PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
NO MEIO DA LAVA
O Maciel é natural de Santa Luzia do Pico, uma das freguesias mais “martirizadas” da ilha montanha, dado que a sua história é profundamente marcada por duas grandes e desastrosas erupções vulcânicas, uma ocorrida no século XVI e uma outra nos princípios do século XVII, mais precisamente em 1718. Esta última foi de enorme violência, tendo procedido à expulsão de grandes quantidades de lava, a correr sob a forma de rios que, em alguns casos, chegaram a percorrer distâncias de nove quilómetros até atingirem o mar, entre o Porto do Cachorro e o Lajido. Embora poupando pessoas, esta imensa torrente de lava matou animais, destruiu casas e campos, desfazendo tudo o que até aí havia sido construído e edificado pelo homem. Os sobreviventes, que ali permaneceram foram obrigados a reconstruir de novo e sobre a própria lava, tudo aquilo que o infortúnio lhes havia retirado e, por isso, mesmo tornaram-se homens, fortes, decididos, corajosos, trabalhadores, honestos, cozendo o bolo com o suor do seu rosto, espremendo o vinho com as lágrimas dos seus olhos, cavando o chão com as mãos calejadas, percorrendo veredas com os pés descalços.
Assim, o Maciel chegou ao Seminário de Angra, no ano lectivo de 1953/54, trazendo consigo todo este património de uma dignidade ressequida pela lava, de um humanismo basáltico, de uma integridade sulfúrica, duma garbosidade espelhada na montanha, num chão construído entre maroiços de cascalho, embalado em vinhedos plantados entre pedregulhos, alimentando-se de bolo cozido sobre lajes. Ali fez a sua formação académica, durante onze anos, revelando-se um jovem, para além de elegante, esbelto e garboso, simpático, alegre, jovial e meigo.
Como muitos outros foi para a guerra colonial, na Guiné. Regressou, fixando-se no Continente, trabalhando sempre nos Serviços Sociais, área em que se especializou. Primeiro em Beja, na Junta de Acção Social e nalgumas Casas do Povo do Alentejo, mais tarde em Setúbal, no Instituto de Família e Acção Social e no Centro Nacional de Segurança Social.
Agora reformado, vive em Angra, onde estava espera dos que longe vieram ao Encontro, recebendo-nos com aquele sorriso meigo, aquela alegria inebriante e aquele abraço fraterno que sempre o caracterizou. Acompanhou-nos com dedicação, envolveu-nos com ternura, fez de cicerone no passeio pela ilha, deslumbrou-nos com as suas narrações e, mais do que tudo, deliciou-nos com a sua amizade e com o seu carinho.
Agora encontro este “Senhor” do Encontro, aqui ao lado, na sua Santa Luzia, a labutar naquele património de lava basáltica, entrelaçado entre os vinhedos sulfúricos, na senda de um delicioso “caldo de peixe” ou de um prato de lapas, no reboliço de um tinto basáltico, ainda a ferver o mosto adocicado.