PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
O NABO GIGANTE
(TEXTO DE ANTÓNIO MOTA)
Numa aldeia, à beira de uma montanha, havia uma pequena casa coberta de musgo. Junto da casa havia uma horta.
Na horta havia uma laranjeira que dava laranjas muito doces, um limoeiro que dava limões muito grandes, uma cerejeira que dava cerejas brancas, três videiras que davam enormes cachos de uvas saborosas, uma capoeira que tinha galinhas, galos, perus, codornizes e patos.
Na horta havia também um tanque. Por cima do tanque, havia uma bica que deitava água sempre muito fresca durante todos os dias do ano.
Na casa viviam duas pessoas: um velho muito velhinho, magro e baixinho; e a sua mulher, alta, gorda e velhota.
O velho, muito velhinho, magro e baixinho, desde menino que sachava, semeava, regava, mondava, colhia e comia o que a terra dava. E também repartia com as galinhas, os galos, os perus, as codornizes e os patos que viviam na capoeira.
Um ano, quando os primeiros dias da Primavera trouxeram sol e calor, os pássaros começaram a voar sobre a terra à procura de raízes finas, penas, trapinhos e ervas secas. Coisas leves que levavam no bico para cima das árvores, para os buracos dos muros, para os telhados e para os beirais para aí construírem os ninhos. Caminhas fofas onde haviam de pôr e chocar os ovos para que outros passarinhos nascessem bem protegidos e agasalhados.
E o velho, muito velhinho, levantou-se muito cedo, tomou o pequeno-almoço e foi trabalhar para a horta. Encheu uma carreta com o estrume do galinheiro e levou-o para a horta. Com um ancinho espalhou o estrume sobre a terra e cavou-a com a sua enxada muito velha, muito pesada, muito usada.
Pôs a terra muito lisinha e, muito transpirado, tirou do bolso das calças um pacotinho de papel amarelo.
Dentro do pacotinho havia sementes de nabo que ele semeou no chão cultivado, delicadamente, com muitos vagares e muito amor. Depois cobriu as sementes com a terra e regou-as com água do tanque. E antes de se ir embora disse assim:
- Façam favor de crescer, está bem?
Os dias passaram muito devagar, os passarinhos nasceram nos ninhos e começaram a pedir comida aos pais que voavam todo o dia, muito atarefados.
O sol aquecia a terra e fazia desabrochar as folhas e as flores das árvores.
As sementes de nabo, bem estrumadas, bem regadas e bem mondadas transformaram-se em pequeníssimos rebentos verdes e, mais tarde, em plantas grandes, com enormes folhas.
Numa tarde, o velho, muito velhinho, descobriu que no seu nabal havia um nabo que crescia muito mais que os outros. Ficou curioso. Contou à mulher e todos os dias, mal acordava, corria para a horta ver o que tinha acontecido ao nabo. E ficava muito espantado: o nabo cada vez estava maior que os outros.
O nabo ia crescendo, crescendo e já não era duas vezes, nem três vezes, nem quatro vezes, nem cinco vezes, nem dez vezes maior. O nabo era gigante. Tinha a mesma altura do velho e continuava a crescer de hora a hora, de dia a dia.
Como o nabo já estava a incomodar as alfaces, os tomates, os pepinos, as abóboras e as couves que serviam para fazer caldo verde, a mulher do velho, muito velhinho, disse-lhe assim:
– Marido, é preciso ir à horta arrancar o nabo gigante!
– Boa ideia – disse o velho, muito velhinho. – Vou tirá-lo da terra imediatamente. Não demoro nada.
O velho, muito velhinho, foi para a horta, agarrou-se muito bem ao nabo gigante e puxou um bocadinho. Mas o nabo não se mexeu.
O velhinho puxou outra vez, mas com muita, muita, muita força. Mas o nabo não se mexeu.
O velhinho resolveu chamar a mulher para o vir ajudar.
A velhota veio, puxou o velhinho e o velhinho puxou o nabo. Fartaram-se de puxar mas o nabo...
A velhota resolveu chamar uma menina, que vivia lá perto.
A menina puxou a velhota, a velhota puxou o velhinho e o velhinho puxou o nabo. Fartaram-se de puxar, mas o nabo...
A menina resolveu chamar o irmão que andava a brincar.
O rapaz puxou a menina, a menina puxou a velhota, a velhota puxou o velhinho e o velhinho puxou o nabo. Fartaram-se de puxar, mas o nabo...
O rapaz resolveu chamar o seu cão, que era grande, meigo e muito forte. O cão veio a correr para ajudar a tirar o nabo.
O cão puxou o rapaz, o rapaz puxou a menina, a menina puxou a velhota, a velhota puxou o velhinho e o velhinho puxou o nabo. Fartaram-se de puxar, mas o nabo...
O cão ladrou a um gato e o gato veio a correr para ajudar a tirar o nabo.
O gato puxou o cão, cão puxou o rapaz, o rapaz puxou a menina, a menina puxou a velhota, a velhota puxou o velhinho e o velhinho puxou o nabo. Fartaram-se de puxar, mas o nabo...
Então o gato pôs-se a miar e apareceu um rato muito pequenino.
O rato puxou o gato, o gato puxou o cão, cão puxou o rapaz, o rapaz puxou a menina, a menina puxou a velhota, a velhota puxou o velhinho e o velhinho puxou o nabo. Puseram-se a puxar, a puxar, a puxar...
O nabo saiu da terra com tanta velocidade que o gato caiu sobre o rato, o cão sobre o gato, o rapaz sobre o cão, a menina sobre o rapaz, a velhota sobre a menina, o velhinho sobre a velhota e o nabo ao lado de todos.
O nabo saiu da terra com tanta velocidade que o gato caiu sobre o rato, o cão sobre o gato, o rapaz sobre o cão, a menina sobre o rapaz, a velhota sobre a menina, o velhinho sobre a velhota e o nabo ao lado de todos.
A velhota, que era uma grande cozinheira, cortou o nabo em pedacinhos e fez um cozinhado muito apetitoso, muito saboroso. Mas o velhinho e a velhota não o comeram sozinhos.
Nessa noite tinham muitos convidados à mesa.
O rato, o gato, o cão, o rapaz, a menina, a velhota e o velhinho deliciaram-se a comer um fabuloso e gigantesco cozinhado de...
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BELEZA NÃO PÔE MESA
“Beleza não põe mesa.”
Este era um adágio muito utilizado na Fajã Grande, na década de cinquenta e anteriores.
Numa sociedade bastante pobre, com algumas limitações em termos alimentares, sobretudo no que à sua variedade dizia respeito, imperava o princípio de que mais importante do que a beleza era a saúde, o que para tal exigia o pão necessário em cada dia. Por outro lado, o uso deste adágio significava como que o anátema da vaidade, da preguiça, do deslumbramento.
De que serve a alguém ter beleza se afinal não tiver o alimento necessário em cada dia. Para isso impõe-se o trabalho.