PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
O SILÊNCIO DAS CINZAS
Não se espalhe mais fogo sobre a terra,
Qu’o mar, lá longe, não o apaga. Verde!
Destemido sorriso que se perde.
Em eco de tarde incauta. Dilacera,
Dói, queima, petrifica e aterra…
Terror canonizado que se verte.
Parem! Deixem que a terra se liberte,
E que a dor se transforme em quimera.
Se o perfume das cinzas dulcifica
É tarde p’ra travar. Abram os rios,
Não destruam mais florestas inocentes.
Minhas súplicas, flexíveis repúdios,
Bramidos que se perdem, displicentes.
Só o silêncio das cinzas purifica.
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HELENA GRAÇA RODRIGUES
Helena Graça Rodrigues nasceu na Graciosa, 11 de Março de 1870 e faleceu na Horta, em 16 de Maio de 1949. Distinguiu-se como poetisa, caricaturista e jornalista. Filha de João José da Graça herdou-lhe o vigor e o brilho do estilo. Senhora de raros dotes intelectuais, de fina sensibilidade e de requintada gentileza, que se impunha pela distinção do seu porte e pela afabilidade do seu trato. Tudo quanto era elevado a interessava; desde as Letras à Música, passando pela Arte, que conquanto não fosse uma profissional, tinha um lugar distinto no seu temperamento de verdadeira Artista. Foi uma poetisa que vivera o seu sonho de Ideal e de Beleza, lutara pela dignificação da Mulher Faialense, cantara a sua Ilha Azul (sua apesar do acaso ter feito com que nascesse na ilha Graciosa) em estrofes singelas e sinceras, fora directora de um jornal feminino, o único que se publicou neste distrito senão em todo o arquipélago. Para Rui Galvão de Carvalho «[...] a sua obra poética não é de uma verdadeira artista; neste ponto a sua forma literária mostra-se um tanto descuidada, por vezes áspera, quase prosaica, mesmo a pontuação é irregular, pelo menos caprichosa e incorrecta. Isto, evidentemente não significa ausência de inspiração, ou falta de experiência vivencial. Helena Graça Rodrigues, pelo contrário, possui, especialmente na poesia satírica, certa originalidade imaginativa e, na poesia lírica, sensibilidade vibrátil».
Fundou e dirigiu durante dez anos o quinzenário literário e humorístico O Feminino, foi redactora do Eco Cedrense e colaborou com muitas outras publicações.
Obras: Focados e Véspas e Maripôsas.
Dados retirados do CCA – Cultura Açores
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A FURNA DA RELVA DAS ÁGUAS
Meu pai tinha duas relvas nas Águas, ambas localizadas quase junto à rocha. As “Águas de Lá”, assim se chamava a mais distante, encastoada ainda como que num pequeno declive da rocha, lá para os lados da Ribeira das Casas, era constituída por meia dúzia de belgas, sobrepostas umas às outras, mas muito pobres em erva e muito férteis em fetos e cana roca. As vacas odiavam-na e, só muito à força, para lá eram encaminhadas. As “Águas de Cá”, por sua vez, era bem mais verdejante no que à relva dizia respeito, com erva muito fresquinha e apetitosa, para onde as vacas desejavam, ardentemente, serem encaminhadas. Mas o que de mais interessante havia nesta relva, não para as vacas mas para mim que as ia lá levar e buscar, era uma enorme furna, na qual eu me refugiava, horas a fio, sobretudo em dias de grandes chuvadas. Com um piso térreo e paredes formadas por enormes pedras, a furna era coberta por uma laje ainda maior e mais ampla. Com o tempo, acumulara-se terra sobre a laje, onde nasceu erva, tornando o telhado da furna uma espécie de continuidade da pastagem, transformando-se num pedaço da relva. Apenas o declive do terreno, permitia que a entrada para a furna permanecesse aberta como se de uma porta se tratasse. A perfeição desta furna era tal que parecia ter sido construída por mão humana. Mas fora a natureza que ali a construíra, segundo uma antiga lenda, miraculosamente.
Segundo essa lenda, há muitos, muitos anos atrás, havia um casal que tinha uma filha Era uma família de posses, com a sua casa abastada e farta, com muitos animais domésticos, os quais ou ajudavam no trabalho do campo ou serviam de alimento. A paz e alegria reinavam naquela casa, alastravam pelos campos, a lua coalhava-a de uma luz suave e os animais cresciam, mansamente, espalhados pelos campos.
Mas, certo dia, uma grande tragédia veio alterar e destruir a alegria e a paz daquela casa. A filha, subitamente, engravidara e os pais furiosos, condenaram-na e espoliaram-na a ponto de a expulsar para sempre de casa. A rapariga deambulou dias e noites pelos campos, não tendo que comer nem onde dormir. Apenas se alimentava com plantas e frutos silvestres e dormia encostada às abas das paredes.
Na noite em que o filho nasceu, porém, ouviu um grande estrondo. Da Rocha das Águas caiam enormes pedras que, miraculosamente, ao chegar ao solo, se juntavam umas com as outras e se aglomeravam formando uma enorme furna, onde a rapariga, pouco depois, se recolheu com o seu filho. Juntando ervas e folhas de árvores fez uma pequenina cama onde o deitou. Os pais nunca mais a aceitaram nem dela quiseram saber e a rapariga viveu ali sozinha com o filho. Reza a lenda que todos dias chegavam ovelhinhas a oferecerem o seu leite para\alimentar o menino, as pombas traziam-lhe os seus ovos, da rocha desciam regatos de água fresca, ao lado dos quais floresciam árvores carregadas de frutos saborosíssimos e junto à erva, onde pastavam as ovelhas, cresciam tomates, alfaces e couves repolhudas. Conta ainda a lenda que todos os dias, aparecia um grande pedaço de pão de milho e um quarto de bolo junto à entrada da gruta, que um velhinho, às escondidas da madruga, ali ia depositar.
Quem não tiver medo e eu, quando criança, não tinha, pode, ainda hoje, se a furna lá estiver, entrar dentro dela, indo pela Canada das Águas, na direcção da rocha e depois voltar à esquerda, seguindo a íngreme vereda, paralela à Rocha, entrando no portal da antepenúltima relva, do lado contrário à rocha.