PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
O SENHOR SANTO CRISTO
A festa do Senhor Santo Cristo dos Milagres, popularmente referido apenas por Senhor Santo Cristo ou Santo Cristo dos Milagres, é, incontestavelmente, a maior de todas as festas açorianas, ladeada, apenas, pelas do Espírito Santo, estas dispersas por todas as ilhas, aquela concentrada na cidade de Ponta Delgada. Celebrada no Convento de Nossa Senhora da Esperança, onde se guarda a veneranda imagem, a festa espalha-se por toda a cidade, sobretudo, na tarde do domingo, em que uma gigantesca procissão, percorre as principais artérias da maior urbe açoriana. Esta festa realiza-se nos dias em torno do quinto domingo após a Páscoa, dia em que se procede à grande procissão, terminando na quinta-feira da Ascensão e constitui uma das maiores e mais antigas devoções que se realizam no país, e que só encontra paralelo com a devoção popular expressa no Santuário da Mãe Soberana, em Loulé, e, a partir do século XX, nas celebrações em honra de Nossa Senhora de Fátima. A devoção atrai, anualmente, milhares de açorianos e seus descendentes, de todas as ilhas e do exterior, uma vez que é um momento escolhido por muitos emigrantes para visitarem a sua terra natal.
A imagem de Cristo, impressionante e enternecedora, é entalhada em madeira sob a forma de relicário/sacrário, sendo o seu autor desconhecido, em estilo renascentista, representando o "Ecce Homo", isto é, o episódio do martírio de Jesus Cristo em que este é apresentado à multidão, na varanda do Pretório, acabado de flagelar, de punhos atados e torso despido, com a coroa de espinhos e os ombros cobertos pelo manto púrpura. Trata-se de uma imagem elaborada por um autor desconhecido e que, segundo reza a tradição, nenhum outro é capaz de a representar com a mesma forma, ou seja com um grande senso artístico, fazendo contrastar a violência infligida ao corpo de Cristo com a serenidade do Seu rosto e a ternura do Seu olhar.
Reza a história que a imagem terá sido oferecida pelo Papa Paulo III a algumas religiosas que se deslocaram a Roma no sentido de obter uma Bula pontifícia que as autorizasse a instalar o primeiro convento na ilha de São Miguel, na Caloura ou no Vale de Cabaços. No entanto, em virtude do Convento da Caloura, erguido sobre um rochedo à beira-mar, se encontrar demasiado exposto aos ataques de piratas e corsários, então abundantes nas águas do arquipélago, as religiosas ter-se-ão transferido para outros estabelecimentos religiosos, aa ilha, nomeadamente para o Convento de Santo André, em Vila Franca do Campo e, mais tarde, para o Convento de Nossa Senhora da Esperança, em Ponta Delgada. Terá sido a Madre Inês de Santa Iria, uma religiosa oriunda da Galiza, que trouxe consigo a actual imagem do Senhor Santo Cristo dos Milagres.
O culto ao Senhor Santo Cristo dos Milagres tomou impulso a partir dos séculos XVII e XVIII, devendo-se à irmã Teresa da Anunciada o actual culto ao Senhor Santo Cristo. Desde que deu entrada no convento, Teresa da Anunciada adoptou uma atitude de profunda devoção e entrega à imagem do "Ecce Homo", com a qual estabeleceu uma íntima relação. As duas irmãs terão despertado a da população em geral, para o carácter milagroso da imagem. Joana de Santo António, antes de ser transferida para o Convento de Santo André, terá alertado nomeadamente para o poder milagroso de uma estampa que cobria a abertura do peito da imagem. Por sua vez, Teresa da Anunciada não se poupou a esforços para engrandecer a imagem de Cristo, apelando à vassalagem e entrega por parte de todos à mesma. Embora com entraves por parte de uma abadessa do convento, conseguiu que se erigisse uma capela condigna para a imagem e que a imagem fosse ornada com todas as insígnias próprias de majestade. Para esses fins, contou com as esmolas de inúmeros crentes em toda a ilha, do reino e mesmo das colónias, assim como o apoio do rei D. Pedro II. Foi ainda a irmã Anunciada quem organizou e instituiu a procissão anual do Senhor Santo Cristo dos Milagres, com o apoio e a colaboração da população. Nos dias das festas em honra do Senhor Santo Cristo, uma enorme multidão acorre ao Campo de São Francisco e ao Convento da Esperança que, por esta altura, assumem o papel de santuário, numa manifestação de profunda devoção, fé e respeito. Além de se prestar homenagem à imagem do Senhor, são pagas as promessas feitas. Mas também ao longo do ano, a imagem, que se encontra guardada numa capela do convento, localizada em frente e em sentido oposto ao altar-mor da igreja, separada da nave por um gradeamento, é visitada por inúmeros fiéis que ali vêm rezar e pagar as suas promessas.
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ESTRUME DE MAIO
“Em Maio até a unha do gado faz estrume.”
Interessante este adágio, outrora utilizado na Fajã Grande, revelado da necessidade que as sociedades agrícolas tinham de aproveitar todos os detritos orgânicos para adubar os campos, a fim de que produzissem boas colheitas. E o gado contribuía muito para isso. Na verdade, os bovinos, na mais ocidental freguesia açoriana, tinham um papel primordial na produção de estrume quer quando amarrados no palheiro, quer quando eram “amarradas à estaca” no “oitono”, nos meses de Março e Abril. Nas terras onde habitualmente se verificava o ciclo agrícola do milho, havia um tempo em que os campos ficavam livres daquele cereal. Antes e por entre os milheirais de folhas amareladas e secas, a abarrotar de espigas loirinhas, semeava-se o trevo ou a erva da casta que iam crescendo, crescendo até se tornarem forragens apetitosas, que depois da apanha do milho formavam, com as folhas verdes e as flores vermelhas, azuladas, amarelas e esbranquiçadas, uma variadíssima gama de tapetes multicolores, ondulados pelo vento, ornamentando a freguesia de lés-a-lés. Era por essa altura que as vacas eram para lá levadas para estas terras, onde ficavam alimentando-se não apenas das forragens verdejantes, mas também de erva e de incensos que para ali eram acarretados a fim de que a permanência dos animais durasse o tempo necessário e suficiente para “trilhar” bem o terreno, isto é, produzindo muito estrume. Na verdade, o objectivo fundamental era estrumar bem o terreno, aproveitando tudo. Em Maio lavravam-se os campos que haviam de produzir adubado pelo estrume dos bovinos. Este era fundamental, isto é, tão importante que até a sujidade contida numa unha de uma vaca deveria ser aproveitado.
Maio mês da lavoura dos campos estrumados… E todo o estrume era pouco…
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INSANOS
“E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música.”
Nietzsche
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ESTRANHO
MENU 44 – “ESTRANHO”
ENTRADA
Canapés embebidos em caldo de peixe, recheados com queijo fresco, tiras de pimentos vermelhos e verdes e nozes, regados col mel.
Massinhas cozidas em caldo de peixe, misturadas com creme de queijo com sabor a salmão, cebola e alface picadas, sobre folha de alface e regados com azeite e vinagre balsâmico.
PRATO
Tranche de pescada cozida e grelhada com cebola, creme de queijo fresco e morangos
e acamada sob fatia de pão torrado.
SOBREMESA
Gelatina de Morango e suspiro
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Preparação da Entrada: - Molhar as tostas para os canapés em caldo de peixe a ferver, sobrepor-lhe pedacinhos de queijo fresco e tiras de pimentos, pedacinhos de nozes e regá-los com mel. Cozer as massinhas e misturar-lhes o queijo creme a cebola e a alface picada. Empratar, colocando uma folha de alface sobre a qual serão colocadas as massinhas.
Preparação do Prato – Cozer o peixe em água temperada com azeite, alho picado ervas aromáticas e pimenta. Depois de cozida, partir a tranche a meio, e grelhá-la num pouco de azeite no qual se refoga a cebola a que se juntam os morangos em lâminas e o creme de queijo. Torrar o pão e empratar.
Preparação das Sobremesas – Confecção tradicional.
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A FUGA
À medida que os dias passavam, José Pereira de Azevedo ia-se sentindo cada vez mais inconformado e mais indeciso relativamente ao seu futuro e ao da sua família. A mulher, Madalena de São João, não cessava de o recriminar por uma apática pasmaceira em que ele se ia envolvendo dia após dia e da qual, aparentemente, não conseguia libertar-se. Vezes sem conta lhe atirava à cara que a sua vida, ali em Santa Luzia, no meio daquela calamidade seria insustentável, quase sem nada e o seu destino incerto e o seu futuro imprevisível. Além disso, por um lado, os abalos, embora mais pequenos e mais espaçados, tinham voltado a fazer-se sentir, assustando e amedrontando tudo e todos e, por outro, o manto de lava destruidora que, evadindo-se da montanha, cobrira o chão quase por completo, demoraria a desfazer-se e a tornar aráveis os campos outrora tão férteis e as vinhas, antigamente, tão produtivas. José Pereira Azevedo ouvia aquele martelar contínuo da voz da sua consorte, calado e pensativo. Sabia muito bem que ela tinha razão, mas tinha receio de o confessar. Sabia muito bem que não tinha nada e mesmo que quisesse voltar aos campos para trabalhar não o podia fazer. Também não poderia ficar por ali, ao relento o resto da sua vida, à espera de que a lava se transformasse em terra fértil e em campos produtivos. Havia que refazer a sua vida, que reconstruir a sua casa e os seus campos, que criar de novo tudo aquilo que tão tragicamente perdera. Mas a Madalena tinha razão: não seria ali.
A mulher causava-lhe grande preocupação e constantes consumições. Madalena não cessava de insurgir contra aquela situação e de se revoltar contra aquela pasmaceira. Cheia de medos e temores, a esposa de José Pereira de Azevedo como que ficara traumatizada com os terríveis efeitos daquela tremenda crise e das consequências que sobre eles se haviam feito sentir. Intransigente, pertinaz, causticada pela dor e ancorada a uma enorme e permanente angústia, Madalena pedia-lhe, persistentemente, que partissem, que fugissem dali, onde nada os prendia, para além do amor à sua terra. É verdade que iriam para um sítio desconhecido, estranho, onde não conheceriam ninguém, onde nada possuíam mas onde haviam de construir tudo, como se estivessem novamente a começar, do nada, a sua vida. Mas afinal não era isso também o que lhes aconteceria se ali ficassem, sujeitos a novos tremores, a outras erupções, talvez mais violentas e mais danosas?
- Então – concluí Madalena – ter nada por não ter nada, antes viver e recomeçar a nossa vida num sítio calmo e sereno, onde, ao menos, a terra seja mais segura.
Foi esta insistência intransigente da mulher, o futuro do filho e o persistente consciencializar-se das condições de vida de que ali usufruía que levaram José a tomar uma decisão. E no primeiro batelão que encostou no Lajido, na ponta de André Gonçalves, no porto que aí existia e onde habitualmente se carregava madeira e gado que o Pico produzia enviava para outras ilhas, José Pereira de Azevedo, tomando a mulher e o filho e partiu para o Faial, na demanda de um futuro incerto e imprevisível.