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PEDRAS DA VINHA

Sábado, 12.07.14

Pedras da Vinha é um lugar simples, silencioso, afável, mas mítico e misterioso. Plantado à beira-mar, encafuado entre os socalcos que anunciam a rugosidade das montanhas circundantes, projecta-se e prolonga-se como um tapete aveludado de verde, rendilhado, aqui e além, de amarelo, anil e lilás, estendendo-se, sorridente e profundo por entre currais de lava e maroiços de cascalho, recortado por ondulantes e pedregosas veredas.

Terra de homens fortes, permanentemente agarrados ao cabo da enxada, à rabiça do arado ou a redes, canas de pescas e enchelevares, Pedras da Vinha reveste-se, no Verão, duma sublimidade verde e húmida enquanto que, no Inverno, se cobre de um manto amarelado, sereno e acariciador. Terra de mulheres labutadoras, destemidas, ousadas e corajosas, Pedras da Vinha é o local perfeito e adequado a estórias como a que a seguir se relata.

Conta-se que, em tempos antigos, viveu ali, uma mulher possante e robusta, mas pobre e alquebrado por muitas canseiras e desgostos. A mulher tinha uma filha muito bonita e saudável mas muito preguiçosa e irreverente que não ajudava a mãe em nada. Passava as manhãs a dormir e as tardes sentada à janela, a dar conversa a uns e a outros que por ali passavam, ávidos de apreciar tão rara beleza. A boa mãe ralava-se consumia-se com tamanha indiferença e com tão tresloucado desmazelo. Ela com tantos afazeres, labutas e a filha, uma preguiçosa que com nada se ralava, em nada se empenhava e, pior do que isso, nem sequer ajudava a mãe, gastando-lhe, em ninharias, grande parte do pouco dinheiro que a mulher conseguia angariar, como resultado dos diversos trabalhos que realizava.

Certo dia a rapariga foi junto da mãe pedir-lhe mais dinheiro. Pretendia, simplesmente, comprar um vestido novo a um rico comerciante de sedas orientais que por ali passava. Já farta de tantos gastos e sobretudo, de tanta preguiça, a mãe muito chateada, meio furiosa, virou-se contra ela vociferando:

- Vai-te com o diabo que te carregue, rapariga malvada e preguiçosa."

Era um desabafo como tantos outros e ninguém prestou atenção a estas palavras.

Passado algum tempo, porém, a mãe apercebeu-se de que a rapariga não se encontrava em casa. Procurou-a por toda a parte e não a encontrou. Nem à janela, nem na cama, nem noutro lugar qualquer. A moça desaparecera, não deixando rastos. A mulher, muito preocupada e aflita, chamou os vizinhos e amigos e contou-lhes o sucedido. Achando aquilo muito estanho, começaram a procurar a rapariga por todos os cantos e recantos de Pedras da Vinha. Mas da rapariga nenhum sinal. Não a encontraram e ninguém sabia dela ou sequer a tinha visto.

As povoações vizinhas, também foram alertadas para o sucedido e, imediatamente, todos se puseram à procura da rapariga, por todos os lados, de casa em casa, no porto, nos chafarizes, em casa dos amigos, nos moinhos, palheiros, em todos os locais possíveis. Mas nada!

Depois dos povoados, estenderam as buscas aos campos, às pastagens e às montanhas circundantes onde, finalmente, junto a um enorme e fundo grotão, que se dizia ser morada do diabo, encontraram aquilo que poderiam ser os primeiros vestígios da presença da rapariga. Um grupo de homens mais anamudos e destemidos, desceram aquele perigoso e esconso valado. Na descida encontraram as galochas da rapariga, em cima de uma rocha, fazendo com que todas as dúvidas se dissipassem. Estavam no rastro da jovem. Se ela não estava ali, pelo menos devia estar por perto. E se não estava em local visível, só podia estar bem no fundo do temível grotão. Mandaram vir cordas para amarrarem dois homens que descessem lá ao fundo, onde nunca, segundo a memória dos vivos, alguém havia penetrado. Estavam todos ansiosos pois muitos acreditavam que aquele buraco era a entrada do Inferno. Cheios de medo, os de cima foram folgando as cordas e os outros dois descendo pelo buraco negro e medonho.

 Foi lá no fundo que encontraram a rapariga, a tremer de frio e de medo, com um ar muito apático e indiferente. Amarram-na às cordas e foram os três puxados para cima.

Tinham encontrado a rapariga e ela estava viva e saudável. Mas quando lhe perguntaram o que se tinha passado e como tinha ido parar aquele buraco, ela pura e simplesmente não sabia responder. Mas a mãe, muito chorosa e arrependida, lembrava-se da blasfémia que tinha dito ao mandá-la para o diabo, que, pelos vistos e segundo se dizia, em Pedras da Vinha, andava sempre à procura de almas para as levar para o Inferno.

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publicado por picodavigia2 às 10:35

BOIS DE SABUGO

Sexta-feira, 11.07.14

O sobrado da velha cozinha da minha casa era o meu mundo. Mundo débil, abstruso, indefinido e obliterado mas fantasmagórico, cativante e sedutor. Mundo exíguo, aborrido, impetuoso e esburacado mas desvairado, quimérico e encantador.

A madeira do soalho, com o tempo e com o sucessivo e quotidiano sapateado de quatro ou cinco gerações, corrompera-se, apodrecendo aqui e além, adquirindo enormes e descomunais buracos que meu pai ia tapando. Para tal, pregava-lhes em cima pedaços de madeira, uns trazidos pelo mar e que ele ia encontrando e recolhendo, nas suas idas e vindas ao cerrado das Furnas ou ao curral do Canto do Areal, outros retirados das caixas de sabão que um outro comerciante, de vez em quando se desfazia, oferecendo-as a quem chegava primeiro ou a quem tinha o rol da caderneta limpo, que era o caso de meu progenitor. O sobrado adquirida, assim, uma irregularidade abominável e uma sinuosidade irreverente, sobretudo para a minha mãe, que em dias de lavagem da cozinha era forçada a escarafunchar com mais cuidado e redobrada atenção os recônditos dos remendos. Como consequência, ora esgarçava uma ou outra unha ora espetava algum estrepe nos dedos, resultante da aspereza dos pedaços de madeira. Como meu pai não tinha plaina, pregava-os na sua pureza original… com farripas e tudo. Até meu pai, apesar de autor daquela aberrante, invulgar e indesejada proeza, também se chateava de sobremaneira, quando empeçava num ou chavascava os dedos dos pés noutro.

Eu é que nada me ralava com aquele acervo de irregulares saliências e maquiavélicos altos-relevos. Antes pelo contrário adorava-os e por nada deste mundo os substituía pelo que quer que fosse. Eles eram a obra perfeita e inédita do meu mundo. Eles consubstanciavam a excelsa plenitude dos meus sonhos. Eles maculavam de mitos enigmáticos e sublimes o meu imaginário.

É que de baixo do lar, ao lado das achas de lenha picada e empilhada e dos garranchos de incenso amontoados em desalinho momentâneo, havia, nos dias subsequentes à debulha do milho para a moenda, um cesto com os sabugos que restavam das maçarocas e que a minha mãe utilizava para, depois de os encharcar em petróleo, acender o lume.

Então eu ia lá e, revirando o cesto até ao fundo, procurava os melhores, os mais felpudos, os mais inebriantes. Se houvesse um vermelho era um delírio!

Pegava, então em dois deles, anafava-os, alisava-lhes o pelo e, transformando-os em bois, baptizava-os. O mais pequeno ou o vermelho se o houvesse, era o Damasco. O outro, o maior e mais corpulento, o Gigante. Depois, amarrava-os na parte que fora a extremidade superior da maçaroca com um fiado que, muito a custo, roubava â minha mãe, de modo a que ficassem presos lado a lado, simulando uma junta de bois, jungida. De se seguida, amarrava outro pedaço de fiado a um pequeno garrancho de incenso em forma de vê, com uma das pontas mais curta e prendia esta pequena e simples geringonça à simulada canga dos meus bois. E lá ia, conduzindo-os e tangendo-os com uma aguilhada, até às minhas terras, retratadas nos remendos de madeira do velho sobrado. Bem no centro da cozinha, uma, resultante de um remendo quadrado, com uma tira num dos lados a fazer de canada e portal de entrada. Era tal e qual o Descansadouro do meu pai. Outro, junto à porta da frente, resultante de duas tábuas pregadas ao lado uma da outra. Tal e qual a Bandeja do meu avô, muito fértil em batata-doce.

E passava eu horas e horas, com a minha junta de bois de sabugo e o meu arado de garrancho de incenso, a lavrar, a gradear e a semear as minhas terras. Depois, o milho crescia, sachava-o e entremeava-lhe trevo e erva da casta para, após a apanha do cereal e o corte dos milheiros, colocar os meus bois, amarrados à estaca, refastelando-se, não apenas com as forrageiras mas também com carradas de incenso e erva que eles próprios acarretavam das terras de mato e das lagoas, personificados noutros remendos mais pequenos e distantes, apesar da indignação da minha mãe, que nos seus intensos afazeres e lides domésticas, de vez em quando, tropeçava em min, anestesiado pela sublimidade das minhas brincadeiras, a arrastar-me, ininterruptamente, pelo velho sobrado.

Mas um dia, uma enorme catástrofe havia de abater-se, pondo termo aos meus sonhos e cerceando, definitivamente, todas as minhas brincadeiras. É que meu pai, farto daquela degradante penúria, pôs à engorda um gueixo e vendeu-o a fim de ser embarcado para Lisboa, decidindo que o dinheiro que ele desse, havia de destinar-se a um soalho novo para a cozinha. Se bem o pensou, melhor o fez…

E lá vieram os homens, com martelos, pés-de-cabra, plainas, enxós, pregos e tábuas aplainadas… Arrancaram o velho soalho, substituíram uma ou outra trave também carcomida e pregaram um soalho novo na minha cozinha, destruindo, desfazendo e acabando de vez com os meus sonhos, com o meu mundo e com os meus bois de sabugo. 

 

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publicado por picodavigia2 às 18:18

OS DE 1958/59 - LISTA CORRIGIDA

Sexta-feira, 11.07.14

O Onésimo com a sua prodigiosa memória, os seus riquíssimos apontamentos e o seu sempre disponível espírito de ajuda, ao ler a relação que há dias divulguei, de imediato corrigiu alguns falas que a mesma continha. A esposa do Gualter, também corrigiu a residência dele, naqueles tempos e o Carlos Sousa lembrou que o Octávio e o Gastão também se ordenaram, mas na diocese de Carmona, em Angola, não tendo, no entanto, completado o Curso de Teologia, no Seminário de Angra. De facto, é com a colaboração e ajuda de todos, que se consegue com maior rigor e verdade, reconstruir a memória de um passado que, parecendo perto, já está bastante distante – mais de cinquenta anos.

Eis a relação, devidamente rectificada:

No ano lectivo de 1958/59, matricularam-se no Seminário Menor de Santo Cristo, em Ponta Delgada, os seguintes alunos: António Adelino Moules Rocha, de S. Bartolomeu, Terceira, António Andrade Varão do Rosário, Lagoa, S. Miguel, António Filomeno Maia Gouveia, de S. José, Ponta Delgada, S. Miguel, António Francisco Ferreira, Povoação, S. Miguel, António Manuel Botelho Pimentel, Lomba Santa Barbara, S. Miguel, que não chegou a completar o 1.ºano, Carlos Alberto, de Ponta Delgada, S. Miguel que também saiu no 1.ºano, Carlos Joaquim Fagundes, da Fajã Grande, ilha das Flores, Carlos Medeiros Sousa das Capelas, S. Miguel, Eugénio Silva Melo, de Santo Amaro, ilha do Pico que adoeceu, não transitando de ano, Eugénio Ribeiro Carvalho, da Casa da Ribeira, Terceira, Fernando Sousa Mota, das Capelas, S. Miguel, Gualter Cordeiro Dâmaso da Ribeira Grande, S. Miguel, mas com residência em Santa Maria, Humberto Sousa Clementino, Lomba da Maia, S. Miguel, que reprovara no ano anterior, João Carlos Resendes Carreiro, da Fajã de Baixo, S. Miguel, João Manuel Vieira Dowling, natural da Fajã Grande, ilha das Flores mas residente no Corvo, que abandonou o Seminário logo no 1.º trimestre, João Manuel Rego Ferreira, das Furnas, S. Miguel, João Vasco dos Reis Cunha, de Santo António-Capelas, S. Miguel que também saiu ao longo do 1.ºano, Jorge Manuel Nascimento Cabral, de S. Pedro, Ponta Delgada, S. Miguel, Jorge Manuel Raposo da Povoação, S. Miguel que saiu no 1.ºano, José Adriano Borges Carvalho da Casa da Ribeira, Terceira, José Adriano Cota de S. Bartolomeu, Terceira e que também saiu no 1.ºano, José Augusto Melo Borges, de S. Pedro Nordestinho, Nordeste, S. Miguel, José Avelino da Silva Cunha, da freguesia da Luz, Graciosa e que também abandonou o Seminário no 1.ºano, José Fernandes de Andrade Rodrigues, da Ribeira das Tainhas, S. Miguel, também abandonando o curso no 1.ºano, José Francisco Rodrigues Costa, das Capelas, S. Miguel, José Francisco Lima Oliveira, de S. José, Ponta Delgada, S. Miguel, José Gabriel Lopes Machado Ávila, das Lajes do Pico, José Manuel Medeiros Franco, de S. Pedro Nordestinho, Nordeste, S. Miguel, José Maria Bettencourt Ávila, dos Rosais, ilha de S. Jorge, José Maria Furtado Couto, da Algarvia, S. Miguel, Luís Gonçalo Brum Galvão, de Rabo de Peixe, S. Miguel, que saiu no 1.ºano, Manuel Faria de Castro do Capelo, ilha do Faial, mas residente na Praia do Norte, da mesma ilha, Francisco Manuel Pavão Moniz dos Mosteiros, S. Miguel, que também saiu no 1.ºano, Manuel Jacinto Vasconcelos, de Vila do Porto, Santa Maria que apenas se matriculou, não chegando a entrar no Seminário, Noé Borges Carvalho da Casa da Ribeira, Terceira, Octávio Henrique Ribeiro de Medeiros, de Povoação, S. Miguel  e Onésimo Teotónio. Pereira de Almeida, do Pico da Pedra, S. Miguel.

No segundo ano matricularam-se e passaram a integrar o curso; António Victor Serpa, natural do Lajedo, ilha das Flores, mas residente na Horta, ilha do Faial, Gastão Altino Furtado de Oliveira, natural de S. José de Ponta Delgada, Jacinto Manuel da Costa Correia, natural da Ribeirinha, S. Miguel, que reprovara o 2º ano, no ano lectivo anterior e Luís Francisco Sampaio Melo, da Povoação, S. Miguel e que abandonou o seminário menor, mais tarde.

Destes alunos, matricularam-se no Seminário de Angra, no ano lectivo de 1960/61, os seguintes: António Adelino Moules da Rocha, António de Andrade Varão, António Filomeno de Maia Gouveia, António Victor de Serpa, Carlos Joaquim Fagundes, Carlos de Medeiros Sousa, Eugénio Ribeiro Carvalho, Fernando de Sousa Mota, Gualter Cordeiro Dâmaso, Humberto de Jesus Clementino, Jacinto Manuel da Costa Correia, João Carlos Resendes Carreiro, Jorge Manuel do Nascimento Cabral, José Adriano Borges de Carvalho, José Augusto de Melo Borges, José Francisco de Lima Oliveira, José Francisco Rodrigues Costa, José Gabriel Lopes Machado Ávila, José Manuel de Medeiros Franco, José Maria Bettencourt de Sousa e Ávila, José Maria Furtado do Couto, José Victor Menezes de Sousa, natural da freguesia da Conceição, Horta ilha do Faial e residente em Santa Luzia do Pico, que não frequentou o Seminário Menor de Ponta Delgada, Manuel Faria de Castro, Noé Borges Machado Carvalho, Octávio Henrique Ribeiro de Medeiros, Onésimo Teotónio Pereira de Almeida e Gastão Altino Furtado de Oliveira. No ano lectivo seguinte, ou seja 1961/62, matriculou-se João Elias Maurício de Mendonça, natural da freguesia da Ribeira das Tainhas, Lagoa, ilha de S. Miguel.

Completaram o curso de Teologia, no ano lectivo de 1969/70, tendo-se ordenado os seguintes alunos: António Andrade Varão, Carlos Joaquim Fagundes e Humberto de Sousa Clementino.

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publicado por picodavigia2 às 17:27

INTELIGÊNCIA E DIGNIDADE

Sexta-feira, 11.07.14

O Abel Nóia nasceu nas Lajes das Flores, ingressando no Seminário de Angra, em 1961/62, onde completou o Curso de Teologia. Ordenado presbítero em 1973, iniciou a sua actividade pastoral na paróquia de Posto Santo da ilha Terceira, nesse ano, sendo transferido, dois anos depois, para São Mateus, na mesma ilha, onde permaneceu durante quatro anos, considerando-se, nessa altura, “mal preparado para a riqueza sociológica do meio”. Em 1979 foi colocado na Calheta, Biscoitos e Norte Pequeno, na ilha de São Jorge. De seguida fez um «ano sabático» na Diocese de Setúbal, integrando o trabalho paroquial normal da Cova da Piedade. Finalmente foi colocado nas Flores, assistindo espiritualmente várias paróquias, acabando por regressar à Terceira, mais concretamente a São Bartolomeu dos Regatos, ultima paróquia em que trabalhou, antes da colocação em Santa Cruz da Praia da Vitória, onde reside e trabalha actualmente. A partir de 2001 tem também a seu cuidado a simpática paróquia da Casa da Ribeira. Pessoalmente pensa que, assim como as caixas do «Gauarita» «já está «fora de prazo» para ambas, mas tem uma “«folha de A 4» em casa que aponta o fim para 1 de Agosto de 2016, se ainda tiver vida e saúde”. Durante largos anos, acumula o cargo de Ouvidor da ilha Terceira. Homem duma fina sensibilidade, de um humanismo profundo, duma dignidade gigantesca e de uma atenção extrema para os mais fracos e necessitados, Abel Nóia possui uma inteligência invulgar, uma capacidade inaudita de ler, apreciar e analisar os problemas da igreja e do mundo que, normalmente extravasa, através de uma escrita graciosamente audaciosa, sabiamente atrevida e delicadamente mordaz. Possui uma ampla cultura, sobretudo a nível da Teologia e da Bíblia. Os seus escritos, ultimamente colocados nas páginas do Facebook são atractivos, oportunos, sensatos, acutilantes e, como se isso não bastasse, de uma riqueza literária de excelente qualidade.

O Abel, devido às suas actividades pastorais, não pode participar em todos os eventos do Encontro, mas naqueles em que para isso teve disponibilidade, fê-lo com alma e coração, extravasando uma docilidade invulgar, uma camaradagem inaudita e um companheirismo sincero e verdadeiro. Descendo dos pedestais em que muitos clérigos ainda hoje se arrogam de permanecer, despojando-se de vestes medievais que outros ainda se ufanam de trajar, partilhando vivenças e costumes, o Abel partilhou o Encontro com uma alegria desmedida e uma vontade inaudita. Para além de ser o representante da “Troika” na ilha Terceira, o Abel cantou connosco, passeou pelas ruas de Angra, visitou o Seminário, sentou-se à mesa connosco e, sobretudo, ajudou-nos a recordar “estórias” passadas, memórias vivas, ditos, palavras, expressões, tornando ainda mais vivo aquele passado de que todos nos orgulhamos de ter pertencido e até nos envaidecemos de ser nosso. Por tudo isto o Abel tornou-se mais um dos “Senhores” do Encontro.

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publicado por picodavigia2 às 10:29

SÓ EM CÓMODAS

Quinta-feira, 10.07.14

Há ninhos desfeitos. A angústia de um pássaro com o ninho destruído constitui uma das mais degradantes e empíricas misérias. Um pássaro sem ninho atira-se para qualquer sítio, à deriva do maquiavélico deambular de uma onda gigante. E, sempre que houver um pássaro que seja, com o ninho desfeito, as noites nunca mais serão o fim dos dias. Hão-de perpetuar-se memórias horríveis, perplexas e destruidoras

As noites não sorriem e as janelas, fechadas e com as cortinas corridas, já não se ufanam de anunciar o nascimento da madrugada.

Mas fica sempre a angústia de não se esconder uma migalha de pão. Os panos de linho estendem-se ao sol, na mira de secarem. Das toalhas com que nos limpámos, após o banho da labuta, brota um suco pestilento e amarelado.

Só em cómodas se guardam os sonhos de cada primavera. Só em cómodas se escondem as lágrimas das amarguras petrificadas. Só em cómodas…

E ainda há quem diga que Van Gaal, ontem, errou ao não substituir outra vez o seu guarda-redes, que sabia perfeitamente não estar vocacionado para defender penalties.

Só em cómodas se guardam os silêncios petrificados… Só em cómodas…

E se eu não tivesse exagerado no acento gráfico das cómodas, decerto que transformaria o “em” em “in”, aproximando, este último, devidamente.

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publicado por picodavigia2 às 21:35

SOPAS DE BOLO E LEITE

Quarta-feira, 09.07.14

Na Fajã Grande, na década de cinquenta, sobretudo quando faltava o pão de milho, ou simplesmente quando rareava, cozia-se bolo no tijolo. Depois de cozido, este ainda quente era migado no leite fresco e colocado numa tijela, constituindo, assim, uma das mais frequentes e tradicionais ceias da população, sobretudo da mais pobre. Caso o bolo sobrasse de um dia para o outro, procedia-se ao contrário, isto é, fervia-se ou simplesmente aquecia-se o leite, sendo o bolo migado no mesmo, mas ainda frio. Neste caso era o leite que aquecia o bolo, enquanto no primeiro era ao contrário, isto é, o bolo é que aquecia o leite,

Este belo manjar era comido em tijelas de louça, muitas delas pintadas, algumas até com interessantes desenhos e com a ajuda duma colher. Estas sopas tornavam-se muito mais apetitosas se fossem acompanhadas com uma fatia de queijo fresco ou meio curado. Havia também quem gostasse delas acompanhados de uma tirinha de linguiça ou outro conduto de porco. Na altura em que as vacas davam bezerro o leite era substituído pelos crostes, sendo que com estes também se fazia queijo.

A cozedura do bolo era simples, rápida e fácil. Além disso o aquecimento do tijolo exigia muito menos lenha do que o forno, podendo fazer-se com simples garranchos de incenso ou faia,

Para cozer o bolo, primeiro escaldava-se, misturando-se água a ferver sobre a farinha, mexendo-se com uma pá de madeira, a pá do bolo. Colocava-se a arrefecer e formavam-se bolas que depois se iam espalmando até se assemelharem a uma grande roda que, com uma faca era partida em quatro quartos. Aquecido o tijolo ou a chapa eram-lhe colocados em cima os quartos. Deveria haver uma atenção permanente para não deixar queimar o bolo, devendo o mesmo ser virado, a meio da cozedura.

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publicado por picodavigia2 às 16:32

IN MEMORIAM DO NOÉ

Terça-feira, 08.07.14

Confesso que durante os anos que vivi no Seminário, nunca tive oportunidade de desenvolver e cultivar grande amizade com o Noé. Desde o primeiro ano que ele, devido à sua opulência corporal, pertencia ao grupo dos “grandes”, ou seja, dos últimos da fila, juntamente com o Onésimo, o Octávio, o José Maria Couto, o José Gabriel, o José Maria Ávila e mais um ou outro. Eu, o Faria, o Jorge Nascimento, o Lima Oliveira, o José Augusto, o José Adriano (de São Bartolomeu) e mais alguns, ocupávamos os lugares da frente, dos mais “pequenos”. Habituados a andar em “bicha” para todo o lado, nos passeios pelo Relvão, pela Doca, pelo Alto da Mãe de Deus ou pelo Jardim António Borges, ao dispersar, raramente nos separávamos.

Um episódio ocorrido no início do nosso 2º ano, veio agravar este injustificável “fosso”. No salão de estudo, estreito que nem um corredor, ao fundo, do lado das escadas que davam para os lavatórios e a seguir às malas dos alunos do 1º ano, existiam cerca de vinte carteiras pretas, grandes e com ampla capacidade de arrumação. Creio que teriam sido enviadas, como excedentes, do SEA, pois eram iguais às que ali encontrei mais tarde. As restantes eram umas simples mesas de madeira, envernizadas, muito pequenas e exíguas, com um tampo por cima, que mal fechavam se lhe colocássemos dentro mais um caderno que fosse. As carteiras grandes eram, obviamente, reservadas aos alunos do segundo ano, mas não chegavam para todos. Possuir uma carteira daquelas, no segundo ano, era um sonho de todos. Os “das ilhas de baixo”, no início do segundo ano, ao chegar, no Carvalho, uns dias mais cedo do que os de S. Miguel, ocuparam-nas, literalmente, todas. Chegaram os micaelenses, entre eles os “grandalhões” e não é que o padre José Franco, impõe uma imediata acção de “despejo” das ditas cujas, sem direito a protesto, a mim, ao Faria e a outros, alegando, simplesmente, “que aquelas carteiras eram para os maiores”. Ficamos furiosos!

É verdade que em Angra, já maiores e mais maduros, aquele “fosso” foi, naturalmente, diminuindo, sem no entanto se esvair por completo. O Noé abandonou o Seminário, creio que ao terminar o Curso de Filosofia e eu o de Teologia. Nunca mais nos encontrámos.

Mas quis o destino que, passados muitos anos, nos reencontrássemos num desses maravilhosos e inesquecíveis encontros do Mucifal - berçário de memórias e cimeira de troca de afectos - com a agravante de, nesse dia, sermos os únicos de 1958/59. Não nos largámos um ao outro e o dia foi pequeno para reavivarmos memórias, saudades, recordações e estórias dos anos do Seminário e para partilharmos as nossas posteriores vivências, humanas, familiares, profissionais e sociais. Foi então que percebi que o Noé fora um digno, competente e exímio profissional, orgulhoso do seu valor, ufano do seu excepcional currículo, aureolado de uma excelsa dignidade e de uma notável dedicação e empenhamento. Senti, sobretudo que o Noé era dotado duma grande alma e de um bondoso coração.

E creio que o Noé sentiu algo semelhante em relação a mim, porque no fim do dia, ao despedirmo-nos, ambos lamentámos, termos desperdiçado tantos momentos em que, no Seminário, poderíamos ter vivido sensações tão intensas e tão gratificantes como as daquele dia. Foi então que, para desagravar, esse défice de troca de afectos e amizade, prematuramente, desperdiçados, prometemos um ao outro que nos havíamos de voltar a encontrar, talvez no Norte, na Madeira ou até nos Açores…

Infelizmente, já não nos reencontraremos, porque o Noé partiu hoje e para sempre.

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publicado por picodavigia2 às 18:19

A LENDA DOS NOVE IRMÃOS

Terça-feira, 08.07.14

Conta uma antiga lenda açoriana que há muitos, muitos anos, existiu no meio do Oceano Atlântico um país muito belo e próspero, com cidades maravilhosas, praias lindíssimas, campos muito férteis e montanhas cobertas com árvores frondosas, umas carregadas de frutos saborosíssimos, outras tão esplendorosas e altas que pareciam chegar ao céu. Chamava-se Atlântida.

Conta a lenda que nesse fantástico país existiu, numa dada altura, um rei que tinha nove filhos, todos eles rapazes, muito fortes mas também muito amigos.

Certo dia o velho monarca, sentindo que se aproximava o fim dos seus dias, resolveu chamar os filhos. Pediu-lhes que lhe dissessem que sítio preferia cada qual para viver, pois dividir o seu reino por eles, dando a cada um, a parte que mais lhe agradasse. Todos escolheram montanhas, mas como se entendiam bem, não houve discussões e cada um foi para um dos nove cumes montanhosos que o país possuía, decidindo que se haviam de reencontrar, passado um ano.

Após a morte do pai, partiram todos. Na véspera do dia combinado, porém, cheios de desejos de se verem uns aos outros e de se reencontrarem, estavam tão nervosos e excitados que mal conseguiram dormir. Malogradamente, nessa mesma noite ouviram um grande estrondo que se propalou por todas as montanhas. Ao acordar, aperceberam-se, com grande mágoa, que o território que constituía o seu maravilhoso país, se tinha afundado, e que haviam ficado, à superfície das águas, apenas os nove cumes das montanhas que cada um tinha escolhido para si e onde se encontrava naquele momento. Ficavam, assim, impedidos de se reencontrarem, podendo fazê-lo, somente, através do mar. Mas para isso teriam que construir barcos, tarefa que, no entanto, lhes estava facilitada, pois as montanhas que habitavam estavam cobertas de árvores com belos e rijos troncos. Assim decidiram todos e cada um por si, construir barcos, que algum tempo depois lançaram ao mar, viajando, de montanha para montanha, com sucesso. Assim conseguiram todos reunir-se, voltando a abraçar-se e a conviver como nos bons velhos tempos em que viviam no reino de seu pai. Foi assim que aprenderam a viajar pelo mar, e o facto de cada um viver sozinho na sua ilha, nunca mais os impediu de se juntarem e de se visitarem uns aos outros, passando, assim, a viajar de um para outro daqueles cumes montanhosos que eram as ilhas dos Açores.

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publicado por picodavigia2 às 10:48

EXAME DE FILOSOFIA II

Segunda-feira, 07.07.14

No exame escrito de Filosofia II, realizado aos alunos do 7º ano, no Seminário Episcopal de Angra, no dia 28 de Maio de 1965, apresentavam os seguintes 4 temas para desenvolver, sendo todos de tratamento obrigatório:

1.  Demonstre que a vida consiste num movimento imanente.

2.  Explique o conceito e divisões de liberdade.

3.  Demonstre que a quantidade é real.

4.  Descreva o sistema filosófico denominado “Hylemorfismo”.

Este tipo de exame aproximava-se bastante, sobretudo em termos de exigência e profundidade de conhecimentos, de alguns elaborados, numa ou outra disciplina, na Secção de Filosofia da FLUP (Faculdade de Letras da Universidade do Porto), na década de setenta.

 

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publicado por picodavigia2 às 11:25

O JOÃO PATETA

Segunda-feira, 07.07.14

 

(CONTO TRADICIONAL)

 

Há muito, muito tempo havia um   rapaz chamado João que vivia com a sua mãe numa pequena cabana na floresta...   Como eram muito pobres, a mãe do João tinha de trabalhar muito: eram horas e   horas a costurar e a remendar roupa. E o João o que fazia? Nada! Durante o   Inverno, era vê-lo sentado em frente ao quentinho da lareira. Já no Verão, o   que ele gostava era de se sentar lá fora, no jardim, a apanhar Sol na cara. E   era assim que ele passava os dias…

Certo sia, a mãe, farta de ver   que ele, nada fazia, disse-lhe:

- Quem não trabuca, não   manduca! Tens de começar a trabalhar, João!

E lá foi ele… O primeiro   emprego que o João arranjou foi em casa de um lavrador, que lhe deu uma moeda   por um dia de trabalho no campo. João colheu o trigo, levou as vacas a pastar   e ainda deu de beber aos animais da quinta. O lavrador, muito satisfeito, deu-lhe   a recompensa prometida. Só que, já a caminho de casa, João tropeça e deixa   cair a moeda num pequeno ribeiro. Como é que ele ia contar à mãe o que lhe   tinha acontecido?

- És um tonto, João! Um cabeça   no ar! Então porque é que não guardaste a moeda no bolso?

- Prometo que da próxima vez o   faço, mãe…

No dia seguinte, João foi   contratado por outro lavrador para levar o rebanho a pastar às montanhas. E   assim foi… Só que agora, em vez de receber uma moeda, João ganhou um grande   jarro de leite fresco, acabadinho de sair da vaca.
  “Mas onde é que eu vou levar o jarro de leite? Já sei, no bolso…”  E lá foi ele para casa. Mas, enquanto andava,   o leite ia caindo no chão. Resultado: o João chegou a casa sem leite nenhum   para dar à mãe. Esta ficou espantada:

- Então não sabias que devias   trazer o leite à cabeça?

- Prometo que da próxima vez o   faço, mãe…

Mais um dia de trabalho e mais   uma recompensa: desta vez foi um queijo amanteigado.
  Tal como a sua mãe lhe tinha indicado, João decide levar o queijo na cabeça.
  Só que, com o calor, o queijo acabou por derreter…

- Mas João, porque é que não   trouxeste o queijo na mão?

- Prometo que da próxima vez o   faço, mãe…

No dia seguinte, João foi   ajudar o padeiro da aldeia a preparar o pão. E recebeu em troca um belo gato…   Todo contente, João segurou o animal entre as mãos, caminhando  na direcção de casa. Mas, como o gato era   muito irrequieto, acabou por saltar-lhe das mãos e fugir. João ainda correu   atrás dele, mas o gato era muito mais esperto e escondeu-se entre o mato. A   mãe nem queria acreditar…

- Sabes o que é que devias ter   feito? Devias tê-lo atado com um cordel e arrastado atrás de ti.

- Prometo que da próxima vez o   faço, mãe…

O talho foi o sítio que   escolheu para trabalhar no dia seguinte… Depois de uma manhã de trabalho,   João recebeu um belo e saboroso presunto. “Como é que eu o levo para casa?   Atado com um cordel e arrastado atrás de mim,” - pensou…

Claro que quando chegou a casa   o presunto já estava cheio de pó e ninguém o podia comer…

- João, o presunto é para   carregar às costas!

- Prometo que da próxima vez o   faço, mãe…

Depois de uma noite descansada,   João vai trabalhar para casa do pastor. Um burro é o que recebe como   recompensa. Apesar de ser muito pesado, João não desiste de seguir os   conselhos da mãe e leva o animal às costas. A caminho de casa, o rapaz passou   pela casa de um homem muito rico. Este tinha uma filha muito bonita, a Maria,   mas que tinha um problema: ninguém a conseguia fazer rir! Por isso, o pai   tinha prometido que quem fizesse rir a sua filha, iria casar com ela. E foi   isso que aconteceu…
  Muito aborrecida, Maria estava à janela quando viu este espectáculo; um   rapaz, muito encarnado, a carregar um burro às costas. E, de repente, uma   enorme gargalhada encheu a grande casa. Todos vieram ver o que se estava a   passar…
  Passado uma semana, João e Maria casaram e passaram a viver, felizes para sempre,   na mansão do pai de Maria. E o João nunca mais teve de trabalhar…

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publicado por picodavigia2 às 00:00

UMA AVE

Domingo, 06.07.14

(PEDRO DA SILVEIRA)

Uma ave, no vento,

e o grasnido

da ave.

 

Que alegria lhe desata

Nos nervos

O vento!

 

Mais que sentido,

visível

o vento.

 

 

Pedro da Silveira [Diário de Bordo]

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publicado por picodavigia2 às 23:14

MUSICA NO SEMINÁRIO DE ANGRA – ANOS 50/60

Domingo, 06.07.14

(TEXTO DE EMÍLIO PORTO)

Fui aluno do Seminário de Angra desde Outubro de 1950 até Junho de 1962 e fiz parte de um grupo constituído por vinte e oito jovens, oriundos de todas as ilhas. Era o mais velho. Nem todos chegaram ao fim do curso. Apenas onze se ordenaram a 3 de Junho de 1962. Fui um deles.

Este é o testemunho das memórias que guardo, confirmadas por informações pessoais de antigos alunos do Seminário. Seria mais completo, se alguns meus companheiros de curso ainda fizessem parte do mundo dos vivos. Ou se vivesse mais próximo dos que ainda, felizmente, vivem, espalhados por muitas partes do mundo. Que me desculpem uns e outros, das omissões ou imprecisões. Fica o meu testemunho. Da força, do saber e da cultura que senti no Seminário de Angra, nos anos 50-60 do seculo XX.

Depressa me apercebi duma tradição forte, nesta área, já que eram frequentes as referências a sacerdotes de grande saber, que foram preponderantes na criação de coros paroquiais e ou filarmónicas em muitas ilhas açorianas. No caso de filarmónicas, recordo, apenas, o Padre Alfredo Augusto de Menezes e Santos, natural da Madalena do Pico, que fundou em 1915, nas Flores, a Filarmónica União Musical Operária de Santa Cruz. Ainda nas Flores, o Padre Francisco Vieira Soares, natural das Lajes do Pico, que fundou a Filarmónica Lombense Manuel Martins, e mais tarde, quando foi transferido para a Piedade do Pico, fundou a Filarmónica União Musical da Piedade. Finalmente, na Graciosa, o Padre José Simões Borges, que ainda encontrei no Seminário, pela vida e dinamização que imprimiu às quatro bandas filarmónicas daquela ilha.

No campo dos coros paroquiais, ou capelas, foram notórios, o de São Mateus, criado pelo Padre Joaquim Vieira da Rosa, e o coro de São João da responsabilidade do Padre João Pereira da Terra, que acabou por ser o primeiro professor e mestre dos irmãos Padres Manuel Silveira d'Ávila e José Silveira d'Ávila. Este último, o mais conceituado de todos, pela acção que desempenhou, como professor de música e maestro do Orfeão do Seminário, antes de 1950. Ainda no aspecto dos coros paroquiais recorde-se a acção do Cónego Dr. Francisco Garcia da Rosa, na paroquial da Conceição de Angra do Heroísmo, e também na acção complementar que desempenhou em apoio ao Seminário.

Importante é também não esquecer, nesta análise, a acção que teve no mundo da música insular o Padre José Luís Fraga, natural das Flores, pelo trabalho de recolha que fez da música popular, e que foi publicado da revista Atlântida. Os trabalhos, cópias manuscritas, lá publicados foram feitos pelo Padre Dr. Antonino Tavares e pelos, então alunos do Seminário, Manuel Emílio Porto e José António Piques Garcia a pedido da direcção do IAC.

Finalmente, o mais conhecido e conceituado de todos e em todo o país, o Padre Tomás Borba pela obra imensa que deixou e, sobretudo, pelo contributo que deu ao ensino da música em todo o país.

Com efeito, tudo nos falava de um passado brilhante no presbitério açoriano e, por isso, pelas conversas frequentes com alunos mais velhos e professores, compreendia-se o vazio provocado pela falta do Padre José Silveira d'Ávila, lídimo continuador desse passado, e último director do Orfeão do Seminário. Parecia uma casa triste, o Seminário, adormecido e entristecido pela saudade do grande músico e mestre que havia sido o Padre José Silveira d'Ávila.

O ambiente musical que se vivia no Seminário em 1950 era, pois, o reflexo de uma tradição forte nas ilhas açorianas. Consequências, talvez, dos apelos do Motu Próprio do Papa Pio X, e também da necessidade de ir ao encontro das pessoas que viviam em quase isolamento total. Os padres deveriam saber música para poderem ensinar e exercer condignamente as funções litúrgicas da Igreja Católica e, ao mesmo tempo, contribuir para o seu desenvolvimento cultural. E continuou a ser assim. Na verdade, encontrei muitos alunos, já adiantados no curso, que revelavam grande saber e competência nas actividades que desenvolviam na Capela do Seminário, nos Saraus Musicais e nas Academias. Entre eles estava o teólogo Edmundo Machado Oliveira, exercendo o cargo de mestre de Capela.

No meu primeiro ano lectivo - 1950-1951 - assisti na minha cadeira, ao fundo do salão, ao concerto do Orfeão do Seminário, na festa de São Tomás de Aquino. Aí ouvi, pela primeira vez, as primeiras palavras do hino do Seminário: Se há grandeza, no mundo, é aquela... O Seminário respirava música por todo o lado. Que me contagiou. A partir do primeiro ano esteve sempre presente. Nessa mística me integrei. Desde as primeiras noções do solfejo entoado, à teoria musical e História da Música, e às práticas musicais curriculares e ocasionais. E depois, pela vida fora, até hoje.

As aulas tinham sempre três componentes - a teoria, a leitura e a prática. Esta última mais focada para os desempenhos da Capela e do Orfeão. A composição musical, pouco abordada, foi sempre experimental, tarefa para alguns mais atrevidos. Os que assim optaram conseguiram razoáveis resultados, e impuseram-se mais tarde na vida. Foi o caso do Edmundo Machado Oliveira e do Armindo da Luz Borges, que fizeram o seu doutoramento musical em escolas especializadas, bem como o José Luís Rodrigues e muitos outros, enquanto alguns não passaram da formação básica da entoação musical, o que aliás constituía o foco principal dos estudos musicológicos, ou seja, uma razoável competência para as actividades litúrgicas dos futuros padres, não só para o canto no altar, como para os grupos corais paroquiais.

O meu professor de Música, para os primeiros cinco anos do curso do Seminário, foi o Padre Jaime Luís da Silveira. Possuidor de uma excelente formação musical, trazia para as aulas discos de música clássica, profana, religiosa e sacra. A sua apresentação era motivadora para o gosto musical. Sabia como incentivar e sabia como comunicar. A audição era sempre precedida de explicações fundamentadas. Recordo essas aulas como das mais importantes para o que hoje sinto e penso sobre o mundo da música. Não era um pianista, no verdadeiro sentido da palavra, mas dedilhava o piano com alguma facilidade. Tocava também para os alunos algumas canções populares. Toda a turma acabava por cantar ao som do acompanhamento do piano. A primeira canção foi Santa Luccia, melodia napolitana, mundialmente conhecida. Foi sempre recordada durante o curso, e mais tarde pela vida fora. Segundo Santos Narciso foi uma canção que marcou uma geração. Foi a canção escolhida pelo professor para o estudo experimental dos primeiros acordes. O exemplo ainda hoje é válido.

Nos anos seguintes, o professor de música e canto gregoriano foi o Dr Antonino Tavares que era também o maestro da Capela e do Orfeão. Foi sobretudo nestes dois cargos que mais se fez sentir a sua competência e gosto. Na Capela do Seminário marcava presença nas cerimónias mais importantes que envolviam o próprio Seminário, como as cerimónias do Natal, do Te Deum do fim de ano e da Semana Santa na Sé; também na comemoração dos fiéis defuntos e na festa de Nossa Senhora da Conceição. Eram marcantes as Matinas do Natal que exigiam a participação dos alunos mais novos, dos que ainda conservavam a voz de contralto. Importantes eram os cantos de toda a Semana Santa, quer em gregoriano quer em polifonia.

Na Capela interna do Seminário destacavam-se as novenas do Natal, o mês de S. José - o mês de Março; e o mês de Maria - o mês de Maio. Eram devoções diárias, à noite, antes do jantar, que exigiam um Cântico de entrada, o Veni Sancte Spiritus, a Ladainha, o Tantum Ergo e um Cântico Final. As partituras eram variadas, e de vários autores. Aliás, a Capela do Seminário possuía um excelente acervo de partituras para todo o ano litúrgico.

O Dr. Edmundo Machado Oliveira, logo ao regressar de Roma, passou a ser o responsável pela formação musical de todos os alunos do Seminário, desde o 3º ano até ao 12º ano. No Orfeão e na Capela do Seminário estabeleceu uma perfeita ligação com o seu antecessor, continuando e aperfeiçoando as partituras já estudadas e habitualmente executadas, e também introduzindo outras da sua escolha e afeição pessoal. A sua preocupação derradeira era o estudo criterioso dos textos próprios das celebrações litúrgicas ao longo do ano, sobretudo do Natal, da Páscoa, do Pentecostes, dos Fiéis Defuntos e das festas de Nossa Senhora, além de outras celebrações internas da vida do Seminário. Cultivava com esmero o desempenho da Capela e do Orfeão, tendo em vista os seus objectivos imediatos - servir a liturgia, agradar o público atento, formar futuros dirigentes de grupos corais. Ainda hoje recordo as palavras de estímulo, quando, chegando atrasado a uma festa cantada na Capela do Seminário, e, não querendo entrar no decorrer da execução, escutou fora da porta o canto do Glória da missa d'Uomo de Perosi. Entrou, aproximou-se, e em voz baixa, segredou-me: Perfeito, rapaz, estava perfeito!

Para ele, tanto no canto gregoriano, como no canto polifónico de autores seleccionados, era importante perceber o texto e a sua ligação com a música. O resultado teria de ser sempre uma ligação/fusão perfeita entre o humano e o sacro. A música sacra, numa expressão afectiva que costumava usar, era a música de ir ver a Deus. Deus é o objectivo do canto - dizia ele. – O homem é o instrumento. O canto tem de ser o mais perfeito possível. Deus é belo, a música tem de ser o mais bela possível.

Por isso, Edmundo Oliveira deixou marcas no tratamento musical que deu e prestou a quem de perto o conheceu. A frase lapidar que o caracterizava era: Vamos repetir, ainda não está bom para ir ver a Deus. E acrescentava: Nada de ruídos. Gracejando apontava: Xô moscas! Como se os nossos desafinos fossem zumbidos a manchar a beleza do canto. E o trabalho recomeçava, até ele sentir, e todos sentirem a máxima precisão e perfeição do texto musical.

Antes dos anos 50, já o Seminário havia adquirido projecção social importante através do seu Orfeão. Nesses anos conheceu um dos seus mais conceituados mestres - o Padre José d'Ávila, que durante largos anos foi seu director artístico. A partir de 1950 a responsabilidade passou para o Dr. Antonino Tavares, cargo que ocupou até 1959. Pertenciam ao Orfeão os que eram capazes de ter audição, de cantar afinado e, sobretudo, de cantar com capacidade de saber fundir a sua voz com a voz do companheiro do lado. A fusão de vozes era fundamental. Cada voz tem o seu timbre, e por isso, era importante a sua mistura tendo em vista uma uniformidade enriquecida. Os cantores participavam a partir do quarto ano. Comigo houve excepção. Comecei a integrar o grupo no meu terceiro ano, pois já a voz dava sinais de primeiro tenor.

Com a entrada do Dr. Edmundo Oliveira, algo mudou. Por razões pedagógicas - todos têm sempre alguma capacidade, por muito diminuta que seja - deixou de haver escolhas para participar no Orfeão e na Capela. Nenhum se poderia sentir excluído. Todos eram elementos. Ele sabia como tirar partido das compensações, ocultando-as sabiamente.

Os grandes momentos do Orfeão do Seminário eram as festas de São Tomás de Aquino - todos os anos promovidas pelos alunos do primeiro ano de Filosofia, o 6º ano - e que incluíam partituras, não só polifónicas, como também polifónicas com orquestra. Esta, geralmente, composta por músicos que faziam parte da Orquestra Filarmónica de Angra. Integrados nesta, recordo, pelo menos uma vez, de ver o Dr. Cunha de Oliveira no violoncelo e o Dr. Caetano Tomás na flauta transversal, sob a direcção do Dr. Antonino Tavares. Já depois de 1962, andava eu por outras terras, o Orfeão fez uma deslocação a São Miguel e outra à Praia da Vitória. Ambas as saídas de excelentes desempenhos, como hoje o atestam elementos desse tempo.

A Capela do Seminário era composta só por alunos teólogos. Era escolhido sempre um aluno para dirigente, de acordo com o professor de música e director do Orfeão. Coube-me essa tarefa no ano lectivo de 1960-1961. Apesar da insistência para continuar no ano seguinte, recusei, por ser o último ano do Seminário. Substituiu-me o Avelino Soares. Em anos anteriores recordo o Armindo da Luz Borges, e o José Gomes Pereira. Sempre testemunhei, durante todo o curso do Seminário, o maior empenho e cuidado na preparação da Capela para todas as solicitações a que foi chamada, tanto interna como externamente. Era uma instituição. Com direcção eleita. Os organistas que conheci foram o Padre Luís Medeiros Diogo, o Padre Jaime da Silveira e o Artur Goulart, que muita informação disponibilizou para este trabalho, fruto de notas pessoais que fez ao longo do seu tempo no Seminário.

Em 1961 - decorrendo a primeira Semana de Estudos em Ponta Delgada, de 3 a 8 de Abril, nas férias da Páscoa - foram os teólogos a São Miguel a fim de poderem participar, na referida semana. Embarcaram no Terra Alta, numa viagem nocturna de onze horas, de mar agitado, de grande sofrimento. Uma viagem de triste memória. A chegada foi pela manhã seguinte, indo todos de imediato para o descanso retemperador no Seminário Menor, antigo Convento dos Jesuítas, onde ficaram alojados durante os dias que permaneceram em Ponta Delgada. Como eram apenas os teólogos, e só eles constituíam a Capela do Seminário, todos se agruparam e deram um concerto de música coral no Teatro Micaelense sob a direcção do Dr. Edmundo Oliveira, com partituras do Orfeão. No segundo domingo de Páscoa, foi todo o grupo até às Furnas, participar na procissão dos enfermos. Na varanda do hotel Terra Nostra, à passagem do Senhor debaixo do Pálio, foi cantado o Tantum Ergo, de Enique Buondonno sob a minha direcção.

A formação do Seminário também passava pelas associações culturais - as Academias. Na prefeitura dos teólogos havia a Academia Bernardo Vasconcelos e na prefeitura dos médios a Academia Dr. Manuel Cardoso do Couto. Estas Academias promoviam serões culturais com trabalhos de superiores e alunos. Eram frequentes os "Jogos Florais" sobre música, teatro, poesia, conto e literatura. As Academias foram palco de apresentações cantadas a solo, em duo e em trio de vozes. Ficaram na memória as apresentações cantadas pelos alunos Manuel Raimundo Correia, Agostinho da Ponte Quental, Avelino Soares e Fernando Cabral Teixeira.

Os serões académicos podiam ter lugar ao longo de todo o ano lectivo. Todavia, eram tradicionais, os promovidos pelo Natal, pela festa de São Tomás de Aquino e pela festa de São José. Para sempre, até hoje, é lembrado o coro final "Desperta a Aurora" da opereta Ochio di Falco, levada à cena pelo Natal, antes de 1950, que não cheguei a presenciar. Mas outras houve, na década de 50/60, levadas sempre à cena pelos alunos teólogos. Foi também dessas ocasiões natalícias o trio constituído pelo António Cordeiro, José da Conceição Leite Raposo e Silvino Amaral com a canção basca “De colores se visten los campos”, com acompanhamento de Artur Goulart ao piano.

Foi preocupação do corpo docente do Seminário, durante as décadas de 50/60, dar a melhor e mais sólida formação possível aos alunos. O agrupamento criado tomou o nome de Clan 25 Bento de Gois, e as três equipas, os nomes de Coronel Afonso Chaves, Tenente-Coronel José Agostinho e Padre Ernesto Ferreira. Ficaram, na memória, os acampamentos organizados em algumas ilhas, sempre no período das férias de verão. Ainda recordo um deles nas imediações do porto da Prainha do Galião, em São Caetano do Pico, quando já, na década de 60, andava por ali em missão sacerdotal. Os "Fogos do Conselho" constituíam sempre autênticos serões de arte e cultura. Também aqui, a música foi rainha. Em coro e a solo. As capacidades foram brotando, aos poucos. A música, na sua prática, já sem a supervisão do professor, foi, assim, um complemento importante. Uma forma de colocar o aluno sobre a sua própria identidade, de consciência formada, responsável.

Este é o testemunho possível dos tempos já recuados dos anos 1950-1960, passados no Seminário de Angra. Muitos, como eu, sentiram e confirmaram, na vida, essa década brilhante de saber e de cultura.

Finalmente, estamos hoje, em 2012, mais conscientes do valor que foi o Seminário de Angra. Com efeito, no panorama musical açoriano são visíveis os efeitos daqueles tempos recuados. São prova do que dizemos, o aparecimento de vários grupos orfeónicos e de cantares: Grupo Coral de São José - em Ponta Delgada, fundado por José da Conceição Leite Raposo, que de forma excelente tem dado ao público momentos de grande beleza e arte; Orfeão Edmundo Machado Oliveira - em Ponta Delgada, fundado por um dos seus alunos, José Carlos Rodrigues; Coro Tibério Franco - na Terra Chã de Angra, fundado por Tibério Franco; Grupo Coral das Lajes do Pico - , fundado por Manuel Emílio Porto; Grupo Coral da Horta -, fundado por Manuel da Silva Azevedo; Grupo Coral de Santa Cruz - na Graciosa, continuado e alargado à música profana pelo Padre António Machado Alves; Grupo de Cantares Belaurora - nas Capelas, São Miguel, fundado por Carlos Sousa; Grupo Folclórico Graciosense - na Graciosa, fundado e impulsionado pelo Padre José Simões Borges, cuja acção na Graciosa foi de tal forma relevante no campo cultural, que o Governo Regional lhe prestou merecida homenagem classificando-o de "cidadão honorário dos Açores" e descerrando-lhe um busto na igreja paroquial de Guadalupe.

Em todas as ilhas foram sempre relevantes as acções de homens que se formaram no Seminário de Angra, alunos ou padres, em coros paroquiais, filarmónicas e outros agrupamentos. Todavia, ultrapassam sobremaneira, as acções levadas a efeito por muitos que tiveram o privilégio de estudar no Seminário, na década de 50-60 do século XX, um período, por muitos, classificado de “áureo” do Seminário. Pelo seu corpo docente e pelos valores que os que ali se formaram espalharam pelas ilhas e pelo mundo.

Com efeito, a sociedade açoriana, muito deve ao Seminário, que formou e ajudou a formar centenas de jovens de todas as ilhas. Uma grande parte da cultura musical açoriana que chegou até aos nossos dias teve a sua origem no Seminário de Angra.

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publicado por picodavigia2 às 15:30

OS DE 1958/59

Sábado, 05.07.14

No ano lectivo de 1958/59, matricularam-se no Seminário Menor de Santo Cristo, em Ponta Delgada, os seguintes alunos: António Adelino Rocha, de S. Bartolomeu, Terceira, António Andrade Varão do Rosário, Lago, S. Miguel, António Filomeno Maia Gouveia, de S. José, Ponta Delgada, S. Miguel, António Francisco Ferreira, Povoação, S. Miguel, António Pimentel, Lomba Santa Barbara, S. Miguel, que não chegou a completar o 1.ºano, Carlos Alberto, de Ponta Delgada, S. Miguel que também saiu no 1.ºano, Carlos Joaquim Fagundes, da Fajã Grande, ilha das Flores, Carlos Medeiros Sousa das Capelas, S. Miguel, Eugénio Melo, de Santo Amaro, ilha do Pico que adoeceu, não transitando de ano, Eugénio Ribeiro Carvalho, da Casa da Ribeira, Terceira, Fernando Sousa Mota, das Capelas, S. Miguel, Gualter Cordeiro Dâmaso da Ribeira Grande, S. Miguel, mas com residência em Ponta Delgada, Humberto Sousa Clementino, Lomba da Maia, S. Miguel, que reprovara no ano anterior, João Carlos Resendes Carreiro, da            Fajã de Baixo, S. Miguel, João Manuel Vieira Dowling, natural da Fajã Grande, ilha das Flores mas residente no Corvo, que abandonou o Seminário logo no 1.º trimestre, João Manuel Ferreira, das Furnas, S. Miguel, João Vasco, de Santo António-Capelas, S. Miguel que também saiu ao longo do 1.ºano, Jorge Manuel Nascimento Cabral, de S. Pedro, Ponta Delgada, S. Miguel, Jorge Manuel Raposo da Povoação, S. Miguel que saiu no 1.ºano, José Adriano Borges Carvalho da Casa da Ribeira, Terceira, José Adriano Costa de S. Bartolomeu, Terceira e que também saiu no 1.ºano, José Augusto Melo Borges, de S. Pedro Nordestinho, Nordeste, S. Miguel, José Avelino Borges, da freguesia da Luz, Graciosa e que também abandonou o Seminário no 1.ºano, José Fernandes, da Ribeira das Tainhas, S. Miguel, também abandonando o curso no 1.ºano, José Francisco Rodrigues Costa, das Capelas, S. Miguel, José Francisco Lima Oliveira, de S. José, Ponta Delgada, S. Miguel, José Gabriel Machado Ávila, das Lages do Pico, José Manuel Medeiros Franco, de S. Pedro Nordestinho, Nordeste, S. Miguel, José Maria Bettencourt Ávila, dos Rosais, ilha de S. Jorge, José Maria Furtado Couto, da Algarvia, S. Miguel, Luís Brum Galvão, de Rabo de Peixe, S. Miguel, que saiu no 1.ºano, Manuel Faria de Castro do Capelo, ilha do Faial, mas residente na Praia do Norte, da mesma ilha, Manuel Francisco Pavão Moniz dos Mosteiros, S. Miguel, que também saiu no 1.ºano, Manuel Jacinto Vasconcelos, de Vila do Porto, Santa Maria que apenas se matriculou, não chegando a entrar no Seminário, Noé Borges Carvalho da Casa da Ribeira, Terceira, Octávio Henrique Ribeiro de Medeiros, de Povoação, S. Miguel            e Onésimo Teotónio. Pereira de Almeida, do Pico da Pedra, S. Miguel.

No segundo ano matricularam-se e passaram a integrar o curso; António Victor Serpa, natural do Lajedo, ilha das Flores, mas residente na Horta, ilha do Faial, Gastão Altino Furtado de Oliveira, natural de S. José de Ponta Delgada,         Jacinto Manuel da Costa Almeida, natural da Ribeirinha, S. Miguel, que reprovara o 2º ano, no ano lectivo anterior e Luís Francisco, também de S. José de Ponta Delgada, S. Miguel que saiu nesse mesmo ano.

Destes alunos, matricularam-se no Seminário de Angra, no ano lectivo de 1960/61, os seguintes: António Adelino Moules da Rocha, António de Andrade Varão, António Filomeno de Maia Gouveia, António Victor de Serpa, Carlos Joaquim Fagundes, Carlos de Medeiros Sousa, Eugénio Ribeiro Carvalho, Fernando de Sousa Mota, Gualter Cordeiro Dâmaso, Humberto de Jesus Clementino, Jacinto Manuel da Costa Correia, João Carlos Resendes Carreiro, Jorge Manuel do Nascimento Cabral, José Adriano Borges de Carvalho, José Augusto de Melo Borges, José Francisco de Lima Oliveira, José Francisco Rodrigues Costa, José Gabriel Lopes Machado Ávila, José Manuel de Medeiros Franco, José Maria Bettencourt de Sousa e Ávila            , José Maria Furtado do Couto, José Victor Menezes de Sousa, natural da freguesia da Conceição, Horta ilha do Faial e residente em Santa Luzia do Pico, que não frequentou o Seminário Menor de Ponta Delgada, Manuel Faria de Castro, Noé Borges Machado Carvalho, Octávio Henrique Ribeiro de Medeiros, Onésimo Teotónio Pereira de Almeida e Gastão Altino Furtado de Oliveira. No ano lectivo seguinte, ou seja 1961/62, matriculou-se João Elias Maurício de Mendonça, natural da freguesia da Ribeira das Tainhas, Lagoa, ilha de S. Miguel.

Completaram o curso de Teologia, no ano lectivo de 1969/70, tendo-se ordenado os seguintes alunos: António Andrade Varão, Carlos Joaquim Fagundes e Humberto de Sousa Clementino.

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publicado por picodavigia2 às 20:05

EM PROL DO ARTESANATO

Sábado, 05.07.14

O Manuel Alves nasceu a 7 de Outubro de 1947, na freguesia de São João do Pico. Frequentou o Seminário de Ponta Delgada e o de Angra, onde fez grande parte da sua formação. Actualmente reside nas Lajes do Pico dedicando-se ao artesanato, tendo participado e exposto em variadíssimos certames nacionais e internacionais. É também o responsável pela edição e publicação do jornal semanário “O Dever” e colabora no serviço religioso e nas actividades pastorais da paróquia da Matriz daquela vila picoense

O Manuel participou no Encontro com grande interesse e emotividade. Senhor de uma bonomia intransigente, de uma bondade tranquila, duma simplicidade irreverente, sempre disposto a ajudar, a servir, a estar ao lado e a ouvir os outros. Chegou ao Encontro, sem deslumbramento para mim, por quanto, nos últimos tempos, nos encontráramos, com alguma frequência, no Pico. Mas vinha carregando o eloquente e comunicativo silêncio de quem observa, vê e sente. Espicaçado por abraços de saudade aos que há muito não via, sacudido por fulvos de júbilo por reencontrar aqueles com quem, nos nos últimos tempos, se relacionara, foi partilhando com todos a sua calma, tranquilidade, bondade e desvelos de uma dignidade de vida, de competência no trabalho e de honestidade de costumes. Participou no Encontro com enlevo, envolvendo-se em todas actividades, espicaçando sentimentos e vivenças, solidificando a amizade e o carinho que a todos uniu no passado e continua a unir no presente. E o Manuel, assim como todos os outros que se deslocaram de propósito a Angra para o “Encontro”, participou, envolveu-se e imiscuiu-se em tudo os eventos, jogou, passeou, recordou, cantou e ajudou a homenagear os vivos e a recordar a memória dos que já pariram. Por tudo isso, foi mais um dos “Senhores” do Encontro.

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publicado por picodavigia2 às 09:29

SOPAS DO ESPÍRITO SANTO

Sábado, 05.07.14

Era por estas alturas do ano que se fazia a festa do Espírito Santo da Casa de Baixo e muitos americanos, ao regressar davam os seus jantares com as tradicionais Sopas do Espírito Santo. Embora pouco vulgares, na década de cinquenta, na Fajã Grande, havia quem as fizesse. Para isso e para além da carne de vaca que ou era apalavrada por altura das festas de Espírito Santo, ou era recebida como esmola quando algum americano prometia um jantar, necessitava de alguma carne de galinha, no caso de a de vaca ser pouca,, um bom naco de toucinho, um mancheia de folhas de couve e algumas louro, um bom kilo

de batatas, duas cebolas e cabeças de alho. Por vezes juntava-se repolho, batatas doces, sangue e fígado cozidos e uma boa quantidade de fatias de pão de trigo e, preferencialmente, duro, folhas de hortelã e temperos vários. Geralmente acrescentava-se linguiça, o que fazia com que estas sopas mais se assemelhassem a um bom cozido à portuguesa.

Para a confecção, colocava-se a cebola, o alho, o louro e os outros temperos num saco de pano ou fazenda fina, feito em casa, num caldeirão de ferro meio de água. Colocavam-se a cozer as carnes temperadas de sal, juntamente com a couve. Quando bem cozida retira-se as carnes e na água coloca-se os restantes ingredientes até cozerem por completo. A linguiça coze-se à parte. Aquece-se o caldo e vaza-se por cima das fatias de pão, do sangue e do fígado cortado, juntando-se as batatas. Podia comer-se primeiro a sopa e depois as carnes com as batatas ou juntar tudo num mesmo prato.

Duma forma ou de outra, eram excelentes estas Sopas do Espírito Santo.

 

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publicado por picodavigia2 às 09:05

ERNESTO REBELLO

Sexta-feira, 04.07.14

Ernesto de Lacerda de Lavallière Rebello nasceu em Lisboa, em 26 de Abril de 1842  e faleceu na cidade da Horta, 15 de Novembro de 1890. Para além de se ter distinguido como literato e jornalista, Ernesto Rebello, filho de Francisco Peixoto de Lacerda Costa Rebello, natural do Faial, advogado, e de Maria Elisa Nunes de Lavallière Rebello, natural de Cayenne, Guiana Francesa, foi funcionário da Repartição de Fazenda Distrital da Horta. Apesar de ter nascido em Lisboa é tido como um dos mais notáveis escritores «faialenses», individualidade de valor entre os representantes da escola romântica nos Açores. Como poeta, versejou com espontaneidade e simplicidade, despretenciosamente, sendo considerado como «um dos homens mais honestos, desinteressados e prestimosos [..] nas lides da imprensa».

São diversas as suas produções, umas dispersas por jornais, outras reunidas em livros e outras ainda inéditas. De entre elas tem sido destacada Notas Açoreanas, em que a história anedótica do distrito da Horta, principalmente do Faial, se encontra desenhada com colorido e sabor regionalista.

Para Henrique das Neves, a não ser este amor pelas letras e os seus afectos da família, o campo prendia-o mais do que tudo. Gostava do sossego e da solidão e trazia sempre gratas impressões do viver simples do povo, cujos costumes, lendas e crenças descreveu com especial cuidado. Era um cismador e um solitário, o que não quer dizer que não fosse expansivo com os amigos, porque o era, e contava então coisas antigas numa inesgotável cópia de factos curiosos, muitos dos quais se perderam com ele.

Ernesto Rebello era Cavaleiro da Ordem de Cristo e Comendador de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa. Integrava várias associações culturais e científicas, nomeadamente a Sociedade Dantesca de Nápoles, o Gremio Litterario Fayalense  de que foi sócio honorário e presidente.

Fundou e dirigiu O Amigo do Povo e o Civilizador e foi redactor de A Luz e de O Grémio Literário, colaborando, em verso e em prosa, em muitos outros jornais da Horta, dos Açores e Lisboa.

Em 20 de Novembro de 1890, por decisão da Câmara Municipal da Horta, da rua denominada D. Pedro IV, a parte entre o Largo Duque d’Ávila e Bolama e a Travessa da Misericórdia, passou a perpetuar o seu nome.

Obras principais; Contos e poesias açoreanas, As noites d’El-Rei: drama histórico em 3 actos, Um padre: drama em 4 actos, A desleixada: lenda scandinava, Dahlias do convento: comédia em 3 actos, Notas Açorianas, Lajes do Pico, Museu dos Baleeiros, Aves de arribação: crónica açoriana, Scenas dos Açores (romance), Aves de arribação (romance), Soror Maria.. Urzes e silvados, Mathilde (romance,. Excentricos faialenses (contos), Os pupillos da Lucinda, O ferreiro de cima da Lomba, Uma imperatriz, O sr. Vieirinha, Flores do mato (versos), Amor filial (drama), Margarida (drama). O Sr Eleutério (comédia) e Scenas do Outono (romance).

 

 

Dados retirados do CCA – Cultura Açores

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publicado por picodavigia2 às 09:44

FREI PAPINHA

Sexta-feira, 04.07.14

Um dos filmes que logo nos primeiros meses foi projectado no corredor/salão de recreio do Seminário Menor de Ponta Delgada e a que todos assistimos, com grande alegria e contentamento, foi o “Marcelino Pão e Vinho”. Tratava-se de uma obra a preto e branco, realizada, três anos antes, pelo espanhol Ladislau Vajda e baseado no livro com mesmo nome, escrito por José María Sánchez Silva. A história do filme era simples e resumia-se ao seguinte: um frade franciscano contava a uma menina, doente a “estória” de Marcelino, um bebé que foi deixado na porta de um mosteiro e criado pelos frades que ali viviam. Após frustradas tentativas, por parte dos frades, de entregá-lo para adopção, o menino acabou por ser criado pelos doze monges, residentes no convento. Marcelino cresceu, tornou-se rebelde e fazia muitas travessuras, levando os frades quase à loucura com sua desobediência e com as diabruras resultantes da sua fértil imaginação. Devido à solidão de que era vítima e a falta de crianças de sua idade para brincar, Marcelino divertia-se pregando partidas e inventando apelidos para os frades. Entre estes, pela sua bondade e simpatia, mas bastante desajeitado e bonacheirão, destacava-se um, interpretado pelo actor Juan Calvo. Era Frei Papinha.

Alguns dias depois, o padre José Baptista, numa aula de Desenho, talvez porque eu fosse desajeitado nas práticas daquela disciplina, talvez devido à minha cara, branquinha, bochechuda, redondinha e com aspecto, aparentemente, inofensivo e angélico, talvez por isto e por aquilo, cismou que eu era parecido com o tal frei Papinha, passando, na brincadeira, a designar-me por aquela alcunha. Os meus colegas acharam graça, cuidaram que o epíteto me assentava que nem uma luva e para arrelia e aborrecimento meu, passaram, desde aquele dia, a chamar-me, “Frei Papinha”. Eu é que não achei graça nenhuma em carregar mais um apelido, pese embora a figura do fradinho fosse bastante simpática e generosa. E no meu íntimo revoltei-me. Já não bastava os apelidos que eu tinha na Fajã, “Cevada”, que herdara de meu avô materno, “Chinelo” proveniente de meu pai e “Xoupajam” com que meus irmãos me brindavam em casa. Agora, no Seminário, havia de levar com o epíteto do bondoso e angélico “Frei Papinha”

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publicado por picodavigia2 às 08:57

CIRCUNDANDO O ILHÉU DE MARIA VAZ

Quinta-feira, 03.07.14

O São Pedro vogava ronceiro, aproximando-se do ilhéu de Maria Vaz também chamado da Gadelha. O silêncio das ravinas era apenas cortado pelo roncar, trépido, do velho e cansado motor.

- Eh António. O pequeno vai acordado? Aqui, na baía dos Fanais o mar está muito manso. Vou passar com o barco por dentro do ilhéu, para baloiçar menos. Diz ao pequeno que se levante para ver isto. – Propôs mestre Gregório. E o Jacinto logo:

- Para mim é o sítio mais bonito de toda a costa da ilha das Flores

Meu pai, pegou-me com cuidado extremoso, retirando-me do leito em que jazia;

- Álvaro levanta-te, para veres a baía dos Fanais e o Ilhéu de Maria Vaz.

A muito custo lá me levantei, apesar de um pouco tonto.

- Já chegamos a Ponta Delgada, pai!? O barco parece que está parado! – Indagava confuso-

- Não. Estamos na baía dos Fanais. Levanta-te para ver o ilhéu de Maria Vaz. O mar aqui está muito mansinho.

Levantei-me. À minha frente um enorme, descomunal e abrupto ilhéu. Nunca tal imaginara. Por isso. Muito espantado, apontando, exclamei:

- Ih! Que grande. É muito maior do que o ilhéu do Cão. Parece uma ilha. Deve ser quase do tamanho do Corvo.

- Não exageres rapaz. Mas lá que é grande, é?

- O mar está tão mansinho aqui! Vive alguém neste ilhéu, Sr Gregório?

- Não! Antigamente ainda havia cabras e ovelhas. Os donos vinham cá trazê-las de barco. Mas começaram a roubá-las… e agora já ninguém as vem cá por.

- Só se for tolo! Para ficar sem elas…

O Mulato esclarecia:

- Isto aqui é bom é para lapas e para pescar. Ali, no rolo dos Fanais, as lapas são como a palma da minha mão! O pior é descer a rocha para as apanhar.

- E aqui, no ilhéu, os ratos são do tamanho de cães.

Cheio de medo, agarrei-me ainda mais a meu pai:

- Ó pai, é verdade! Eu tenho tanto medo…

Voltando-se para o Manuel da Ana, a rir dos medos, mestre Gregório reprendia-o:

- Oh Manel, para de dizer asneiras e meter medo ao pequeno. Presta mais atenção a essas cordas! – Depois voltando-se para mim tentava acalmar-me; – Olha Álvaro: aqui é um dos locais mais belos da ilha das Flores. Tenho passado aqui muitas vezes e já vim pescar ali para aquelas rochas. Ali, naquelas baixas, há muitas vejas, rateiros, e peixes-reis. Lá dentro, no rolo, também há muita moreia. Antes de andar no mar, vinha pescar para ali com meu pai. Ele descia aquela rocha com os olhos fechados… e ela não é fácil de descer. Conhecia o caminho como a palma das mãos! Vês aquela queda de água, parecida com as da Fajã? É a ribeira da Francela. Lá em cima vêem-se as relvas onde o gado pasta. Aquelas lá ao longe já são de Ponta Delgada, estas de cá são da Ponta.

- Logo, quando viermos para casa, vamos atravessá-las todas. . Corroborou o meu progenitor.

- E de lá de cima vê-se o ilhéu?

- Se viermos com dia… havemos de vê-lo…

Mestre Gregório dava ordens;

- Eh pessoal, a partir da ponta do Albarnaz temos o vento  pela ré. Vamos aproveitá-lo. Mulato, apaga o motor. Manel, içar a vela. Antonho deita o pequeno outra vez. Para além do mar estar pior, a navegação à vela é pior para quem se dá mal no mar. Eh rapazes vamos a isto! Há que aproveitar o vento e poupar o gasóleo.

Voltei a deitar-me. Mas ainda perguntei ao homem do leme;

- Óh senhor  Gregório, daqui a Ponta Delgada ainda demora muito?

- Com a ajuda de Deus e deste vento dentro dentro de meia hora estamos lá. Eh Manel, olha-me essas cordas. Cuidado Mulato, tapa o motor que vai respingar muita água. Olha Antonho, já se avista o Corvo.

Algum tempo depois, meu pai propôs:

- Álvaro, levanta-te para veres o Corvo!

Levantei-me, a muito custo e cambaleando;

- Ui ! Então é verdade o que me dizia o Câncio: do Albarnaz vê-se o Corvo. Ui! Mas é uma ilha tão pequenina. Oh pai, com aquelas nuvens por cima parece um biscoito, saído do forno, ainda a fumegar. Ai! Ai. Quero ir para terra! Esta maldita viagem nunca mais acaba! (Volta a deitar-se.)

- Deita-te, deita-te. Não sabes o que te espera. Daqui até ao porto vai bater um bocado.

M.GREGÓRIO- Pode ser que ele durma. Com estes balanços! Pessoal! Com este vento vamos à vela até Ponta Delgada. Como vão sem fazer nada, podem lançar as linhas e pescar. Isto é mar para serras.

- Já adormeceu!

- Ainda bem Antonho. Com este mar e a navegar à vela até Ponta Delgada, ele ia dar-te que fazer. Linhas prá água! Vamos ver se arranjo ceia p’rà minha Maria e para os meus pequenos.

 

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publicado por picodavigia2 às 20:48

AS RENDEIRAS

Quinta-feira, 03.07.14

Sendo a freguesia de São Caetano, terra de pescadores e marinheiros, era natural que as mulheres se dedicassem ao fabrico artesanal de rendas, quer por se inspirarem nas próprias redes tantas vezes elaboradas e remendadas pelos pescadores quer, sobretudo, para anestesiar a solidão e a angústia que sentiam, enquanto os homens partiam para o mar, na caça à baleia, na pesca da albacora ou na simples pesca artesanal em pequenos barcos, sujeitos, muitas vezes, a grandes perigos e tormentas.

Ao mesmo tempo que anestesiava a solidão e desfazia a angústia, o fabrico das rendas constituía uma das bases de sustento das famílias da freguesia, geralmente, dependentes duma agricultura de subsistência. Embora se ocupassem das lides domésticas e ajudassem os homens nos trabalhos do campo, as mulheres de São Caetano dedicavam grande parte do seu tempo às rendas. Por isso, estas, desde sempre, representaram uma importante actividade económica para a freguesia. Na realidade as mulheres faziam rendas, aproveitando todo o tempo disponível, para as vender e, assim, ajudar o debilitado orçamento familiar, ajudando na compra de bens alimentares, como o milho e outros bens necessários e de amanho pessoal e do lar.

Nas tardes de verão, as mulheres juntavam-se em grupos, procurando as sombras dos pátios e balcões, para poderem fazer renda sentadas no chão ou em cima de um banquinho. Faziam renda paga à begocha para pessoas que na freguesia, ou nas freguesias vizinhas, tinham o negócio e as iam vender para o Faial, ou as exportavam para o Continente. Também à noite, aos serões, especialmente no Inverno, juntavam-se a fazer serão, nas casas de familiares e amigas, por vezes mais de uma dezena de mulheres à volta de uma mesa, iluminadas apenas por um candeeiro a petróleo. Faziam-se luvas em crochet, blusas, viras de lençol, golas de renda, jogos de naprons, toalhas redondas, etc. Essa renda era artisticamente composta por renda de gancho, com entremeios de amoras, dálias e caçador, olhos, gregas entre outros desenhos, com diferentes designações, todos eles com muita exigência e pormenor. Os trabalhos maiores e mais elaborados, no caso das toalhas, blusas ou viras de lençol, por vezes, englobavam várias pessoas que os faziam como que em série, sendo que as mais habilidosas, as mais velhas e as mais experientes realizavam as partes mais difíceis. Era por assim dizer como que um trabalho em série, feito por várias mãos mas que requeria muita cautela e responsabilidade.

Enquanto faziam a renda conversavam, cantavam e, mais tarde, ouviam notícias, num pequeno transístor a pilhas, encimado por uma rodilha de fios eléctricos, a servir de antena.

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publicado por picodavigia2 às 18:50

A CASA AO LADO DA ERMIDA

Quinta-feira, 03.07.14

Situada no meio dos pequenos casebres, construídos em basalto negro e cobertos de palha, a Ermida de Santa Bárbara era um dos mais antigos edifícios religiosos da ilha do Faial, tendo sido construída no ano de 1500, por iniciativa de Pero Pasteleiro e de sua esposa, Madalena da Rosa, que pretendiam, assim, perpetuar a memória de Joss van Hurtere e de quantos com ele haviam demandado a ilha e nela se haviam estabelecido, cerca de cinquenta anos antes, fundando a povoação "de Horta". Joss van Hurtere e os seus companheiros, algum tempo depois de aportarem à ilha, haviam construído, logo ali junto ao mar, uma pequena ermida. Como não tinham nenhuma imagem de Santo da sua devoção que nela colocassem e que lhe dedicassem por padroeiro, apenas lhe colocaram uma tosca cruz de madeira no seu interior e, por isso, decidiram chamá-la de Santa Cruz. Esta ermida porém, devido à sua fragilidade e pouca consistência, foi destruída a quando da crise sísmica de 1671, que originou o Cabeço do Fogo, mediante o aparecimento, naquele sítio, de um enorme vulcão que entrou em erupção na noite da Vigília Pascal. A crise havia-se iniciado com uma série de sucessivos abalos, ao longo do mês de Setembro desse ano. Os abalos intensificaram-se em Fevereiro do ano seguinte, provocando o pânico entre a população e o desabar de muitas construções primitivas, culminando com um grande sismo, no dia 12 de Abril, a que se seguiu uma sequência de muitos outros, sentidos com mais violência nas freguesias da Praia do Norte e Capelo e que destruíram praticamente tudo o que era construção humana. Além disso, dias depois, começou uma nova actividade explosiva, que se prolongou durante 10 meses, provocando uma considerável efusão de lava basáltica a partir de duas chaminés vulcânicas que se abriram no contraforte do Cabeço do Fogo e no Pincarito. A actividade sísmica serenou no més de Maio de 1672 e, em Setembro seguinte, cessou, por completo. Após a erupção vulcânica, no entanto, sucederam-se uma série de sismos, tendo o mais violento, provocado inúmeros prejuízos e arrasado, quase totalmente, a vila da Horta. Foi então que a Câmara Municipal, além das preces públicas, procissões e outros actos de piedade e devoção que mandou promover e a que incentivou a toda a população a participar numa reunião em que se decidiu, por unanimidade, que todos se haviam de unir para pedir a protecção do Divino Espírito Santo. Essa "protecção" implicava fazer um voto solene por si e pelos seus descendentes "que em dia do Senhor Espírito Santo, todos os anos e enquanto o mundo fosse mundo, sairá sempre uma procissão solene ordenada pelos ditos oficiais da Câmara Municipal, da Igreja Matriz e se recolherá na Igreja da Misericórdia, onde se cantará missa com sermão a que assistirá o corpo da Câmara fazendo-se gastos e despesas à custa dela em acção de graças tanto pelos benefícios recebidos de não ser maior o dano que o dito fogo podia fazer como pelo mais que de todo se espera ver quieto e consumido". No lugar onde existia a ermida de Santa Cruz, foi construída, anos depois, a igreja das Angústias.

A ermida de Santa Bárbara também destruída, mas reconstruída após esta crise, apresentava-se com uma construção simples, mas diferente da primitiva, dotada, do lado direito do frontispício e paralela a este, de um campanário, constituído por uma pequena e baixa sineira, sem torre. O acesso ao campanário fazia-se por uma escada encostada à parede lateral da capela que também dava acesso à porta exterior do coro. Do mesmo lado e junto à capela-mor encostava-se a sacristia.

Pequena e singela, a ermida tinha apenas uma nave de planta rectangular, sendo capela-mor também do mesmo formato e separada da nave por arco triunfal, ligeiramente abatido, em cantaria. O frontispício era muito simples, a imitar as empenas das poucas habitações senhoriais, ali existentes, tendo ao eixo uma porta de verga recta encimada por uma pequena cornija e por cima uma janela. Rematado em forma triangular, sobre cujo vértice estava implantada um grossa e tosca cruz de pedra, a fachada terminava por uma cornija que acompanhava a inclinação das águas do telhado, Sobre os cunhais, de um e outro lado, encastoavam-se dois pináculos. A contrastar com a maioria dos casebres circundantes a ermida era construída em alvenaria de pedra rebocada, pintada de branco e rodeada de um adro murado.

A poucos metros dali ficava a casa que a velha, à entrada do povoado, indicara a José Pereira Azevedo. Era um edifício de dois pisos, de forma rectangular e com dois balcões de acesso ao andar superior, na fachada principal, que se ligavam ente si, pelo fundo de duas escadarias, no termo das quais, se tinha acesso ao edifício, através de um enorme e enferrujado portão de ferro, divido em duas metades, uma das quais estava aberta. Uma das escadarias dava acesso à cozinha e a outra à sala. Assim como o pequeno templo, a casa também era construída em alvenaria de pedra argamassada, excepto um dos balcões da fachada principal, o que dava para a cozinha, assim como a empena do lado desta, que eram de pedra negra. Era essa a Casa do Marialva.

José Pereira de Azevedo, parou junto ao portão de entrada, depôs no chão os sacos que levava aos ombros e, pedindo à mulher que o aguardasse ali, juntamente com o garoto, subiu com alguma desenvoltura os degraus que davam para a cozinha. Antes que atingisse o cimo, surgiu à porta semiaberta um homem já de meia-idade. Vestia calças de cotim cinzento, uma camisa de linho, alvíssima sob um colete acastanhado o que lhe dava um ar de senhorio, mas com um poder e grandeza aparentemente desfeitos e aniquilados pelo tempo. Esboçando um doce sorriso, dirigiu-se para José, incentivando-o de que continuasse a subir.

Ao aproximar-se do homem, José retirando o chapéu e estendendo-lhe a mão, cumprimentou-o. Depois, num razoado hesitante, explicou o porquê da sua presença ali.

O homem, desfazendo o sorriso gracioso com que assomara, inicialmente à porta e que mantivera até àquele momento, pediu-lhe que entrasse. Antes porém haviam de subir a mulher e o filho.

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publicado por picodavigia2 às 11:13

DR AMÉRICO VIEIRA

Quarta-feira, 02.07.14

Américo Caetano Vieira era filho de Pedro Caetano Vieira, comerciante e de Maria Noia Vieira, doméstica, tendo nascido na Vila de Lajes das Flores em 24 de Maio de 1928. Fez o Ensino Primário na escola da sua terra natal, revelando, desde cedo, indícios de grande inteligência e de uma enorme vontade de aprender. Por isso, não se ficou pela ilha, onde, na altura, mais nada havia do que a 4ªa classe, rumou a Angra, ingressando no Seminário diocesano, em Outubro de 1940. Aluno brilhante, ali ainda mais se distinguiu pela sua inteligência, pela sua dedicação e pela sua forte personalidade. Foi ordenado presbítero em 13 de Maio de 1951, vindo a celebrar a Missa Nova, a 24 do mesmo mês, na Capela do Seminário.

Por se ter distinguido como estudante foi seleccionado, ao terminar o Curso de Teologia, para frequentar a Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, para onde foi enviado e onde se licenciou em Teologia Dogmática, em 1955.

 Regressado à sua diocese, em Outubro desse ano, foi nomeado professor e director espiritual do Seminário, cargos que exerceu com extrema dedicação e competência durante quase duas décadas. Em Junho de 1968, inesperadamente, ou não tanto, foi nomeado Reitor do Seminário.

Américo Vieira fez parte de um grupo de professores de elevado nível, nas d+acdadas de 50 e 60, consideradas como o “período de ouro do Seminário de Angra no Século XX”. Desse grupo distinguem-se, o Dr. José Pedro da Silva, o Dr. José de Oliveira Lopes, o Dr. José Enes, o Dr. Caetano Tomás, o Dr. Cunha de Oliveira, Dr. António da Silva Pereira, o Dr. António da Costa Tavares, o Dr Pereira da Silva e o Dr. Francisco Carmo.

Foi um professor de notável competência, pois preparava e planificava tudo com eficiência e mestria, demonstrando sempre possuir elevada cultura geral, tendo, no decurso da sua curta carreira profissional, leccionado Teologia Dogmática Fundamental, Teologia Moral, Casuística, Francês, Latim, Ascética e Mística, Dogmática Especial, História Bíblica, Apologética, Introdução à Sagrada Escritura, Moral, Psicologia, Teologia Pastoral e Direito Canónico.

Em 5 de Junho de 1965 foi nomeado Cónego do Cabido da Sé Catedral de Angra. Foi membro fundador do Instituto Açoriano de Cultura, secretário do Conselho Pastoral e membro do Conselho Presbiteral. Possuidor de grande capacidade didáctica e, como era dotado de invulgar inteligência e cultura, expunha com muita facilidade tudo o que tinha a transmitir. Colaborou nas Semanas de Estudo, na revista “Atlântida”, órgão do Instituto Açoriano de Cultura de Angra do Heroísmo, de que era sócio fundador, bem como noutros órgãos de comunicação social da ilha Terceira.

Publicou diversos trabalhos, neles deixando, para além do seu rico conteúdo, a forma fácil e fluente de os apresentar. Durante vários anos ocupou-se das palestras de natureza espiritual aos sacerdotes reunidos em Conferência Eclesiástica, fazendo-o com invulgar mestria e dedicação. Era muito solicitado para proferir sermões e conferências.

Faleceu, inesperadamente, em 22 de Janeiro de 1971, no Seminário de Angra do Heroísmo, com apenas 43 anos de idade.

Em 31 de Janeiro de 1992 o Instituto de Cultura de Angra do Heroísmo, fundado em Maio de 1955, prestou-lhe solene homenagem, atribuindo-lhe um Diploma na qualidade de Sócio Fundador, o qual foi emitido em 22 de Janeiro de 1993.

 

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publicado por picodavigia2 às 11:28

AEGIS

Terça-feira, 01.07.14

Aegis ou Égide era, na mitologia grega, o escudo mágico, elaborado por Hefesto, que Zeus utilizava para se defender dos titãs, que tinha, em relevo, uma figura gorgônica que o tornava amedrontador para os inimigos do pai dos deuses, dando-lhe, por isso, uma grande capacidade de defesa pessoal. Mais tarde, Zeus cedeu-a à sua filha Atena, que o revestiu com a pele da Medusa, morta por Perseu. Era pois uma protecção.

No entanto, segundo, pelo menos, uma obra de Dionísio Escitobráquio, hoje perdida, a "aegis" seria, também, uma criatura mitológica nascida da Terra, que cuspia fogo, e ia queimando as terras por onde passava. Eventualmente, essa criatura foi atacada e destruída por Atena, que passou a usar a sua pele como forma de protecção.

Aegis ou Égide, pois, significa protecção, amparo, defesa. Se um acto foi praticado sob a égide de alguém, quer dizer que ele foi realizado sob a protecção e com total apoio. Por isso, passou a dizer-se que qualquer façanha conduzida sob a égide de alguém implica que ela foi realizada sob seu poder, protecção, e com seu acordo.

 

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publicado por picodavigia2 às 20:34

O CALDEIRÃO DA RIBEIRA DAS CASAS

Terça-feira, 01.07.14

O caminho entre o Cimo da Rocha e o Queiroal era atravessado pela Ribeira das Casas. Com a sua nascente lá para os lados da Água Branca, nos arredores do Morro Alto, o curso da Ribeira das Casas serpenteava por entre grotões e valados, saltando penhascos e ravinas, numa desproporcionada e abrupta sinuosidade, por vezes monstruosa, descomunal e inaudita. O Caldeirão, rigorosamente encravado no caminho para o Queiroal, era o mais claro exemplo de tão irregular e inóspito curso de água, um dos maiores e talvez o mais original de toda a ilha das Flores

O Caldeirão era um enorme, esconso e abrupto buracão, escavado no próprio leito da ribeira. Esta, cortando o caminho, formava, na direita de quem se dirigia para o Queiroal, uma espécie de pequeno açude, com avantajado volume de água, proporcionando ao gado que por ali passava, um excelente e muito apreciado bebedouro. Do lado esquerdo o temível e assustador Caldeirão, A separá-los umas pequenas alpondras ou passadeiras que, em dias de grandes chuvadas e correntes volumosas, submergiam por completo, por vezes pondo em risco e até impedindo a travessia de quantos por ali necessitavam transitar. O gado, por sua vez, atravessava a ribeira através do açude, o que lhe trazia, na verdade, dois grandes benefícios: refrescava-se e saciava a sede. É verdade que ao enfiar-se na água, sujava-a de bosta e urina para de seguida a beber como se ela estivesse na sua pureza original – límpida, fresca e transparente.

Quem atravessasse as alpondras, e não eram poucos os que ali passavam, diariamente, quer nas idas e vindas para a ordenha, quer para o transporte de fetos, lenha e acompanhamento do gado, deveria cuidar-se. Uma escorregadela imprevista, seria fatal. As crianças assustavam, as mulheres tremiam de medo e até os homens redobravam os cuidados. Em dias de grandes chuvadas era o caos. As águas turbulentas e ameaçadoras levavam tudo, incluindo árvores e animais, baldeando-os para dentro do famigerado Caldeirão, que depois os havia de transportar até à beira da rocha, atirando-os, de seguida, em catadupa, por ali abaixo, como se fossem cacos de um navio naufragado.

Mas o mais interessante é que o Caldeirão, de uma fundura nunca alcançada e de uma escuridão nunca clarificada, estava cheio de lendas, de mistérios e de relatos míticos que faziam dele um dos mais curiosos e interessantes ex-libris da Fajã Grande, pese embora a sua distância do povoado e o difícil acesso.

Mas o Caldeirão da Ribeira das Casas, no caminho entre o Cimo da Rocha e o Queiroal, decerto que se perdeu no espaço, assim como se terá perdido no tempo a sua memória e, com ela, todas as lendas, mitos e tradições que encerrava.

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publicado por picodavigia2 às 10:02

EM JULHO

Terça-feira, 01.07.14

“Em Julho ceifo e debulho.”

Estranho este adágio, pouco lógico, na década de cinquenta e raramente usado na Fajã Grande. Talvez se reportasse aos tempos do cultivo do trigo, o que, aliás. parece ser confirmado pelo uso do verbo ceifar. Na verdade, o milho não se ceifava embora fosse debulhado, embora por processos muito diferentes do trigo. Este, depois de ceifado era espalhado na eira e, com uma grade presa ao moirão e puxada por um junta de vacas, era como que “amassado”, de forma a que os grãos se soltassem das espigas. Outro indicador de que este adágio se refere ao trigo é o facto de este amadurecer e ser colhido no Verão, incluindo o mês de Julho, enquanto o milho era “apanhado” em Setembro e Outubro.

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publicado por picodavigia2 às 09:20


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