PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
FONTE SECA
“A fonte onde todos bebem acaba por secar.”
Nietzsche
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O QUE ESTÁ
O que está na varanda?
Uma calça de ganga.
O que está na janela?
Uma fita amarela.
O que está no poço?
Um grão de tremoço.
O que está na pia?
Uma casca de melancia.
O que está na chaminé?
Um gato com rapé.
O que está na rua?
Uma espada nua.
O que está atrás da porta?
Uma velha morta.
O que está no ninho?
Um passarinho.
Dá-lhe de comer e deixa-o quentinho.
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OS MÚSICOS DE REMEN
Era uma vez um burro que tinha trabalhado durante muitos anos para o seu dono, acartando sacos de milho. Com o tempo, foi perdendo as forças e acabou por não conseguir trabalhar como antigamente. Então, o dono resolveu cortar-lhe a ração. Vendo que dessa decisão não viria nada de bom para si, o Burro fugiu e pôs-se a caminho da cidade de Bremen.
- Em Bremen posso tornar-me músico – pensava ele enquanto caminhava.
Ainda mal tinha começado a jornada quando encontrou, à beira da estrada, um cão de caça que respirava sem fôlego como se tivesse acabado de correr muito.
- Por que respiras assim com tanta dificuldade? – Perguntou o Burro.
- Ah, sabes lá! Como estou velho e cada dia que passa me sinto mais fraco, já não posso caçar. O meu dono queria matar-me, mas eu fugi a sete pés. Mas, agora, o que vai ser de mim? – Queixou-se o Cão.
- Por que não vens comigo para Bremen? – Perguntou o Burro. - Vou tornar-me músico da cidade e tocar alaúde. Tu podias tocar tambor…
O Cão concordou e meteram-se ambos ao caminho.
Andaram algum tempo até que encontraram um Gato que estava muito, muito triste.
- O que te aconteceu, meu caça-ratos? – Perguntou o Burro.
- Quem é que se pode sentir feliz quando tem a vida em risco? – Queixou-se o Gato –
Como estou velho e prefiro enroscar-me à lareira em vez de caçar ratos como antigamente, a minha dona quis afogar-me e eu fugi. Mas, agora, o que será de mim?
- Vem connosco para Bremen – convidou o Burro. – Podes ser um músico como nós e tocar nos concertos nocturnos.
O Gato concordou e foi com eles.
Pelo caminho passaram por uma quinta e viram um Galo empoleirado na cancela.
Cantava a plenos pulmões.
- Por que te esganiças tanto? – Quis saber o Burro.
- Amanhã é Domingo - explicou o Galo - e a minha dona tem convidados. Mandou a cozinheira cortar-me o pescoço logo à noite e meter-me na panela. Por isso, canto enquanto posso.
- É melhor vires connosco, Galo vaidoso - convidou o Burro - tens uma bela voz e juntos faremos um belo quarteto.
O Galo concordou e partiu com os outros.
Como não podiam chegar a Bremen nesse dia, resolveram passar a noite numa floresta.
O Burro e o Cão deitaram-se debaixo de uma árvore e o Gato e o Galo aninharam-se nos seus ramos. O Galo escolheu um dos ramos do topo da árvore porque aí se sentia mais seguro. Antes de adormecer, olhou em volta e viu ao longe uma luz a brilhar na escuridão. Chamou os colegas e disse-lhes que, naquela direcção, havia com certeza uma casa.
- Vamos até lá – propôs o Burro. – Aqui não estamos lá muito bem instalados.
Todos concordaram e puseram-se a caminho. Acabaram por chegar a uma velha casa de onde saía uma luz muito viva.
Como o Burro era o mais alto, foi ele quem espreitou primeiro.
- O que vês? – Perguntou o Cão.
- Vejo uma mesa repleta de iguarias e quatro salteadores que se estão a banquetear à farta – respondeu o Burro.
- Essa comida é que vinha mesmo a calhar – disse o Galo.
- Ah, se ao menos pudéssemos lá entrar… - acrescentou o Burro, cheio de fome.
Conversaram durante algum tempo e, por fim, os quatro amigos tiveram uma ideia para expulsar os salteadores.
O Burro apoiou as patas dianteiras no parapeito da janela, o Cão saltou para cima dele, o Gato saltou para cima do Cão e o Galo voou para cima do Gato. Depois, começaram a fazer barulho, cada um à sua maneira: o Burro zurrou, o Cão ladrou, o Gato miou e o Galo cantou. Enquanto faziam este concerto, saltaram através da janela, partindo os vidros em mil bocados. Os salteadores pensaram que se tratava de um fantasma horrível
e fugiram a sete pés, rumo à floresta.
Muito satisfeitos, os quatro amigos sentaram-se à mesa e comeram tranquilamente até se fartarem. Depois, apagaram as velas e prepararam-se para dormir. O Burro deitou-se num fardo de palha que havia no pátio, o cão deitou-se atrás da porta das traseiras, o Gato enroscou-se junto das brasas da lareira e o Galo empoleirou-se numa das traves do tecto da casa. Como estavam muito cansados adormeceram num instante.
Por volta da meia-noite os salteadores voltaram. Estava tudo às escuras e não se ouvia barulho nenhum.
- Não nos devíamos ter assustado tanto – disse o chefe.
E mandou um dos seus homens à frente para examinar a casa.
O bandido entrou e dirigiu-se à lareira para acender uma vela. Os olhos do Gato luziam no escuro e o bandido pensou que eram duas brasas. Aproximou um fósforo do focinho do Gato para o acender. O Gato não gostou da brincadeira e saltou-lhe para a cara, arranhando-a muito, enquanto miava e soprava. O bandido ficou aterrorizado! Quis fugir pela porta das traseiras, mas o Cão atirou-se a ele e ferrou-lhe uma valente dentada na perna. Cada vez mais aterrorizado, o homem lançou-se a correr pelo pátio, passando perto do Burro que lhe deu dois valentes coices. Nisto, o Galo acordou em sobressalto e pôs-se a cantar:
- Có-có-ró-có-có! Có-có-ró-có-có!
O bandido fugiu o mais depressa que pode. Quando chegou perto dos outros, gritou apavorado:
- Estamos perdidos! Está uma bruxa horrorosa sentada à lareira. Cuspiu-me e arranhou-me a cara com as suas unhas enormes. Junto à porta está um homem que me esfaqueou a perna. No pátio está um monstro que me bateu com um cacete. Em cima do telhado está o chefe deles todos que gritou: "Corre senão comes! Corre senão comes!" Foi o que fiz, para não apanhar mais.
Os salteadores nunca mais se atreveram a voltar àquela casa.
Quanto aos quatro músicos de Bremen, sentiram-se tão bem por lá que resolveram nunca mais sair… e, quanto a mim, ainda lá devem estar!"
(Irmãos Grimm)
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MORFOLOGIA DAS FLORES
É por demais sabido que a ilha das Flores é, extremamente, montanhosa. Por toda a parte se erguem montes e colinas entrelaçados com vales e ravinas, umas e outros de uma beleza rara e duma sublimidade inexaurível. A maior parte da costa da ilha é rochosa e escarpada, destacando-se algumas pontas, também elas imponentes e altivas, como a Ponta do Albernaz, a dos Bredos, a da Água Quente, a da Caveira e a da Ponta Ruiva. Ao redor da ilha proliferam vários pequenos ilhéus, alguns deles também altos e escabrosos, como o Monchique, o dos Rodrigues, o da Água Quente, o de Maria Vaz ou da Gadelha, o do Portinho, o Furado, o da Alagoa, o do Cão, etc.
Há, no entanto, al longo da costa zonas mais baixas, em muitos casos ladeadas por amplas baías, algumas delas a servirem de portos, como acontece, em Santa Cruz. Lajes, Ponta Delgada e Fajã Grande. Noutros locais surgem grandes as enseadas, como a da Ribeira Grande, da Água Quente e dos Fanais.
Do interior da ilha, na direcção do litoral, por entre vales e ravinas, por vezes formando belas cascatas, correm diversíssimas grotas e ribeiras. Frei Diogo das Chagas ou alguém por ele, terá contado cerca de 360. Impressionante. Pode-se dizer que nas Flores, tendo em conta também, lagoas, lagos e poços, quase que há mais água do que terra. Destas ribeiras destacam-se a Ribeira da Cruz, a da Silva, a Funda, a Grande, a dos Moinhos, a d’Além da Ribeira, a Ribeira da Fazenda a das Casas, a do Cão e a maior de todas as afluentes, a ribeira do Ferreiro, a desaguar na Ribeira Grande.
Quanto a montanhas, são de referir o Morro da Cruz, o Pico da Sé, o Morro Grande, o Monte das Lajens, o Lombo Grosso, o Pico do Cabouco, o Lombo da Vaca, o Pico da Burrinha, das Pontas Brancas, o Rochão do Junco, o Queiroal e a Caldeirinha. Existem, também belas lagoas, chamadas caldeiras: a Funda das Lajes, a Rasa, a da Lomba, a Funda, a Comprida, e a da Água Branca e a Seca Em todas elas se verifica o mesmo movimento contínuo de pequenas ondas semelhantes às da águas do mar, em dias de calmaria. Existem ainda muitos lagos de rara beleza, como o Poço da Alagoinha, uma espécie de ex-libris da ilha.
A origem vulcânica da ilha das Flores é testemunhada pela existência, ainda hoje, de algumas emanações sulfurosas de água quente, umas ainda a emanarem da terra outras, simplesmente, presentes na toponímia, pelas árvores, nomeadamente os teixos e os cedros. Há, pois, na ilha, provas um vulcanismo, embora muito remoto, pese embora não haja conhecimento de qualquer fogo vulcânico ou terramoto na ilha, nos tempos mais recentes. Segundo Silveira Macedo e Américo Costa, o primeiro terramoto que se sabe ter acontecido nas Flores ocorreu em 1793 e teve os seus efeitos na freguesia do Lajedo: abateu em 18 metros a altura da montanha da Ribeira do Campanário. Sete anos depois, um segundo tremor de terra voltou a abater a mesma montanha, expondo um manancial de águas pretas que tingiam tudo, mas secaram ao fim de 4 ou 5 anos.
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PEDRA DE LAVA
pedra de lava
gerada no princípio do oceano
entre os silvos estridentes das sereias
ao longe
a voz do vento, esguia e sem pudor
ilumina as velas dos barcos perdidos
e harmoniza
a safra ressequida dos que partiram sem destino
ao perto
ergue-se uma onda de silêncio
a perturbar os dolentes murmúrios das marés
nem a quietude dos rochedos desertos
se resigna
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CULTURA AÇORIANA
“Fui aluno do Seminário de Angra desde Outubro de 1950 até Junho de 1962. Fiz parte do grupo que se matriculou no ano de 1950, constituído por vinte e oito jovens, oriundos de todas as ilhas. Era o mais velho. Nem todos chegaram ao fim do curso. Apenas onze se ordenaram a 3 de Junho de 1962. Fui um deles. Logo na abertura das aulas do ano lectivo de 1950, pelos horários afixados, fiquei a saber que teria as seguintes disciplinas: Religião, Português, Latim, Francês, Geografia, Matemática, Ciências, Música e Educação Física.
(…) O ambiente musical que se vivia no Seminário em 1950 era, pois, o reflexo de uma tradição forte nas ilhas açorianas. Consequências, talvez, dos apelos do Motu Próprio do Papa Pio X, e também da necessidade de ir ao encontro das pessoas que viviam em quase isolamento total. Os padres deveriam saber música para poderem ensinar e exercer condignamente as funções litúrgicas da Igreja Católica e, ao mesmo tempo, contribuir para o seu desenvolvimento cultural. E continuou a ser assim.
(…) No meu primeiro ano lectivo - 1950-1951 - assisti na minha cadeira, ao fundo do salão, ao concerto do Orfeão do Seminário, na festa de São Tomás de Aquino. Aí ouvi, pela primeira vez, as primeiras palavras do hino do Seminário "Se há grandeza, no mundo, é aquela..." O Seminário respirava música por todo o lado. Que me contagiou. A partir do primeiro ano esteve sempre presente. Nessa mística me integrei. Desde as primeiras noções do solfejo entoado, à teoria musical e História da Música, e às práticas musicais curriculares e ocasionais. E depois, pela vida fora, até hoje.
(…) Com efeito, a sociedade açoriana, muito deve ao Seminário de Angra, que formou e ajudou a formar centenas de jovens de todas as ilhas. Uma boa parte da cultura musical açoriana que chegou até aos nossos dias tem a sua origem no Seminário de Angra do Heroísmo.”
Emílio Porto