PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
3º DIA - EH! CARAPAU
E no terceiro dia Deus fez os peixes do mar e, como se isso não bastasse, disse ao homem que os pescasse e comesse. Por isso, é que no Cais de São Caetano existem carapaus, sargos, prumbetas e muitos outros peixes, em abundância, à espera da safra. E por isso e talvez por outras razões é que São Caetano sempre foi terra de muito peixe e de bons pescadores. Desde os primórdios do povoamento que a população local cedo se voltou para o mar, procurando na água a abundância que escasseava em terra. A extensa costa de que a freguesia desfruta, a enorme baia em que se localiza e a grande variedade e abundância de espécies de peixes, caranguejos e lapas existentes no mar que a circunda fizeram com que, grande parte dos seus habitantes fizesse da pesca a principal fonte de rendimento, por vezes até assumindo-a como profissão, tornando-se pescadores destemidos valorosos, exímios e competentes. Quando a terra não tinha condições de trabalho era no mar que o homem encontrava o seu sustento. Esta vocação marítima reflecte-se nos usos e costumes, na tradição e na cultura e até na gastronomia, onde não faltam os famosos caldos de peixe e caldeiradas de congro. E neste terceiro dia, de manhã, como a terra não tinha condições para ser trabalhada, o destino foi o mar. Quando amanheceu uma chuva persistente e miudinha cobria o sul do Pico, cerceando assim a possível e inexperiente actividade agrícola. É verdade que pouco depois cessou a chuva, mas o dia não clareou, o Sol não chegou e ficaram, no terreno, as marcas aberrantes desta manhã peçonhenta. A inesperada presença da chuva, durante a madrugada, molhara plantas, árvores, arbustos e ervas, deixando-as assim durante o dia. E o mar tornou-se o destino mais acetado, improvisando-se uma hora de pesca: Como sobrara uma batatinha branca da véspera, depressa a ela se juntaram sobras de migas de atum, ainda existentes e ala para o mar que se faz tarde. Havia muito carapau, pequenino mas o mais desejado. Boa pesca! Numa hora duas dúzias de carapaus, três sarguinhos e duas prumbetas, vulgo cabras.
Após a pescaria e com a terra aparentemente mais seca, havia que voltar à agricultura. Esta Iniciou-se com a apanha de maçãs. Tantas maçãs! É verdade que sendo muito ácidas e ainda um pouco verdoengas não se mostram atraentes, mas decerto se transformarão numa excelente e apetitosa compota. Depois atravessou-se com muito cuidado a vinha, primeiro para não atropelar os belos cachinhos, que amadurecem a olhos vistos e, em segundo lugar, porque as folhas das vides ainda estavam excessivamente húmidas. O “Canto” da vinha do Cabeço a norte, quem diria, transformou-se numa bela e fértil horta. O que era e o que é! Milho já adiantado com as maçarocas a explodir, feijão, batata-doce e, pelo meio, ainda uns enormes pés de batata branca. Ao lado duas belas árvores e a velha e seca macieira a pedir serrote. As daninhas não eram muitas, mas as maiores tiveram naquele momento o fim dos seus dias.
Carapau frito, depois de palitado, com batata branca cozida e embebida em cebola, salsa, alho e azeite! Hum! Um almoço de se lhe tirar o chapéu”. Depois um dos momentos mais desejados do dia e ainda não usufruído, nos anteriores – uma bela sexta, no remanso silencioso da adega, precedida de dois dedos de conversa à vizinha do lado, agora de férias…
O Sol que durante toda a manhã se escondera, tentou reaparecer, após a sexta e, quiçá, durante a mesma, emergindo da triste nostalgia em que se imiscuíra durante toda a manhã. Não era de desprezar mais uma banhoca no oceano. Mas nada que se parecesse com a dos dias anteriores: cais abandonada, poça deserta, maré seca e água fria, muito fria. Optou-se pelo plano B, sendo a Poça o destino. Porém o único objectivo atingido terá sido o de enfiar na água o Aquiles.
Regresso à agricultura, desta feita à Funda, onde tudo cresce e floresce a olhos vistos. O último tratamento dado aos inhames pareceu ter-lhes proporcionado uma óptima oportunidade de crescerem e se desenvolverem. As bananeiras orgulham-se dos seus belos cachos. Antes, porém, uma vinda à Ribeira apenas para ver a tão falada melancia… Mas nada! Teve esta ida à Ribeira, no entanto, o condão de proporcionar um interessante workshop teórico e sobretudo prático, de como se deve virar a rama da batata-doce. Todas as raízes dos nós da rama devem ser arrancados, caso contrário a planta está alimentar a rama em prejuízo da batata que assim se desenvolve menos. Mesmo as raizes falsas que se desenvolvem junto ao pé, devem ser arrancadas. Seguiram-se demonstrações e exemplos práticos uma vez que esta mini acção de formação se processou num belo terreno de batatas do formador, ali ao lado. Nada de novo porque, trouxe-me à memória o que, em criança, via fazer o meu próprio pai.
O serão foi doce ou melhor, destinado a fazer doce de maçã. Ficou excelente e com uma cor maravilhosa. Assemelha-se, quer na cor quer na textura, a marmelada. Parece ser este o destino mais adequado das maçãs dos cabeços, muito verdes e ácidas. E ainda sobraram muitas… Hão-de guardar-se e talvez, dentro de três semanas estejam mais maduras.
Durante a tarde, no cabeço, ouviam-se os sinos de São Mateus e à noite pareciam seguiam chegar aqui os sons, as luzes e os perfumes do arraial, pese embora caísse uma chuva miudinha. Parecia ser tentadora a ida à festa. Mas o cansaço era muito e o Aquiles fraquejava. Àquela hora, o destino mais adequado e desejado parecia ser Vale de Lençóis… E foi!
Mas como no dia anterior, voltaria a ter, ao deitar-me, por companha duas indesejadas senhoras! Muito a custo e com a ajuda do insecticida e de um dos chinelos dei cabo delas.