PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
ERNESTO FERREIRA
Manuel Ernesto Ferreira, nasceu em Vila Franca do Campo, S. Miguel, em 28 de Março de 1880 faleceu em Janeiro de 1943. Foram seus pais Mariano José Ferreira e Maria da Glória Ferreira. Estudou no Seminário de Angra do Heroísmo, onde se matriculou em e, 9 de Agosto de 1892, Completou o Curso de Teologia e foi ordenado presbítero em 1903. Foi cura na freguesia das Furnas, S. Miguel, sendo, depois, transferido para Vila Franca do Campo, em 1905. Posteriormente e até à sua morte, ocupou-se da capelania da Santa Casa da Misericórdia de Vila Franca do Campo.
A geologia, a botânica e a zoologia mereceram a sua atenção a par da etnografia, do folclore, da geografia humana, particularmente da ilha de S. Miguel, e da história dos Açores. Possuía uma inteligência profunda, excelentes e apuradas faculdades de observação e de crítica e um escrúpulo científico, As suas obras, a par de serem subsídios valiosos, que ninguém que pretenda estudar os Açores pode ignorar, constituem leitura aprazível mesmo para espíritos avessos à sabedoria.
Como jornalista regional dirigiu os semanários Actualidade e A Crença, de Vila Franca do Campo, e colaborou no Autonómico, no Correio dos Açores e no Diário dos Açores.
Foi professor do Instituto Vila-franquense; secretário da Sociedade Afonso Chaves, até à sua morte, e co-director da sua revista Açoreana, sendo ainda o representante, nos Açores, do Grupo Português de História das Ciências e membro da Academia das Ciências de Lisboa.
Obras principais: Elogio Histórico de Bento de Gois, El-Rei D. Carlos I - Elogio fúnebre proferido no dia 1 de Abril de 1908, na Matriz de São Miguel, nas solenes exéquias mandadas celebrar pelo Senado de Vila Franca do Campo, Esboço duma apreciação ou o Dr. Ferreira Deusdado, educador, filósofo e escritor, Bispos filhos dos Açores, Uma família histórica; O Conde de Botelho, Um educador micaelense: o padre João José d’Amaral, A alma do povo micaelense, La pesca dell’Albacora nelle Azzorre. Venezia, Ponta Garça e a sua Igreja Paroquial, Viagem nupcial das eirós dos Açores, Gigantes dos mares dos Açores, O Coronel Francisco Afonso Chaves; O naturalista, Gafarias nos Açore), Escombrídas dos Açores, O vilão das representações populares da Ilha de S. Miguel, O arquipélago dos Açôres na história das ciências, Ápodes dos Açores, Antiguidade da poesia popular açoreana, Seláceos dos Açores, Reminiscências do teatro vicentino nos Açores, No septimo centenário de Santo António de Lisboa, Estudos filosóficos nos Açores. Esboço histórico, Doutor Alfredo Bensaúde, o professor e o mineralogista, O arquipélago dos Açores, e a vaga sísmica do 1.o de Novembro de 1755, Monumentos do passado - A igreja e o convento da Caloira na ilha de Sam Miguel, As romarias quaresmais na Ilha de Sam Miguel; Sua origem e antiguidade, Ao Espelho da Tradição, Observações sobre alguns mamíferos dos Açores e Três patriarcas do romantismo nos Açores.
Dados retirados do CCA – Cultura Açores
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A PANELA
Numa determinada terra havia um homem muito rico, mas também muito avarento. Para que não lhe roubassem o dinheiro, resolveu guardá-lo dentro de uma penela de barro e enterrá-la no quintal da sua casa, muito bem escondida, de modo que ninguém a descobrisse e lhe roubasse o dinheiro. Todos os dias, de noite, a fim de ninguém o ver, ia ao quintal, afastava a terra, abria a panela e ia colocando lá dentro todo o dinheiro que ganhava.
Em frente à sua casa morava um vizinho que, certa noite, ao levantar-se, viu o homem a cavar e a enterrar o que quer que fosse. Achando estranha aquela atitude, esperou que o vizinho adormecesse e, pé ante pé, foi ao local, cavou e descobriu a panela com o dinheiro. Retirou-o todo. Mas para que a panela não ficasse vazia, foi à retrete, trouxe duas canecas de merda e despejou-as dentro da panela.
No dia seguinte, espreitou o vizinho, que voltou ao local, colocando mais dinheiro. Quanto este voltou para casa e apagou a luz, o homem foi ao local, voltando a retirar o dinheiro. Lavou muito bem todas as moedas e voltou a colocar merda, na panela. A assim fez durante muitas noites, até que a panela se encheu.
O homem rico, cuidando que a panela estava cheia de dinheiro, resolveu retirá-la e abri-la, alegando que tinha encontrado um tesouro no seu quintal. Porém, como era muito religioso, resolveu convidar o padre da terra que, além disso, era seu compadre, mas enganou-o, dizendo-lhe que ao cavar no seu quintal encontrara uma panela de barro cheia de dinheiro. Iria parti-la a fim de retirar o dinheiro, mas, para agradar a Deus, queria dividir o dinheiro com o senhor padre, seu compadre. Todos se haviam colocar debaixo da panela de olhos tapados e, ao partí.la, quem mais dinheiro apanhasse com mais ficaria. O padre que também era muito ganancioso, regozijou de alegria, alertando as irmãs que preparassem grandes aventais para aparar muito dinheiro.
No dia combinado, o homem voltou ao quintal, retirou a panela e pendurou-a num local alto, com uma corda. Chegou o senhor padre com as suas irmãs muito bem vestidas e de bonitos e grandes aventais ao peito para recolherem muito dinheiro, juntamente com a mulher e as cunhadas do homem, também elas prevenidas com grandes aventais. Colocadas vendas nos olhos de todos, o homem pegou num enorme pau e zás, mandou semelhante traulitada na panela que esta se partiu em caros, derramando sobre todos a merda malcheirosa, armazenada ali durante dias.
O homem ao aperceber.se do que lhe aconteceu, fugiu dali a sete pés, enquanto o padre também corria como louco a ver se o apanhava.
Ao chegar à Praça, onde alguns homens descansavam, o padre parou e perguntou-lhes:
- Os senhores não viram o meu compadre?
Os homens muito admirados com o que viram, responderam:
- Não senhor, senhor padre. Nunca vimos foi o senhor padre tão cagado.
O padre, cheio de vergonha, recolheu-se ao passal e o homem, durante meses, não voltou ao povoado.
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TI MANUEL LUÍS
Ti Manuel Luís, de seu nome Manuel Luís de Fraga, nasceu, na Fajã Grande em 1885 e era irmão de Ti Antonho do Alagoeiro, ambos nados e criados na Tronqueira. Ti Manuel Luís casou com Maria Dias Avelar, em 24 de Junho de 1907. Era filho de Manuel Luís de Fraga e de Mariana Luísa da Assunção e ela filha de Francisco Dias de Avelar e de Maria de Jesus Dias, natural do Lajedo.
A senhora Dias, como era conhecida, era hábil em tratar doenças e maleitas, tendo curado muita gente na freguesia. Lembro-me de em criança, ser levado poe minhas tias â sua casa, na Tronqueira, a fim de que me tratasse duma terrível tosse convulsa de que fora vítima. Ela, sentada na sua sala, num enorme cadeiral, tratou-me com um carinho e uma atenção extraordinária. Contava-se que quando o seu primeiro filho nasceu, teria um pequeno defeito na mão esquerda, uma vez que a meio da falange do dedo mínimo, tinha implantado uma espécie de sexto dedo mas que não articulava. A Senhora Dias, mulher forte, corajosa e destemida, com uma simples tesoura desinfectada, procurou o ponto ósseo de inserção do dedo desnecessário e cortou o que li estava a mais. Fez-lhe um penso com os unguentos com que tratava as feridas dos que a demandavam e confiou em Deus para que amparasse o menino e o salvasse de gangrena. Consta que, rapidamente, a ferida sarou e o menino ficou bem, embora assinalado naquele local da mão com uma pequena saliência ou verruga.
De Ti Manuel Luís também se contava que era um homem corajoso e destemido. Insatisfeito com a vida monótona, pobre e muito trabalhosa que tinha na ilha, igual à dos seus conterrâneos, a viver duma mísera agricultura de subsistência, a alimentar a família com as míseras colheitas que davam as poucas terras que possuía, umas vezes destruídas por tempestades outras desfeitas por secas ou pela salmoura, como muitos outros fajãgrandense do seu tempo, decidiu emigrar, partindo para os EUA, em busca da tão almejada fortuna que lhe permitisse mudar a sua ida. Nos Estados Unidos permaneceu cinco anos, o tempo suficiente para, ao regressar, trazer algum dinheiro, comprar mais algumas terras e construir dois moinhos na Ribeira das Casas, tornando o principal moleiro da freguesia. O filho mais velho, de nome Manuel Luís, formou-se no Seminário de Angra, onde consta que foi um aluno brilhante. Mais tarde fixou-se em Lisboa onde foi professor, jornalista, poeta e escritor. Os seus outros filhos foram: a senhora Dias, proprietária de uma das mais importantes lojas de comércio da freguesia, a Senhora Águeda e a Senhora Bernardete, também ela comerciante. Teve ainda dos filhos, o Tobias que lhe seguiu as pegadas de moleiro e o José Dias, que logo após a tropa, partiu para os estados Unidos, onde se fixou definitivamente, assim como mais tarde, o Tobias.
Ti Manuel Luís foi, na primeira metade do século passado, uma das mais importantes figuras fajãgrandense, graças ao seu espírito empreendedor, construindo os dois moinhos, de que, para além de proprietário, era também trabalhador. Na memória dos que o conheceram e se lembram dele, ainda hoje trespassa a imagem daquele homem, pequenino e magro mas muito activo e dinâmico, todo pintado de branco, a receber as moendas cheias de milho para um dia depois, as devolver, cheiinhas de farinha muita branquinha.
E que cheirinho tinha aqueles moinhos quando se lá entrava!.
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RECORDAÇÕES
“Entretanto meu pai resolveu fazer uma casa nova e uma atafona que ficaram prontas em 1956 (…) Durante as obras de construção, meu pai trazia de cima da ponte um barril de cimento com 180 Kg, o que provocava admiração dos restantes homens, muitos deles bastante mais corpulentos (...)
Após descascar e debulhar o milho, os homens, durante o Inverno, viravam-se para a feitura de cordas de piteira, conhecida no Faial por pite, espadana ou filaça. Enquanto as mulheres secavam o milho e/ou faziam tranças de palha, chapéus, tapetes de junco ou de casca de milho, renda, bordados e costura (…)
O mês de Dezembro era o mês das matanças o que significava abundância de “conduto”, já que pão de milho, batatas, inhame e feijão havia quase todo o ano com fartura.”
Manuel Faria de Castro