PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
RECORDAR
“Os dias, uns são piores e outros são melhores. Viver é assim.
Os melhores passarão a bons. Sobretudo quando recordados passados anos.
De vez em quando recordo aqueles dias luminosos e amenos em que me empoleirava num forte ramo do álamo que havia nas traseiras da casa paterna, sobre as ladeiras. Com um livro na mão.
Em frente, o imenso verde e, ao lado, no galinheiro, as galinhas cacarejando descontraídas.
Apetecia recitar o livro. E até cantá-lo!
Recordarei, porventura, o dia de hoje? Vivi-o. Não foi dos piores!”
Autoria e outros dados (tags, etc)
NÃO É PRECISO
(POEMA DE JOSÉ FRANCISCO COSTA)
“Não é preciso dizer-te
Que a vida é mais do que um telhado.
Deixa que o tempo concerte
O que está desconcertado.
Vão-se as casas; e o passar
Da vida é tão de repente…
O gosto do céu e do mar
É o que resta da gente.
Compra telhas de alegria,
- Que a vida é coisa bem séria.-
E vai sorrindo, Maria,
Aos buracos da miséria.
José Francisco Costa
Autoria e outros dados (tags, etc)
A CASA DO PURGATÓRIO
Segundo testemunhos de pessoas mais antigas, na Fajã Grande, no início do século XX ainda existiria a chamada Casa do Purgatório. Esta casa, com o objectivo principal de angariar fundos que revertessem em favor das benditas almas do Purgatório, situava-se na Rua Direita, frente à casa do Espírito Santo de Baixo, num edifício que na década de cinquenta era o palheiro do gado e casa de arrumos do Josezinho Fragueiro e que actualmente é o restaurante Costa Ocidental.
A casa destinava-se a recolher milho, batatas e outros produtos agrícolas oferecidos pela população e que se destinavam a sufragar as almas dos seus antepassados falecidos. Depois de recolhidos, os produtos eram vendidos e o dinheiro entregue ao vigário para celebrar missas por todos os defuntos da freguesia. Ali também, muito provavelmente seria recolhido o milho que era oferecido no dia um de Novembro. A crença de que as almas estavam a penar no Purgatório era muito grande, pelo que houve sempre, na freguesia, uma recolha de géneros destinados a sufragar as suas almas. As línguas dos porcos eram leiloadas com a mesma intenção e muitas pessoas faziam promessas que consistiam percorrer todas as casas da freguesia a pedir para as almas, embora, neste caso, muitas donas de casa simplesmente oferecessem um Padre-Nosso e uma Ave-Maria.
A casa do Purgatório, assim como a administração dos bens recolhidos eram administrados por um mordomo o mordomo das almas, cargo que, nas décadas de quarenta e cinquenta, chegou a ser exercido por uma mulher. Ti José Caetano foi mordomo das almas durante muitos anos, no início do século XX. Sucedeu-lhe, Joaquina Fagundes, até ao final da década de cinquenta, altura em que o mordomo foi o Urbano Fagundes e, mais tarde o Teodósio. Durante o mês de Novembro celebrava-se todos os dias uma novena das almas, durante a qual eram rezados responsos por todos mortos da freguesia.
Autoria e outros dados (tags, etc)
RESPIGANDO – SOBRE O SEMINÁRIO DE ANGRA
O Seminário Episcopal de Angra do Heroísmo foi, durante a sua existência de 150 anos, uma escola que “desempenhou, muitas vezes, um papel de nível universitário no que diz respeito ao pensamento”, para além da cultura e da sua vocação religiosa. A afirmação é do Secretário Regional da Educação, Cultura e Ciência, à margem de um ato comemorativo do tricinquentenário daquela instituição, em que participou na noite desta sexta-feira, no salão nobre da Câmara Municipal de Angra do Heroísmo. Luiz Fagundes Duarte reforçou essa ideia acrescentando que esse papel de “ensinar a pensar” foi muito importante para a sociedade açoriana, sobretudo durante o Estado Novo, proporcionando “um espaço de discussão, de liberdade, que não existia noutros contextos da sociedade”. O governante recordou, nesse âmbito, que passaram pelo Seminário de Angra “pessoas importantes da intelectualidade portuguesa e, sobretudo, pessoas progressistas que contribuíram para que Portugal não morresse abafado na censura”. Por isso e por todo o seu historial, concluiu, “vale a pena felicitar a instituição” que “continua pronta para actuar no contexto da cultura e da formação aqui na Região”.
O Seminário de Angra foi a “nossa casa” durante décadas e décadas.
O Seminário de Angra, fundado em 1862, é a única instituição de ensino eclesiástico da Igreja Católica no arquipélago dos Açores. Durante anos foi também a única instituição de formação pós-secundária nos Açores, tendo, dadas as dificuldades de acesso à rede liceal, assumido até à década de 1970, um papel de relevo na formação da intelectualidade e da classe dirigente açoriana. O Seminário de Angra conheceu o seu apogeu nas décadas de 1950 e 1960, funcionando hoje com uma população estudantil muito reduzida.
Apesar do Concílio de Trento (1545-1563), na sua Sessão XXV, ter determinado que, a bem da qualidade e da ortodoxia, a formação dos sacerdotes se faria em seminários, durante os primeiros três séculos de história da diocese angrense, os clérigos açorianos preparavam-se maioritariamente nos conventos de religiosos existentes nas ilhas e nos Colégios dos Jesuítas de Angra, Ponta Delgada e Horta (até à sua expulsão). Alguns frequentavam seminário portugueses, com um pequeno número a frequentarem a Universidade de Coimbra, a Universidade de Salamanca e seminários e colégios em Roma.Com o andar do tempo, a função de formar o clero foi sendo progressivamente assumida pelos Colégios dos Jesuítas, cuja qualidade de teológica e pastoral era considerada melhor. Mesmo assim surgem amiúde referências que provam que a formação do clero era deveras deficientes. Face à importância que tinham assumido, a ideia de criar um seminário nos Açores ganhou novo impulso quando a expulsão dos Jesuítas fechou os três colégios existentes, deixando a formação essencialmente nas mãos dos conventos Franciscanos, manifestamente impreparados para tal.Foi neste contexto que logo em 1788, o bispo D. Frei José da Avé-Maria Leite da Costa e Silva, à semelhança de outros prelados em dioceses que enfrentavam o mesmo problema, propôs criar um seminário no Colégio de Angra dos expulsos Jesuítas, mas nada se fez porque tal proposta foi rejeitada pelo governo.A ideia de criar um seminário nos Açores manteve-se uma preocupação central dos prelados, de tal forma que o bispo D. José Pegado de Azevedo (1802-1812), pois deixou em testamento a sua biblioteca ao seu sucessor, até que houvesse em Angra um seminário.Nas Bulas de Confirmação de D. Frei Estêvão de Jesus Maria para bispo de Angra, o papa Leão XII manifestava o desejo de que ele fundasse um seminário, conforme prescrevera o Concílio Tridentino. Foi assim que aproveitando este mandato explícito e as condições favoráveis criadas pela Regeneração que em 1862, passados 328 anos da fundação da Diocese, e quase 300 após aquele Concílio, começou a funcionar um seminário nos Açores. Foi aproveitado para tal fim o extinto Convento de São Francisco de Angra, cujas obras de adaptação levaram dois anos a realizar. A sua inauguração solene realizou-se a 9 de Novembro de 1862. Nesse dia teve lugar uma grande festa em honra de Nossa Senhora da Guia, titular do antigo convento, à qual assistiu o bispo diocesano e muito clero da Ilha. Apesar dessa abertura solene e das avultadas obras que se realizaram, só em 1864 é que o Seminário Episcopal de Angra recebeu os seus primeiros alunos internos.