PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
A LENDA DE SANTO ANTÓNIO DA ASSOMADA OU DA IMAGEM GUARDADA EM CASA DA SENHORA ESTULANA
Antigamente, na Fajã Grande, na última casa da Assomada que pertencia à Senhora Estulana, existia uma grande imagem de Santo António que, estranhamente, se dizia que estava ali guardada por não poder ou por não ter direito a estar na igreja, onde não só se guardavam mas também se veneravam muitas outras imagens de Cristo, de Maria e de alguns santos, incluindo uma do mesmo santo, mas bem mais pequena.
Segundo uma antiga lenda, a imagem estava ali, porque tendo-lhe sido feita uma promessa por uma jovem em agradecimento por o santo lhe ter arranjado casamento, este, no entanto, não foi tão feliz como a rapariga pretendia. Pelo contrário, pois, segundo a mesma lenda, algum tempo depois do casamento, o marido começou a tratar a jovem esposa muito mal, não lhe dando nem amor nem carinho, batendo-lhe, violentamente, mesmo durante a gravidez ou nos dias que se seguiam ao parto.
Certo dia a mulher deu à luz uma menina que, depois de crescer, cedo se apercebeu dos maus-tratos que o pai dava à mãe. Para resolver tão grave problema e aliviar o grande sofrimento de que a mãe era vítima, resolveu pedir ajuda a Santo António, simbolizado naquela imagem, De nada serviram os seus pedidos e preces, pois o santo não a atendeu e o problema continuou, pois em sua casa, todos os dias, continuavam a haver grandes zaragatas, após as quais o pai voltava a agredir a mãe com grande violência.
Só que notícia de que as fervorosas orações e preces da menina, em ordem a obter a paz e a felicidade entre os pais, não foram atendidas pelo santo, correu célere pela freguesia, ficando aquela imagem de Santo António em muitos maus lençóis, pelo que o povo decidiu que a aquela imagem nunca deveria ser colocada nos altares da igreja paroquial. Essa a razão por que ficou guardada naquela casa durante muitos e muitos anos, até que alguém decidiu, um dia mais tarde, mandar construir uma pequena ermida, no largo de Santo António, no cruzamento dos caminhos entre a Cuada e os Lavadouros, na qual foi colocada a imagem de Santo António da Assomada e onde permanece, pelos vistos, ainda hoje.
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A FAJÃ DOS FANAIS
Os Fanais era o lugar da Fajã Grande situado mais a norte da freguesia, paredes meias com Ponta Delgada. Era ali, entre o mar e a falésia, que se situava uma pequena fajã com o mesmo nome e que, apesar de ser muito pequena e bastante isolada, era uma das mais bonitas e mais interessantes fajãs da ilha das Flores, sendo, também, uma das de mais difícil acesso. Situava-se na costa oeste da ilha, entre o ilhéu de Maria Vaz e uma encosta rochosa e abrupta que conduzia aos matos da Ponta e de Ponta Delgada. A Fajã dos Fanais era também um local histórico, lendário e mítico porquanto era ali que a maioria das baleeiras americanas que nos finais do século XIX, demandavam a ilha na procura de água, de víveres e de homens, se escondiam. Muitos aventureiros oriundos da Fajã, da Ponta e de Ponta Delgada, desciam por aquelas encostas, com caniços e aparelhos de pesca às costas, enganando a guarda costeira que, assim, cuidava que iam para ali pescar. Eles, porém, misturando-se e confundindo-se com os marinheiros das baleeiras que vinham a terra encher água nas ribeiras e grotas que ali corriam, depressa saltavam para as embarcações, escondidas por fora do ilhéu, conseguindo assim partir, iniciando a maior aventura das suas vidas – a fuga para a América.
Para chegar a esta fajã devia partir-se da Ponta, subir a rocha e, após uma caminhada através das pastagens dos matos, paralelas às relvas da Caldeirinha, descer por entre grotões e valados até chegar à beira da rocha, de onde se avistava não apenas o ilhéu, mas também a enorme baía que o ladeava, assim como, a norte, o promontório do Albarnaz. Lá ao longe o Monchique e ainda mais longe e mais a norte, o Corvo.
Ao chegar à beira da rocha os que demandavam aquelas paragens, iniciavam uma descida, difícil, íngreme e perigosa que os conduzia até à pequena fajã, ora ladeando uma queda de água denominada Ribeira da Francela, com a sua nascente bem lá no alto e no interior da ilha ora entricheirando.se entre fetos, cana rocas e pequenos arbustos, ao mesmo tempo que desfrutavam de autênticos e variados miradouros, debruçados sobre uma falésia.
Não consta que está fajã tenha sido, em tempos idos, uma localidade com vida própria como a Fajã de Lopo Vaz ou a dos Valadões, onde durante muitos séculos, viveram muitas famílias, muitas permanentemente outras, apenas, durante alguns meses no ano.
A fajã dos Fanais, um lugar idílico e de rara beleza, era atravessada pela ribeira da Francela que, atravessando-a de leste para oeste, desaguava no oceano. A seu lado, muitos deles seus afluentes, corriam na direcção do mar, uma infinidade de pequenas ribeiras e grotas, tornando-a muito abundante em água, criando assim para florescerem ali belos inhames de água e excelentes agriões. Era também considerado um excelente lugar para a pesca, sobretudo de vejas e para a apanha de lapas, que se diziam serem muito abundantes e grandes como a palma da mão.
Muitos homens desciam à fajã dos Fanais para ir pescar, sendo que alguns para ali se deslocavam em pequenos barcos a remos, quer oriundos da Fajã Grande quer de Ponta Delgada. É que a fajã da Francela tinha excelentes pesqueiros, onde, para além das vejas se pescavam sargos, a moreias, moreões preto, etc. Mas o que mais se apanhava naqueles descampados e sobretudo no ilhéu eram lapas e caranguejos.
Muitas aves também viviam por ali, sendo as mais frequentes cagarras, gaivotas, ganhoas, pombas e um ou outro milhafre.