origem de todas as coisas". Cuida-se que Tales se influenciou em mitos orientais, trazidos pelos Magos e homens de negócio que cruzavam a Ásia Menor, com passagem por Mileto, bem como no mito do rio Okeanos, segundo a qual, na tradição grega, esse rio circundaria toda Terra.
Um discípulo de Tales, Anaximandro, postulou que o mundo se originara a partir de um indeterminado ou infinito, que designou por ápeiron. Além disso, também postulou que a formação do mundo se deveu a um movimento turbulento operando dentro do ápeiron. Um outro discípulo de Tales, Anaxímenes, também de Mileto, é considerado o terceiro nome da história da filosofia. Adoptou também a ideia de uma única substância geradora. Para ele o ar estaria na origem de todas as coisas e seria a causa das constantes transformações da natureza. O ar de Anaxímenes, à semelhança do ápeiron de Anaximenesera perpétuo, sendo encarado como "um sopro de vida" que sustentava o universo ou cosmos. Anaxímenes acreditava que, por rarefacção do ar, era gerado o fogo e, por sua crescente condensação, a água e a terra.
Após as primeiras concepções destes filósofos, também conhecidos por milésios destinadas a explicar o mundo, surgiram Parménides de Eléia e Heraclito de Éfeso. Para o primeiro tudo o que existe sempre existiu, isto é, as coisas do mundo são as mesmas desde o início dos tempos. Nada surge do nada e nada do que existe pode transformar-se em outra coisa: o mundo foi concebido e permanece imutável. Para refutar as constantes transformações que eram visíveis na natureza, Parménides encontrou uma solução fácil, pois optou por admitir que os sentidos humanos eram falaciosos, jamais podendo ser utilizados como guias da realidade. Por sua vez, Heraclito propôs para o Universo uma explicação que se chocava frontalmente com as teses do filósofo da escola eleata. Para ele "tudo flui" porque toda a natureza está em movimento constante. Segundo ele o Universo é um rio no qual não nos podemos banhar duas vezes, por isso, a origem das coisas está no contínuo movimento da natureza.
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PAREDES
Paredes é uma cidade portuguesa, situada no Distrito do Porto, Douro Litoral, região Norte e sub região do Tâmega, com cerca de 8.000 habitantes. É a capital e sede do Concelho com o mesmo nome, integrado na Região do Vale do Sousa. Trata-se de um município com 156,56 km² de área e cerca de noventa mil habitantes, subdividido em 24 freguesias. O município é limitado a norte pelo município de Paços de Ferreira, a leste por Lousada e por Penafiel, a sudoeste por Gondomar e a oeste por Valongo. Fica na comunidade urbana do Vale do Sousa. A cidade situa-se a leste do concelho, fazendo fronteira com o concelho de Penafiel, estando separada deste pelo Rio Sousa e é constituída pelas freguesias de Castelões de Cepeda, Mouriz. Bitarães e Madalena.
O concelho de Paredes foi criado em 1836, sucedendo, em grande parte, ao antigo concelho de Aguiar de Sousa. Presentemente o município de Paredes tem quatro cidades: Paredes, Gandra, Rebordosa e São Salvador de Lordelo.
Paredes integra-se numa das regiões mais prósperas e paisagisticamente interessantes de Portugal: o Vale do Sousa, O actual Concelho de Paredes assenta no antigo concelho de Aguiar de Sousa que data dos primórdios da Monarquia. O concelho de Aguiar de Sousa surgiu num pacto de povoamento de Vale do Sousa tendo sido criado pelos meados do século XII. De facto, nas inquirições de 1258 mandadas fazer por D. Afonso III, no Corpus Codicum Latinorum, referem-se algumas das actuais freguesias do Concelho de Paredes, pertencentes, ao então, grande julgado de Aguiar de Sousa (Estremir, Crestelo, Vilela, Bendoma, Ceti, Gondalães, Veiri, Gandera...). Aguiar de Sousa recebeu foral em 1269, confirmado em 1411 por D.João I e reiterado por D. Manuel I em 1513. Sensivelmente na mesma altura, Baltar recebia também a categoria de concelho. Baltar foi elevada a categoria de vila, passando assim, a ter enormes direitos, só comparáveis às maiores povoações do reino. D. João V, a 6 de Março de 1723, confirmou esses privilégios.
Extinto em 1837, o concelho de Baltar era constituído por 9 freguesias: Baltar, Cête, Vandoma, Astromil, Gandra, Sobrado, S. Martinho do Campo, Rebordosa e Lordelo. À excepção de Sobrado e S. Martinho de Campo, que actualmente fazem parte de Valongo, todas as outras seriam posteriormente integradas no concelho de Paredes. Foi por volta do séc. XVIII que o pequeno lugar de Paredes, integrado na freguesia de Castelões de Cepeda, foi ganhando importância. Assim, em finais do séc. XVIII, já existiam os Paços do Concelho e o pelourinho. Paredes tinha então o aspecto de uma verdadeira cidade, embora nem sequer tivesse a categoria de vila.
Em 1821 Aguiar de Sousa era extinto como concelho e grande parte das suas freguesias eram anexadas a Paredes. Com a criação do concelho de Paredes, não só se extinguiu o de Aguiar de Sousa, com ainda o de Baltar, Louredo e Sobrosa que emergiram da crise liberal e tiveram duração pouco superior a dois anos. O concelho de Paredes foi criado por Passos Manuel apenas em 6 de Novembro de 1836, como resultado do reordenamento que ocorreu com a entrada da Constituição de 1820. Nesta data passou a conter algumas das freguesias do extinto concelho de Aguiar de Sousa, englobando um total de 23 freguesias. Em 1855, dos vários lugares da freguesia da Sobreira criou-se a freguesia de Recarei.
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A MULHER QUE FOI LAVAR ROUPA SEXTA-FEIRA SANTA (DIÁRIO DE TI’ANTONHO)
“Lá vai mais uma antiga “estória” e esta muito esquisita, que ouvia do meu avô. Contava ele que quando era criança ouvia contar que, aqui, na Fajã Grande, há muitos, muitos anos vivia uma mulher que não era crente nem temente a Deus, por isso não respeitava nem muito menos cumpria nem os mandamentos da lei de Deus nem os da Santa Madre Igreja. Por isso não se abstinha de trabalhar quer aos domingos quer aos dias santos de guarda. Muitas vezes lhe chamaram à atenção para esse pecado, sobretudo o pároco que, com palavras bondosas, lhe explicava as leis de Deus e os ensinamentos da igreja. Mas a mulher não lhe dava ouvidos e, por vezes, até se ria e apoucava os que respeitavam e cumpriam tais ensinamentos.
Um dos trabalhos que a mulher fazia aos domingos era o de ir lavar roupa para a Ribeira, mesmo à entrada da canada onde se iniciava a subida da Rocha, onde havia um grande açude com enormes pedras ao redor a servirem de lavadouros.
Ora certa vez, a mulher ainda fez pior, pois decidiu ir lavar roupa na Sexta-Feira Santa, o dia considerado mais santificado do ano, dia em que Nosso Senhor morreu. Ninguém, nesse dia, devia fazer trabalho servil, fosse ele qual fosse, porque era um pecado grave. Além disso era um dia de jejum, durante o qual muitas pessoas nem faziam comida e até levavam os animais para os pastos para não terem que tratar deles.
Assim enquanto todas as outras pessoas da freguesia estavam na igreja a comemorar os mistérios da Paixão e Morte de Nosso Senhor, a mulher, que tinha uma trouxa de roupa para lavar, não quis saber que era dia santo de guarda nem do que se comemorava nesse dia. Pegou na roupa e foi para a Ribeira, para a lavar precisamente na hora em que o povo da freguesia estava reunido na igreja. Algumas mulheres que se atrasaram na vinda para a igreja, ainda lhe lembraram o dia que era e pediram-lhe que voltasse para casa, porque era Sexta-Feira Santa. A lavadeira riu-se e continuou a caminhar na direcção da Ribeira. Chegaram as três horas da tarde, em que se acredita que Nosso Senhor morreu na cruz e a lavadeira continuava a esfregar a sua roupa e a bater com a ela no lavadouro, para lhe tirar a sujidade.
A essa hora tocou a matraca, na igreja, porque nem os sinos tocavam nesse dia e as pessoas, contritas, oravam no templo e pediam perdão a Deus Era a chamada hora “tércia” a hora em que Nosso Senhor morreu, pregado numa cruz. Dizia-se que nessa hora até os passarinhos batiam as asas e cantavam e as folhas das árvores punham-se em cruz, em louvor de Nosso Senhor.
Pouco depois da matraca tocar as pessoas que estavam na igreja, apesar da Ribeira ser bastante longe, ouviram um enorme grito de aflição que, ecoando na Rocha se espalhou por toda a freguesia. Muito aflitas e assustadas algumas pessoas correram para a Ribeira a ver o que se passava, pois o barulho vinha mesmo de junto da Rocha. Quando chegaram à Ribeira viram que a lavadeira tinha desaparecido assim como toda roupa. Tudo se sumira, como castigo, por não ter respeitado um dia sagrado.
E contavam os antigos que durante muitos anos depois disto ter acontecido, na Sexta-Feira Santa, durante a hora “tércia”, soprava um vento muito forte que fazia eco na Rocha, provocando ruído estranho e assustador semelhante ao bater da roupa nas pedras e aos gritos da lavadeira pecadora. E muita gente tinha medo de lá passar, nesse dia e a essa hora.”
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VELHICE AGRADÁVEL
“O segredo de uma velhice agradável consiste apenas na assinatura de um honroso pacto com a solidão.”
Gabriel García Marquez
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LUA TROVEJADA
“Lua nova trovejada, trinta dias é molhada.”
Interessante adágio, utilizado como aviso dos agricultores, não apenas na Fajã Grande, mas também em muitas outras localidades. Na Fajã Grande no entanto, era muito frequente.
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AS BATATAS QUE NÃO NASCERAM (DIÁRIO DE TI’ANTONHO)
Meu avô contava que quando era criança, ora aos anos que isto foi, havia aqui na Fajã Grande um homem que não acreditava em Deus, não cumpria as leis da igreja e não respeitava os dias santos. O homem, pelos vistos, não era de cá da nossa freguesia, pois tinha sido abandonado aqui na ilha, por um barco que por aqui passara. Meu avô dizia que, antigamente, muitos barcos deixavam os condenados aqui na ilha das Flores, em vez de os mandar matar.
Ora aconteceu que numa Quinta-feira Santa, depois do meio-dia, o homem quis ir semear batatas. Na Quinta-feira Santa era pecado trabalhar depois do meio-dia. Passaram por ele uns homens que, vendo que ele ia trabalhar naquela tarde santa, lhe disseram:
- Então, hoje é Quinta-feira Santa e tu vais trabalhar?
- Hoje é que me calha. Já tenho a terra lavrada à espera da sementeira… - Respondeu o homem e acrescentou: - Além disso, tanto se me dá que seja Quinta-feira Santa ou não…
Os outros, com bons modos, disseram-lhe:
- Então não podes esperar para sábado, que é dia em que já não é pecado trabalhar?
O homem riu-se deles e retorquiu:
- Sábado eu tenho outros muitos outros trabalhos para fazer. Hoje é que me convém semear as suas batatas. Além disso eu não acredito nessas patranhas. - Zombou o homem e, rindo dos outros que naquela tarde, em sinal de respeito pela morte de Nosso senhor, não trabalhavam, foi semear as batatas.
E na freguesia toda a gente criticou a atitude daquele homem ímpio, incrédulo e não temente a Deus.
Passaram-se dias e semanas e as batatas do homem não nasciam. As pessoas passavam por ali admiradas. Contava meu avô que aquelas batatas nunca nasceram porque foram semeadas num dia em que não de via trabalhar por ser um dia santo. E as pessoas acharam que isso foi por castigo de o homem ir trabalhar na tarde de Quinta-feira Santa.
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QUINTA-FEIRA SANTA
Quinta-feira Santa é a quinta-feira imediatamente anterior à Sexta-feira da Paixão, da Semana Santa, ou seja ao dia em que, liturgicamente, se recorda a Paixão e Morte de Jesus Cristo. Este dia marca o inicio do Tríduo Pascal na celebração que relembra a ultima ceia de Jesus Cristo com os doze Apóstolos.
Os ofícios da Semana Santa chegam à sua máxima relevância litúrgica na Quinta-Feira, quando começa com a recordação da Última Ceia e culminante na Vigília Pascal que celebra, na noite do Sábado de Aleluia e a ressurreição de Jesus Cristo, no Domingo.
Na "Missa dos Santos Óleos" ou Missa do Crisma, celebrada apenas pelos bispos diocesanos na igreja catedral da sua diocese, a Igreja celebra a instituição do Sacramento da Ordem e a bênção dos santos óleos usados nos sacramentos do Baptismo, do Crisma e da Unção dos Enfermos, e os sacerdotes, participantes, renovam as suas promessas. De entre os rituais do dia, adquire especial relevância simbólica o "lava-pés", realizado pelo sacerdote em memória do gesto de Cristo para com os seus apóstolos antes da Última Ceia. Ma realidade e de acordo com os relatos dos Evangelh os, Jesus lavou os pés dos discípulos como um ato de humildade e serviço, criando assim um exemplo de que devemos amar e servir um ao outro em humildade. Na Quinta-Feira Cristo ceou com seus apóstolos, seguindo a tradição judaica, já que segundo esta deveria cear-se um cordeiro puro; com o seu sangue, deveria ser marcada a porta em sinal de purificação; caso contrário, o anjo exterminador entraria na casa e mataria o primogénito dessa família, segundo o relatado no livro do Êxodo. Nesse livro, pode ler-se que não houve uma única família de egípcios na qual não tenha morrido o primogénito, pelo que o faraó permitiu que os judeus abandonassem do Egipto, e eles, de imediato, partiram na demanda da terra prometida e da sua liberdade; o faraó rapidamente se arrependeu de tê-los deixado sair, e mandou o seu exército em perseguição, mas Deus não permitiu e, depois de os judeus terem passado o Mar Vermelho, fechou o canal que tinha criado, afogando os egípcios. Para os católicos, o cordeiro pascoal de então passou a ser o próprio Cristo, entregue em sacrifício pelos pecados da humanidade e dado como alimento por meio da hóstia.
Num calendário em que varia cada ano para buscar a coincidência da Semana Santa com a primeira lua cheia posterior ao equinócio de outono, celebra-se, este ano, hoje, 17 de Abri a Quinta-feira Santa.
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A SEMANA SANTA NA FAJÃ GRANDE NA DÉCADA DE CINQUENTA
Em todas as freguesias e localidades açorianas, na década de cinquenta, a Semana Santa era considerada uma semana diferente, um tempo de grande e profunda religiosidade, verificando-se, durante a mesma, importantes e significativas alterações, não apenas na forma de celebrar a fé cristã mas também na vida e nos costumes do quotidiano das populações, inclusive na própria alimentação.
Na Fajã Grande, ilha das Flores, as celebrações litúrgicas desta semana, iniciavam-se no Domingo de Ramos, com a bênção dos ramos realizada na Casa de Espírito Santo de Cima. O pároco transportava uma palma assim como uma ou outra pessoa que possuísse palmeira nos seus campos, o que era raro. A generalidade das pessoas, no entanto, transportava pequenos ramos de salgueiro, de alecrim ou de cedro. Acreditava-se que os ramos deviam ser guardados, a fim de serem queimados na Quarta-Feira de Cinzas, do ano seguinte. Terminada a bênção seguia-se uma procissão com destino à igreja, numa atmosfera mística e de oração que envolvia toda a freguesia. Na igreja era celebrada a missa, nesse domingo muito demorada, uma vez que ao evangelho era feita, em latim, língua então utilizada em todas as celebrações litúrgicas, a leitura da paixão de Jesus Cristo, segundo São Mateus. Nessa altura, os paramentos utilizados, assim como o frontal do altar-mor e o véu de cobertura do sacrário eram de cor roxa. Desde o domingo anterior, chamado, na altura, Domingo da Paixão, todas as imagens de santos existentes na igreja eram cobertas com panos roxos ou pretos ou, no caso das mais pequenas, guardadas na sacristia e as flores eram retiradas dos altares, assim como as sanefas e as cortinas das janelas. A partir desse domingo os sinos não repicavam, apenas dobravam ou davam badaladas espaçadas umas das outras. Na segunda, terça e quarta-feira, realizava-se a Via Sacra. A partir da quarta-feira da Semana Santa, o sino, deixava de tocar, sendo as trindades, o toque do meio-dia e outros anunciados pela matraca, um instrumento construído em madeira, formado por três tábuas pregadas umas nas outras e com um suporte manual na parte superior, como se de uma pequena caixa se tratasse. Na parte exterior das tábuas estavam cravadas várias argolas de ferro que se soltavam batendo em conjunto e de forma violenta e agressiva na madeira, logo que a dita cuja fosse abanada com alguma força e agilidade, produzindo assim um som barulhento, matracado, estranho e esquisito.
Na quinta-feira à noite, a igreja voltava a ser enfeitada e os altares eram revestidos de branco, sendo celebrada a missa da Ceia do Senhor, durante a qual tinha lugar a cerimónia do lava-pés, para a qual eram convidados doze homens, dos mais influentes e importantes na freguesia. No coro tentava-se adivinhar qual deles seria o Judas… E os candidatos eram vários… Terminada a missa eram retiradas as toalhas do altar e exposto o Santíssimo que assim ficava durante toda a noite, até à madrugada seguinte, velado, em turnos de uma hora.
Na sexta-feira a comemoração da morte de Jesus, era celebrada às três da tarde, através das chamadas “endoenças” mas realizadas na igreja Matriz da freguesia vizinha, a Fajãzinha, às quais, no entanto, assistiam muitas pessoas da Fajã, que para aquela freguesia se deslocavam com tal intuito. As cerimónias das “endoenças”, na Fajãzinha, eram muito concorridas, a elas vinha muita gente de outras freguesias e exigiam, para além de três padres, alfaias litúrgicas adequadas e paramentos pretos e roxos, incluindo dalmáticas que a igreja da Fajã não possuía. À noite, porém, realizava-se na Fajã a procissão do Senhor Morto. No altar da Senhora do Rosário havia um grande cruxifixo, com um Cristo amovível. Era retirado da cruz e colocado num andor em forma de esquife e seguia na procissão juntamente com a cruz da qual se pendurava um pano e com a imagem da Senhora da Soledade, a única existente na Fajã que vestia roupas e que, por isso, estava interdita de estar na igreja durante o ano. Homens com opas, transportando lanternas, a cruz e o pálio de baixo do qual seguia o pároco levando o Santo Lenho. O povo incorporava-se atrás e apenas o batucar da matraca se alternava com o silêncio da noite.
No sábado, às oito horas, era celebrada a missa da Vigília Pascal, mas muito simplificada, como se de uma missa normal se tratasse, apenas com a bênção do lume e do círio pascal, os sinos voltavam a tocar, os santos eram descobertos e a igreja enfeitadas. No domingo apenas a missa, onde a palavra “aleluia” se ouvia com muita frequência
Durante a semana Santa devia-se jejuar e não comer carne, sacrifícios nada difíceis pois isso fazia parte do quotidiano. Na Sexta-feira Santa ao almoço, devia comer-se sopa de funcho. Nesse dia o funcho era mais doce, pois Nossa Senhora também o comera, quando, carregando sofrimento e dor, subia o caminho do Calvário. No sábado coziam-se os folares recheados com ovos e linguiça para se comerem no domingo e nos dias seguintes.
Durante a semana santa não se devia namorar, cantar, dançar, assobiar ou gozar outros pequenos prazeres por serem sinais de alegria e gozo uma vez que Nosso Senhor passara toda a semana sofrendo.
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METAMORFOSE
Nobre
e dignificante
é o amor
que nasce do destino,
e se transforma
num poema.
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SARAPATEL
Sarapatel é uma designação comum de diversas iguarias preparadas com vísceras de porco, cabrito, borrego ou até de bovino, como acontecia na Fajã Grande. Nascido no Alto Alentejo, o sarapatel alastrou-se por todo o país e até foi adoptado por outros países, especialmente no Brasil.
Na Fajã Grande o único sarapatel cozinhado era feito com sangue de bovinos, por altrura do Espírito Santo ou quando se matava alguma rês. Por vezes, para enriquecer o sarapatel, para além do sangue coalhado com que era feito, juntava-se-lhe pequenos pedaços de toucinho ou outra carne, o que era muito raro. Uma das características desta iguaria é seu teor de gordura, bastante acentuado, sobretudo por causa da presença de pedaços de toucinho. O prato era de realização muito fácil. Uma vez posto a cozer o sangue, num caldeirão de ferro,, acrescenta-se hortelã e uma ou duas grandes pimentas-de-cheiro, inteiras. Serve-se o prato acompanhado com batata-doce ou inhame. Era servido à ceia dos mordomos, na sexta-feira de matar gado para o Senhor Espírito Santo.