PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
COMER SEM CORRER
(UM CONTO DE ANTÓNIO TORRADO)
O leão estava cansado. Não que se sentisse velho, mas isto de correr o mato atrás de uma gazela, que capricha em não se deixar apanhar, puxa muito pelo corpo e acrescenta mais fome à que já se trazia. Sobretudo se a gazela ficar a perder de vista…
“Correr para comer não compensa – considerava o leão. – Tenho de mudar de táctica.”
Fez constar por alguns bichos da sua companhia que estava doente, mesmo muito doente. Escondeu-se na gruta, onde tinha os seus aposentos e esperou.
O chacal e o lobo, marqueses do séquito do leão, encarregaram-se de espalhar a notícia:
– O nosso rei leão está à morte. Prestem-lhe a homenagem que ele merece.
Queriam eles dizer com isto de homenagem que seria conveniente e muito gentil que cada animal por si fosse visitar o leão, em sinal de respeito e num último aceno de despedida.
Última despedida era, mas não para o leão…
Formou-se uma longa fila de bichos à entrada da caverna onde morava o leão. Todos muito compostos e de semblante carregado. Mais estariam se soubessem o que os esperava…
Um a um iam entrando, introduzidos na gruta pelo chacal e pelo lobo, ambos muito prazenteiros e risonhos, que até parecia mal, em cerimónia tão solene.
Mas havia quem faltasse à chamada. A lebre, por exemplo.
Foram dizer à matreira da lebre que o leão, no delírio da febre, mencionara o seu nome, cheio de saudades.
– Coitadinho! – foi só o que ela disse.
Juntar-se ao cortejo de homenagem é que não se juntava.
O chacal veio ter com ela, em atitude de censura:
– Que desprendimento o teu, lebre. O pobre leão à morte e tu nem uma visita lhe fazes. És muito insensível. Um coração de pedra.
Não sou nada – disse a lebre, afastando-se, prudentemente, do bafo do chacal. – O que eu não gosto é de apertos, de ajuntamentos. 30 35
– Como assim? – estranhou o chacal. – Só entra um bicho de cada vez…
– Bem sei, que eu tenho visto – replicou a lebre. – Entra um de cada vez e ainda não saiu nenhum. Sendo assim, dentro da gruta, devem estar em tal aperto, que mal conseguem respirar. Imagino a confusão, as lamúrias, os choros… E mais não quero imaginar, senão ainda me comovo. Adeusinho, senhor chacal, e as melhoras do doente.
A lebre saltou e a história acabou.
António Torrado, Fábulas Fabulosas
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ARTES E OFÍCIOS
Nas décadas de quarenta e cinquenta quase toda a população da Fajã Grande, no que aos homens dizia respeito, se dedicava à agricultura. No entanto, muitos agricultores dedicavam parte do seu tempo a outras artes e ofícios, prestando assim os serviços necessários ou fabricando os produtos essenciais a uma comunidade. Apenas o pároco, o faroleiro e o professor exerciam a sua actividade a tempo inteiro, não sendo, portanto agricultores ou criadores de gado.
Essas artes e ofícios eram, entre outros, os seguintes, executados por quem a seguir se enumera:
Alfaiate – Cristiano Fagundes.
Barbeiro – Antonino Cardoso.
Baleeiros – Vigia - Manuel Manquinho.
Lancha – José Pereira, mestre, José Furtado, maquinista e Cristiano Fagundes, “lancetador” e proeiro.
Botes – Chico de José Luís, Francisco Inácio, “trancador”, João Caixeiro, João Fragueiro, João Lajone, José Candonga, José do Cristóvão, José Fagundes, José Garcia, José Luís, José Tavares, Laureano Alexandre, Luís Cardoso, Luís de Abraão, Luís do Raulino, Luís Furtado, Luís Pereira, Roberto do Cristóvão e Urbano Fagundes “trancador”, todos estes naturais da Fajã Grande. Vindos de fora: Mestre Monteiro Ricardo e do Arnaldo, Mestre Antonico, Fernando Armas, José Fraga Afonso Fraga. José da Encarnação.
Caiadores – José de Lima, Guilherme Pimentel e Cabral.
Canalizador – José Furtado.
Carpinteiros – António Barbeiro, José Rodrigues. António Machado, Urbano, António Maria, José Furtado.
Cesteiro – José Fagundes e Guilherme Pimentel.
Comerciantes – Roberto Freitas, José Maria, António Rodrigues, Viúva de António Pureza Ramos e José Natal.
Coveiro – João Augusto.
Correio – José Natal.
Fabricante de Manteiga – António Augusto.
Faroleiros – José Mateus, reformado e Arnaldo.
Ferreiro – Tobias.
Latoeiro – Antonino Cardoso.
Moleiros – Manuel Dawling e Manuel Luís.
Pedreiros – Corvelo e António do Raulino.
Pescador – José Pereira.
Pintor – José Fragueiro.
Relojoeiro – António Barbeiro.
Sacerdote – Padre Pimentel.
Sacristão – Francisco Flores e José Natal.
Sapateiros – José Jorge e Mestre Serpa da Ponta.
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MEMÓRIAS (DIÁRIO DE TI’ANTONHO)
Hoje apetece-me recordar coisas antigas, memórias de outros tempos, dos meus tempos de criança. É bom lembrar o passado e recordar as pessoas com quem convivemos noutros tempos, mas que já partiram. Algumas partiram há muitos anos.
Esta ilha das Flores, a ilha onde nasci, é terra de mar e de tempestades, de isolamento e de pobreza e talvez por isso, muitos do meu tempo resolveram parir, procurar terra de mais abundância e de vida melhor – a América. Eu também parti um dia, mas juntamente com muitos outros voltei, para a terra onde nasci e da qual nunca me esqueci. Linda a terra, esta. Pobre, pequena e simples mas bonita e airosa esta minha ilha, onde nasceram meus pais, meus avós e meus bisavós! E porque me recusei a deixar a minha ilha para sempre, a me esquecer dela, depois de alguns anos na Califórnia, para aqui voltei e aqui me fixei, com a minha Maria, para sempre. Tudo o que quero é viver aqui, pobre mas feliz, mas vivendo no cantinho onde nasci. Eu sou assim, um apaixonado pela minha terra e pela minha ilha. Podem bem acreditar, porque eu, há muitos anos atrás, apaixonei-me, verdadeiramente, por esta ilha e pela minha freguesia, a Fajã Grande, que continua bela, airosa, apesar de simples e pobre. É mesmo verdade, ora vejam lá. Talvez possais sentir o cheiro forte da erva e dos incensos que enchem estes campos e estas rochas, do trevo e do milho, as faeiras e dos inhames, do estrume das vacas e do sargaço, retirado do mar, que também serve para adubar os campos e os cerrados férteis das Furnas e do Areal. Mais adiante, a Ponta e para sul a Cuada. A pobreza era muita mas a alegria não nos deixava. Trabalhava-se muito, mas com alegria. As mulheres sachavam cantando, e cantavam apanhado o trevo ou lavando a roupa na ribeira. Lá ao fundo a rua da Via d’Água e depois o mar, também salgado, mas mais sempre forte e bravo, como eu gosto de o ver, com ondas bravias e sonoras, cheias de espuma e salmoura. No Rolo, nos dias que saía sargaço, era uma verdadeira festa de trabalho. Era bonito ver o povo a padejar, a escarafunchar a encher cestos e a acarretá-los para os lagos que se avolumavam a olhos vistos. Por vezes até se disputava a ver quem tinha o monte mais alto… mas os lagos não eram todos do mesmo tamanho. Eram bons tempos. Foi bom, sim senhor! Amanhã, ou talvez mais logo, vou continuar a escrever e a avivar outras memórias. Está na hora de almoço e não falta um caldinho de couves com uma talhadinha de toucinho e bolo do tijolo que a minha Maria já me veio chamar. Vamos cear os dois, à luz da nossa candeia…
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FESTA NO GALINHEIRO
Era uma vez uma menina chamada Ana que morava numa casa muito grande e muito bonita. Junto da casa havia um quintal e, no quintal, havia um pequeno lago. No quintal, também, havia muitas árvores de fruto, muitas flores e uma horta muito grande que dava muitos legumes. Os pais da Ana eram muito bons e repartiam os frutos, as flores e os legumes com os seus vizinhos.
A Ana costumava ficar muitas vezes sozinha, pois seu pai trabalhava numa fábrica, a sua mãe num supermercado e os avós iam trabalhar para o quintal. Muitas vezes a Ana ia para o quintal com os avós.
Na quinta havia um galinheiro muito grande cheio de galinhas, patos e perus. Mas no meio de todas as plantas havia uma arvore muito grande, uma árvore especial que não dava frutos só dava flores mas também dava sombra o ano inteiro. Além disso os pássaros gostavam muito dela pois muitos passavam a noite pousados nos seus ramos e alguns até faziam lá os seus ninhos para depois nascerem os eus filhotes. A Ana gostava muito daquela árvore e sempre que podia, depois de fazer seus trabalhos de casa que a senhora professora mandava e de ajudar a mãe nos trabalhos mais simples da casa, ia para o quintal, e subia para o alto da árvore. De lá avistava outras casas, outros quintais e, principalmente, todo o galinheiro. Dali observada tudo e por, ali ficava muito tempo, deliciando-se com tudo o que observava. Quando descia ficava no quintal, junto ao galinheiro, à espera que as galinhas anunciassem com um cocorocó bem alto, que tinham posto um ovo. Ana gostava muito das galinhas, achava-as muito engraçadas e até falava com elas, conhecendo-as todas pelos nomes. Também havia patas sempre muito cuidadosas, a chamar pelos seus filhinhos que, sempre que podiam, escapavam para junto de um pequeno lago que ali havia. Ana adorava aquelas vozes e sons, as correrias, os saltos e os voos das aves que viviam no galinheiro, que parecia estar em festa todos os dias.
Logo que via uma galinha sair do ninheiro a cantar, cocorocó, Ana gritava para avó:
- Avó, uma galinha pôs um ovo.
Ana bem queria entrar no galinheiro, mas avó não deixava, O galo podia picá.la
Então ela ficava ali, muito quietinha, horas a fio, a ver o reboliço do galinheiro, quando uma galinha atrás da outra procuravam o ninheiro para por o seu ovo, que depois anunciavam com grande regozijo.
Era uma verdadeira festa, a festa do galinheiro.
NB - Adaptado de um conto brasileiro.
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PILATOS E JESUS
“A cena é dramática. Confrontam-se dois tipos de realeza e duas formas de a conceber e exercer:
Para Pilatos, a realeza adquire-se e exerce-se pela força das armas, pelo poder do mais forte sobre o mais fraco, pelos «truques» políticos.
Para Jesus, a realeza adquire-se e vive-se pela força do amor, da justiça, da paz, do serviço e da verdade.”
Ângelo Valadão