PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
ANTERO DE QUENTAL
Antero de Quental era oriundo de uma família ilustre ligada, desde longa data, à colonização de S. Miguel, Açores, contando-se, entre os seus antepassados, o padre Bartolomeu de Quental, introdutor em Portugal da Congregação do Oratório. Tanto o avô como o pai de Antero militaram com bravura a favor da causa liberal. Aprendeu as primeiras letras em Ponta Delgada onde teve Castilho como mestre. Em 1858, com dezasseis anos, matriculou-se em Direito na Universidade de Coimbra e aí obteve, em 1864, o diploma de bacharel, após frequência com aproveitamento bastante modesto. Depressa se notabilizou entre a juventude estudantil pela irreverência e espírito generoso, pelo fôlego poético e talento literário, pelas causas cívicas e políticas em que participava. De espírito inconformista, avesso à estagnação e ao conservadorismo, moviam-no convicções firmes quanto ao advento de um mundo novo governado por ideais de Justiça, Liberdade e Amor que era urgente preparar.
Se foi em Coimbra, no convívio com amigos, que se revelou a enorme riqueza e complexidade do coração e inteligência do jovem Antero, foi aí igualmente que se evidenciaram sinais de indecisão quanto ao seu projecto de vida. Começava assim uma via-sacra de propósitos generosos mas pouco consequentes: projecta combater em Itália integrado nas fileiras do exército de Garibaldi; aprende na Imprensa Nacional o ofício de tipógrafo e vai exercê-lo em Paris; frequenta o Colégio de França e visita Michelet, a quem oferece as Odes Modernas; pondera inscrever-se como voluntário no exército papal; viaja depois pelos Estados Unidos da América; fixa-se em Lisboa e passa a viver em casa de Jaime Batalha Reis, o local onde se reúne o grupo do Cenáculo. Para trás ficavam as pugnas da Questão Coimbrã (1865), os assomos iberistas proclamados no opúsculo Portugal perante a Revolução de Espanha (1868), e a criação em parceria com Eça de Queirós do «satânico» Carlos Fradique Mendes, o poeta da escola de Baudelaire, autor dos «Poemas de Macadam».
O apelo da intervenção social mobiliza-lhe as energias para se envolver, a partir de 1870, em iniciativas como a fundação de associações operárias, a organização dos trabalhadores portugueses e a sua filiação na Associação Internacional dos Trabalhadores, a direção e colaboração em jornais, como sucede com a República – Jornal da Democracia Portuguesa e O Pensamento Social. É ainda no decurso destes anos frenéticos que se ocupa do Programa para os Trabalhos da Geração Nova, chamando a si o estatuto de guia espiritual da geração a que pertence. Participa também nos trabalhos que levaram à fundação do Partido Socialista. Pertence a este bem preenchido ciclo de intervenções públicas a dinamização das Conferências Democráticas inauguradas no dia 22 de Maio de 1871, no Casino Lisbonense, e compulsivamente encerradas por uma portaria do Ministério do Reino, no mês seguinte, quando Salomão Sáragga ia pronunciar a sexta conferência subordinada ao tema «Os Historiadores Críticos de Jesus». As conferências tinham um programa ambicioso cujos objetivos eram «ligar Portugal com o movimento moderno», «agitar na opinião pública as grandes questões da filosofia e da ciência moderna», «estudar as condições da transformação política, económica e religiosa da sociedade portuguesa». Mesmo que no imediato este programa tenha ficado por cumprir, continua a ecoar até hoje como toque de alvorada de um Portugal novo. O mesmo se pode afirmar da segunda conferência intitulada «Causas da decadência dos povos peninsulares», um dos textos anterianos mais lidos e discutidos. Aí se escalpeliza, em âmbito peninsular, o trabalho inexorável da decadência, efeito de vícios históricos que urge corrigir. Propõe, por isso, que à rigidez monolítica do catolicismo inquisitorial e tridentino se contraponha a consciência livre esclarecida pela ciência e pela filosofia, à monarquia centralizada a federação republicana, à inércia industrial o trabalho e a livre iniciativa solidária e em prol da colectividade. Apesar de leitura esquemática e ideológica da história peninsular, são páginas que dão que pensar.
Com o ano de 1874 chegava a gravíssima doença nervosa para a qual procurou assistência nos cuidados médicos de Sousa Martins, Curry Cabral e Charcot. Por causa dela, foram abandonados vários projectos, ao mesmo tempo que se intensificavam as interrogações filosóficas sobre a existência, adensadas pelas sombras do pessimismo. Intermitentemente, o poeta, o prosador e o cidadão continuam activos. A residir em Vila do Conde desde 1881, aí encontrou a calma propícia à meditação filosófica sobre questões morais e intelectuais que o ocupam insistentemente. O seu derradeiro acto de intervenção cívica foi aceitar a presidência da Liga Patriótica do Norte, função para a qual o propusera o amigo Luís de Magalhães. Participava assim na comoção patriótica que abalou o país após o Ultimatum inglês de 11 de Janeiro de 1890. E, igual a si mesmo, manifesta de modo lapidar a sua posição: «o nosso maior inimigo não é o inglês, somos nós mesmos».
Regressou aos Açores, em 1891, com destino a Ponta Delgada, onde se fixou. Nesta cidade, junto ao muro do Convento da Esperança, suicidou-se com dois tiros, no dia 11 de Setembro. O suicídio de Antero coroa uma existência densa onde a luz e a sombra, a razão e o sentimento esculpiram uma esfinge de muitos e perturbadores enigmas. O suicídio tem o valor de resposta exorbitante a dois excessos mortais do seu intenso viver: a cândida entrega à vitória final do Bem e a radical angústia quanto ao seu ansiado advento. Sagrou-se assim como o menos retórico de quantos poetas e prosadores povoam a literatura portuguesa.
A consagração de Antero como poeta passa pela publicação de duas obras desiguais e únicas quanto à forma e quanto à temática. As Odes Modernas (1865) introduziram no panorama da poética nacional uma voz de inconformismo e revolta que encontra inspiração nos acontecimentos dramáticos da cena social e política. Ao desligar-se de tópicos rotineiramente glosados pelos versejadores dos salões literários, o livro não podia passar despercebido e acabou por se transformar num dos rastilhos da polémica Bom Senso e Bom Gosto. Não obstante a reposição da obra em segunda edição, em 1875, o autor assume em relação às Odes Modernas distanciamento crítico e reconhece que «além de declamatória e abstracta, por vezes aquela poesia é indistinta e não define bem e tipicamente o espírito que a produziu». Sem nunca enjeitar o vigor revolucionário da juventude, Antero tinha entretanto crescido em ponderação filosófica e agitação interior. Data de 1886 o volume de Sonetos Completos, com prefácio de Oliveira Martins. A organização estrófica de catorze versos oferecia o molde perfeito onde podia condensar os ímpetos metafísicos e místicos de uma sensibilidade dilacerada por tensões jamais resolvidas. A consciência inquieta e sofrida que se confessa nesses versos não cabe na experiência lírica do eu individual, porque nela pulsa a universalidade transcendente da própria condição humana. Se, nos Sonetos, Antero sente o que pensa, nos ensaios filosóficos em que trabalhou durante os últimos anos, ele pensa o que sente. Homem de debate interior, peregrino do Absoluto, pensador do social e do histórico, militante do Portugal moderno, a aventura pessoal de Antero perfila-se, pelos tempos fora, como um dos mais inquietantes desafios da consciência humana.
Obras Principais: Odes Modernas, Causas da Decadência dos Povos Peninsulares nos Últimos Três Séculos, Primaveras Românticas: Versos dos Vinte Anos, Odes Modernas. 2.ª ed., Odes Modernas. 4.ª ed., Os Sonetos Completos, Sonetos, Raios de Extincta Luz – Poesias Inéditas, A Philosophia da Natureza dos Naturalistas, Prosas, Cartas, Filosofia, Tendências Gerais da Filosofia na Segunda Metade do Século XIX, Política e Novas Cartas Inéditas.
Dados retirados do CCA – Cultura Açores
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ALEA IACTA EST
Inicia-se hoje o 81º Campeonato Nacional de Futebol, no qual, ao longo dos anos em que se disputou, já participaram 70 clubes portugueses. Destes uns são habitués, outros participaram com alguma frequência, outros, de vez em quando e alguns apenas uma vez. Actualmente designado por Primeira Liga, esta prova é a mais alta competição do sistema de ligas de futebol de Portugal, sendo o seu actual campeão, o Benfica, o clube, até ao presente, com mais vitórias, uma vez que conquistou 33 dos 81 campeonatos disputados, seguindo.se o Porto com 27 e o Sporting com 18. Apenas outros dois clubes venceram este campeonato e, apenas, por uma vez cada: o Belenenses e o Boavista.
Esta época não se verifica nenhuma estreia mas acontecem dois regressos importantes: o Boavista e o Penafiel.
Aparentemente e como desde há alguns anos, o campeonato parece virado a norte e ao litoral, centrando-se nos três grandes, supostamente os três crónicos candidatos ao título que, como os reis da Babilónia, são apenas um. “Os três candidatos ao título são o Porto.”
São os seguintes os dezoito clubes participantes:
Boavista - Saído da Primeira Liga, sem honra nem glória, regressa poucos anos depois, por via de um processo administrativo que se pode revelar prematuro. O Boavista conta com o treinador de Petit, com os jogadores Bobó, Beckeles e o veterano Fary, a completar 40 anos, um relvado sintético e meia dúzia de jogadores com experiência na divisão maior. Esta é a sua 52ª participação nesta prova
Penafiel – Com Rabiola e Mbala, sendo treinado por Ricardo Chéu, que com apenas 33 anos é o mais novo da Liga e que se destacou na época passada no Académico de Viseu, o Penafiel vai competir pela 13ª vez na 1ª divisão, tendo como objectivo principal a manutenção, tentando ultrapassar a sua melhor classificação de sempre. o 10º lugar. É a equipa mais nacional da prova. Aguarda a contratação do guarda-redes do Irão, que brilhou no Mundial, comandado por Carlos Queirós.
Moreirense – Foi o campeão da II Divisão e participa pela 5ª vez, tendo como objectivo tentar fugir à fatalidade de voltar a ser despromovido, como nas últimas duas presenças. Destacam-se os jogadores Ramón Cardoz, Edivaldo Bolívia e Anilton, sendo o treinador Miguel Leal que na época passada treinou o Penafiel. Alguns reforços estão a ser introduzidos no onze, com o objectivo de garantir mais qualidade e maior experiência.
Paços de Ferreira – Passando do céu ao inferno nas duas épocas anteriores, O Paços acabou por confirmar, depois de disputar uma liguilha, a sua 17ª presença na 1 , sob o comando do regressado Paulo Fonseca, também ele à procura de equilibrar a sua carreira, depois do fracasso no FCP Destaque para os jogadores Paolo Hurtado e Valkenedy.
Belenenses - Um dos clássicos do futebol português, confirmou a 73ª presença na prova que venceu em 1945/46. O objectivo é sobreviver entre os grandes, sob o comando de Vidigal, pelos vistos com dificuldades em obter um grupo que lhe dê garantias de permanência. Jogadores em destaque Miguel Rosa e Abel Camará.
Gil Vicente – Na sua 18ª presença na 1ª divisão o clube de Barcelos pretende aproveitar os "restos" dos 3 grandes e uma boa relação com o vizinho Braga. Destacam-se ss jogadores Gladstone, César Peixoto e Marwan, mantendo-se o treinador João de Deus no comando da equipa, que pretende ter melhor performance doque a segunda volta da época passada.
Arouca – Foi estreante na prova há um ano conseguindo um interessante 12º lugar, pelo que apostou na continuidade de Pedro Emanuel, como treinador, mantendo um núcleo importante de jogadores. O objectivo principal é o de tentar consolidar a sua presença entre os maiores e para isso conta com alguns valores como David Simão e Goicoechea.
Rio Ave – Ufana-se o clube de Vila do Conde por viver o melhor período da sua história, uma vez que chegaram às finais da Taça de Portugal, da Taça da Liga e da Supertaça, tendo, já esta época, obtido um excelente resultado a nível europeu, eliminando da Liga Europa o Gotemburgo. Com um novo treinador, Pedro Martins vindo do Marítimo, destacam-se os jogadores Tarantini e Marvin Zeegelaar. A nível interno, nesta sua 21ª presença no campeonato maior, o objectivo principal parece ser ultrapassar a melhor classificação de sempre, ou seja o 5º lugar alcançado em 1981/82.
Vitória de Guimarães – Depois do Benfica, Sporting, Porto e Belenenses, o Guimarães é o clube com mais presenças na Primeira Divisão, atingindo, este ano a 70ª. Rui Vitória mantém-se há quatro anos como treinador do clube que tem como objectivo conquistar um lugar europeu, apostando em jogadores como Bernard e Douglas,
Braga - O clube que, nos últimos tempos, mais se aproximou dos três grandes, teve uma época decepcionante. Agora, ao participar pela 59ª vez na 1^Divisã, sob o comando de Sérgio Conceição, tenta voltar à ribalta, lutando pelos lugares cimeiros da tabela. A ajudar os jogadores Rafa e Wallace, entre outros.
Académica - Em Coimbra, a época transacta foi tranquila, longe da despromoção e muito perto dos lugares europeus. Naturalmente que, com 63 presenças na 1ª divisão, a Académica quer repetir, com Paulo Sérgio no comando, no mínimo o mesmo lugar da época transacta, espreitando a conquista de um lugar europeu, com jogadores como Rui Pedro e Olascuaga.
Vitória de Setúbal – Neste clube que participa pela 67º vez na 1ª divisão, o objectivo é manter o excelente 7º lugar alcançado por José Couceiro, na época anterior. Agora orientado por Domingos Paciência, a equipa sadina tenta relançar-se na saga da Europa, para o que conta, entre muitos outros jogadores com Zequinha e Lukas Raeder.
Marítimo – Nesta sua 35ª na 1ª liga, apadrinha o Porto na jornada inaugural e, muito naturalmente, tem como objectivo principal a conquista de um lugar europeu. Com o adjunto de Paulo Bento na Selecção, Leonel Pontes o Marítimo pretende o acesso aos lugares europeus, contando com um leque de jogadores de boa qualidade, com destaque para Danilo Pereira e Edgar Costa
Nacional - Mantendo Manuel Machado no comando do team, o objectivo é continuar a crescer e aproximar-se, cada vez mais dos grandes, o que passa pela obtenção, novamente de um lugar na liga europa, ou na champions. O clube que inicia a sua 15ª
Presença na 1ª liga e que na época passada se classificou em 5º lugar com apuramento para a Liga Europa, pretende fazer melhor. Para isso conta com um excelente plantel onde se destacam Mário Rondon e Marco Matias.
Estoril - O Estoril, nos últimos anos, arquitectou e construiu um interessante e surpreendente projecto no futebol português. Os resultados não se fizeram esperar e o clube tem, não só, mantido uma a alta qualidade de futebol, mas também obtendo excelentes resultados, conquistando, na época passada, o 4º lugar do campeonato por dois anos seguidos. José Couceiro, ao iniciar a 23ª presença do Estoril na 1ª Divisão Nacional, é o novo treinador, tendo, com a colaboração de jogadores como Kuca e Sebá, como objectivo o desafio de, no mínimo, manter os resultados anteriores.
Porto - Depois de uma época desastrosa o Porto apostou tudo, transformando-se numa espécie de selecção B da Espanha. Lopetegui é o treinador também ele espanhol e que já foi contratar mais de meia equipa a Espanha. Alguns de qualidade comprovada como Jackson Martinez, outros por confirmar como Casemiro. Porto, Sporting e Benfica fizeram o pleno, no que a presenças no campeonato da 1ª Divisão diz respeito.
Sporting - O Sporting completou uma época excelente garantindo o 2º lugar que lhe abre a porta da Champions. Marco Silva vai tentar dar continuação ao competente trabalho do seu antecessor. Procurando manter a base da equipa enquanto procura reforços que façam a diferença, o Sporting parecia determinado a entrar forte na nova época, com um lote valioso de jogadores onde se destacam William Carvalho e Paulo Oliveira.
Benfica – O objectivo principal do clube da luz parece ser o de ganhar dois campeonatos seguidos, tarefa que se avizinha difícil para Jorge Jesus, que viu grande parte dos jogadores que mais se destacaram na equipa da época transacta. Na condição de Campeão Nacional e mantendo a dinâmica de jogo o Benfica terá de ser considerado candidato ao título. Para isso mantém ainda alguns nomes sonantes como Enzo Perez e Bebé.
Alea iacta est. Os dados estão lançados. Vamos à peleja.
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FESTA DA SENHORA DOS MILAGRES NO CORVO
Hoje há festa na mais pequena ilha açoriana, o Corvo Trata-se da maior, mais importante e mais significativa festa da ilha, a festa da Padroeira, a Senhora dos Milagres. Esta é, de facto, o maior dia da ilha, dia de festa em honra da sua padroeira, que todos os anos, desde há séculos, acumula cerimónias religiosas, festejos cívicos e populares. A procissão, com a imagem da virgem, acompanhado de outras imagens e símbolos religiosos, percorre as históricas e estreitas ruas da vila, ornadas com belos tapetes de flores e verduras, feitos pelos moradores de cada rua, mas ajudados por toda a população da ilha. Relativamente à pequenina e antiga imagem da padroeira, reza a lenda que o povo do Corvo, certo dia, vendo-se impotente e sem meios para se defender de um temível e poderoso ataque de piratas, terá invocado o auxílio da sua padroeira, a Virgem Maria, nessa altura sob a invocação de Nossa Senhora do Rosário e que a Virgem os ajudou a derrotar e expulsar os piratas da ilha, pois todas as balas, eram defendias pela pequenina imagem que, assim, em nada prejudicaram os corvinos. Os piratas, vendo que não conseguiam atacar e destruir a população e invadir e saquear a ilha, desistiram da peleja. Nossa Senhora do Rosário, pelos seus feitos e milagres, passou a ser chamada de Nossa Senhora dos Milagres, tornando-se no epicentro da devoção de todos corvinos. Verdade é que, para além da lenda, o Corvo sofreu, ao longo da sua história, diversas incursões e ataques de corsários e piratas. Os corvinos, entretanto, souberam, sempre, impor-se, muitas vezes, sub-repticiamente, aliando-se aos invasores e participando activamente na sua actividade. Em troca de protecção e dinheiro, a ilha fornecia água, alimentos e homens, ao mesmo tempo que permitia tratar os enfermos e reparar os navios. Sabe-se que o maior ataque se deu no ano 1587, sendo o Corvo saqueado e as suas casas queimadas pelos corsários ingleses, que antes haviam atacado as Lajes das Flores e ainda que no ano de 1632, a ilha sofreu duas tentativas de desembarque de piratas da Barbária, no local do actual cais Porto da Casa, que na altura ainda era apenas uma baía. Duzentos corvinos usaram tudo o que tinha ao seu dispor para repelir os atacantes que acabaram por desistir com algumas baixas. Cuida-se que a lenda sobre a presumível ajuda da imagem da Virgem se relacione com este ataque, uma vez que durante o mesmo, a imagem de Nossa Senhora do Rosário foi colocada na Canada da Rocha, donde terá protegido a população local das balas disparadas dos navios piratas.
Para além dos cerca de quatrocentos habitantes da ilha, participam, habitualmente, nesta festa muitos forasteiros e visitantes, vindos, sobretudo, da vizinha ilha das Flores que aproveitam a ocasião para apreciar as belezas e a quietude da pequenina ilha.
A música ecoa pelas encostas e ravinas, a Filarmónica local e uma ou outra vinda das Flores, onde hoje existe apenas uma, a da Fajazinha e anima a festa, assim como os demais concertos que fazem parte do programa.
O Corvo, neste dia 15 de Agosto, celebra de facto a grande festa da sua Padroeira, festa que se estende e prolonga por uma semana, durante a qual é celebrada a novena, havendo, na véspera, a tradicional Procissão de Velas. No dia 15 é a missa solene, seguida de uma ancestral e já tradicional procissão, durante a qual muitas pessoas, da ilha e de fora, pagam as suas promessas, em virtude de graças obtidas por intercessão de Nossa Senhora dos Milagres. A igreja, onde se venera a Virgem, a única existente no Corvo, é a substituta do primeiro templo erguido na ilha e que seria uma simples ermida, de pequenas dimensões, na qual os corvinos cumpriam o seu preceito Pascal, para o que se deslocava ao Corvo, anualmente, pela altura da Quaresma, um clérigo da vizinha ilha das Flores. Esta ermida foi destruída durante a incursão de piratas da Barbária à ilha, em 1632, a partir da altura em que a imagem de Nossa Senhora passou a ser referida como Senhora dos Milagres. No entanto, em 1674 o lugar do Corvo foi elevado a paróquia. Nessa ocasião cuidou-se de erguer uma igreja paroquial, dedicando-a a Nossa Senhora dos Milagres e dotando-a com um vigário, um cura e tesoureiro. O actual templo foi reedificado em 1795, sendo consumido por um violento incêndio em 1932, no qual se perderam riquíssimas alfaias. Salvou-se, entretanto, a imagem de Nossa Senhora dos Milagres, que a tradição refere ter sido encontrada no mar. O templo foi restaurado em seguida. Trata-se de um edifício erguido em alvenaria de pedra rebocada e pintada de branco, à excepção do soco, dos cunhais, da cornija e das molduras dos vãos, pintados de cor cinzenta. Na fachada principal, de frontaria simples, destaca-se um portal axial encimado por uma moldura. No interior desta existe uma placa de pedra com a data de "1795", data da primeira construção, ladeada por duas janelas. É rematada por um frontão encimado por uma cruz em pedra. A cobertura apresenta-se com duas águas e coberta por telha de meia-cana de produção industrial. No exterior, pelo lado direito ergue-se a torre sineira, de planta rectangular. Nela se rasgam os vãos do campanário em arco de volta perfeita, e é encimada por um coruchéu facetado com pináculos sobre os cunhais. Internamente apresenta uma única nave, dotada de sacristia e de um baptistério localizado do lado da epístola. O púlpito encontra-se localizado do lado do Evangelho. Ao fundo da nave encontram-se dois altares, um sob a invocação de Nossa Senhora do Carmo, o do lado do Evangelho e outro do Sagrado Coração de Jesus, este do lado da Epístola.
A imagem da padroeira é Nossa Senhora dos Milagres, de origem flamenga, e remonta ao século XVI. De acordo com a lenda local, a pequena imagem foi encontrada no mar. Destaca-se pelo seu talhe e pelos magníficos adornos com que foi dotada ao longo dos séculos: coroa e rosário de ouro, capas e mantos de seda recamados de ouro.
Em meados do século passado, quase todos os anos, por altura da Festa da Senhora dos Milagres, partiam de varias localidades das Flores, lanchas com peregrinos, geralmente acompanhadas de uma Filarmónica para participar na mais importante e maior festa da ilha vizinha. Uma dessas lanchas partia da Fajã Grande, pois muitas pessoas tinham os seus amigos e “conhecidos” no Corvo, em casa de quem se hospedavam. Corria o ano de 1942. Muitos peregrinos da Fajã decidiram, mais uma vez ir ao Corvo, à festa da Senhora dos Milagres, fretando o gasolina “Senhora das Vitórias”, conhecida pela “Francesa”. Partiram, na tarde do dia treze de Agosto, com algum atraso e a embarcação chegou ao Corvo, já noite escura. Ao aproximar-se da ilha, o mestre viu uma luz em terra e, cuidando que era o pequeno farol que indicava o porto, rumou a terra. Infelizmente a luz não era a do farol, nem o porto era ali e “A Senhora das Vitórias” enfiou-se, precipitadamente e de rompante, sobre as baixas dos Laredos, abrindo um enorme rombo a meio, enchendo-se de água e provocando grande pânico entre os passageiros. A confusão foi geral, a precipitação tremenda e o terror gigantesco. Não havia luz alguma, por ali perto, cada qual procurava salvar-se e salvar os seus familiares que a muito custo encontravam ou nem chegavam a encontrar, acabando por perder a vida neste acidente dezasseis passageiros e ainda um dos proprietários da embarcação. As autoridades e os responsáveis pelos destinos da ilha, com os limitadíssimos recursos e meios de salvamento que dispunham, tentaram recolher os náufragos e prestar auxílio às vítimas. O local, porém, era longe do povoado e de difícil acesso. Os meios de transportes nulos e os náufragos, quer os mortos quer os vivos, foram transportados a ombros. Havia apenas um médico na ilha. Após muito esforço conseguiram levar os mortos para a Casa de Espírito Santo do Outeiro, onde foram estendidos no chão, sem lhe serem prestados os primeiros socorros, não sendo, provavelmente, assistidos da melhor forma.
A festa da Senhora dos Milagres do Corvo de 1942 e o desastre que a antecedeu, ainda hoje perdura na memória de todos os que demandam a mais pequenina ilha açoriana, neste dia em que festeja a sua padroeira, a Senhora dos Milagres.