PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
MARÉS PERDIDAS
Somem-se, na praia deserta
Marés doridas e buliçosas.
O cais está cheio,
coberto de espuma.
Ao redor,
há um cheiro a algas agonizantes.
O vento sul
parece um louco
Atira ao ar, golfadas de espuma,
(como se vomitasse barris de água
num oceano seco
reflectido em papoilas adormecidas)
Ali irão fenecer todas as marés
Só um fiador de silêncios perdidos,
poderá reconfortá-las
- trazer-lhes alento -
mesmo que água já não tenha volúpia
e o pôr-do-sol já tenha perdido todas as cores.
E até o feitiço do mar
se escondeu numa gruta
envolto no reboliço das marés perdidas
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O NAMORO
Antigamente, na Fajã Grande, como provavelmente em muitos outros meios rurais açorianos, o namoro revestia-se de características muito específicas e peculiares.
Iniciado com olhares intencionais, piscar de olhos ocultos ou pequenos encontros fortuitos, o namoro só se iniciava, oficialmente, depois de o rapaz pedir a noiva aos pais. Só a partir de então, podia falar com ela, mas sempre em lugares públicos ou acompanhados de terceira pessoa, com maior incidência, a uma janela da casa da rapariga, sendo que o rapaz, de forma nenhuma poderia entrar em casa. Dizia-se que os ditos namorados já tinham autorização para falar. Só depois de um segundo pedido, confirmado pela autorização do pai da noiva, o rapaz tinha autorização para entrar em casa, onde passava a ser uma presença assídua, sobretudo aos serões.
Sendo assim, pode dizer-se que o namoro, antigamente, na Fajã Grande, se dividia em três etapas, correspondendo a tantos outros rituais específicos: piscar o olho, falar e entrar em casa.
Assim, todo o namoro se iniciava, geralmente, com pequenos, simples e fortuitos olhares entre o rapaz e a rapariga, o que acontecia sobretudo por alturas de festas e arraiais, muitas vezes com jogos e bailes, como era o caso das semanas que antecediam e precediam as festas do Espírito Santo. Nesta fase preliminar, o rapaz que pretendia namorar a rapariga do seu agrado, procurava atraí-la com olhares sucessivos e com piscar de olhos, contínuos e intencionais. Normalmente a rapariga, ao notar e perceber o que se passava, ou, no caso das mais tímidas, ruborizava de pudor e corava de vergonha, ou, no caso das mais destemidas e afoitas, respondia com outro piscar de olho, sinais, num caso e noutro, de que o rapaz não lhe era indiferente. Geralmente, estes primeiros olhares completavam-se com pequenas mensagens, transmitidas por sinais ou pelo simples mover dos lábios, numa linguagem quase imperceptível, a que se chamava falar de boca pequena.
Depois destas trocas de olhares, de mensagens e de consentimentos recíprocos, o rapaz procurava então ver, novamente, a sua eleita, passando-lhe à porta, às horas que calculava pudesse descortiná-la, ou em lugares onde pudesse encontrá-la o que, geralmente, acontecia ou na ribeira enquanto lavava a roupa ou aos domingos, à saída da missa. Esta fase do namoro revestida de mil cautelas e em grande segredo, desenrolava-se muitas vezes sem que os familiares se apercebessem, ou o público, no geral, notasse. Eram corridas loucas, sobretudo aos domingos para encontrar e falar à bem amada, sendo que, muitas vezes, os encontros eram combinados por papelinhos, sinais deixados nos buracos das paredes ou com ajuda de uma criança ou irmã mais nova.
Finalmente o rapaz resolvia iniciar o namoro e falar com a rapariga, comunicando-lhe a resolução de ir pedir ao pai dela licença para com falar.
Caso o pai concedesse a devida autorização, o rapaz podia falar com a rapariga, regra geral junto da casa dela, mas não entrando nunca. As conversas aconteciam à porta, à janela, num muro ou balcão, ou então num lugar público, geralmente encostados a uma parede, mas sempre a considerável distância um do outro, sendo-lhe apenas permitido falar até às trindades, ou seja, até ao pôr-do-sol. Daí o adágio: Trindades batidas, meninas recolhidas”. Também por alturas de festas e arraias, mas sempre em público, era permitido aos namorados falarem. Durante esta fase do namorico, caso a rapariga necessitasse de ir para os campos, tratar das galinhas, lavar roupa à ribeira, ou levar a moenda ao moinho, devia ser acompanhada por uma criança.
Logo que os namorados entravam nesta fase do namoro, geralmente, começavam a pensar no casamento, iniciando-se os preparativos: a rapariga começava a bordar o enxoval, enquanto que o rapaz começava a amealhar o dinheiro destinado à compra dos móveis e apetrechos que lhe competia levar. E quando resolviam casar, o rapaz combinava com a rapariga o dia em que iria pedi-la em casamento, e esta comunicava à mãe, que, por sua vez, transmitia ao pai.
No dia e hora agendados, o rapaz dirigia-se à casa da rapariga, geralmente, acompanhado dos próprios pais, com o intuito de pedir a rapariga em casamento. Muitas vezes era um ritual estranho. O pai, depois de dar o seu consentimento, mandava a mulher, que assistira ao pedido, chamar a filha, à qual comunicava o acontecimento, inquirindo se era do seu agrado, obtendo, obviamente e entre muita vergonha, uma resposta afirmativa.
A partir do pedido de casamento, o rapaz já podia falar com a rapariga dentro de casa, e já podiam sair juntos, desde que se fizessem acompanhar por um familiar, geralmente uma irmã mais nova, que muitas vezes, os deixava livres, para ela própria descobrir e encontrar o seu eleito. As famílias passavam a visitar-se, havendo convites recíprocos para as matanças do porco.
Em relação a uma rapariga que tivesse sido pedida em casamento, dizia-se que tinha namorado da porta p´ra dentro e, por isso, estava comprometida, sendo-lhe proibido, conversar e até olhar para outro rapaz. Este processo contratual de casamento era sim, promessa formalmente assumida, encontrando-se em jogo a honra de duas famílias, e quando, por agravo de qualquer das partes, o casamento era desmanchado, a rapariga tarde ou nunca voltaria a casar, ficando para tia.
Outros tempos, estes!