PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
VAI E VEM
Vai onda boa,
Vem onda bela.
Mágoa encantada,
Doce piela.
Vai onda bela,
Vem onda boa
Se a maré enche,
Logo se escoa.
Vai onda boa
Vem onda bela
Quero partir,
Num barco à vela.
Vai onda bela,
Vem onda boa
Mar encapelado
Ninho de ganhoa.
Vai onda boa,
Vem onda bela.
Sombra encarnada
Flor amarela.
Vai onda bela,
Vem onda boa.
Vem onda bela,
Vai onda boa.
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A CABRA-CEGA
Embora não sendo típico, nem muito menos exclusivo da Fajã Grande, um dos jogos a que se dedicava a ganapada, nos anos cinquenta era a Cabra-Cega e que tinha lugar geralmente dentro de casa. Era jogado sobretudo nas Casas do Espírito Santo, por alturas das festas e nas noites das Alvoradas, uma vez que estas casas amplas, contendo um espaço livre, com poucos obstáculos a fim de que ninguém se pisasse.
Reunido o grupo de crianças intervenientes no jogo, era escolhida uma para ser a cabra-cega. Colocava-se um lenço a tapar-lhe os olhos, sendo testada de que, de facto não via nada. De seguida, um dos mais crescidos, obrigava-a alguém a dar algumas voltas, rodopiando sobre si própria. Depois pedia-se-lhe que tentasse tocar ou segurar as outras crianças participantes. A criança que a Cabra-Cega conseguisse tocar ou segurar primeiro, passava a se a Cabra-Cega. A norma tem que ser combinada antes, se é só tocar ou tem que agarrar. A brincadeira deve ser realizada em um espaço pequeno e livre, com poucos obstáculos para que não haja acidentes e machucados.
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UM ANO
O actual blogue “Pico da Vigia 2” faz hoje precisamente um ano, uma vez que teve o seu início no dia 31 de Maio de 2013. Criado para substituir o blogue anterior “Pico da Vigia”, um blogue, sobre pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas, iniciado a 8 de Março de 2009, este novo blogue conseguiu, em um ano publicar mais de 1700 textos, embora destes, cerca de cem sejam de outros autores, que aliás estão agrupados num tag com o mesmo nome. Como o blogue anterior tinha o seu suporte na plataforma de blogs da iol, que em medos de Maio de 2013, bloqueou por completo, foi necessário optar pela criação de um outro. Tarefa hercúlea foi a de passar, um a um, todos os textos do blogue anterior para o novo. Essa a razão porque durante um ano se atingiu um número tão elevado de publicações. No entanto e como no blogue anterior tinham sido publicados 1128 textos, apenas 580, dos textos publicados em Pico da Vigia 2 são novos, o que significa que este terá sido o número de textos criados e divulgados durante um ano.
Muito significativo é o número de quase 15000 visitas que Pico da Vigia 2 obteve em um ano também é significativo, sobretudo se tivermos em conta que, durante a fase inicial, era muito pouco procurado, porque desconhecido
A todos os que visitaram, mesmo que tenha sido uma única vez, o blogue Pico da Vigia a minha gratidão sentida. Aos que, a partir de agora, acederão, ao Pico da Vigia 2, as boas vindas sinceras, esperando que continuem.
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NA DEMANDA DE SÃO MIGUEL
À tardinha começou o embarque dos passageiros que, em grande número, viajavam da Terceira para S. Miguel, para Lisboa ou até para a Madeira. Havia também muita gente que de terra se deslocava a bordo para acompanhar os familiares, ou simplesmente para visitar o navio. Debrucei-me mais uma vez sobre a amarra do convés a observar toda aquela movimentação de gentes e de bagagens. Não é que entre os passageiros me aparece o Shilfering. Mal me viu veio ter comigo e, coincidência das coincidências, disse-me que também ia para o Seminário. Eu conhecia o Shilfering da Fajã, onde ainda viviam os seus avós paternos e alguns tios e primos. Ele morava no Corvo com os pais, embora se deslocasse à Fajã, de vez em quando. O pai era Cabo do Mar na mais pequenina ilha açoriana. Explicou-me porque embarcara em Angra. O pai já estava no Corvo há muitos anos e queria mudar-se para as Flores, onde agora havia uma vaga. Viera à Terceira meter a papelada a fim de pedir a transferência para Santa Cruz. Como tinha um amigo que era Cabo do Mar na Praia da Vitória, vieram todos passar um mês a casa desse amigo. Os pais tinham partido para o Corvo, enquanto ele ficara na Praia, à espera do regresso do Carvalho, para agora seguir definitivamente para S. Miguel. Mas o Shilfering tinha uma sorte danada, pois viajava em condições muito superiores e melhores do que as minhas: o pai comprara-lhe passagem em segunda classe, tinha acomodação apesar de a viagem demorar só uma noite e, a pedido directo do pai, viajava aos cuidados do Senhor Imediato. Invejei-o, não tanto pela protecção do Imediato mas pela acomodação e, sobretudo, pelo jantar que o esperava na segunda.
O Shilfering para além dum nome esquisito, tinha um feitio danado e, por vezes, exagerava nas brincadeiras. O avô, o velho Shilfering, chegara à Fajã havia muitos anos, vindo, não se sabia donde. Tinha olhos e traços asiáticos e fez constar pela freguesia que vinha da Madeira, embora falasse muitas vezes nas “Terras Canecas”, região do globo terrestre que nunca ninguém soube bem ao certo onde se situava, mas por onde ele tinha andado. Porém, fixou-se, definitivamente, na Fajã Grande, casou, teve filhos e netos. Como o fazia sempre que ia à Fajã, meteu-se comigo, chateou-me, aborreceu-me e pior do que isso, sem que eu o pudesse evitar, a dada altura, surripiou-me as chaves da mala e do baú que trazia comigo nos bolsos e, sem dó nem piedade, atirou-as para o fundo do mar.
Estarreci! Escondi-me para que me não visse chorar. Como ia ser ao chegar a S. Miguel, sem conhecer quem quer que fosse, com as malas fechadas e sem chave? Ao chegar ao Seminário, na manhã seguinte, como poderia mudar de roupa e fazer a cama? Estava rigorosamente tramado. Passei o resto da noite entre choros e soluços, maldizendo a minha sorte, evitando o Shilfering, para não me atirar a ele de unhas e dentes, sem sequer arranjar sítio onde me sentar, quer no convés da primeira ou no da segunda, quer em outro sítio qualquer, pois o navio estava a abarrotar com os passageiros oriundos da Terceira. Além disso estava previsto mau tempo para a noite que se aproximava, e o vento forte já começava a agravar o estado do mar, que piorava a cada momento, provocando um balancear contínuo e exagerado do velho paquete. Comecei, novamente, a enjoar, a sentir tonturas, vómitos e enormes dificuldades em segurar-me em pé, tal como acontecera na noite anterior, na Graciosa. O Carvalho navegava agora açulado pelo forte vento e com um ranger assustador dilacerava ondas enormes e altivas, provocando grandes balanços e sucessivos solavancos, que amedrontavam mulheres e crianças. Sentindo que ia vomitar e não tendo onde, desloquei-me para a terceira classe na tentativa de descobrir lugar onde me recostasse e onde, à socapa, me aliviasse. Entrei na sala de jantar estava repleta de crianças a chorar, de mulheres a gritar e de homens a gemer. Quase todos vomitavam e muitos outros estavam prestes a fazê-lo. A sala exalava um cheiro insuportável e o ar lá dentro era pestilento a ponto de sufocar. Saí cá para fora, para respirar o ar puro e fresco, acompanhado dos salpicos do mar. Mas sentia-me em piores condições do que quando entrei na sala. O mar piorava a cada momento o que agravava as condições de navegabilidade do navio que balouçava mais assustadoramente. À minha volta a maior parte dos passageiros vomitava. Eu não pude evitá-lo. Novamente aquela vasca nauseativa se apoderou-se de mim e o meu corpo, trémulo e inerte, estatelou-se no chão duro e molhado do convés. Ali fiquei por algum tempo. Salpicado com os respingos da água salgada que a proa do navio ao sulcar as ondas projectava no ar e que caíam em chuveiro sobre o convés e sobre mim, reanimei e tomei consciência da minha situação. Decidi aproximar-me mais da borda do navio e permanecer ali com o rosto exposto ao ar frio da noite e à água salgada. Assim sentia-me mais aliviado. Mas o meu corpo continuava inerte e sem forças. Um marinheiro viu-me e veio tirar-me dali, avisando que era perigoso, pois, na opinião dele, alguma vaga maior poderia molhar-me por completo ou até arrastar-me. Amparado pelo homem, sentei-me em cima de uns sacos molhados que por ali estavam mas onde continuava a ser bafejado pelo fresco da noite que me ia aliviando a náusea e a aflição.
Deitado, de costas entretinha-me a contemplar os salpicos da água a projectarem-se sobre a proa do navio e a reflectirem-se nas luzes, formando pequenas bolinhas vermelhas, alaranjadas, amarelas, verdes, azuis e violetas, como as do Arco-íris. Os barulhos das máquinas assemelhavam agora a um sussurrar longínquo, suave e doce. O Carvalho seguia em grande velocidade, com os motores parados, parecia que voava. Um forte vento agitava-me, levantava-me e eu sentia que me atirava pela borda, para fora do navio. Em grande aflição, agarrava-me com ambas as mãos à amarra do convés, evitando cair no fundo mar. O Shilfering numa risota pegada e gozosa, calcava-me as mãos com os pés, obrigando-me a despegar da borda da amarra do convés e eu caía no mar, estatelando-me no abismo. De repente a Dona Celina conduzindo uma pequena chata semelhante à que viera atracar o Carvalho na Horta, corria a grande velocidade, na tentativa de me salvar. A muito custo agarrava-me e puxava-me para dentro da embarcação, encostava-me a ela, enxugava-me a roupa molhada e o corpo a pingar de água salgada e de espuma do mar e, num ápice, conduzia-me ao cais das Lajes das Flores, em cima do qual me colocava. Eu ficava sozinho, triste e macambúzio a acenar-lhe e a vê-la partir. Depois iniciava uma enorme correria pela vila, galgando-a de lés-a-lés, procurando ansiosamente meu pai, mas não via. Largava, então, sozinho, no escuro da noite pelo interior da ilha, até à ladeira da Boca da Baleia, no cimo do qual estava escondido, por trás de uma moita de hortênsias, o Adão que, colocando-se à minha frente me apanhava de surpresa. Segurando-me pela gola do casaco, ameaçava-me:
- Ah! Seu grande mariola! Ias a fugir com medo dos padres.
Depois, pegando-me à força metia-me novamente no Carvalho, repleto de pessoas a vomitar, de crianças a chorar e de vacas a mugir, conduzindo-me definitivamente para São Miguel. Um marinheiro de maleta a tiracolo, vinha cobrar-me o dinheiro do bilhete da viagem, mas eu não o tinha. Para me castigar por não ter dinheiro para o bilhete, o marinheiro atracava o navio numa ilha estranha e escura, iluminada apenas por uma ténue coluna de fogo, onde me deixava sozinho. De repente a ilha enchia-se de água e começavam a aparecer padres de todos os lados e entre eles estava o Senhor Natal, de tesouras em punho, a repreender-me exasperadamente.
Acordei assustadíssimo com os três estridentes apitos do Carvalho. Levantei-me sobressaltado. Já era dia claro. Olhei á direita e vi o mar. Olhei à esquerda e vi uma cidade enorme, enevoada e coberta duma chuva miudinha. Era Ponta Delgada e eu estava com a roupa toda encharcada.
Aproximei-me da borda do navio. A doca estava pejada de gente com guarda-chuvas abertos, de guindastes à espera de carga e de carga à espera de guindaste.
Ao redor apercebi-me de outras crianças da minha idade que teriam destino igual ao meu e apontavam lá para o fundo onde se via uma padre, ainda jovem, cabelo muito negro e ondulado, batina preta e coberta com uma gabardina azul, a proteger-se da chuva por um enorme guarda-chuva.
Saí do navio e segui os outros que se dirigiam na direcção do padre.
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O SEGREDO DA PAZ
“O segredo para viver em paz com todos, consiste na arte de compreender cada um segundo a sua individualidade.”
(Federico Luis Jahn)
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MARIA CRISTINA D’ARRIAGA
Maria Cristina d’Arriaga nasceu na cidade da Horta, ilha do Faial, em 1835, falecendo na mesma cidade aos oitenta anos de idade. Nasceu no seio de uma das mais ilustres famílias faialenses, tendo revelado desde cedo uma particular sensibilidade para a poesia, tal como seu tio Miguel Street de Arriaga e seu irmão, Manuel de Arriaga. Dotada de nobres sentimentos caritativos, dedicou-se a obras de assistência social, contribuindo para a fundação de uma Cozinha Económica, destinada à protecção alimentar de pessoas indigentes. Além de uma colectânea de pensamentos, publicou em 1901 um livro de poemas a que deu o título de Flores d’Alma, um livro percorrido por um «lirismo profundo», no dizer do poeta faialense Osório Goulart.
Dados retirados do CCA – Cultura Açores
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VIDROS SUJOS
Um casal decidiu mudar de casa e de localidade, instalando-se numa novo prédio, onde chegaram ao anoitecer.
Na manhã do dia seguinte, a mulher assomou à janela, olhando para fora, mas sem abrir os vidros. Deparou com uma vizinha do prédio em frente, estendendo a roupa numa varanda.
Depois de observar mais atentamente a roupa da vizinha, voltou-se para o marido e disse-lhe:
- Aquela roupa não está bem lavada. A nossa vizinha, pelos vistos, não sabe lavar roupa. Talvez não use um bom detergente. Quando me encontrar com ela hei-de recomendar-lhe um detergente melhor.
Durante um mês ela continuou a tecer comentários negativos sobre as roupas mal lavadas, não só daquela mas de todas as outras vizinhas.
Dias mais tarde, porém, a mulher olhando, mais uma vez para a roupa das vizinhas, ficou muito espantada. Todas as roupas estavam muito bem lavadas e impecavelmente limpas. Voltando-se para o marido, disse-lhe:
- Até que enfim! As nossas vizinhas já aprenderam a lavar roupa. Vê como estão todas muito limpas! Será que, finalmente, usam um bom detergente?
O marido, sorrindo, disse-lhe:
- Minha querida, fui eu que hoje acordei mais cedo e limpei os vidros da nossa janela.
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QUINTA FEIRA DA ESPIGA
O Dia da espiga é celebrado em Portugal na antiga Quinta-feira da Ascensão, pelo que também é conhecido por Quinta-feira da Espiga. Neste dia é tradição as pessoas darem um passeio aos campos, colheendo espigas de vários cereais, flores campestres e raminhos de oliveira e alecrim para formar um ramo, a que se chama de espiga. Segundo a tradição. o ramo deve ser colocado por detrás da porta de entrada de casa, e só deve ser substituído por um novo no dia da espiga do ano seguinte. As várias plantas que compõem a espiga têm um valor simbólico profano e um valor religioso.
A Quinta-feira da Espiga é, de facto, um dia para ser celebrado, fundamentalmente, no campo, entre as sociedades agrícolas, mas, como nas aldeias rurais a desertificação cada vez é maior, actualmente, já poucas são as pessoas que ainda vão ao campo no dia de hoje, abandonando as suas obrigações, para apanhar a espiga, ou o raminho formado com ela, com algumas flores e ramos. Antigamente, de norte a sul do país, o dia de hoje, em que,em tempos idos, liturgicamente, se celebrava a festa da Ascensão, era considerado uma data faustosa, das mais festivas do ano, repleta de cerimónias sagradas e profanas.
A origem gaudiosa deste dia é, contudo, muito anterior à era cristã. Crê-se qu este dia seja um herdeiro directo de rituais gentios, realizados durante séculos, por todo o mundo mediterrâneo, em que grandiosos festivais, de intensos cantares e danças, celebravam a Primavera e consagravam a natureza. Para alguns povos antigos, esta data, tal como todos os momentos de transição, era mágica e de sublime importância. Nela se exortava o eclodir da vida vegetal e animal, após a letargia dos meses frios, e a esperança nas novas colheitas.
A Igreja Católica, à semelhança do que fez com outras festas ancestrais pagãs, cristianizou, mais tarde, esta data, atravessando, assim, os tempos com uma dupla acepção: como Quinta-feira de Ascensão, para os cristãos, assinalando, como o nome indica, a ascensão de Jesus ao Céu, ao fim de 40 dias e como Dia da Espiga, ou Quinta-feira da Espiga, esta traduzindo aspectos e crenças não religiosos, mas exclusivos da esfera agrícola e familiar.
O Dia da Espiga é então o dia em que as pessoas vão ao campo apanhar a espiga, a qual não é apenas um viçoso ramo de várias plantas - cuja composição, número e significado de cada uma, varia de região para região –, guardado durante um ano, mas é também um poderoso e multifacetado amuleto, que é pendurado, por norma, na parede da cozinha ou da sala, para trazer a abundância, a alegria, a saúde e a sorte. Em muitas terras, quando faz trovoada, por exemplo, arde-se à lareira um dos pés do ramo da espiga para afastar a tormenta.
Não obstante as variações locais, de um modo geral, o ramo de espiga é composto por pés de trigo e de outros cereais, como centeio, cevada ou aveia, de oliveira, videira, papoilas, malmequeres ou outras flores campestres. E a simbologia de cada planta, comumente aceite, é a seguinte: o trigo representa o pão; o malmequer o ouro e a prata; a papoila o amor e vida; a oliveira o azeite e a paz; a videira o vinho e a alegria; e o alecrim a saúde e a força.
Além destas associações basilares ao pão e ao azeite, a espiga surge também conotada com o leite, com as proibições do trabalho e ainda com o poder da Hora, isto é, com o período de tempo que decorre entre o meio-dia e a uma hora da tarde, tomando mesmo, nalguns sítios do país a designação de Dia da Hora. Nas localidades em que assim é entendida esta quinta-feira, acredita-se que neste período do dia se manifestam os mais sagrados e encantatórios poderes da data e nas igrejas realiza-se um serviço religioso de Adoração, após o qual toca o sino. Diz a voz popular que nessa hora “as águas dos ribeiros não correm, o leite não coalha, o pão não leveda e até as folhas se cruzam” .
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A CANADA DA FAJÃ DAS FAIAS
Abrupta, erma, esconsa e ladeada de um denso arvoredo era a Canada da Fajã das Faias, lá para os lados de Cuada e do Vale Fundo, paredes meias com a Ribeira Grande. Esta íngreme canada ligava o Caminho que se iniciava na Cuada, se prolongava pelo Vale Fundo até aos Lavadouros àquele curioso, pitorescos e quase mítico lugar que era a Fajã das Faias, situado mais a Sul da Fajã Grande, a fazer fronteira com a Ribeira Grande e a Fajãzinha. Curioso era o facto de a faia, como árvore, ser sempre tratada pelo vocábulo popular faeira, o que estranhamente não acontecia, nem com o nome lugar nem com o da referida canada. O lugar chamava-se Fajã das Faias e não Fajã das Faeiras. Fenómeno estranho este, cuja explicação é difícil de se encontrar.
A Cana da Fajã das Faias, no entanto, permitia um acesso aquele lugar, embora difícil de percorrer. Para além de íngreme e estreita era muito pedregosa, sendo impossível nela transitarem animais. Apenas homens e cães. Muito provavelmente, hoje, já terá desaparecido da memória de muitos dos que, outrora, a calcorrearam. Encavalitada nos contrafortes do Tufo da Cuada, mesmo ali debruçado sobre a Ribeira Grande, a canada obrigava quem ali fosse demandar o que quer que fosse, do pouco que as terras davam, a carrega-lo às costas: lenha, feitos, cana roca, incensos e faias, muitas faias, pois foram estas, ali em grande abundância, muito provavelmente, a dar nome ao lugar.
Para se ter acesso àquele lugar ermo e exíguo, percorrendo a canada, depois de se atravessar a Cuada e ultrapassar a última casa, um pouco antes do Vale Fundo e a seguir ao Calhau do Tufo, virava-se à direita e entrava-se na dita cuja, o único acesso às propriedades ali existentes. Do outro lado, a Ribeira Grande era obstáculo intransponível e, naturalmente, só serviria os habitantes da Fajãzinha. Mas esses ali não tinham propriedades. No entanto, para se chegar a algumas propriedades, era necessário atravessar outras, que lhe deviam caminho, através de trilhos, atalhos ou até saltando paredes.
Assim com o lugar a que dava acesso e de que tinha o nome, a canada Fajã das Faias permanece como uma vereda mítica e adormecida, hoje perdida, não apenas no espaço mas também e sobretudo no tempo e talvez mesmo na memória de muitos dos que, nos longínquos anos cinquenta, por ali passavam, na apanha de incensos para o gado, de lenha para o lume ou a ceifar os fetos e a cana roca que proliferavam entre aquele denso e luxuriante arvoredo.
Lugar misterioso, pois sobre ele se contavam algumas lendas, como a da origem do nome Cricri.
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ERGUE-TE CORAÇÃO
(POEMA DE COELHO DE SOUSA)
“Ergue-te coração
para que as mãos
não fiquem no chão
e os olhos
sejam estrelas
que não haja escolhos
nos caminhos delas.
Contigo,
ninguém deixará de ser pastor
ou anjo amigo
no colo da manhã
do grande dia-amor.”
Coelho de Sousa
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POEMA DO FECHO ECLAIR
(DE ANTÓNIO GEDEÃO)
Filipe II tinha um colar de oiro
tinha um colar de oiro com pedras, rubis.
Cingia a cintura com cinto de coiro,
com fivela de oiro, olho de perdiz.
Comia num prato
de prata lavrada
girafa trufada,
rissóis de serpente.
O copo era um gomo
que em flor desabrocha,
de cristal de rocha
do mais transparente.
Andava nas salas
forradas de Arrás,
com panos por cima,
pela frente e por trás.
Tapetes flamengos,
combates de galos,
alões e podengos,
falcões e cavalos.
Dormia na cama
de prata maciça
com dossel de franja roliça.
Na mesa do canto
vermelho damasco
a tíbia de um santo
guardada num frasco.
Foi dono da terra,
foi senhor do mundo,
nada lhe faltava,
Filipe Segundo.
Tinha oiro e prata,
pedras nunca vistas,
safira, topázios,
rubis, ametistas.
Tinha tudo, tudo, tudo
sem peso nem conta,
bragas de veludo,
peliças de lontra.
Um homem tão grande
tem tudo o que quer.
O que ele não tinha
era um fecho éclair.
António Gedeão
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VINTE E OITO DE MAIO
O dia 28 de Maio de 1926 ficou assinalado na História de Portugal por nele ter ocorrido o início de um levantamento militar, no norte de Portugal, com o objectivo de tentar repor a ordem no país, que desde 1924 vivia em constantes sobressaltos. Caminhava-se. a passos largos. a guerra civil. O movimento sindicalista havia sido abafado, incidentes violentos grassavam por toda a parte e tinam sido criadas, no país, condições para a instalação de um regime de terror, em que proliferavam os assassinatos e os atentados terroristas. Havia um enorme descontentamento entre o povo português devido à política do Partido Democrático que, desprovido da sua ala radical, se tornara num partido conservador e corrupto, alheio às causas da justiça social dos trabalhadores.
Assim a instabilidade política atingira uma situação de pré guerra-civil, com confrontos entre unidades militares e com a sublevação de algumas unidades militares. A instabilidade atingiu um ponto de ruptura, levando a que alguns dos principais comandos militares programassem e encetassem uma revolta.
A revolução teve origem em Braga, sendo o comando das operações assumido pelo General Gomes da Costa. A 28 de Maio foi proclamado o movimento militar, tendo-se iniciado, de imediato, uma enorme movimentação de forças militares de Braga para Lisboa. Ao longo do dia seguinte, Sábado, 29 de Maio, unidades militares de todo o país declararam o seu apoio aos militares golpistas. A chefia da polícia de Lisboa também aderiu ao golpe.
O governo, verificando não ter qualquer capacidade para controlar a situação, apresentou a demissão ao Presidente da República, na altura o Dr Bernardino Machado. Tomou conta do poder Mendes Cabeçadas, e Bernardino Machado resignou, embora nesse mesmo dia ainda ocorresse a última sessão da Câmara dos Deputados e do Senado.
A 1 de Junho, as tropas revoltosas reuniram-se em Coimbra, onde acordaram na proclamação de um triunvirato governativo, presidido por Gomes da Costa de que faziam parte também Mendes Cabeçadas e Armando Ochoa.
O movimento militar, transforma-se, assim, numa autêntica revolução com a adesão de inúmeros sectores da sociedade portuguesa, desejosos de acabar com o clima de terror e violência que se tinha instalado no país.
No entanto, a revolta continuou e as tropas de Gomes da Costa chegaram a Sacavém. A situação era confusa, pois não havia certeza de quem deveria formar o novo governo. Foi perante este impasse que, entre as novas figuras, surgiu a do Ministro das Finanças, Oliveira Salazar, que mais tarde assumiu a chefia do Governo.
A revolução implantou um regime militar que duraria formalmente até 1933, sendo seguido pela aprovação de uma nova Constituição e pela institucionalização do «Estado Novo», um regime autocrático em parte inspirado no movimento fascista italiano que tinha acabado de despontar em Itália, mas controlado pelos sectores católicos conservadores portugueses.
O regime implantado com a revolução de 28 de Maio, conseguiu recuperar da situação económica absolutamente caótica a que a chamada «República Laica» o tinha feito chegar após o golpe de 5 de Outubro de 1910.
No entanto, embora tivesse recuperado a economia do país, o regime implantado em 28 de Maio de 1926, entrou por sua vez e após o final da II Guerra, num lento processo de apodrecimento e degradação do país, culminando com a fatídica guerra do ultramar.
A Revolução de 28 de Maio de 1926 foi, pois, uma espécie de pronunciamento militar de cariz nacionalista e antiparlamentar que pôs termo à Primeira República Portuguesa, levando à implantação da Ditadura Militar, depois auto-denominada Ditadura Nacional e por fim transformada, após a aprovação da Constituição de 1933, em Estado Novo, regime que se manteve no poder em Portugal até à Revolução dos Cravos de 25 de Abril de 1974.
A notícia deste golpe, no entanto, não terá chegado tão cedo à Fajã Grande das Flores.
NB – Dados retirados da Net
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INTERROGAÇÃO
“Ainda não tinha dado conta de que a Igreja dos Açores, nas nossas Paróquias, é tida como insuficiente para transmitir os conteúdos fundamentais da fé, relacionar a formulação dos mandamentos com as situações de hoje, celebrar com dignidade todos os sacramentos e aprender o Pai-nosso como molde de oração e vida. (…) Só me fica uma pequena dúvida: o que andamos a fazer por estas ilhas desde o século XV?”
Abel Nóia
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DESCONFUNDINDO
O nome Bretão tem originado alguma confusão, relativamente a alunos que com este nome frequentaram o SEA, na década de cinquenta. Recordo que na realidade participou muito activamente no nosso Encontro, o José Agostinho Bretão, referido nesta lista, no passado dia 1 de Outubro e de que todos nos lembramos muito bem. Este Bretão agora referido, é o José António da Silva Bretão, que me foi apresentado pelo Dr José Nunes e que apareceu no Encontro, apenas um dia, pelos vistos nem estava inscrito. Segundo diz o João Carlos, aina havia, sim, inscrito um Carlos António da Silva Bretão, de que ninguém se lembra. Tudo isto provocou uma enorme confusão, que agora se pretende desconfundir, mas a justiça já foi feita à excelente participação do José Agostinho Bretão, embora a minha dúvida subsista quanto aos dois últimos, porquanto julgo que o Carlos António e o José António possam ser a mesma pessoa, tendo havido uma confusão de nomes.
O José Agostinho Bretão é natural da freguesia de Santa Bárbara, ilha Terceira e fez parte do curso de um grupo ainda a exercer o sacerdócio na diocese açoriana, o Norberto Cunha, o Cassiano e o Vasco Parreira e que terminaram o curso de Teologia e foram ordenados em 1966. Ao mesmo curso pertenceu o Nuno Vieira, um dos participantes no Encontro de Julho. Assim o José Agostinho Bretão ingressou no Seminário de Angra, no ano lectivo de 1953/54, onde fez grande parte da sua formação académica.
Após a saída do Seminário completou a sua formação académica no Liceu de Angra, cursando, mais tarde, Psicologia. Trabalhou em Angra na Inspecção do Trabalho, de que foi inspector, estando actualmente reformado. Em 1992, fez parte integrante do Grupo de Violas da Casa de Povo de Santa Bárbara, cuja criação tinha como objectivo colaborar na manutenção e defesa das tradições da freguesia. Reside, actualmente, na ilha Terceira.
O Bretão surgiu no encontro com uma serenidade invejável, com uma humildade resplandecente e com uma simpatia que a todos cativou. Senhor de uma ternura dignificante, o Bretão, com as suas conversas, diálogos, ditos e palavras, tanto em ocasiões de maior solenidade como em simples momentos de folguedos, transmitia a todos uma amizade verdadeira, sincera e deslumbrantemente comunicativa. Sem protagonismos, sem estravagâncias, sem excentricidade e sem exageros supérfluos e com as suas palavras sensatas, o seu diálogo cativante, as suas lembranças engrandecedoras e a sua presença persistente e condigna, o Bretão fez com que o Encontro se tornasse num desfilar de memórias vivas, num turbilhão de momentos gloriosos e experiências marcantes, num rosário de recordações genuínas e de sentimentos vividos num passado que o tempo e a distância nunca hão-de ofuscar. Por tudo isto e por muito mais que não foi possível captar, o José Agostinho Bretão, com a sua presença no Encontro, tornou-se mais um dos “Senhores” do mesmo
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ABANDONADOS
Era uma vez um homem muito pobre e que tinha muitos filhos. Viviam todos numa pequena e pobre cabana, no meio duma floresta, sem vizinhos ao redor. Apesar de trabalhar arduamente, de dia e de noite, o homem não conseguia arranjar os alimentos necessários para saciar a fome dos filhos.
Certa noite, depois de cearem um simples caldo de couves, a mulher disse ao marido que não tinha comida para dar aos filhos no dia seguinte. O homem ficou muito preocupado e, depois de muito pensar, disse:
- Não vale a pena eu continuar a viver com os meus filhos juntos para deixar que morram de fome. É melhor abandonar dois deles na floresta. Pode ser que encontrem uma alma caridosa que tome conta deles. Deus há-de ajudá-los.
Ao ouvir isto, o coração da mãe encheu-se de angústia e de dor. Não conseguindo dizer palavra, apenas rezava para que Deus não abandonasse os seus filhinhos.
Ora entre os filhos havia um casal de gémeos, o João e a Maria. Eram muito chegados um com o outro. O João ouviu a conversa do pai e compreendeu tudo.
No dia seguinte, de manhã cedo, o pai mandou-os vestir, dizendo-lhes que ambos o haviam de acompanhar para irem com ele à floresta, buscar lenha. O João, porém, antes de partir, encheu os bolsos com pedrinhas brancas que juntou de pequeno um jardim que havia em frente da cabana. Ao caminhar pelo meio da floresta, o menino ia deixando cair uma pedrinha e depois outra, como que assinalando o caminho por onde passavam. Por volta do meio-dia o pai parou e disse-lhes:
- Fiquem aqui, sentados, descansando, enquanto eu vou além, procurar umas abelhas a fim de recolher mel. Quando ouvirem um assobio grosso, sou eu, a chamar por vocês. Nessa altura, seguindo o som, vão ter comigo. - E, dizendo isto, sumiu-se na floresta.
Os dois meninos sentaram-se e esperaram muito tempo, começando a ficar preocupados pois não ouviam o assobio do pai
Esperaram mais algum tempo. Finalmente o menino disse à irmã que estava a ouvir um som que parecia o assobio do pai. Foram procurar, mas não encontraram nada. A menina começou a chorar cuidando que estavam perdidos. O irmão tentou acalmá-la, dizendo-lhe que haviam de encontrar o caminho para casa.
A menina confiou no irmão e começaram a caminhar, seguindo as pedrinhas que o João deixara no caminho quando acompanhavam o pai. Ao anoitecer chegaram à cabana. O pai, a mãe e os irmãos estavam sentados à mesa a cear. Passara por ali um homem para quem o pai trabalhara e pagara-lhe uns dias de trabalho. Com esse dinheiro haviam comprado alimentos para vários dias. Foi com muita alegria que viram os irmãos de volta, partilhando com eles a refeição. Depois fizeram uma pequena festa e foram dormir.
Passados alguns dias, o dinheiro acabou e a fome voltou de novo. Não havia como alimentar tantas bocas. O homem começou, de novo, a pensar em deixar abandonados os dois filhos no meio da floresta.
Desta vez, porém, o João não pôde apanhar as pedrinhas brancas porque a porta estava fechada e a chave tirada. No entanto guardou um pouco de pão que recebera para a ceia. Quando amanheceu, os dois gémeos seguiram viagem, juntos com o pai. O João, ficando um pouco atrás, espalhava pedacinhos de pão no caminho. Os passarinhos, porém, ao vê-los comiam-nos. O chegar a um lugar ermo o pai disse-lhes o mesmo que dissera da primeira vez em que os abandonara. Os meninos esperaram mas o pai nunca regressou. Decidiram, então, voltar para a cabana mas não encontraram os pedacinhos do pão. Embora tristes e preocupados decidiram caminhar, andando, até anoitecer, cuidando que estavam perdidos. Sem desanimar, o menino subiu uma árvore muito alta, de onde conseguiu ver, ao longe, o fumo que saía duma chaminé. Desceu da árvore, muito depressa e, juntamente com a irmã, começou a andar naquela direcção.
Depois de muito andar encontraram uma casa muito bonita e muito iluminada por dentro. Aproximaram-se e viram que a casinha era feita de bolos e as luzes eram velas açucaradas. O João quebrou um pedaço e entregou-o à irmã e partiu outro para si. De repente, de lá de dentro, ouviram uma voz que perguntou:
- Quem está a mexer em mim?
Esconderam-se depressa mas, pouco depois, voltaram para comer mais, ouvindo, novamente, a voz, a fazer a mesma pergunta. À terceira vez ouviram a voz bem perto deles:
- Ah! São vocês, meus queridos netinhos? Tão bonitinhos mas tão magrinhos! Entrem...
Entraram e a velha, que era uma feiticeira, ofereceu-lhes uma bela e saborosa ceia. Depois levou-os para um quarto onde havia de tudo. Fechou a porta e deixou-os dormir. No outro dia deu-lhes comida e água, e assim sucedeu durante vários dias. Mas o João, espreitando, descobriu que a velha comia pessoas e que devia estar engordá-los para, mais tarde, os comer. Pensou, então como haviam de libertar-se. Para tal apanhou uma lagartixa, cortou-lhe o rabo e toda vez que a velha trazia comida e perguntava como eles estavam, respondia:
- Vamos bem.
- Mostre o dedinho! – Pedia a velha.
O João, para a enganar, mostrava-lhe, através do buraco, a cauda da lagartixa. A velha, quase cega, apalpava e dizia:
— Tão magrinhos! Vamos comer mais, meus netinhos!
E, no dia seguinte, trazia-lhes mais comida. Meses depois os dois meninos estavam gordos, corados e fortes mas sempre mostrando o rabinho da lagartixa.
Certo dia, porém, a Maria, descuidou-se e perdeu o rabo da lagartixa. Quando a velha pediu que mostrassem o dedinho, a menina, muito estouvada e sem juízo, mostrou o mindinho. A velha apalpou-o e lambeu os beiços:
- Hum! Estão no ponto. Saiam, dai, meus netinhos.
Depois, abrindo-lhes a porta, deixou que saíssem. Na manhã seguinte, a velha pediu ao João que fosse buscar lenha cortada em toros. O menino lá foi, mas, pelo caminho, ouviu uma voz a chamar por ele, que lhe disse
- Leva a lenha, mas quando a velha acender o lume e pedir a ti e à tua irmã para atravessarem a tábua que ela colocou por cima da fogueira, digam que é melhor ela atravessar primeiro para vos ensinar. Nessa altura empurrem a velha para a fogueira e não tenham pena.
Assim fizeram. A velha acendeu uma grande fogueira, atravessou uma tábua por cima, pedindo às crianças que passassem de um lado para o outro. O João pediu-lhe que atravessasse primeiro para eles verem como era. A feiticeira subiu para a tábua e quando ia a meio os dois meninos empurraram-na. Ela caiu e ficou toda queimada. Bem gritava ela, desesperada:
- Água, meus netinhos! Deitem água no lume, para o apagar.
- Azeite, avozinha, azeite. - Respondiam eles. E a velha ficou esturricada, dando, pouco depois, um estouro como se fosse uma bomba.
O João e Maria correram a casa toda, encontrando os quartos cheios de dinheiro, roupas, pedras preciosas e muita comida e bebida.
Encheram uma parte do que encontraram e partiram para a cabana dos pais onde chegaram, muitos dias depois.
O pai, muito arrependido do que tinha feito, ficou muito contente e abraçando os filhos, pediu-lhes perdão. A mãe não cabia em si de alegria e os irmãos também ficaram muito felizes. Com os bens e o dinheiro que os meninos conseguiram trazer construíram uma casa, onde todos passaram a viver felizes.
NB - Inspirado num conto popular brasileiro.
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RECONQUISTADO
MENU 45 – “RECONQUISTADO”
ENTRADA
Salada de alface, morango laminado, queijo fresco e nozes,
temperada com molho vinagrete.
PRATO
Açorda de salmão.
SOBREMESA
Gelatina de Morango e suspiro
******
Preparação da Entrada: - Ripar a alface, preparar e laminar os morangos. Misturar o queijo fresco e as nozes. Bater muito bem 3 colheres de sobremesa de azeite, com uma de vinagre e outra de mel, formando vinagrete. Temperar a salada com este molho e servir.
Preparação do Prato – Cozer o peixe em água temperada com azeite, cebola, salsa, alho picado ervas aromáticas e pimenta. Com uma parte do caldo cobrir um pouco de pão, desfazendo-o, perfumando-o com folhas de hortelã . Desfazer o salmão e misturar. Levar a mistura ao lume, juntando-lhe uma clara de ovo.
Preparação das Sobremesas – Confecção tradicional.
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ERNESTO FERREIRA
Manuel Ernesto Ferreira, nasceu em Vila Franca do Campo, S. Miguel, em 28 de Março de 1880 faleceu em Janeiro de 1943. Foram seus pais Mariano José Ferreira e Maria da Glória Ferreira. Estudou no Seminário de Angra do Heroísmo, onde se matriculou em e, 9 de Agosto de 1892, Completou o Curso de Teologia e foi ordenado presbítero em 1903. Foi cura na freguesia das Furnas, S. Miguel, sendo, depois, transferido para Vila Franca do Campo, em 1905. Posteriormente e até à sua morte, ocupou-se da capelania da Santa Casa da Misericórdia de Vila Franca do Campo.
A geologia, a botânica e a zoologia mereceram a sua atenção a par da etnografia, do folclore, da geografia humana, particularmente da ilha de S. Miguel, e da história dos Açores. Possuía uma inteligência profunda, excelentes e apuradas faculdades de observação e de crítica e um escrúpulo científico, As suas obras, a par de serem subsídios valiosos, que ninguém que pretenda estudar os Açores pode ignorar, constituem leitura aprazível mesmo para espíritos avessos à sabedoria.
Como jornalista regional dirigiu os semanários Actualidade e A Crença, de Vila Franca do Campo, e colaborou no Autonómico, no Correio dos Açores e no Diário dos Açores.
Foi professor do Instituto Vila-franquense; secretário da Sociedade Afonso Chaves, até à sua morte, e co-director da sua revista Açoreana, sendo ainda o representante, nos Açores, do Grupo Português de História das Ciências e membro da Academia das Ciências de Lisboa.
Obras principais: Elogio Histórico de Bento de Gois, El-Rei D. Carlos I - Elogio fúnebre proferido no dia 1 de Abril de 1908, na Matriz de São Miguel, nas solenes exéquias mandadas celebrar pelo Senado de Vila Franca do Campo, Esboço duma apreciação ou o Dr. Ferreira Deusdado, educador, filósofo e escritor, Bispos filhos dos Açores, Uma família histórica; O Conde de Botelho, Um educador micaelense: o padre João José d’Amaral, A alma do povo micaelense, La pesca dell’Albacora nelle Azzorre. Venezia, Ponta Garça e a sua Igreja Paroquial, Viagem nupcial das eirós dos Açores, Gigantes dos mares dos Açores, O Coronel Francisco Afonso Chaves; O naturalista, Gafarias nos Açore), Escombrídas dos Açores, O vilão das representações populares da Ilha de S. Miguel, O arquipélago dos Açôres na história das ciências, Ápodes dos Açores, Antiguidade da poesia popular açoreana, Seláceos dos Açores, Reminiscências do teatro vicentino nos Açores, No septimo centenário de Santo António de Lisboa, Estudos filosóficos nos Açores. Esboço histórico, Doutor Alfredo Bensaúde, o professor e o mineralogista, O arquipélago dos Açores, e a vaga sísmica do 1.o de Novembro de 1755, Monumentos do passado - A igreja e o convento da Caloira na ilha de Sam Miguel, As romarias quaresmais na Ilha de Sam Miguel; Sua origem e antiguidade, Ao Espelho da Tradição, Observações sobre alguns mamíferos dos Açores e Três patriarcas do romantismo nos Açores.
Dados retirados do CCA – Cultura Açores
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A PANELA
Numa determinada terra havia um homem muito rico, mas também muito avarento. Para que não lhe roubassem o dinheiro, resolveu guardá-lo dentro de uma penela de barro e enterrá-la no quintal da sua casa, muito bem escondida, de modo que ninguém a descobrisse e lhe roubasse o dinheiro. Todos os dias, de noite, a fim de ninguém o ver, ia ao quintal, afastava a terra, abria a panela e ia colocando lá dentro todo o dinheiro que ganhava.
Em frente à sua casa morava um vizinho que, certa noite, ao levantar-se, viu o homem a cavar e a enterrar o que quer que fosse. Achando estranha aquela atitude, esperou que o vizinho adormecesse e, pé ante pé, foi ao local, cavou e descobriu a panela com o dinheiro. Retirou-o todo. Mas para que a panela não ficasse vazia, foi à retrete, trouxe duas canecas de merda e despejou-as dentro da panela.
No dia seguinte, espreitou o vizinho, que voltou ao local, colocando mais dinheiro. Quanto este voltou para casa e apagou a luz, o homem foi ao local, voltando a retirar o dinheiro. Lavou muito bem todas as moedas e voltou a colocar merda, na panela. A assim fez durante muitas noites, até que a panela se encheu.
O homem rico, cuidando que a panela estava cheia de dinheiro, resolveu retirá-la e abri-la, alegando que tinha encontrado um tesouro no seu quintal. Porém, como era muito religioso, resolveu convidar o padre da terra que, além disso, era seu compadre, mas enganou-o, dizendo-lhe que ao cavar no seu quintal encontrara uma panela de barro cheia de dinheiro. Iria parti-la a fim de retirar o dinheiro, mas, para agradar a Deus, queria dividir o dinheiro com o senhor padre, seu compadre. Todos se haviam colocar debaixo da panela de olhos tapados e, ao partí.la, quem mais dinheiro apanhasse com mais ficaria. O padre que também era muito ganancioso, regozijou de alegria, alertando as irmãs que preparassem grandes aventais para aparar muito dinheiro.
No dia combinado, o homem voltou ao quintal, retirou a panela e pendurou-a num local alto, com uma corda. Chegou o senhor padre com as suas irmãs muito bem vestidas e de bonitos e grandes aventais ao peito para recolherem muito dinheiro, juntamente com a mulher e as cunhadas do homem, também elas prevenidas com grandes aventais. Colocadas vendas nos olhos de todos, o homem pegou num enorme pau e zás, mandou semelhante traulitada na panela que esta se partiu em caros, derramando sobre todos a merda malcheirosa, armazenada ali durante dias.
O homem ao aperceber.se do que lhe aconteceu, fugiu dali a sete pés, enquanto o padre também corria como louco a ver se o apanhava.
Ao chegar à Praça, onde alguns homens descansavam, o padre parou e perguntou-lhes:
- Os senhores não viram o meu compadre?
Os homens muito admirados com o que viram, responderam:
- Não senhor, senhor padre. Nunca vimos foi o senhor padre tão cagado.
O padre, cheio de vergonha, recolheu-se ao passal e o homem, durante meses, não voltou ao povoado.
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TI MANUEL LUÍS
Ti Manuel Luís, de seu nome Manuel Luís de Fraga, nasceu, na Fajã Grande em 1885 e era irmão de Ti Antonho do Alagoeiro, ambos nados e criados na Tronqueira. Ti Manuel Luís casou com Maria Dias Avelar, em 24 de Junho de 1907. Era filho de Manuel Luís de Fraga e de Mariana Luísa da Assunção e ela filha de Francisco Dias de Avelar e de Maria de Jesus Dias, natural do Lajedo.
A senhora Dias, como era conhecida, era hábil em tratar doenças e maleitas, tendo curado muita gente na freguesia. Lembro-me de em criança, ser levado poe minhas tias â sua casa, na Tronqueira, a fim de que me tratasse duma terrível tosse convulsa de que fora vítima. Ela, sentada na sua sala, num enorme cadeiral, tratou-me com um carinho e uma atenção extraordinária. Contava-se que quando o seu primeiro filho nasceu, teria um pequeno defeito na mão esquerda, uma vez que a meio da falange do dedo mínimo, tinha implantado uma espécie de sexto dedo mas que não articulava. A Senhora Dias, mulher forte, corajosa e destemida, com uma simples tesoura desinfectada, procurou o ponto ósseo de inserção do dedo desnecessário e cortou o que li estava a mais. Fez-lhe um penso com os unguentos com que tratava as feridas dos que a demandavam e confiou em Deus para que amparasse o menino e o salvasse de gangrena. Consta que, rapidamente, a ferida sarou e o menino ficou bem, embora assinalado naquele local da mão com uma pequena saliência ou verruga.
De Ti Manuel Luís também se contava que era um homem corajoso e destemido. Insatisfeito com a vida monótona, pobre e muito trabalhosa que tinha na ilha, igual à dos seus conterrâneos, a viver duma mísera agricultura de subsistência, a alimentar a família com as míseras colheitas que davam as poucas terras que possuía, umas vezes destruídas por tempestades outras desfeitas por secas ou pela salmoura, como muitos outros fajãgrandense do seu tempo, decidiu emigrar, partindo para os EUA, em busca da tão almejada fortuna que lhe permitisse mudar a sua ida. Nos Estados Unidos permaneceu cinco anos, o tempo suficiente para, ao regressar, trazer algum dinheiro, comprar mais algumas terras e construir dois moinhos na Ribeira das Casas, tornando o principal moleiro da freguesia. O filho mais velho, de nome Manuel Luís, formou-se no Seminário de Angra, onde consta que foi um aluno brilhante. Mais tarde fixou-se em Lisboa onde foi professor, jornalista, poeta e escritor. Os seus outros filhos foram: a senhora Dias, proprietária de uma das mais importantes lojas de comércio da freguesia, a Senhora Águeda e a Senhora Bernardete, também ela comerciante. Teve ainda dos filhos, o Tobias que lhe seguiu as pegadas de moleiro e o José Dias, que logo após a tropa, partiu para os estados Unidos, onde se fixou definitivamente, assim como mais tarde, o Tobias.
Ti Manuel Luís foi, na primeira metade do século passado, uma das mais importantes figuras fajãgrandense, graças ao seu espírito empreendedor, construindo os dois moinhos, de que, para além de proprietário, era também trabalhador. Na memória dos que o conheceram e se lembram dele, ainda hoje trespassa a imagem daquele homem, pequenino e magro mas muito activo e dinâmico, todo pintado de branco, a receber as moendas cheias de milho para um dia depois, as devolver, cheiinhas de farinha muita branquinha.
E que cheirinho tinha aqueles moinhos quando se lá entrava!.
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RECORDAÇÕES
“Entretanto meu pai resolveu fazer uma casa nova e uma atafona que ficaram prontas em 1956 (…) Durante as obras de construção, meu pai trazia de cima da ponte um barril de cimento com 180 Kg, o que provocava admiração dos restantes homens, muitos deles bastante mais corpulentos (...)
Após descascar e debulhar o milho, os homens, durante o Inverno, viravam-se para a feitura de cordas de piteira, conhecida no Faial por pite, espadana ou filaça. Enquanto as mulheres secavam o milho e/ou faziam tranças de palha, chapéus, tapetes de junco ou de casca de milho, renda, bordados e costura (…)
O mês de Dezembro era o mês das matanças o que significava abundância de “conduto”, já que pão de milho, batatas, inhame e feijão havia quase todo o ano com fartura.”
Manuel Faria de Castro
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HOJE
Mais uma manhã que nasceu, embora diferente. Mais um doce momento, a surgir no horizonte e a gerar uma felicidade sublime e transcendente. Mais uma onda gigante de inocência verdadeira a galvanizar-nos.
Foi-me dado o sumo prazer de me integrar nesta manhã de sublimidade. Parabéns à protagonista desta efeméride que, concretizando os seus sonhos, contagiou com um amor espontâneo e uma alegria sincera quem a acompanhou nesta manhã tão sublime, tão digna, a irradiar felicidade.
Que, a partir de agora, o sucesso seja o teu caminho e a felicidade farolize o teu viver. Que a alegria que hoje aspergiste fique para sempre contigo e te vivencie, para que a tua felicidade contagie ainda mais aqueles com quem partilhas o teu quotidiano.
Que lutes sempre pelos teus ideais e que este dia seja o primeiro de muitos outros tão felizes e tão alegres.
O esplendor da alegria espelhou-se no sucesso do convívio. Impôs-se a beleza, reinou a excelência.
Agora há caminhos com mil léguas de dificuldades a percorrer. Mas tudo será fácil se a bondade, a simplicidade, a honestidade e a amizade forem os baluartes do teu caminhar.
Segue, sempre, progredindo, incólume, na demanda da dignidade. Chama sempre, mesmo que não passes ao nosso lado.
Parabéns, Catarina!
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SANTO CRISTO
“A procissão do Senhor Santo Cristo, em Ponta Delgada) é a segunda procissão maior do mundo, em que a primeira é na China e, por isso surge neste dia uma grande movimentação, que acontece numa cidade que pára para observar o Senhor que passa. Isto mexe muito com o coração das pessoas. (…) este (Santuário) é um lugar de recepção da carta bipolarizada em dois aspectos. O primeiro tem a ver com a acção de graças, por tudo aquilo que receberam e refere-se sobretudo à emigração, tanto do Canadá, dos Estados Unidos da América, do Brasil, assim como de outras partes do mundo. Hoje o Senhor Santo Cristo tem uma expressão territorial quase mundial, porque há cerca de 10 anos atrás não recebíamos uma única carta do Continente e hoje em dia recebemos cartas do norte a sul do país.”
Monsenhor Agostinho Tavares
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A SAFRA DA RETORTA
Quantas vezes te demandava,
Retorta,
E ficava,
Sentado nas tuas margens,
À espera que chegasse
A maré cheia
E as tuas águas
Se enchessem
De peixes
De espuma
E de sabor a maresia.
Depois,
Empolgado,
Lançava
O meu velho caniço
De bambu,
Com fio de nylon
E anzol recheado de isco.
Rateiros,
Sargos,
Peixes-reis,
Castanhetas
E uma ou outra garoupa.
Era a safra da Retorta,
A pequena safra
Da minha pesca,
Na Retorta.
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O SENHOR SANTO CRISTO
A festa do Senhor Santo Cristo dos Milagres, popularmente referido apenas por Senhor Santo Cristo ou Santo Cristo dos Milagres, é, incontestavelmente, a maior de todas as festas açorianas, ladeada, apenas, pelas do Espírito Santo, estas dispersas por todas as ilhas, aquela concentrada na cidade de Ponta Delgada. Celebrada no Convento de Nossa Senhora da Esperança, onde se guarda a veneranda imagem, a festa espalha-se por toda a cidade, sobretudo, na tarde do domingo, em que uma gigantesca procissão, percorre as principais artérias da maior urbe açoriana. Esta festa realiza-se nos dias em torno do quinto domingo após a Páscoa, dia em que se procede à grande procissão, terminando na quinta-feira da Ascensão e constitui uma das maiores e mais antigas devoções que se realizam no país, e que só encontra paralelo com a devoção popular expressa no Santuário da Mãe Soberana, em Loulé, e, a partir do século XX, nas celebrações em honra de Nossa Senhora de Fátima. A devoção atrai, anualmente, milhares de açorianos e seus descendentes, de todas as ilhas e do exterior, uma vez que é um momento escolhido por muitos emigrantes para visitarem a sua terra natal.
A imagem de Cristo, impressionante e enternecedora, é entalhada em madeira sob a forma de relicário/sacrário, sendo o seu autor desconhecido, em estilo renascentista, representando o "Ecce Homo", isto é, o episódio do martírio de Jesus Cristo em que este é apresentado à multidão, na varanda do Pretório, acabado de flagelar, de punhos atados e torso despido, com a coroa de espinhos e os ombros cobertos pelo manto púrpura. Trata-se de uma imagem elaborada por um autor desconhecido e que, segundo reza a tradição, nenhum outro é capaz de a representar com a mesma forma, ou seja com um grande senso artístico, fazendo contrastar a violência infligida ao corpo de Cristo com a serenidade do Seu rosto e a ternura do Seu olhar.
Reza a história que a imagem terá sido oferecida pelo Papa Paulo III a algumas religiosas que se deslocaram a Roma no sentido de obter uma Bula pontifícia que as autorizasse a instalar o primeiro convento na ilha de São Miguel, na Caloura ou no Vale de Cabaços. No entanto, em virtude do Convento da Caloura, erguido sobre um rochedo à beira-mar, se encontrar demasiado exposto aos ataques de piratas e corsários, então abundantes nas águas do arquipélago, as religiosas ter-se-ão transferido para outros estabelecimentos religiosos, aa ilha, nomeadamente para o Convento de Santo André, em Vila Franca do Campo e, mais tarde, para o Convento de Nossa Senhora da Esperança, em Ponta Delgada. Terá sido a Madre Inês de Santa Iria, uma religiosa oriunda da Galiza, que trouxe consigo a actual imagem do Senhor Santo Cristo dos Milagres.
O culto ao Senhor Santo Cristo dos Milagres tomou impulso a partir dos séculos XVII e XVIII, devendo-se à irmã Teresa da Anunciada o actual culto ao Senhor Santo Cristo. Desde que deu entrada no convento, Teresa da Anunciada adoptou uma atitude de profunda devoção e entrega à imagem do "Ecce Homo", com a qual estabeleceu uma íntima relação. As duas irmãs terão despertado a da população em geral, para o carácter milagroso da imagem. Joana de Santo António, antes de ser transferida para o Convento de Santo André, terá alertado nomeadamente para o poder milagroso de uma estampa que cobria a abertura do peito da imagem. Por sua vez, Teresa da Anunciada não se poupou a esforços para engrandecer a imagem de Cristo, apelando à vassalagem e entrega por parte de todos à mesma. Embora com entraves por parte de uma abadessa do convento, conseguiu que se erigisse uma capela condigna para a imagem e que a imagem fosse ornada com todas as insígnias próprias de majestade. Para esses fins, contou com as esmolas de inúmeros crentes em toda a ilha, do reino e mesmo das colónias, assim como o apoio do rei D. Pedro II. Foi ainda a irmã Anunciada quem organizou e instituiu a procissão anual do Senhor Santo Cristo dos Milagres, com o apoio e a colaboração da população. Nos dias das festas em honra do Senhor Santo Cristo, uma enorme multidão acorre ao Campo de São Francisco e ao Convento da Esperança que, por esta altura, assumem o papel de santuário, numa manifestação de profunda devoção, fé e respeito. Além de se prestar homenagem à imagem do Senhor, são pagas as promessas feitas. Mas também ao longo do ano, a imagem, que se encontra guardada numa capela do convento, localizada em frente e em sentido oposto ao altar-mor da igreja, separada da nave por um gradeamento, é visitada por inúmeros fiéis que ali vêm rezar e pagar as suas promessas.
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ESTRUME DE MAIO
“Em Maio até a unha do gado faz estrume.”
Interessante este adágio, outrora utilizado na Fajã Grande, revelado da necessidade que as sociedades agrícolas tinham de aproveitar todos os detritos orgânicos para adubar os campos, a fim de que produzissem boas colheitas. E o gado contribuía muito para isso. Na verdade, os bovinos, na mais ocidental freguesia açoriana, tinham um papel primordial na produção de estrume quer quando amarrados no palheiro, quer quando eram “amarradas à estaca” no “oitono”, nos meses de Março e Abril. Nas terras onde habitualmente se verificava o ciclo agrícola do milho, havia um tempo em que os campos ficavam livres daquele cereal. Antes e por entre os milheirais de folhas amareladas e secas, a abarrotar de espigas loirinhas, semeava-se o trevo ou a erva da casta que iam crescendo, crescendo até se tornarem forragens apetitosas, que depois da apanha do milho formavam, com as folhas verdes e as flores vermelhas, azuladas, amarelas e esbranquiçadas, uma variadíssima gama de tapetes multicolores, ondulados pelo vento, ornamentando a freguesia de lés-a-lés. Era por essa altura que as vacas eram para lá levadas para estas terras, onde ficavam alimentando-se não apenas das forragens verdejantes, mas também de erva e de incensos que para ali eram acarretados a fim de que a permanência dos animais durasse o tempo necessário e suficiente para “trilhar” bem o terreno, isto é, produzindo muito estrume. Na verdade, o objectivo fundamental era estrumar bem o terreno, aproveitando tudo. Em Maio lavravam-se os campos que haviam de produzir adubado pelo estrume dos bovinos. Este era fundamental, isto é, tão importante que até a sujidade contida numa unha de uma vaca deveria ser aproveitado.
Maio mês da lavoura dos campos estrumados… E todo o estrume era pouco…
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INSANOS
“E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música.”
Nietzsche
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ESTRANHO
MENU 44 – “ESTRANHO”
ENTRADA
Canapés embebidos em caldo de peixe, recheados com queijo fresco, tiras de pimentos vermelhos e verdes e nozes, regados col mel.
Massinhas cozidas em caldo de peixe, misturadas com creme de queijo com sabor a salmão, cebola e alface picadas, sobre folha de alface e regados com azeite e vinagre balsâmico.
PRATO
Tranche de pescada cozida e grelhada com cebola, creme de queijo fresco e morangos
e acamada sob fatia de pão torrado.
SOBREMESA
Gelatina de Morango e suspiro
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Preparação da Entrada: - Molhar as tostas para os canapés em caldo de peixe a ferver, sobrepor-lhe pedacinhos de queijo fresco e tiras de pimentos, pedacinhos de nozes e regá-los com mel. Cozer as massinhas e misturar-lhes o queijo creme a cebola e a alface picada. Empratar, colocando uma folha de alface sobre a qual serão colocadas as massinhas.
Preparação do Prato – Cozer o peixe em água temperada com azeite, alho picado ervas aromáticas e pimenta. Depois de cozida, partir a tranche a meio, e grelhá-la num pouco de azeite no qual se refoga a cebola a que se juntam os morangos em lâminas e o creme de queijo. Torrar o pão e empratar.
Preparação das Sobremesas – Confecção tradicional.
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A FUGA
À medida que os dias passavam, José Pereira de Azevedo ia-se sentindo cada vez mais inconformado e mais indeciso relativamente ao seu futuro e ao da sua família. A mulher, Madalena de São João, não cessava de o recriminar por uma apática pasmaceira em que ele se ia envolvendo dia após dia e da qual, aparentemente, não conseguia libertar-se. Vezes sem conta lhe atirava à cara que a sua vida, ali em Santa Luzia, no meio daquela calamidade seria insustentável, quase sem nada e o seu destino incerto e o seu futuro imprevisível. Além disso, por um lado, os abalos, embora mais pequenos e mais espaçados, tinham voltado a fazer-se sentir, assustando e amedrontando tudo e todos e, por outro, o manto de lava destruidora que, evadindo-se da montanha, cobrira o chão quase por completo, demoraria a desfazer-se e a tornar aráveis os campos outrora tão férteis e as vinhas, antigamente, tão produtivas. José Pereira Azevedo ouvia aquele martelar contínuo da voz da sua consorte, calado e pensativo. Sabia muito bem que ela tinha razão, mas tinha receio de o confessar. Sabia muito bem que não tinha nada e mesmo que quisesse voltar aos campos para trabalhar não o podia fazer. Também não poderia ficar por ali, ao relento o resto da sua vida, à espera de que a lava se transformasse em terra fértil e em campos produtivos. Havia que refazer a sua vida, que reconstruir a sua casa e os seus campos, que criar de novo tudo aquilo que tão tragicamente perdera. Mas a Madalena tinha razão: não seria ali.
A mulher causava-lhe grande preocupação e constantes consumições. Madalena não cessava de insurgir contra aquela situação e de se revoltar contra aquela pasmaceira. Cheia de medos e temores, a esposa de José Pereira de Azevedo como que ficara traumatizada com os terríveis efeitos daquela tremenda crise e das consequências que sobre eles se haviam feito sentir. Intransigente, pertinaz, causticada pela dor e ancorada a uma enorme e permanente angústia, Madalena pedia-lhe, persistentemente, que partissem, que fugissem dali, onde nada os prendia, para além do amor à sua terra. É verdade que iriam para um sítio desconhecido, estranho, onde não conheceriam ninguém, onde nada possuíam mas onde haviam de construir tudo, como se estivessem novamente a começar, do nada, a sua vida. Mas afinal não era isso também o que lhes aconteceria se ali ficassem, sujeitos a novos tremores, a outras erupções, talvez mais violentas e mais danosas?
- Então – concluí Madalena – ter nada por não ter nada, antes viver e recomeçar a nossa vida num sítio calmo e sereno, onde, ao menos, a terra seja mais segura.
Foi esta insistência intransigente da mulher, o futuro do filho e o persistente consciencializar-se das condições de vida de que ali usufruía que levaram José a tomar uma decisão. E no primeiro batelão que encostou no Lajido, na ponta de André Gonçalves, no porto que aí existia e onde habitualmente se carregava madeira e gado que o Pico produzia enviava para outras ilhas, José Pereira de Azevedo, tomando a mulher e o filho e partiu para o Faial, na demanda de um futuro incerto e imprevisível.
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VALENTIA
Há muitos, muitos anos, houve um rei muito rico, senhor de grandes palácios e muita fortuna mas que vivia sozinho mais a rainha, sua esposa, não tendo filhos a quem deixar os seus bens, nem um sucessor que lhe herdasse o trono.
Mas o desejo dos monarcas de terem um filho era muito grande. Tanto rezaram, tanto suplicaram e tanto pediram a Deus que, passado algum tempo, nasceu-lhes uma menina. O rei tratou logo de ir ver ao livro do Destino qual seria a sorte da menina, e viu o seguinte: Que ao fim de doze anos ela seria metida numa torre sem porta ou janela, dispondo, apenas, de uma pequena e estreita gateira por onde a princesa só aceitaria os alimentos. Mas ainda mais descortinou o monarca relativamente à menina: ao cabo de sete anos a carne que lhe dessem para comer não havia de não ter osso nenhum.
Ao fim de sete anos o rei foi convidado para ir a um jantar mas deixou recomendado às suas aias que, quando mandassem a comida para princesa, lhe não levassem carne com osso. Mas as aias, infelizmente, descuidaram-se e aconteceu o pior. A carne que levaram à princesa tinha um osso.
Todos os dias andava por ali um duque, disfarçado, vestido com trajos de mulher, conversando e falando com a menina pela gateira. No dia do jantar em que lhe foi, inadvertidamente, servida carne com um osso, a princesa aproveitou-o e fez com ele um martelo, com o qual esborralhou um lado da gateira, ficando esta tão larga que a princesa já podia sair por ela e fugir da torre, onde estava presa. Quando veio o duque conversar com ela, disse-lhe:
- O meu cativeiro vai terminar antes do tempo previsto, por causa do osso do jantar. Quero sair já daqui.
O duque ajudou-a a sair pela gateira e fugiram os dois. Na fuga, porém, atravessaram um rio que mais ninguém sabia como passar e ficaram escondidos, durante dois anos, numa gruta de pedra, ali por perto, muito segura e escondida, sem ninguém os ver. Algum tempo depois a princesa teve um menino. Passaram mais rês anos e o menino ainda estava por baptizar, por isso foi preciso voltar a atravessar o rio, para irem à igreja mais próxima dali, baptizá-lo. O duque, primeiro, atravessou o menino para a outra margem, e quando vinha para buscar a mãe, escorregou numa alpondra e desapareceu pelo rio abaixo, ficando a mãe numa margem e o menino na outra.
A princesa começou a chorar muito, cuidando que iria perder o seu filho, pois não conseguia atravessar o rio para se encontrar com ele. Mas, o menino, do outro lado, vendo a aflição da mãe, tentou acalmá-la dizendo-lhe:
— Não se preocupe, minha mãe. Sou eu quem vou atravessar o rio.
— Não faças isso, filho! – Implorou a mãe. - Podes cair e o rio levar-te! - E dobrou ainda mais o choro. Mas o menino atravessou o rio com sucesso e veio buscar a mãe para que ela o atravessasse também. Então a mãe levou-o a uma igreja onde pediu para que fosse baptizado, e quis se chamasse José, Matador dos Bichos. Depois foram andando pelo povoado, até chegarem a uma casa com um postigo meio aberto. O menino meteu o braço, abriu a porta como se fosse sua, e entrou com a mãe. Não encontrara ninguém lá dentro, mas também não encontraram que comer. O menino decidiu ir pedir. Por coincidência, sem o saber, foi pedir ao palácio do rei, onde lhe deram muito dinheiro e comida. A mãe ficou muito admirada, mas temendo que lá o conhecessem, pediu-lhe para não voltar àquele palácio. O rapaz assim o fez. No entanto cresceu e, com o dinheiro das esmolas, comprou uma espingarda e começou a apanhar caça que ia levar de presente ao palácio do rei. Indo um dia para a caça lá para uns matos distantes e obscuros, avistou umas casas com aspecto estranho e medonho. Como ara muito destemido e cheio de ânimo, aproximou-se entrou e viu sete homens deitados a dormir, lá dentro. Não teve ele mais que fazer senão pegar numa machadinha que ali viu, e com ela foi picando os pescoços dos sete homens, cada um por sua vez. Depois, cuidando que estava sozinho, correu todos os quartos e chegou a um em que estava o quadrilheiro-mor, que era um gigante, que lhe perguntou:
— Que fazes por aqui, franguinho de vintém?
— Mesmo sendo franguinho de vintém não tenho medo de ti.
O gigante atira-lhe uma forte paulada, mas o menino agarrou-se-lhe ao cabelo e traçou-lhe o pescoço. Viu, então, guardadas naquele quarto, muitas riquezas. Era um tesouro que o gigante armazenara com os roubos que os sete homens faziam. O rapaz voltou para casa e contou à mãe o que se tinha passado, pedindo-lhe para irem para lá viver. A mãe não aceitou e ordenou-lhe que fosse dar parte ao rei, do que tinha acontecido, pois toda aquela fortuna deveria ter sido roubada ao rei por aqueles bandidos. Ora o rei, desde há muito preocupado por não conseguir prender aqueles ladrões, ficou pasmado com a valentia do pequeno, que sozinho tinha conseguido o que o seu exército todo não conseguia. Por isso perguntou-lhe:
— Quem és tu?
— Eu, senhor, sou filho de uma princesa, que fugiu com um duque, de uma torre em que estava fechada desde que nascera.
E como ia contando o que acontecera a ele e aos pais, o rei, de imediato, o interrompeu dizendo:
— Pelo que percebo, tu meu neto. Onde está tua mãe?
— Senhor, está numa pobre cabana de palha.
O rei mandou-a buscar a filha, para ela vir para o palácio, onde houve muita alegria e uma grande festa. O menino pediu ao avô para ir com os seus homens às tais casas dos ladrões buscar as riquezas que lá vira e que afinal lhe pertencia, pois lhe tinha sido roubada. Foi assim que o rei, para além de reencontrar a filha e conhecer o neto , voltou a possuir todas as riquezas que lhe tinham sido roubadas.
Ficaram todos a viver no palácio e, por morte do rei foi o menino, já feito homem, que lhe sucedeu no governo do reino. e lá está vivendo muito bem.
(Baseado em lendas medievais)
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VOLUPTUOSO
MENU 43 – “VOLUPTUOSO”
ENTRADA
Cebola, feijão-verde e pimentos salteados em azeite e alho, acamados sobre bolacha cream-craker e barrados com mel.
Tirinhas de meloa acamadas barradas com queijo fresco.
PRATO
Churrasco de bife de peru e salsichas de soja, com laranja azeda e ervas aromáticas
Arroz de ervilhas de quebrar com alho e orégãos.
SOBREMESA
Nêspera e Gelatina de Morango.
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Preparação da Entrada: Perfumar seis colheres de chá de azeite, em lume brando com rodelas de alho. Retirar o alho, alourar a bolacha no azeite e, de seguida, partir tirinhas ou pedacinhos cebola, feijão-verde e pimentos (verde, vermelho e amarelo) e salteá-los no azeite que sobrou. Partir a meloa e barrá-la com o crene do queijo.
Preparação do Prato – Aparar o bife de peru, cortá-lo muito fino e temperá-lo com alho, algumas horas antes. Grelhar o bife e a salsicha regando-o com sumo de laranja azeda. Arroz pelo processo tradicional. Empratar e servir
Preparação das Sobremesas – Confecção tradicional.